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O Serviço de Recreação Operaria e a sociabilização do trabalhador sindicalizado no Brasil : 1943-1964

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O SERVIÇO DE RECREAÇÃO OPERÁRIA E A SOCIABILIZAÇÃO DO

TRABALHADOR SINDICALIZADO NO BRASIL: 1943-1964

Campinas

2006

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Este exemplar corresponde à redação final da dissertação de mestrado defendida por Juliana Pedreschi Rodrigues e aprovada pela Comissão julgadora em: 23/02/2006.

Prof. Dr. Lino Castellani Filho Orientador

Comissão Julgadora

Profa. Dra. Silvia Cristina Franco do Amaral Prof. Dr. Elmir de Almeida

Campinas 2006

O SERVIÇO DE RECREAÇÃO OPERÁRIA E A SOCIABILIZAÇÃO DO

TRABALHADOR SINDICALIZADO NO BRASIL: 1943-1964

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA

BIBLIOTECA FEF - UNICAMP

Rodrigues, Juliana Pedreschi.

R618s O serviço de recreação operária e a sociabilização do operário sindicalizado: 1943-1964 / Juliana Pedreschi Rodrigues. - Campinas, SP: [s.n], 2006.

Orientador: Lino Castellani Filho.

Dissertação (mestrado) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas.

1. Operários – Recreação. 2. Socialização. 3. Lazer. I. Castellani Filho, Lino. II. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física. III. Título.

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Este trabalho é dedicado ao meu pai e a minha mãe que conseguiram com muitas lutas e sacrifícios educar os seus sete filhos.

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Agradecimentos

Aos companheiros de trabalho do Centro Universitário Ibero Americano, Célia Serrano, Marcelo Sotratti, Carlos Alberto Lopes, Carlos Cardoso, Manoel Silva, Diana, Perfeito, Cynthia e Silvio pelo apoio, compreensão e pelo auxilio importante que me deram na fase final dessa jornada.

Aos amigos Wilson Lino e Reinaldo Pacheco, agradeço pelo apoio constante, pelo carinho e amizade de tão pouco tempo, mas que parece que é da vida toda.

Aos amigos Marcelo Húngaro, Erick, Evelise, Edna, Raquel, Mota, Izildina, e Andréia Geraldo pela amizade e carinho.

A Telma Brito companheira de trabalho e amiga, agradeço muito por todo apoio e pela ajuda impagável que me deu.

As minhas queridas amigas, Cristina, Marlene, Priscila, Teresa, Rosane e Valdelaine, serei eternamente grata pelo carinho e apoio de cada uma, por terem compartilhado comigo as dificuldades, os avanços e recuos deste trabalho oferecendo-me estímulo, sugestões e principalmente amizade.

A minha grande família: Maria Ignez minha mãe, meus irmãos João, Rita, Julião, Inês, Jorcilei, Adriana e sobrinhos, Pedro e Gabriel, por serem exatamente como são e por estarem sempre ao meu lado.

A amiga e madrinha Claudinha Moraes, serei eternamente grata por sua generosidade, pela amizade, pela confiança que sempre depositou em mim e por ter me ajudado tanto em minha vida profissional e pessoal.

A amiga Silvana Venâncio, por todo apoio que vem me dando nesses últimos anos, pela grande ajuda nesse momento de finalização do meu trabalho e principalmente pelo seu carinho de mãe e amizade sincera.

Ao professor Edison Duarte, a Márcia e a Mariângela por toda a atenção e carinho que tiveram sempre comigo.

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Ao Professor Vinicius Ruas, agradeço por compartilhar os seus conhecimentos comigo, pela disponibilidade constante e por toda a contribuição que me deu nos últimos anos.

A Professora Silvia Cristina Franco, pela forma carinhosa e amiga como recebeu o meu convite para participar da banca de qualificação e defesa, pelas orientações e por compreender as minhas dificuldades e principalmente por participar do processo de construção do meu trabalho indo muito além de suas responsabilidades como membro da banca.

Ao Professor Elmir de Almeida, pelo companheirismo, carinho e respeito com que recebeu o meu trabalho, pelas conversas, ensinamentos, pela amizade, por incentivar-me, e principalmente por não me deixar desistir e também por ir muito além de suas responsabilidades como membro da banca.

A meu querido orientador, Professor Lino Castellani Filho, pessoa e mestre que tanto admiro por sua obstinação e incansável desejo de escrever uma nova história para a educação física, para o lazer e para o Brasil. Sinto-me honrada por ter sido sua orientanda. Serei eternamente grata pela grande oportunidade que me deu, por sua amizade e por ter depositado em mim, muito mais confiança do que eu merecia, e especialmente por ter permanecido ao meu lado até o fim, apesar de todas as dificuldades que tive e que ainda tenho.

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RODRIGUES, Juliana Pedreschi. O Serviço de Recreação Operária e a Sociabilização do Trabalhador Sindicalizado no Brasil: 1943-1964. 2006. 124f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar o ciclo vital do Serviço de Recreação Operária - SRO, buscando compreender se ele foi instituído com base em reivindicações da classe operária, por lazer, ou a partir de interesses privados ou do Estado. Para isso fez-se necessário levantar e analisar referências – de distintas naturezas – sobre o ciclo de vida integral do SRO entre os anos de 1943-1964, os motivos se sua manutenção por vinte um anos e de extinção. Do ponto de vista lógico-metodológico, a investigação se concentrou no tema do lazer do operariado sindicalizado e sua família, focalizando especificamente a atuação dessa instância pública de natureza estatal criada para atuar politicamente no âmbito da reprodução da força de trabalho no Brasil e nos estudos sobre a organização urbano-industrial do Brasil no início do século passado, objetivando a compreensão das relações existentes entre o Serviço de Recreação Operária com o universo do trabalho e com o lazer.

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RODRIGUES, Juliana Pedreschi. O Serviço de Recreação Operária e a Sociabilização do Trabalhador Sindicalizado no Brasil: 1943-1964. 2006. 124f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.

ABSTRACT

This study he had as objective to analyze the vital cycle of the Service of Laboring Recreation - SRO, being searched to understand if it was instituted on the basis of claims of the laboring classroom, for leisure, or from private interests or of the State. For this one became necessary to raise and to analyze references - of distinct natures - on the cycle of integral life of the SRO between the years of 1943-1964, the reasons if its maintenance for twenty one years and of extinguishing. Of the logical-methodological point of view, the inquiry if specifically concentrated in the subject of the leisure of the work force union member and its family, focusing the performance of this public instance of state nature created to at the beginning act politically in the scope of the reproduction of the force of work in Brazil and the studies on the organization urban-industrial of Brazil of the passed century, objectifying the understanding of the existing relations between the Service of Laboring Recreation with the universe of the work and the leisure.

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SUMÁRIO

1 Introdução ... 01

2 O trabalho, o operário, o lazer e o Estado Novo... 11

2.1 O Estado e lazer: ação civilizatória e arquitetura da nação... 28

2.2 O Estado Novo e a regulamentação do lazer operário... 44

3 O Serviço de Recreação Operária: período de implantação e anos 50... 39

3.1 A origem da institucionalidade... 41

4 O Serviço de Recreação Operária: 1959-1964... 59

Considerações Finais... 67

Referências ... 71

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1 Introdução

O interesse em estudar o Serviço de Recreação Operária - SRO surge após a minha participação, como aluna ouvinte, em 2000, na disciplina “Políticas para educação física esportes e lazer” ministrada pelo Professor Lino Castellani Filho, na Unicamp. Foi no desenvolvimento dessa disciplina que tive acesso aos debates sobre a visão da educação física e do lazer em diversos períodos da história nacional.

Entre os temas abordados, o Serviço de Recreação Operária foi apontado como uma das primeiras instituições a atuar no campo do lazer operário. A escassez de estudos sobre essa instituição chamou-me a atenção e, a partir da leitura de Castellani (1988), dediquei-me a busca de documentos, dados e informações sobre o SRO. Do início das pesquisas até o meu ingresso no curso de mestrado da UNICAMP, passaram-se rapidamente dois anos. E depois do ingresso eles passaram de forma mais rápida ainda. Praticamente após três anos de coletas de dados e de leituras sobre o SRO, a dissertação foi finalizada, ela avança sobre o já foi publicado sobre o tema e não tem a pretensão de encerrar o assunto sobre o mesmo e sobre o lazer do operariado industrial no espaço urbano brasileiro; pelo contrário, oferece elementos para que outros planos investigativos ou perspectivas analíticas sobre o Serviço sejam empreendidos.

O Serviço de Recreação Operária (SRO) foi instituído pelo governo Vargas para integrar a maquinaria pública do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) durante o Estado Novo, através da Portaria de nº 52, publicada no Diário Oficial em 21 de setembro de 1943. A esta institucionalidade estatal foi atribuída a competência de fomentar, programar e difundir atividades esportivas, culturais e de escotismo, consideradas “educativas, sadias e úteis”

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à recuperação e fortalecimento do operariado e sua família. Cabia ao SRO colaborar para a formação de novo modelo de operário, de nação e de desenvolvimento industrial, projetado pelo Estado Novo (FIGUEREDO, 1999).

O marco legal que institui o SRO foi assinado pelo Ministro Alexandre Marcondes Filho, responsável pelo MTIC, e a nova estrutura burocrática teve como seu primeiro gestor e presidente Arnaldo Lopes Sussekind, representante das camadas médias da sociedade brasileira do período, formado em Direito, contratado pelo Governo Vargas para atuar como consultor daquele Ministério a partir de 1942. Em depoimento oral prestado para esta pesquisa Sussekind se auto-atribui o papel de idealizador do projeto que resultou na instituição do SRO. Para o desenvolvimento do conjunto de atividades culturais, educativas e esportivas o SRO contava com um grupo de especialistas em cada um daqueles campos. A Portaria de nº. 68 de 1943 designou os técnicos responsáveis para cada setor, “(...) Francisco Gomes Maciel Pinheiro, Nilo Alves de Moraes e Antonio Piedade Pinto, respectivamente, para técnicos dos setores cultural, desportivo e de escotismo, sendo o Capitão Médico Hermilio Ferreira escolhido para encarregado da Seção de Seleção Biológica (...)”, todos os profissionais vindos da antiga Escola Nacional de Educaçao Física do Rio de Janeiro.

Todo o financiamento da ação político-administrativa da institucionalidade foi efetivado mediante a canalização de recursos oriundos do Imposto Sindical, o IS, criado em 08 de julho de 1940 e implantado em 14 de maio de 1942.1 Os recursos financeiros advindos daquela

1 O imposto sindical obrigatório é arrecadado pelos sindicatos de todos os participantes das categorias profissionais e

econômicas que legalmente o representam, através de cobrança compulsória correspondente a um dia de trabalho de todos os trabalhadores brasileiros com carteira assinada. Do total arrecadado 60% permanecem nas próprias entidades sindicais; 20% são entregues as associações sindicais de grau superior a que estiverem filiados aqueles sindicatos; finalmente, os restantes ao 20% vão constituir o "Fundo Social Sindical", que é gerido no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio pela Comissão do Imposto Sindical (SUSSEKIND, 1946).

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fonte foram gerenciados por um conselho central composto por três membros, designados pelo Ministro do Trabalho: um representante do Ministério; um membro da Comissão Técnica de Orientação Sindical (CTOS) e um representante das entidades sindicais de empregados. Apesar dos recursos do Imposto Sindical ser cobrado compulsoriamente de todos os trabalhadores brasileiros a destinação dele ficou restrita aos operários que aderiram aos novos sindicatos tutelados pelo Estado.

Após o final do Estado Novo, em 1945, o SRO não é desarticulado, porém desenvolve suas atividades sofrendo algumas alterações em sua estrutura burocrático-administrativa e mudanças nos princípios e valores que davam fundamentação às suas diretrizes originais, repertório de atividades e projetos voltados ao operariado (SUSSEKIND & MARINHO, 1952). A trajetória dessa institucionalidade é interrompida logo após o Golpe Militar ocorrido em março de 1964, pela emergência dos governos de exceção. Desta forma, podemos afirmar que o SRO teve um ciclo vital de 21 anos que não são integralmente analisados nos estudos existentes sobre ele, que em geral, valorizam somente o período que corresponde aos últimos anos do Estado Novo.

Dentre os estudos que abordaram o SRO destacamos: MARINHO, 1957; FERREIRA 1959; LENHARO, 1986; CASTELLANI, 1988; OLIVEIRA, 1990. As dissertações de: LIMA, 1980; BERCITO, 1991 e FIGUEIREDO, 1991. As teses de LINHALES, 1996, WERNECK, 2003 e VERONEZ, 2005. E ainda, os artigos de GOMES & MELO, 2003; de WERNECK & SANTOS, 2002; MELO, 2004 e BRÊTAS, 2004. Neles percebemos uma grande ênfase aos acontecimentos dos anos subseqüentes a sua criação – o realizado, circunscritos a temporalidade do Estado Novo e, em geral, abordam o que denominam de “ideologia estadonovista”

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(GIANOTTI, 1986). Abordam também, as relações havidas entre SRO e os campos da educação física, da formação moral e corporal como dispositivos de controle do tempo livre do operariado brasileiro.

Trata-se de estudos que trouxeram inegáveis contribuições acadêmicas ou científicas sobre o entendimento do lazer do operário nas décadas de 1940 e 1950, do século XX; no entanto, deixaram na sombra ou sem respostas questões relativas às motivações ou interesses políticos e culturais que levaram os governos da União posteriores à chamada “Era Vargas” a manter o SRO. Deste modo, as alterações administrativas e as mudanças de diretrizes e objetivos que incidiram sobre a trajetória total de atuação da institucionalidade não foram ainda suficientemente exploradas pelo conjunto de trabalhos que focaliza o SRO.

Portanto, esse estudo se justifica, basicamente, pela necessidade de investigar, sistematizar e analisar referências – de distintas naturezas – sobre o ciclo de vida integral do SRO - uma das primeiras iniciativas institucional pública de natureza estatal, gestada pelo governo federal, para agir no campo do lazer, buscando oferecer contribuições que permitam adensar a investigação sobre aquele Serviço e produzir elementos que possam gerar novas trilhas ou perspectivas de investigação acadêmica sobre as concepções de lazer do operariado sindicalizado no Brasil, no século XX.

Para empreender o presente estudo consideramos a existência de considerável documentação oficial, extra-oficial, impressos, correspondências, artigos e estudos acadêmicos, científicos ou de propaganda que abordam direta e indiretamente o SRO. Consideramos, também, a necessidade de ainda investir em planos investigativos e analíticos que possibilitassem uma compreensão mais pormenorizada dos motivos ou interesses que determinaram a

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institucionalização do SRO no governo Vargas, em 1943, bem como sobre as concepções de lazer destinadas ao operariado sindicalizado no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, que foram mobilizadas durante os 21 anos de atuação pública do SRO.

Este estudo levantou fontes documentais e registrou depoimentos orais de informantes-chave que contribuíram para a interpretação analítica do ciclo vital do SRO (1943-1964), buscando compreender, levando em consideração os distintos períodos, o quanto ele foi instituído para atender as necessidades, reivindicações da classe operária por lazer e cultura e o quanto atuou para o atendimento dos interesses do Estado em educar o operariado brasileiro em conformidade com o “novo modelo corporativista de sindicato”, tal como definido por MUNAKATA (1981) em seu livro “A legislação trabalhista no Brasil”.

O desenvolvimento desta pesquisa aproxima-se daquela modalidade de trabalho acadêmico que Saviani (1991) e Azanha (1991) denominaram de “monografia de base” 2, ou seja, um desdobramento final, mesmo que provisório, de incursões no campo da investigação acadêmica nas quais o pesquisador se dedica em abordar uma temática relevante, porém ainda não minuciosamente analisada, cabendo-lhe

a tarefa de realizar um levantamento, o mais completo possível, das informações disponíveis, organizá-las segundo critérios lógico-metodológicos adequados e redigir o texto correspondente que permitirá o acesso ágil ao assunto tratado. (SAVIANI, 1991, p.165).

Do ponto de vista “lógico-metodológico”, a investigação desenvolvida se concentrou inicialmente no estudo do contexto urbano-industrial do Brasil na primeira metade do século XX

2A “monografia de base”, como um produto final de trabalhos de investigação acadêmica desenvolvidos em nível de

Mestrado, foi problematizada na Reunião Técnica de Coordenadores de Pós-Graduação em Educação, realizada na UNICAMP, Campinas, em abril de 1991.

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e no tema do lazer do operariado sindicalizado e sua família, focalizando especificamente a atuação de uma instância pública de natureza estatal institucionalizada para atuar politicamente no âmbito da reprodução da força de trabalho no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1960.

Para nos aproximar, compreender e interpretar as referências documentais e os relatos orais sobre o Serviço de Recreação Operária, assim como entender e analisar seu ciclo vital tomamos como referência prévia a noção de cidadania desenvolvida por Carvalho (2001) que a compreende como um “fenômeno complexo e histórico que varia no tempo e no espaço” e o conceito de lazer, tal como formalizado por Mascarenhas (2003) como contraponto as noções apresentadas pelos documentos e relatos orais.

À medida que o trabalho de campo se expandia – tanto no levantamento documental como nos diálogos como informantes-chave sobre o SRO, sentimos a necessidade de melhor definir a unidade público estatal que foi gestada no período do Estado Novo para atuar no campo do lazer do operário sindicalizado. Esta operação ocorreu adotando-se a noção de instituição. Dentre as muitas definições disponíveis, optou-se por aquela formulada no campo da sociologia, por Berger & Berger (1978) e reforçada por Martuccelli (2001) e para o desenvolvimento da noção de “ação socializadora” recorremos às reflexões elaboradas por Dubet (1994).

A efetivação do estudo do SRO a partir destas premissas, os caminhos trilhados para a organização da base de informações sobre o SRO, se deu em três etapas: na primeira, buscamos levantar documentos primários impressos produzidos pelo MTIC, nas décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960 tais como: boletins, cartas, manuais, discursos, normas, leis, decretos, regulamentações, artigos de propaganda e publicidade, relatórios oficiais bem como material iconográfico. Essa atividade foi desenvolvida simultaneamente com a segunda etapa que

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destinou-se ao levantamento de autores e obras (individuais ou coletivas) que pudessem contribuir para a compreensão histórico-social e político-cultural das décadas abordadas, versando sobre a criação e objetivos do SRO. Levantamos, ainda, autores que problematizassem as temáticas do tempo livre de trabalho, recreação, lazer e educação física naqueles períodos, em especial, as reflexões desenvolvidas por Mascarenhas (2003), que a partir de sua perspectiva crítica compreende o lazer como “um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organizaçao da cultura, perpassando por relações de hegemonia”. (Mascarenhas, 2003, p.97)

A terceira etapa consistiu na identificação de informantes-chave sobre o SRO que pudessem oferecer relatos orais sobre a instituição e suas atuações em diferentes temporalidades. Assim, foram localizados três gestores do SRO: Arnaldo Lopes Sussekind (1943-1952), Vinicius Ruas Ferreira da Silva (1958-1964) e Almino Monteiro Álvares Affonso. Foi possível contar apenas com os relatos orais de Sussekind e Ferreira da Silva, pois Almino Monteiro Álvares Affonso optou por não falar sobre a sua atuação como Ministro do Trabalho do Governo do Presidente João Goulart justificando não lembrar-se mais de fatos sobre o período estudado e em especial sobre o SRO.

Para a realização das duas entrevistas, utilizamos a história oral como uma ferramenta da pesquisa qualitativa que permitiu o registro desses testemunhos e detalhes que não constam nos documentos oficiais e o acesso a diversas “histórias dentro da história” (ALBERTI, 2005).

O primeiro relato foi o de Dr. Arnaldo Lopes Sussekind, ele é nascido no Rio de Janeiro em 1917 é filho de um importante desembargador carioca que teve muita influência na escolha de seu caminho profissional e em sua dedicação ao Direito. Sussekind Ingressou no

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Ministério do Trabalho ainda estudante de Direito, em janeiro de 1938, formando-se em 1939. Em 1941 passa a trabalhar em São Paulo na recém criada Justiça do Trabalho sendo o 1º Procurador Regional do Trabalho no Brasil. Em 1942 o político paulista Alexandre Marcondes Filho é nomeado Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, este o convida para ser assessor dele na pasta trabalhista, ele permanece nessa função por um ano sendo designado em janeiro de 1942 para integrar a Comissão da CLT.

No ano seguinte Sussekind após algumas participações nas reuniões da OIT, elabora o projeto de criação do SRO e torna-se o primeiro presidente desta instituição, permanece no cargo até o final do ano 1945, reassumindo as suas funções em meados de 1946 após um inquérito administrativo favorável a ele, realizado pelo Governo do Presidente Dutra e permanece como dirigente até o ano de 1953. O seu último contato com o SRO foi em 1964, na função de Ministro do Trabalho interino no Governo do Presidente Castelo Branco, foi ele quem elaborou e assinou o decreto que extingue a Comissão do Imposto Sindical órgão responsável pela gestão dos recursos coletados pelo Imposto Sindical principal fonte de financiamento do SRO.

O segundo relato colhido foi o do Professor Vinicius Ruas Ferreira da Silva. Ele é nascido no Estado do Amazonas em 1924 e desde mito jovem dedicou-se ao esporte amador, foi corredor de ciclismo, praticando também outras atividades esportivas. Iniciou um curso um superior de direito em Manaus, mas percebendo a sua falta de vocação para essa área e em seguida se inscreve para a seleção de bolsas de estudo para fazer o curso de Educação Física na Escola Nacional de Educação Física do Rio de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro ingressando nessa faculdade no ano de 1954.

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Militante estudantil atuante recebe assim que se forma recebe, assim que termina o seu curso superior, um convite para trabalhar no SRO. Ele permanece alguns anos na função de professor e com o inicio do Governo do Presidente João Goulart passa a ocupar o cargo de diretor da Divisão de Recreação Operária do SRO por indicação do Deputado Federal e amigo Almino Monteiro Álvares Affonso. Na função de diretor da divisão de recreação amplia o atendimento do SRO e faz com que os serviços e atividades de lazer passem a ser desenvolvidas nos bairros operários e geridas por lideranças operárias. Vinicius Ruas deixa o SRO e o Brasil em março de 1964 com a emergência do Golpe Militar.

Os testemunhos fornecidos pelos dois informantes-chave ampliaram, diversificaram e enriqueceram os achados encontrados nos materiais bibliográficos e documentais abrindo novas possibilidades de investigação sobre o lazer do operariado brasileiro a partir dos anos de 1940. Com base nos documentos coletados e nos relatos desenvolvemos uma estrutura com o objetivo de contemplar o contexto histórico das diferentes décadas, abordar os conceitos de lazer presentes por ocasião da criação do SRO e ao mesmo tempo articular essas informações históricas e documentais com os relatos de Sussekind e Ruas.

Assim sendo, estruturamos o capitulo inicial apresentando noções sobre o universo do trabalho industrial no Brasil, bem como sobre as formas de problematização sobre o tempo livre de trabalho presente no início do século XX, em especial, no período do Estado Novo. Ainda neste capitulo, apresentaremos os estudos sobre lazer que subsidiaram a institucionalização do SRO, apresentaremos também as noções de: cidadania desenvolvida por Carvalho (2001), de instituição de Berger & Berger (1978), e de Martuccelli (2001), de “ação socializadora” de Dubet (1994). No capítulo seguinte apresentaremos a ossatura do SRO, os objetivos, missão, estrutura

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burocrático-administrativa, as fontes de financiamentos e finalidades, a partir da apresentação de trechos dos diversos documentos e impressos coletados, bem como a partir dos relatos orais dos sujeitos entrevistados, relacionando esses trechos com conceitos de lazer contemporâneos, às noções de cidadania, instituição, ação-socializadora, desenvolvidas no capitulo anterior.

Nas considerações finais e em consonância com a concepção de dissertação adotada nesta pesquisa, buscaremos oferecer algumas reflexões sobre as orientações e motivos que levaram o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio durante o Estado Novo à criação de uma institucionalidade destinada a promoção de atividades de lazer voltadas ao controle do tempo livre de trabalho do operariado, sobre as transformações ocorridas nesta institucionalidade nas décadas de 1950 e 1960, sobre as causas de sua não sobrevivência nos anos posteriores a 1964.

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2 O trabalho, o operário, o lazer e o Estado Novo

(...) criado o descanso para os trabalhadores, que vão fazer eles durante este tempo? O obreiro, diz-se, não possuir nem a cultura, nem a mentalidade, nem o gosto das classes ricas, só pode dele fazer mau uso; (...) O obreiro, o empregado, encerrado em sua usina, seu escritório ou sua loja, durante dias inteiros, que passa os seus momentos de descanso nas salas de espetáculos, dancings, cafés surperlotados, para se divertir, não restabelece o equilíbrio, intoxica-se ainda mais. (DEMARBRE, 1930, p. 10). 3

O trecho acima publicado na revista de educação Física do Exército era assunto comum nas em diversas revistas nas primeiras décadas do século XX. Desde o inicio do processo de industrialização brasileira, Estado e patronato já externavam preocupações com o controle do tempo livre de trabalho do operariado aqui existente, operariado que se expandia numericamente assim como as indústrias e os principais centros urbanos.

Naquele período, o crescimento e desenvolvimento econômicos do País eram evocados, tanto pelos agentes do Estado como pelos donos do capital industrial em ascensão, para justificar a exploração e o controle da força de trabalho tanto dentro como fora do espaço fabril. O controle se exercia mediante vigilância constante e repressão de operários, das mobilizações, de suas manifestações individuais e coletivas, pois as mesmas eram consideras subversivas à ordem social.

Nesse contexto, pode-se observar que as preocupações externadas pelos senhores do capital com o uso do “tempo” pelo trabalhador livre com atividades não diretamente inerentes à produção do capital levam o Estado a se inserir neste campo e difundir, sobretudo no espaço

3 Trecho de um artigo da Revista de Educação Física que foi publicada no Rio de Janeiro, pela Escola de Educação

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urbano, a idéia de que a “melhor utilização do tempo livre” estava essencialmente imbricada com o crescimento da produção industrial, o que exigia o controle da ordem pública, investimentos com a melhoria da saúde dos trabalhadores e, conseqüentemente, com a ascensão social dessa classe (DECCA, 1987).

Neste período, não são visíveis tematizações públicas sobre a importância do uso do tempo livre de trabalho a partir de outras formas de seu aproveitamento que não aquele destinado à reprodução do capital, em especial o capital vinculado à indústria.

Podemos considerar que a preocupação com o uso do tempo livre de trabalho evidenciava-se mais pela necessidade de prover o operário (homens e mulheres; crianças, jovens e adultos) de melhores condições físicas para a reprodução do capital; dessa forma, era imperativo sujeitá-lo às necessidades econômicas da indústria, para distanciá-lo e protegê-lo do que era considerado “vicioso e nocivo”, pois, desde as décadas iniciais do século XX, para os industriais o ócio era “entendido como um hábito degenerativo não correspondendo aos valores e normas almejados de civilização moderna, vigorosa e ativa que caminhava na direção da harmonia, da ordem e do progresso”. (MARCASSA, 2002, p.87)

Assim, a idéia de valorização do tempo livre como um espaço para o envolvimento com outros arranjos socializadores que permitissem a formalização de sociabilidades distintas daquelas produzidas no interior do universo do trabalho e da cultura fabril, permanecia distante das preocupações dos industriais.

Para o operariado instalado na emergente produção industrial, para além das lutas pela subsistência material e conquista por melhores condições de trabalho, os escassos momentos

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de divertimento restringiam-se ao às práticas de sociabilidade desenvolvidas em atividades que não lhes trouxessem ônus financeiro, tais como o futebol de rua e do final de semana organizado pelos “grêmios de fábricas e clubes de várzeas”; as atividades dançantes, musicais e de teatro amador, promovidas por lideranças das vilas operárias e pelas associações recreativas de bairro; os jogos de mesa nos botequins; a boccia; as reuniões e festas familiares e ainda as festividades religiosas. O operariado divertia-se também mediante o “descansando no ambiente doméstico, jogando conversa fora, (...) em torno das refeições coletivas, do vinho, (...) impregnados por elementos culturais específicos” (DECCA, 1987, p.42).

Contudo, a literatura disponível sobre este tema assinala que as sociabilidades desenvolvidas pelo operariado em práticas de diversão, eram concebidas como “não apropriadas” a nova ordem social estabelecida com o novo modelo de produção que se consolidava no Brasil, pois na compreensão do patronato e também para os agentes do Estado a atividade industrial carecia, naquele momento, de um operariado forte, saudável e especialmente disciplinado. Esse novo perfil de operário começa a ser difundido, de maneira mais ampla na sociedade, através de um grande número de periódicos que propalavam os benefícios da utilização do tempo livre de trabalho com atividades “úteis e saudáveis” e pela incorporação da educação física nos períodos de não trabalho.

Dentre os principais periódicos que se dedicaram à tematização do tempo livre de trabalho do operariado encontrava-se a Revista Cultura Política, Revista de Educação Física, Revista Brasileira de Educação Física, Educação Physica, Higiene e Saúde e Viver 4. Tais

4 A Revista Cultura Política foi editada durante o Estado Novo pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o

DIP. A Revista de Educação Física publicada no Rio de Janeiro pela Escola de Educação Física do Exército. Educação Phyísica: Revista Technica de Esportes e Atletismo, publicada pela Companhia Editora Nacional no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação Física publicada pelo órgão de imprensa A Noite no

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impressos voltam-se para o debate e propaganda de temas relacionados à promoção da saúde somente alcançada da através da educação física, da higiene e da valorização da cultura nacional; buscava-se difundir entre a população brasileira a necessidade da incorporação de “atitudes saudáveis” necessárias para a concretização dos avanços sociais prometidos na Carta Constitucional de 1891. O documento Magno assegurava, nos artigos 172 e 173, a brasileiros e estrangeiros aqui residentes, dentre outros direitos, aqueles concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade assim como a igualdade entre todos.

Nos anos das décadas de 30, pode-se perceber a importância dada à educação física pelo Estado, pois este a considerava como imprescindível às necessidades econômicas e como um recurso fundamental para a transformação física e moral das novas gerações como da geração adulta. A relevância dada à educação física é explicita na Carta Constitucional de 1937, pois seu artigo 131 prescreve a obrigatoriedade daquela modalidade de socialização assim como as decorrentes do “ensino cívico e dos trabalhos manuais” em todas as instituições escolares tanto a de ensino primário como aquelas destinadas a fornecer o ensino secundário ou a formação de docentes – as escolas normais.

Além desta determinação, a Constituição de 1937 impunha ao poder executivo a responsabilidade por fundar instituições ou prestar auxílio e proteção àquelas articuladas e fundadas por associações civis, de modo que qualquer uma delas pudesse realizar a tarefa de arregimentar e organizar a juventude oferecer-lhe anualmente momentos de atividades ou trabalhos no espaço rural, com o objetivo de promover-lhes a disciplina moral e o adestramento

Rio de Janeiro e as revistas semanais publicadas em São Paulo durante Higiene e Saúde e Viver.

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físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e defesa da nação. (apud CASTELLANI, 1988, p.80).

Assim o Estado que se conforma a partir de 1930 passa a preocupar-se com o ajuste físico e moral da sociedade visando o fortalecimento da economia nacional e da ordem. Pode-se constar que o Estado assume o seu papel na divisão da dominação política, pois os Ministérios da Educação e Saúde Pública e o do Trabalho, Indústria e Comércio ocuparam-se da disseminação de estruturas que levassem o operariado à prática de atividades físicas para a compensação dos desgastes provocados pelas longas jornadas de trabalho e ao mesmo tempo o afastasse de ambientes “intoxicantes”. 5

Esses Ministérios julgavam como necessário o controle do tempo de não trabalho para a “transformação” do perfil da classe operaria, pois na transição do século XIX para o século XX e nos primeiros decênios deste último, existia uma manifesta preocupação com a construção da identidade nacional e com a alteração da fisionomia do povo brasileiro. (AZEVEDO, 1989). Nesse período, segmentos das elites dominantes e da intelectualidade acreditavam que “repensar a sociedade para transformá-la passava, necessariamente, pelo trato do corpo como recurso para alcançar toda a integridade do ser humano” (LENHARO, 1986). O operário industrial deveria enquadrar-se em novos padrões de conduta e de forma física, sem um novo povo os objetivos traçados pelos ideólogos do Estado Novo que tinham como referência a Itália e a Alemanha como modelos nação não seriam alcançados.

5 A partir da década de 1930, foram criados uma serie de instituições voltadas a disciplinarização do tempo livre, os

Clubes de Menores Operários, os Parques Infantis e o Serviço Municipal de Jogos e Recreio no município de São Paulo em 1935 (Marcassa, 2002, p127)

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A disciplina e a ordem pública tornam-se, nesse momento, fatores fundamentais para o desenvolvimento dos centros urbanos e pólos industriais. Para conquistá-las e mantê-las o Estado assume a tarefa de repensar o tempo livre de trabalho e os espaços públicos e privados de convívio coletivo como garantia de controle social e de produtividade no tempo de trabalho.

(...) a reorientação espacial, a redefinição do tempo livre e uma nova organização da cultura ocorreram, na vida cotidiana, em estreita correspondência com o processo de urbanização, com a criação do Estado Federativo e com o desenvolvimento do capitalismo, baseado na exploração do trabalho livre. Entre outras coisas, isso demonstra que também o tempo social e a cotidianidade foram modificados, visto que após a transição do trabalho escravo para o trabalho livre é possível perceber uma nítida separação entre tempo de trabalho e tempo livre e também como aumentam as preocupações em torno da administração do tempo de não-trabalho. (Marcassa, 2002, p.91)

Nessa perspectiva, para os setores dominante do capital industrial, para o Estado brasileiro e parcela de suas instituições e agentes, o tempo livre de trabalho passou a ter o mesmo valor do tempo destinado à produção, necessitando apenas de regras especificas para o seu aproveitamento e da definição de estratégias eficazes para a cooptação do operariado as novas práticas recreativas e formas de convívio.

Assim as propostas utilizadas para a cooptação e construção do novo perfil do operariado dependiam da correta escolha e orientação de atividades recreativas ou “práticas sadias” que pudessem ocupar o tempo livre de trabalho do operário; este descrito como um ser “indolente, frágil e inculto” (BERCITO, 1991). Essas medidas tornam-se objeto de atenção do Estado que assume, em conseqüência dessa nova necessidade, a função de agente civilizador e arquiteto responsável pela construção de um novo padrão de Homem e Nação que pudesse colocar o Brasil à altura das Nações mais desenvolvidas do mundo.

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A consciência do atraso brasileiro em relação às nações mais adiantadas (...) lançava o desafio de se pensar o nacional para traçar os rumos da transformação em busca do progresso. Pontificavam nessas discussões temas como o agrarismo ou industrialismo, europeização ou americanização, urbanização, mestiçagem, branqueamento e nacionalismo. Ao traçar projetos para a nação visando ultrapassar o fosso que nos separava do “mundo civilizado”, a nacionalidade aparecia como massa bruta a ser moldada no contexto das mutações previstas (BERCITO, 1991, p. 40).

A necessidade em transformar a fisionomia do país para trazê-lo, finalmente, para um tempo de progresso, ordem e harmonia entre as classes e as diferentes formações étnicas em presença na sociedade, faz com que mudanças de ordem social ocorram (AZEVEDO, 1992). O modelo de produção industrial que vai sendo implementado no Brasil, ao mesmo tempo em que abre novos caminhos para o crescimento da economia nacional faz eclodir tensões e conflitos entre as classes sociais até então desconhecidos em períodos anteriores da história brasileira.

Com a operacionalização do “projeto imigrantista” e a vinda de trabalhadores livres para exercerem atividades agrícolas ou urbano-industriais no Centro-sul do País (AZEVEDO, 1992), emergem os movimentos de ações reivindicativas – de orientação anarquista ou socialista – apresentando demandas por melhores condições de trabalho, melhoria salarial, pela redução das longas jornadas de trabalho, pelo fim do trabalho infantil, dentre outras questões de natureza trabalhista e de reprodução da força de trabalho. Isso se torna o estopim de diversos conflitos e crises sociais, que passam a ser considerados e especialmente tratados como “caso de policia”. 6

6 A frase “a questão social é um caso de policia” foi atribuída a Washington Luis, presidente da República entre os

anos de 1926-1930, que reprimia com violência todo o tipo de reivindicações e mobilizações do operariado. O espancamento, a tortura, a prisão, o confinamento em campos de trabalho forçado e a deportação e a exclusão do mercado de trabalho estavam entre as “formas de controle social” utilizadas durante o seu governo, para a repressão da massa operária e trabalhadores do campo (MUNAKATA, 1981).

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Essa forma repressiva de representar e encaminhar as lutas dos trabalhadores e os conflitos entre as classes sociais, nas décadas iniciais do século XX, revela que as noções de direitos e de cidadania fundadas pela modernidade ocidental foram ressignificadas pelos ocupantes de postos de mando no interior do Estado e das Indústrias. Estes, de forma direta, explicitaram suas preocupações com “a questão social do trabalho” e apresentaram suas propostas para enfrentá-la, também nos momentos de organização da legislação pertinente ao trabalho urbano e, principalmente, nas questões referentes ao controle do tempo livre de trabalho da emergente classe operária.

Em se tratando de direitos podemos notar que no Brasil, os obstáculos à cidadania, sobretudo no que diz respeito aos direitos sociais, tiveram suas raízes estabelecidas no período colonial em decorrência “da escravidão, que negava a condição humana, (...) da grande propriedade rural, fechada à ação da lei, (...) e do Estado, comprometido com o poder privado” (CARVALHO, 2001, p.45). Essa herança colonial permeou toda a primeira república, estando presente nas decisões legais e nas atitudes repressivas de patrões e Estado, que se julgaram por muito tempo proprietários, competentes e capazes para definir, conforme os seus interesses, a legislação e as condições necessárias para o desenvolvimento do trabalho e do descanso do operariado brasileiro. Podemos notar nesse período que os direitos civis, fundamentais à liberdade, à propriedade, à igualdade de todos os “cidadãos” perante a lei, e descritos na Carta Constitucional de 1891, foram na prática ignorados.

Deduzimos que o mesmo ocorreu com os outros direitos, os políticos e os sociais. Se observarmos o desenvolvimento industrial no País, no período pós-proclamação da República, notamos que, de maneira geral ele não trouxe melhoria nas condições materiais de vida para a

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maioria da população urbana e nem mudanças significativas no campo dos direitos sociais, da cidadania, podemos perceber que “mesmo após a abolição da escravidão, a sociedade brasileira caracterizava-se ainda por desigualdades profundas e pela concentração renda e de poder” (CARVALHO, 2001).

Para carvalho (2001), cidadania é um conceito que varia no tempo e no espaço, pode variar de país para país, avançar ou regredir no tempo de acordo com a possibilidade de participação social e com a tendência política de um Estado. Para ele no Brasil entre os anos de 1822 e o final do século XX os primeiros indícios de cidadania surgem com a abolição da escravidão em 1888 e no final dos anos vinte com o movimento que pôs fim a primeira república.

Ele ainda afirma que com o inicio do Governo Provisório em 1930, surgem os primeiros avanços no campo dos direitos sociais, “aqueles que garantem a participação na riqueza coletiva de um país e permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantem um mínimo de bem-estar para todos”, neste caso em consonância com os limites e interesses do governo Vargas que nesse período cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e uma ampla legislação de proteção ao trabalhador (que viria a ser cumprida somente após a promulgação da CLT em 1943) e o Ministério da Educação e Saúde Pública.

Mas diferente dos “direitos sociais” os direitos políticos durante o Governo Provisório e Estado Novo passaram por um longo período de estagnação. Por todo o Governo Vargas (1930-1945) os direitos políticos, que garantem a participação no governo da sociedade, praticamente não existiram. Somente ao final do ano de 1945, com a derrubada de Vargas e com

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o chamamento público as eleições diretas, que os brasileiros tiveram a primeira “experiência democrática” no campo dos direitos políticos.

Já os direitos civis, que garantem a vida em sociedade, presentes nas três constituições brasileiras, não tiveram nenhuma ressonância entre a grande parte da população brasileira (CARVALHO, 2001). Mesmo após o ano de 1945 os movimentos sociais enfraquecidos pelos anos de ditadura não ganharam força nem expressão social e o acesso da população em geral, ao trabalho, educação, saúde e ao sistema judiciário ainda era precário.

Para Carvalho (2001),

O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e de voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população, (...) a liberdade e a participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as outras. (Carvalho, 2001, p.18)

Para o autor, no Brasil houve uma ênfase ao direito social, em detrimento dos outros, promovido de forma superficial e assistencialista e sem a participação direta da população nas reivindicações e nas decisões. Carvalho (2001) situa melhor a questão dos direitos no Brasil fazendo referência a Marshall (1967) e seu exemplo sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, descrevendo a seqüência dos direitos nesse país que se estruturou na seguinte forma,

com base nos direitos civis, nas liberdades civis, que os ingleses reivindicaram o direito de votar, de participar do governo do seu pais. A participação permitiu a eleição de operários do partido trabalhista, que foram responsáveis pela introdução dos direitos sociais. (CARVALHO, 2001, p.11)

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Segundo Carvalho (2001), Marshall reconhece uma exceção nessa seqüência, ele aponta que a educação popular concebida como um direito social é fundamental para a expansão dos outros direitos, seguindo o exemplo de países onde a cidadania se desenvolveu rapidamente a educação foi “um pré-requisito para a expansão de outros direitos”, pois ela abriu o caminho para a conquista dos outros direitos.

No Brasil o direito social precedeu os outros, mas as políticas sociais desenvolvidas a partir de 1930 foram restritas a uma pequena parcela da população urbana que podia destinar parte do seu tempo a outras atividades que não o trabalho. Nesse período a população brasileira ainda permanecia distante desses debates, oprimida pelo regime político o que inviabilizava a intervenção nas questões de trabalho que, em geral ocorriam de forma fragmentada e nos interstícios das práticas de vigilância, de controle e repressão exercidas por patrões e pelos aparelhos de Estado. Dessa forma, podemos concluir que a participação do operariado nas decisões concernentes aos seus direitos sociais não foi menos obstaculizada.

Com isso queremos dizer que nem mesmo ao final da década de 1930 e inicio dos anos de 1940 as promessas de prosperidade e de mudanças sociais que foram postuladas pelos atores envolvidos com a questão social da Primeira República se cumpriram. Embora pareça contraditório, a “concepção liberal” que fundamentou a Constituição de 1891 - elaborada com base no modelo de federalismo e presidencialismo norte-americano que projetava a transformação do Brasil Monárquico em uma República de muitos - privilegiou diretamente os interesses econômicos e políticos das oligarquias estaduais 7 e dos chefes do mandonismo local.

7 Com o enfraquecimento da atividade agro-exportadora representantes da oligarquias estaduais, especialmente a

paulista, passa a investir a partir do final dos anos vinte na atividade industrial, a exemplo de alguns imigrantes que chegaram no Brasil ao final do século XIX com grande capital para investimento na atividade industrial, é o caso das famílias Matarrazzo, Crespi, Lafer, Scarpa, Klabin entre outros. (FAUSTO, 2002).

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Uma vez que não cabia ao Estado intervir em assuntos de ordem privada, nesse período o trabalho e os direitos do trabalhador nas esferas da produção e reprodução da força de trabalho eram concebidos como assunto privado. Isso dava às oligarquias liberdade e autonomia para a definição de direitos referentes aos contratos, às formas de pagamento e às condições de trabalho (MUNAKATA, 1981).

Já os trabalhadores, considerados “livres” para aceitarem e cumprirem as condições mínimas propostas nos contratos de trabalho, quando apresentavam suas demandas ou empreendiam manifestações e greves eram reprimidos pelo Estado, que arbitrava sempre a favor do lado mais forte, o patronato. É neste cenário contraditório que a economia nacional fundada na desigualdade social se desenvolve. Segundo Ghiraldelli Jr. (1987), a consolidação dos parques industriais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e principalmente de São Paulo deveu-se exclusivamente à capacidade de articulação política e econômica das oligarquias estaduais, para o autor o modelo federativo descentralizado garantia autonomia para os Estados, permitia aos governadores agirem de acordo com os seus interesses econômicos e pessoais e fazendo com que as relações de trabalho na cidade fossem apenas uma continuidade das antigas relações de trabalho existentes no campo onde todo o tipo de organização e reivindicação era ignorada ou reprimida.

Corroborando com Ghiraldelli Jr. (1987), Andrade & Kosminsk (1996) com base nas formulações teóricas sobre a relação entre Estado e as classes sociais expostas na obra de Henri Lefebvre (1976-1978) afirmam que

o capitalismo avançou ao logo do século XX, sem abolir as antigas relações de exploração-dominaçao, mas extendendo-as e modificando-as (...) avançando o capitalismo se modificou (criando novos setores, como a informática e os lazeres, entre outros; extensão e reforço do mercado mundial e intensificação do

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mercado interno), (...) por uma ação estratégica no âmbito do Estado, as relações de produção se mantiveram ao mesmo tempo que se modificaram: as relações de produção se desenvolveram em relações de dominação sob a ação do Estado. (ANDRADE & KOSMINSK ,1996, P.56)

Apesar das relações de trabalho nos centros urbanos reproduzirem as mesmas relações presentes no período colonial e na primeira República, e mesmo se condições e espaço para negociações, os sindicatos livres e a imprensa operária conseguiram mobilizar o operariado para reivindicar melhores condições de trabalho e também para a criação de representações políticas combativas nas primeiras décadas do século XX, mas essas ações em geral acabavam sendo neutralizadas pela discrepância de forças existentes entre os dois lados.

Assim foram as três primeiras décadas do século XX, sem que as reivindicações por condições mínimas e justas de trabalho ganhassem repercussão no interior do Estado e em meio ao patronato. Entendemos que nesse período o enfoque dado à questão política do “tempo livre” de trabalho dos operários (brasileiros e imigrantes) não deve ter sofrido influências dos debates sobre os direitos sociais - que vão se fundando no mundo europeu ocidental na passagem do século XIX para o XX - mas foi orientada pelo caldo de cultura produzido em torno da denominada “questão social”, tratada como “caso de polícia”, no período.

Mas mesmo com uma política de repressão intensiva, o movimento operário no Brasil adquire dimensões e por muitas vezes quase fugiu ao controle de empresários e do Estado. Giannotti (1986), em sua pesquisa sobre a liberdade sindical no Brasil, observa que a primeira fase do movimento operário, que vai de 1900 até 1930, contou com a participação dos imigrantes europeus de diferentes nacionalidades e correntes político-ideológicas. Havia os representantes

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do Anarco-sindicalismo ou Sindicalismo Libertário que influenciaram os operários, estudantes de direito e jornalistas brasileiros.

De influências Francesa e Italiana essa corrente revolucionária defendia que a transformação da sociedade e do modelo capitalista de produção só poderia ser alcançada através da união e luta dos trabalhadores organizados que poderiam utilizar a greve geral como sua principal arma para destruir o Estado e qualquer outra forma de organização político partidária que centralizasse poder, que retirasse ou limitasse a liberdade e capacidade do operário de gerir o seu próprio destino. Eles propagavam a possibilidade de uma sociedade autogestionária, sem a presença do Estado. Sendo assim, para os anarco-sindicalistas, “qualquer tipo de lei que tivesse a intenção de regular a vida do movimento sindical era vista como uma limitação da liberdade” do trabalhador (GIANNOTTI, 1986).

Outros grupos dividiram espaço com os anarco-sindicalistas no movimento operário, quais sejam, as representações sindicais formadas por socialistas reformistas e por sindicalistas cristãos que, com uma postura conservadora e antagônica as outras correntes, eram contrários a qualquer tipo de embate entre operários e patrões. Eles defendiam a harmonia entre as classes para o progresso de todos. Da mesma forma, tanto os socialistas como os arnaco-sindicalistas foram duramente combatidos pelo Estado; já os arnaco-sindicalistas cristãos, admirados pelo Estado e industriais, serviram de inspiração para a elaboração de projeto sindical posteriormente implementado por Vargas, nas décadas de 30 e 40. (GIANNOTTI, 1986)

Visando conter o movimento operário e sua organização sindical, o Estado cria o Ministério do Trabalho, em 1930. O chefe do Governo provisório, Getúlio Vargas, percebe que para a efetivação de seu programa de transformação da Nação, mudanças drásticas deveriam ser

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operadas no universo do trabalho. Para tanto, foram criadas algumas estruturas com a finalidade política de afastar os operários das “influências negativas” de diferentes sindicatos autônomos e, ao mesmo tempo, aproximá-los do Estado. (FERREIRA, 1988, p.33)

Como uma medida “saneadora”, o Ministro do Trabalho, Lindolfo Leopoldo Boekel Collor, mediante o Decreto nº 19770, março de 1931, regulamentou a atividade sindical no Brasil, “oferecendo aos trabalhadores um outro tipo de relação com o Estado”; uma relação baseada na colaboração entres as classes.

(...) os sindicatos antes livres, passaram a ser órgãos consultivos do governo federal para problemas econômicos, sociais e trabalhistas. O decreto instituiu, também, o sistema corporativo das categorias profissionais, e a estrutura vertical de sindicatos, federações e confederações, que existem até hoje. A administração sindical antes autônoma passou a ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho. São impostas a unicidade sindical e a conseqüente autorização do Estado para a criação de sindicatos (GIANNOTTI, 1986, p.23).

Criava-se assim os instrumentos de tutela que esmagariam os antigos sindicatos autônomos e construiriam a burocracia sindical, que geraria o corporativismo. 8 Mas deve-se considerar que entre os anos de 31 e 37 uma série de novos decretos viria afunilar ainda mais o caminho dos sindicatos autônomos e do movimento operário em geral, e também que as poucas leis em beneficio dos operários – leis que fizeram por muito tempo parte das reivindicações dos sindicatos livres, como a lei de férias, as que regulamentaram o trabalho da mulher e dos menores e a que fixava em oito horas a jornada de trabalho - fossem concedidas somente aos operários associados dos novos sindicatos oficiais do Estado, que utilizava a contribuição sindical obrigatória e compulsória para oferecer “benefícios trabalhistas” e assim arregimentar novos filiados.

8 A imagem que Getúlio Vargas difundiu aos trabalhadores foi aquela de um grande corpo onde todos os membros

são úteis e necessários. A idéia de corpo social, de corporativismo torna-se a viga mestra da estrutura sindical brasileira nascida na década de 30. Neste corpo a cabeça, Estado, rege sozinha todos os membros que juntos trabalham para o progresso nacional (Giannotti, 1986).

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Mesmo diante desse quadro as antigas lideranças sindicais prosseguiram sua luta nesse período. Indiferentes à existência dos sindicatos oficiais, os anarco-sindicalistas denunciavam, via imprensa operária, a nova forma de opressão; os comunistas fundavam a sua própria Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros - CGTB, infiltrando-se nos sindicatos oficiais com o objetivo de e desestabilizá-los (GIANNOTTI, 1986).

Em contrapartida, o governo de Getúlio Vargas reage sancionando um novo Decreto- Lei em 1934, de nº 24.694, que define o sindicato como órgão de colaboração com o Estado. (GIANNOTTI, 1986). O Decreto-lei tornava ilegal qualquer tipo de negociação direta entre patrões e assalariados e acabava definitivamente com a liberdade sindical. Foi a junção dessas medidas somadas aos recursos do Imposto Sindical obrigatório, criado em oito de julho de 1940, que viabilizaram a política sindical atrelada ao Estado e a instituição do Serviço de Recreação Operária. De acordo com TOTA (1987):

Os sindicatos, tutelados e sob controle do Estado, pretendiam ser atraentes aos trabalhadores para corrigir a tendência à diminuição do número de sindicalizados. Isto explica a transformação dos sindicatos em “entidades recreativas” e assistenciais. (TOTA, 1987, p.31).

Entre o início do Governo Provisório nos anos 30 e a implantação do Estado Novo, em 37, o Brasil passou por um período de muita turbulência política, econômica e social. Giannotti (1986) afirma que mesmo em meio às greves, guerras civis, assembléias constituintes, inúmeros decretos-lei, repressão policial, leis trabalhistas jamais cumpridas, Vargas sobreviveu para finalizar a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, obra iniciada com a Revolução de Trinta que intentou esmagar os sindicatos livres (GIANNOTTI, 1986).

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E isso ocorreu em 1º de maio de 1943. A promulgação da CLT consignou-se para o operariado em geral, como o dia em que eles receberam das mãos do presidente Vargas o conjunto de leis que atenderia finalmente as reivindicações acumuladas nas três últimas décadas. Para os setores aliados a política trabalhista fundada por Vargas a Consolidação das Leis do Trabalho, significou a proteção e o amparo legal que o trabalhador tanto necessitava, mas para os setores contrários a política corporativista e autoritária presente em toda a ditadura Vargas, que excluiu da história desse conjunto de leis todos os méritos das conquistas alcançadas pela classe operária brasileira em quatro décadas de reivindicações e lutas, ela unicamente significou o aprisionamento, a derrota e, principalmente, o desmonte das bases de organização do movimento operário brasileiro (MUNAKATA, 1981).

O mesmo autor considera que mesmo com as divergentes opiniões acerca da elaboração e sistematização das leis trabalhistas e de seu “significado” e importância para o operariado brasileiro, podemos constatar que, em nenhum outro período da História do Trabalho do Brasil houveram tantas iniciativas governamentais organizadas para a consolidação de legislações que abarcasse de uma só vez o operário em seu tempo destinado ao trabalho e ainda, no seu tempo livre de trabalho. É fato que, no mesmo ano em que a CLT é promulgada é também elaborada uma legislação com orientações para a organização do tempo livre de trabalho do operariado.

Para a criação dessa legislação o MTIC designou um dos juristas responsáveis pelo processo de elaboração da CLT, Dr. Arnaldo Lopes Sussekind. Naquele momento acreditava-se que a elaboração da legislação destinada ao tempo livre de trabalho, considerado como útil e produtivo se “bem controlado”, deveria ser também incumbência de quem elaborou a legislação

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para o tempo de trabalho, pois ambos os temas situavam-se no mesmo campo, o do desenvolvimento industrial.

Se, com a promulgação da CLT foi possível concluir o processo de controle no espaço fabril e a cooptação e conformação da classe operária (considerada contaminada pela ideologia das antigas lideranças sindicais e políticas de viés anarquista e socialista), ao discurso ideológico do Estado fundado em 1937, a legislação destinada ao tempo livre de trabalho veio complementar esse controle, pois atuaria no espaço e tempo que estava fora do domínio do trabalho.

Assim surgem as duas legislações elaboradas pelo mesmo autor. Porém a legislação para o tempo livre foi bem mais restrita em comparação com as inúmeras leis trabalhistas existentes que já circulavam nos centros urbanos e subsidiaram a elaboração da CLT. A escassa literatura acerca do lazer operário produzida nas reuniões da Organização Internacional do Trabalho – OIT 9 , após o inicio da década de 1920 demoram ainda algumas décadas para chegar ao conhecimento dos legisladores no Brasil.

Foram esses relatórios da OIT, organizados pelos países desenvolvidos nas décadas de 1920 e 1930, os primeiros documentos com informes sobre as transformações nos centros de capitalismo industrial avançado em “beneficio” dos operários. Eles anunciavam uma série orientações sobre a importância da organização do lazer para os operários sindicalizados e sobre o ajustamento do trabalhador e de sua prole e para um uso moral e utilitário do tempo livre.

9

A Organização Internacional do Trabalho, OIT foi criada pela Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial. A sua Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes. Até hoje, acontece anualmente reuniões para a discussão de normas de proteção ao trabalhador.

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Essas discussões, sobre a utilização do tempo livre dos trabalhadores ocupou lugar de destaque na Conferência Internacional do Trabalho, realizada no ano de 1924 em Paris. Nesse evento uma série de recomendações referentes à utilização do lazer dos trabalhadores foram produzidas e difundidas a todos os paises membros da OIT.

A partir dessa Conferência foram realizados outros encontros anuais tendo como foco a questão do “lazer operário” em diferentes cidades do mundo capitalista ocidental. Dentre eles podemos destacar o Congresso de Lazer realizado em Liége, na França, em 1930; o Congresso de Recreação Operária levado a efeito em Los Angeles, Estados Unidos, em 1932 e o I Congresso Internacional de Lazer dos Trabalhadores realizado em Bruxelas em junho de 1935. Este último encontro resultou na publicação do livro “Les Loisirs du Travailleur”, em Genéve, no ano de 1936. Além desses documentos foram desenvolvidos outros estudos em geral com o apoio da OIT na Europa, eles foram distribuídos para todas as bibliotecas da OIT espalhas pelo mundo e também como acervo das bibliotecas dos Ministérios do Trabalho de inúmeros países. 10

Essa publicação só chega ao Brasil após a participação de um representante do MTIC em 1942, Dr. Arnaldo Sussekind, nas reuniões da OIT em Géneve que se torna nesse mesmo ano membro da Comissão Internacional de Lazer dos Trabalhadores. Após o seu retorno, Arnaldo Sussenkid influenciado pelos debates ocorridos na OIT e nos estudos contidos no Livro “Les Loisirs du Travailleur” sugere ao então Ministro do Trabalho Alexandre Marcondes Filho, a criação de um órgão responsável pela ordenação do lazer operário. Com a autorização do Ministro ela elabora o projeto que deu origem ao Serviço de Recreação Operária, o SRO.

10 As referências para essas publicações que subsidiaram as ações do Serviço de Recreação Operária estão

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2.1 O Estado Novo e a regulamentação do lazer operário

Em pouco tempo, através da publicação da Portaria nº 68, de 6 de dezembro de 1943, é gestada, no Estado Novo, sete meses após a promulgação da CLT por Getúlio Vargas, a primeira legislação destinada ao lazer operário. Contando com a participação e gestão da Comissão Técnica de Orientação Sindical (CTOS), o “Serviço de Recreação Operária, (...) é instituído com o objetivo de difundir a ideologia do estado através da aplicação do imposto sindical em finalidades culturais e esportiva.

Nessa Portaria, destacamos um trecho do discurso de lançamento do SRO feito pelo Ministro do MTIC, Alexandre Marcondes Filho, transmitido pela Rádio Nacional onde ele considera que (...) “para a melhor consecução dos objetivos visados, faz-se mister a instituição de um órgão que coordene os meios de recreação da classe operária, prestando aos sindicatos a sua assistência e colaboração (...), compete ao SRO difundir atividades físicas e culturais entre os trabalhadores sindicalizados, facilitando e coordenando os meios de recreação em geral e prestando aos sindicatos a colaboração que for necessária”, o Serviço de Recreação Operária foi criado para exercer atividades nos seguintes setores: no cultural, no escotismo e no esportivo para os operários sindicalizados e sua família.

Toda a difusão desse projeto ideológico Varguista que valorizava e difundia o tempo livre de Trabalho como um tempo útil para a construção de uma nação e de um brasileiro forte, ficou sob a incumbência do Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão oficial do Estado, o

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DIP. 11 Este departamento tornou-se um eficaz veículo para a divulgação das ações e do discurso de Vargas por todo o país. O DIP teve como principal objetivo associar a figura de Vargas ao processo de desenvolvimento econômico, social e ao controle do movimento operário. O objetivo maior do DIP foi fixar a imagem do presidente Vargas como um político carismático, protetor, movido por um grande senso de doação e de devoção aos trabalhadores brasileiros. 12

A propaganda de promoção da nova ordem nacional era elaborada e difundida pelo DIP através dos meios de comunicação tradicionais da época, o rádio, jornais, revistas e outras publicações oficiais do Estado, inclusive nos livros didáticos, sendo evidenciada nos discursos de abertura e encerramento de todas as atividades cívicas nacionais. Com o apoio da imprensa oficial a imagem do SRO é propalada entre os meios operários, a alusão essa nova instituição era constante nos discursos semanais do Ministro do Trabalho e nos discursos do próprio presidente Vargas. Até mesmo os cartazes e panfletos distribuídos pelos sindicatos e nos festejos do dia do trabalho eram elaborados pelo DIP com a intenção de solidificar a imagem institucional do Ministério do trabalho e consequentemente do SRO.

Para o DIP a necessidade de afirmação dessa nova instituicionalidade entre os meios operários estava atrelada apenas a utilização das estratégias eficientes de divulgação. Pois, a cobrança obrigatória e compulsória do imposto sindical e suas finalidades de uso deveriam ser legitimadas junto aos operários com a oferta de “benefícios” assistenciais e recreativos conforme

11 Em 1931 o Governo de Vargas monta um esquema centralizado de propaganda, o Departamento Oficial de

Propaganda, o DOP, que é reorganizado em 1934 tornando-se o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural e finalmente em 1939 torna-se o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP.

12 O Mito da doação passou a ser um dos principais instrumentos de cooptação do operariado brasileiro,

principalmente depois da instauração do Estado Novo. Durante o Governo Vargas as leis trabalhistas que começavam a ser implantadas tiveram por objetivos controlar o passado combativo dos operários herdeiros do anarco-sindicalismo e reprimir o movimento sindical. (TOTA, 1987, p.12)

Referências

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