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Educação, trabalho e infância : contradições, limites e possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA:

CONTRADIÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES NO

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA

CAMPINAS

2016

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MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,

LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES SEM TERRA

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Prof. Doutor José Claudinei Lombardi

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA MÁRCIA MARA RAMOS , E ORIENTADA PELO) PROF. DR. JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI.

Campinas 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,

LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES SEM TERRA

Autora : Márcia Mara Ramos

COMISSÃO JULGADORA:

Orientador Pof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP) Prof. Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues (UNIVAS) Prof, Dra. Caroline Bahniuk (UFSC)

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Dedico essa pesquisa às crianças Sem Terrinha.

“as crianças têm uma sensibilidade e elas são verdadeiras. Os Sem Terrinha poderiam, inclusive, ajudar o MST a ver o que teria que mudar, para garantir a continuidade do MST, para reinventar o MST”. Edgar Kolling

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AGRADECIMENTOS

Chegado ao final desse trabalho, embora muitas vezes a escrita se apresente como um processo solitário, quero agradecer imensamente o coletivo inspirador de minha trajetória, pois, como já mencionado, essa pesquisa foi tecida por muitas mãos. E, justamente pela opção de trazer algo que faz parte de um contexto político-social e atual, quero reconhecer a importância de camaradas que sonham projetos desenhados coletivamente, contrariando a ordem hegemônica. Bem como diz o poeta Paulo Leminski, “Na luta de classes, todas as armas são boas. Pedras, noite e poemas”... Meus eternos agradecimentos.

Ao MST, principal organização política que motivou e me fez enxergar a luta pelo acesso à educação. Aos companheiros e companheiras do Setor de Educação Nacional, da militância nos Estados onde o MST está organizado e, especialmente, às crianças Sem Terrinha que proporcionaram a possibilidade de vivenciar uma organização que as reconhece no seu tempo, como crianças lutadoras e construtoras de suas histórias.

Aos Camaradas: Cristina Vargas, Edgar Kolling, Roseli Caldart, Tiago Manginni, Flávia Tereza, Elisangela Carvalho, Lizandra Guedes e Chiquinho, Izabel Green, Erivam Hilário, Alessandro Mariano, Luna Pomme, Gabriel Vargas, Maria Aparecida e Zezinho Ramos.

Aos Sem Terrinha do MST, representados pela Iacia e Maria Luisa, crianças da luta pela terra no Estado do Pará. A elas (as crianças), meu profundo amor e agradecimentos. À militância de luta do MST/PA, Maria Raimunda, Isabel, Igor, Charles, Deusamar, Mercedes, Ayala, Giselda, Suely, Clauco e Márcia. Pelo afeto, carinho, acolhida e receptividade e que certamente sem vocês não seria possível realizar a pesquisa.

Para meu pai, Toninho Ramos, cantador e compositor caipira, estudante do Ensino Médio na escola do Assentamento. A minha guerreira, Ana Maria, mãe de muitas crianças do assentamento - Mãe e lutadora sempre. O querido William, filho amado e enraizado na terra conquistada. A minha família Ramos que, desde 1986, ingressou na luta pela terra e à família Rosário, representada pela minha avó Jandira, camponesa, mãe de nove filhos e enraizada na terra. Ao Paulinho, companheiro e camarada de todos os momentos – amor incondicional.

Ao professor José Claudinei Lombardi (Zezo), pela camaradagem, paciência e disposição para orientação e pelas prosas desanimadoras e animadoras da conjuntura atual.

À Professora Carolina Bahnilk, que desde as primeiras leituras do projeto de pesquisa, deu sua contribuição valiosa no trabalho e nas motivações para a escrita.

À professora Fabiana Cássia, primeira leitora do sumário deste trabalho e provocadora da discussão agrária e da atualidade educacional.

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Ao grupo de pesquisa HISTEDBR – Juliana Gobbi, Gilberto Sant’Anna, Marcos Lima, Gilberto Rodrigues, Bruna Moreira, Denise Camargo, Professora Mara Jacomeli, Professor Dermeval Saviani, coletivo importante para minha formação na UNICAMP. À camarada militante Cecilia Luedemann, que carinhosamente esteve presente nas indicações de referências cubanas e soviéticas, bem como na revisão desse trabalho. Das Cantadeiras Ana Chã, Jade e Guê, Talita juntamente com as crianças Dora, Manu, Chico, Luisa, numa ciranda improvisada, compartilhamos da música política, de projetos e do prazer em animar a luta social.

Agradeço a UNICAMP pela oportunidade de ser uma estudante do campo em uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

À CAPES, pela possibilidade do financiamento que foi de vital importância para o aprofundamento da pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa “Educação, Trabalho e Infância: contradições, limites e possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” teve como motivação e questão identificar a disputa pela infância da classe trabalhadora através da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora e com qual intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na educação política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto marcado pelas relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi analisar a prática educativa do MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização infantil no Estado do Pará e suas ações contra-hegemônicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde a sua origem em 1984, tem a presença da criança na luta pela terra e, através de reflexões no interior da luta, desenvolve um trabalho para além das escolas, com as crianças dos acampamentos e assentamentos nos 24 estados em que o MST está organizado. A organização coletiva proporcionada por dois elementos fundamentais no MST - lutar e construir - estão interligados no processo da formação humana e as crianças são parte construtora dessa formação e do processo histórico do MST. Para a realização desse trabalho, realizamos a pesquisa de campo no Estado do Pará, com entrevistas com educadores e militantes, conversações com as crianças e levantamentos de materiais do MST sobre educação e infância, Jornal – Sem Terra. A pesquisa destaca, como objeto central, as ações contra-hegemônicas que o MST vem desenvolvendo com as crianças, através das Jornadas Nacionais dos Sem Terrinha, e que é uma forma de mobilização de crianças em todo Brasil. Nesse sentido, observamos a confluência entre a pedagogia do MST na formação das crianças Sem Terra e a pedagogia socialista para a educação política da infância, grande referência de educação transformadora na luta pela terra. E, ao final, concluímos com as matrizes formadoras – Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a auto-organização; e o Internacionalismo para a infância–, na perspectiva da construção de um programa de formação para a infância Sem Terra.

Palavras – chave: Educação, Trabalho, Infância - Sem Terrinha, Ciranda Infantil – Agronegócio – Luta.

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ABSTRACT

This research named "Education, Work and Childhood: contradictions, limits and possibilities in the Landless Rural Workers' Movement" was motivated to identify the dispute for the children of the working class through the pedagogy of capital, investigating what role the institutions of agribusiness have fulfilled in the education of the children of the working class and with what intention MST has organized and makes the human formation in political education of children in camps and settlements in a context marked by capitalist relations. The particular objective of the research was to analyze the MST educational practice in the formation of Landless children, through the children's mobilization in the Southeast Region of the State of Para and their counter-hegemonic actions. The Landless Rural Workers' Movement (MST), since its origin in 1984, has the child's presence in the struggle for land and, through reflections inside the struggle, develops a work beyond the schools with children from camps and settlements of the 24 states in which the MST is organized. The collective organization is based in two key elements in MST – struggle and build – that are interconnected in the process of human development. Children are active constructors of such development and of the historical process of MST. The field research was conducted in the state of Pará, with interviews with educators and militants, talks with children and the survey and analysis of the MST materials about education and children, particularly the newspaper Jornal Sem Terra. This research highlights, as the main object, the counter-hegemonic actions that the MST is developing with children, through the national week of the Landless Children, that is a way of children´s mobilization across Brazil. In this sense, we observe the confluence between the pedagogy of MST in the formation of Landless children and socialist pedagogy for child political education, great reference of an education that brings social transformation in the struggle for land. At the end, we conclude with the identification of the forming matrices - Work as an educational principle; the Struggle; the Collectivity; the self-organization; and internationalism for childhood - in the perspective of the construction of a formation program for Landless childhood.

Keywords: Education. Work. Childhood – Landless Children. “Children´s Ciranda”. Agribusiness. Struggle.

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LISTA DE SIGLAS

ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio

AL – Alagoas

ANAP - Associação Nacional de Agricultores Pequenos

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BA – Bahia

CEBs - Comunidades Eclesiais de Base CEDAC - Comunidade Educativa

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CE – Ceará

CPA – Cooperativas de Produção Agropecuárias CPT - Comissão Pastoral da Terra

CLOC – Coordenação Latino-americana de Organização do Campo

CUC - Comitê de Unidade Campesina

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DF – Distrito Federal

EMPBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes

ENERA - Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária

ES – Espírito Santo

GO – Goiás

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

JST – Jornal Sem Terra

MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens

MG – Minas Gerais

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores

MA – Maranhão

MEC - Ministério da Educação

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

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MS – Mato Grosso do Sul

MT – Mato Grosso

OPJM - Organização dos Pioneiros José Martí

ONG – Organização Não Governamental

PA - Pará

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PE – Pernambuco

PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária

PR – Paraná

PIB - Produto Interno Bruto

PI – Piauí

PB – Paraíba

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PJR - Pastoral da Juventude Rural

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

RJ- Rio de Janeiro

RN – Rio Grande do Norte

RO – Rondônia

RR – Roraima

RS – Rio Grande do Sul

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

SESC - Serviço Social do Comércio

SESI - Serviço Social da Indústria

SE – Sergipe

SC – Santa Catarina

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TPE - Todos Pela Educação

TO – Tocantins

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________16

CAPÍTULO 1 – PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA E FORMATIVA DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA TERRA_____________________________________________________________43

1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem Terra________________________________________________________________44

1.2 O MST e a Educação________________________________________________58

1.3 A infância no MST__________________________________________________67

1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra_____________________70 1.3.2. A ocupação do universo infantil na comunicação e cultura do MST____74

CAPÍTULO 2 – A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA ____79

2.1 A educação como um instrumento hegemônico do capital ___________________80

2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento_____________________94

2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do campo______________________________________________________________101

CAPÍTULO 3 - A INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM FORMAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA_______________________________117

3.1. As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha____________ 118 3.2. A luta pela terra e a Infância no Pará __________________________________131

3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará -15 anos de jornada dos Sem Terrinha_ ___________________________________________________________________144

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3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e 2015_______________________________________________________________ 147 3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia contra-hegemônica__________________________________________________________158

3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância ___170

CONSIDERAÇÕES__________________________________________________185

REFÊRENCIAS _____________________________________________________192

ANEXOS___________________________________________________________ 199

1. Manifesto dos Sem Terrinha à Sociedade Brasileira (2014)___________199 2. A significação da infância em documentos do MST_______________ __201 3. "A GRANDE ESPERANÇA”. Frei Sergio Gorgen__________________208 4. JST artigos de 1994 – 1995 – 1996_______________________________210 5. Carta do Sem Terrinha do RS 1995______________________________ 214 6. Cartaz dos Sem Terrinha de São Paulo (1996)______________________215 7. Manifesto dos Sem Terrinha ao Povo Brasileiro – de SP (1996)________216 8. Programação do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Estado do Pará 217_________________________________________________________ 218 9. Matéria do Jornal Correio. O Jornal de Carajás. Sobre o Encontro Estadual dos Sem Terrinha – 2014__________________________________219

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De pernas pro ar.

(A escola do mundo ao avesso)

Eduardo Galeano

“Na América Latina,

crianças e adolescentes somam quase a metade da população total. Metade dessa metade vive na miséria. Sobreviventes: na América Latina, a cada hora, cem crianças morrem de fome ou de doenças curáveis, mas há cada vez mais crianças pobres em ruas e campos dessa região que fabrica pobres e proíbe a pobreza. Crianças são, em sua maioria, os pobres; e pobres são, em sua maioria, as crianças. E entre todos os reféns do sistema, são elas que vivem em pior condição. A sociedade as espreme, vigia, castiga e às vezes mata; quase nunca escuta, jamais a compreende. [...] Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana”.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho “Educação, trabalho e infância: contradições, limites e possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra” foi desenvolvido num contexto marcado por perdas das conquistas da classe trabalhadora, de violação dos direitos humanos com a chamada Lei da terceirização PL 4330/04, da aprovação da redução da maioridade penal e do projeto antiterrorista para combater, principalmente, as manifestações populares. Um período de derrotas dos governos “populares” e de esquerda na América Latina, com fortalecimento do movimento conservador em prol do impeachment da atual presidente do Brasil, em 2016, considerado pela esquerda brasileira uma tentativa de golpe pelo poder dominante. Um cenário de muitos conflitos e contradições imposto pelas investidas da classe dominante, através da ideologia e força jurídica, midiática e política dominante; mas é também um período de luta e resistência da classe trabalhadora em suas diferentes frentes de atuação e defesa da democracia.

Este trabalho de pesquisa contextualiza elementos do processo histórico do Movimento da construção coletiva de uma concepção de educação no MST, fundamentada no contexto da luta pela terra e as condições objetivas (da luta), para a sua efetivação. Uma organização política e nacional de camponeses que, a partir da realidade brasileira, se organizam e lutam para permanecer produzindo e (re)significando o território brasileiro que, historicamente, foi e é marcado pela concentração fundiária. A educação crítica, popular e socialista de caráter internacionalista que contrapõe-se à pedagogia burguesa, contribui com a gestação coletiva dos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem a concepção de educação do MST, tendo como materialidade concreta a luta pela terra.

A temática presente faz parte do meu processo de formação política e atuação como educadora e militante de crianças, filhas dos(das) trabalhadores(as) do MST. É desde esse lugar que tenho a oportunidade de ter a vivência acadêmica e aprofundar os estudos da infância. Escrever a dissertação de mestrado, trazendo elementos que

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compõem um repertório da minha vida, por vezes esquecida, é um meio de dar sentido à vida das pessoas através da sua própria história-memória. E, certamente, o grupo social no qual participo se faz refletir sobre a minha atuação prática e sobre a necessidade da construção de uma teoria, como resultado de um processo coletivo, para a educação e formação da classe trabalhadora, me fazendo convicta da luta que temos na atualidade e para a importância da coletivização do conhecimento .

Pesquisar a infância, através das Jornadas dos Sem Terrinha, é um desafio sobre as minhas próprias motivações, como integrante do movimento popular. Essas motivações provocaram, em mim, a vontade e a necessidade política em continuar aprofundando os estudos sobre esse movimento infantil, existente há 21 anos e que vai se tornando uma organização com referência política das crianças Sem Terra no Brasil. Os estudos do Mestrado provocaram, em mim, o exercício de pensar para além das crianças do MST, buscando compreender a relação que o capitalismo estabelece com as crianças da classe trabalhadora, através da pedagogia do capital, e de sua influência na formação dessas crianças. Entendo que os elementos da formação das crianças Sem Terra e as ações contra-hegemônicas que vêm sendo realizadas historicamente no MST constituem contribuição fundamental para a organização dos trabalhadores do campo e, em especial, para crianças que são inseridas nos processos organizativos e, também, do protagonismo da história da luta pela terra.

A finalização do mestrado é, para mim, a conquista de uma etapa fundamental do meu processo de formação e estudos e que seguem pela vida toda. Só foi possível, entretanto, porque, ao longo da história, a luta pelo direito ao estudo esteve presente nas relações políticas, na aposta da construção coletiva de outra pedagogia com camaradas das diferentes organizações, professores de universidades, entre outros, que acreditam na construção do projeto da classe trabalhadora. Por isso, este trabalho é uma produção tecida por muitas mãos, na qual trago reflexões e sistematização de um processo coletivo.

A pesquisa teve como motivação e questão identificar a disputa pela infância da classe trabalhadora através da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora e com qual intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na educação política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto

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marcado pelas relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi de analisar a prática educativa do MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização infantil no Estado do Pará e suas ações contra-hegemônicas.

A pesquisa, de caráter qualitativo, analisou uma das práticas educativas do MST, as Jornadas dos Sem Terrinha, como um trabalho formativo da educação política das crianças, no Estado do Pará, com uma contextualização do marco histórico do Primeiro Congresso Infantil, em 1994, no Estado do Rio do Grande do Sul, e que proporcionou uma movimentação e organização das crianças nos Estados onde o MST está organizado, transformando as mobilizações em atividades de caráter nacional.

O caminho escolhido para a realização da pesquisa, em termos metodológicos, foi de retomar, outras pesquisas e estudos sobre a infância Sem Terra, desenvolvidas no decorrer de minha formação política e acadêmica e que tiveram por fonte os documentos já produzidos Sobre, Para e Com a Infância Sem Terra. Uma das principais fontes que contribuiu com informações sobre o processo da identidade política Sem Terrinha foi o Jornal Sem Terra (JST), nos anos de 1994 – 1995 e 1996, e as referências do Primeiro Encontro Infanto Juvenil do Estado de São Paulo, de 1996. As referências políticas do Setor de Educação nos Estados, bem como as informações cedidas pelos dirigentes nacionais do MST, contribuíram com o levantamento das primeiras atividades realizadas com as crianças, nos Estados, e entrevistas para contextualização do Setor de Educação e suas relações com os processos de luta internacionalista.

A retomada desses estudos nos desafiou pesquisar as crianças que vivem num campo de expressiva conflitualidade agrária, no contexto da luta pela terra no Estado do Pará. Foram momentos fortes, vividos, sensíveis, num cenário de resistência, luta e construção de possibilidades, mesmo nos limites da sociedade capitalista. A acolhida da pesquisadora e da pesquisa pela militância do Estado do Pará, proporcionaram um intenso trabalho de campo em espaços localizados na Região Sudeste Paraense: visitações em assentamentos e acampamentos, as escolas destes territórios, as estruturas de Carajás, o Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico – IALA, o Instituto Federal do Pará - IFPA que está localizado no Assentamento 26 de Março, município de Marabá.

Para coleta de dados, foram realizadas conversações com as crianças da educação infantil de 4 a 5 anos da Escola Salete Moreno, com as crianças de 7 a 12 anos

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nas Jornadas dos Sem Terrinha das diferentes áreas de assentamentos e acampamentos, bem como entrevistas semiestruturadas com os educadores das escolas e do setor de educação no estado do Pará. A retomada histórica das Jornadas dos Sem Terrinha no MST, desde a origem da identidade política e da construção de uma frente de crianças que fazem a luta contra-hegemônica nos acampamentos e nos assentamentos do MST no Brasil. Com o recorte na pesquisa participante dos últimos dois anos (2014 e 2015, num período de quarenta dias), presenciei, participei e observei os processos de organização dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, no Estado do Pará, e a formação da educação política das crianças Sem Terrinha.

Para o aprofundamento e análise da pesquisa, trabalhamos com as referencias dos documentos do MST; de Roseli Salete Caldart, para a contextualização da educação do MST; O Jornal Sem Terra como fonte documental e como marco de um processo inicial da Mobilização Infantil no MST; dos estudos de Moisey M.Pistrak e Viktor N. Shulgin sobre os processos da pedagogia socialista na união Soviética; Para responder à questão da pedagogia do capital: como ela vem disputando a formação de crianças, jovens e adultos do campo e da cidade através da educação e de projetos culturais? Esse processo exigiu uma contextualização do papel da educação no Brasil; das leituras e pesquisas importantes sobre o agronegócio como “palavra política” e a sua inserção no campo brasileiro, da ABAG, da VALE, bem como de pesquisas nos próprios sites dessas empresas e outras. Debruçar sobre o assunto e sobre essas fontes foi fundamental para entender melhor a “disputa dos filhos da classe trabalhadora” pela pedagogia do capital. Os estudos de Regina Bruna sobre o agronegócio; de Rodrigo Lamosa sobre o programa Agronegócio na escola; da Roberta Traspadine sobre os projetos educativos do agronegócio nas escolas; da Maria Luisa Mendonça, com os estudos da origem do agronegócio; de Neil Postman sobre o “desaparecimento da infância” na década de 1970 nos Estados Unidos; Sobre o lugar da infância na luta pela terra e a questão agrária, os autores Paulo Alentejano, João Pedro Stedile, Fernando Michelloti, Haroldo de Souza, Leonilde S. de Medeiros e Guilherme Delgado apontaram elementos fundamentais para entender a questão agrária no Brasil; de Mari Del Priori, trazendo a história das crianças no Brasil e de José de Sousa Martins, com os estudos das crianças da luta pela terra, filhas de posseiros e pequenos agricultores na região amazônica na década de 1970 e Deise Arenhart nos estudos das crianças da luta pela terra no MST.

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A escolha do tema infância da luta pela terra tem a ver com meu percurso histórico e dos sujeitos da pesquisa, pois o foco nas crianças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está relacionado à minha trajetória de vida e ao meu processo de formação. Desde minha adolescência, vivenciei a vida num acampamento e, depois, num assentamento, tendo a oportunidade de iniciar minha militância, como educadora, trabalhando com a organização das crianças Sem Terra da Regional Sudoeste Paulista, através do Setor de Educação, contribuindo na organização das crianças do assentamento da Agrovila III, na preparação do I Congresso Estadual Infantojuvenil do Estado de São Paulo.1 Minha trajetória e a vivência da infância no campo, como a de milhares de crianças privadas dos seus direitos, da negação do acesso à terra e do direito de estudar, foram dois fatores impactantes na minha vida. Eles marcaram minha relação com o acampamento e o assentamento, bem como o processo de formação na militância do MST, espaço que forjou, em mim, a convicção do direito de lutar e se enraizar na luta pela terra e na organização das crianças dos assentamentos e acampamentos através da educação e cultura.

Há, também, uma relação com o processo de estudo, com o aprofundamento da discussão sobre a infância do campo, tendo presente que o lugar da infância no sistema capitalista foi demarcado, historicamente, pela relação entre trabalho e capital. Nesta relação, educação pensada e ofertada para os filhos da classe trabalhadora, intencionalmente, estabelece uma relação de dominação e hegemonia da ideologia burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e competitivos.

A escolha em realizar a pesquisa na Região Sudeste Paraense está relacionada ao processo de luta permanente e resistência do MST no enfrentamento às empresas do agronegócio, como a mineradora Vale, as ações frequentes da pistotolagem e das ações contra-hegemônica que o MST tem proporcionado desde as escolas e as intervenções em outros espaços da luta pela terra.

A pesquisa de campo foi realizada no Estado do Pará, com base na análise do trabalho das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST, como também na observação da Jornada Estadual dos Sem Terrinha. O MST, no Pará, tem provocado o conjunto do MST, através do Setor de Educação, a refletir sobre o lugar da infância no

1

Este Congresso fortaleceu nacionalmente a origem e identidade ao nome Sem Terrinha no MST. Ver referência nos documentos: Capítulo 3 da Dissertação. Monografia “Sem Terrinha Semente de Esperança” IEJC/RS (1999) e Dicionário da Educação do Campo “A infância do campo” (2012).

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Movimento. Na realização do VI Congresso Nacional do MST, em 2014, uma delegação de crianças do Pará participou sem os seus pais do Congresso, fato único até então. Em 2015, foi delegada para um coletivo de crianças a tarefa de pensar como deveria ser o encontro dos Sem Terrinha Estadual e apresentar para Direção Estadual do MST. Também foi garantida a participação de uma representação de crianças, indicada em cada área de assentamento e acampamento, para participação do Encontro Estadual do MST/PA, com intervenção nas plenárias e assembleias dos Sem Terrinha.

No contexto da luta e da resistência permanente, o Movimento no Estado do Pará tem buscado realizar ações de formação com as crianças na escola, nos Encontros Sem Terrinha e outros espaços que buscam se contrapor à educação na lógica do capital. As vivências, no sudeste do Pará, se deram no período de outubro de 2014, e em Maio e outubro de 2015, nas atividades dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, e da atividade nacional da produção coletiva de uma orientação para as escolas de educação infantil de assentamento, que, todavia está em construção.

A escolha do lugar e dos sujeitos da pesquisa levaram em conta a luta pela terra e o contexto do conflito agrário do Estado do Pará, bem como o protagonismo das crianças, garantido pela sensibilidade do coletivo de militantes do MST, no Pará, proporcionando que as jornadas dos Sem Terrinha fossem se transformando em espaço preparado com elas e, de fato, delas. Podemos afirmar que a infância, forjada na luta pela terra, através da organização do MST, é lutadora e construtora, especialmente de uma referência de um lugar que permite o ser criança e ter infância.

Com relação ao método de estudo, a importância da teoria como um referencial para a pesquisa e, nesse caso, o materialismo histórico dialético para o aprofundamento da análise da sociedade capitalista, me permitiu estudar o processo de desenvolvimento do capitalismo, as contradições geradas pela acumulação do capital, o papel da educação na perspectiva marxista, tendo a teoria como um referencial fundamental, alicerçada pela prática social, articulando o fazer e o pensar, a luta e construção. Essas questões foram umas das referências na construção da pedagogia socialista soviética na construção da escola do trabalho. Para Saviani (2011),

[...] a filosofia da práxis, tal como Gramsci chamava o marxismo, é justamente a teoria que está empenhada em articular a teoria e prática, unificando-as em práxis. É um movimento prioritariamente prático, mas que se fundamenta, teoricamente, alimenta-se da teoria para

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esclarecer o sentido, para dar direção à prática. Então, a prática tem primado sobre a teoria, na medida em que é originalmente. A teoria é derivada. Isso significa que a prática é, ao mesmo tempo, fundamento, critério de verdade e finalidade da teoria. A prática, para desenvolver-se e produzir suas condesenvolver-sequências, necessita da teoria e precisa desenvolver-ser por ela iluminada. Isso nos remete à questão do método (SAVIANI, 2011, p. 120).

O “Método da economia política” de Marx, constante do livro Contribuição à crítica da economia política, explicita a passagem do “empírico ao concreto” – ou a passagem da “síncrese à síntese”, da prática social global como ponto de partida e como ponto de chegada (SAVIANI, 2011, p. 121). O método pedagógico explicado a partir dos fundamentos teóricos da concepção materialista dialética da história, para Saviani (2011) possibilita que as questões apareçam como resultantes das relações sociais globais, ou seja, é necessário serem compreendidos historicamente pela herança que cada geração herda da anterior através dos modos de produção que as impõe a tarefa de “desenvolver e transformá-la”, através dos meios de produção de determinada sociedade. “A educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais” (SAVIANI, 2011, p. 121).

A junção da teoria e prática corresponde a uma necessidade de “transformar a realidade” a partir das condições de produção da vida material dos seres humanos, base social de uma formação social, e pela capacidade de transformar a natureza e se apropriar dela, base e fundamento da diferenciação entre o homem e os animais. E, nesse sentido, a concepção da educação socialista decorre de que a criança não nasce já com as características que a define como humano, mas é as relações sociais que ela estabelece que as constituem e que vai definir a sua própria sobrevivência e existência na história.

O homem é, pois, um produto da educação. Portanto, é pela mediação dos adultos que num tempo surpreendentemente muito curto a criança se apropria das forças essenciais humanas objetivadas pela humanidade tornando-se, assim, um ser revestido das características humanas incorporadas à sociedade na qual ela nasceu (SAVIANI, 2013, p. 250).

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A formação humana tem como desafio superar as relações de classe e pensar em uma educação da infância que rompa com a concepção burguesa de educação que se prende somente na escola burguesa, Lombardi (2013) nos indica um “tripé” de ações, nesta direção: “Empreender uma radical crítica à educação burguesa; organizar uma educação crítica dos trabalhadores; uma formação política para a luta revolucionária”, (SAVIANI, 2013, p.15). Assim, explicita-se a implementação da pedagogia revolucionária na prática educativa. O materialismo histórico dialético é, sem dúvida, uma teoria social que possibilita uma metodologia de análise com base no movimento da realidade e nos processos históricos antagônicos.

[...] o marxismo torna-se a referência epistemológica mais importante do século XX. Isto é, o marxismo, enquanto método científico, tornara-se patrimônio universal da filosofia contemporânea, assim como a filosofia de Descartes tornara-se referência universal para a modernidade. Por isso, pensar e pesquisar a partir da dialética entre as classes sociais, relacionar infraestrutura e superestrutura, contexto histórico e subjetividade, priorizar o trabalho como categoria e fonte de valor e, sobretudo, considerar a coletividade e a igualdade entre (homens) valores prioritários frente à liberdade individual, qualifica programas políticos e posturas intelectuais de socialistas ou de esquerda, independente de qualquer identificação político-burocrático (NOSELLA, 2002, p.108).

No caso da pesquisa com a infância no MST, os procedimentos metodológicos indicam a necessidade de compreender que, historicamente, o lugar das crianças foi forjado através da luta pela terra, inserida nas contradições do capitalismo. Desta forma, um dos objetivos neste trabalho é entender como, apesar da preocupação com uma formação crítica, a pedagogia do capital atinge as crianças do campo e cidade, e inclusive no MST, nos limites da sociedade de classe, vem proporcionando formação política às crianças Sem Terra, nas últimas três décadas. É desafiador trazer a infância para dentro das pesquisas, num contexto marcado pela fetichização da infância, pelo consumismo, em que a tecnologia tem, cada vez mais, criando brinquedos e produtos que dialogam com a criança, compondo-se as relações sociais atuais na vida da criança, no embate colocado pela relação capital e trabalho. Postman, em seus estudos sobre a infância como “desnecessária e inevitável”, com foco no desaparecimento da infância no final da década de 1970 e início de 1980, nos Estados Unidos, afirma que: “Para onde quer que a gente olhe, é visível que o comportamento, a linguagem, as atitudes e os desejos, – mesmo a aparência física – de adultos e crianças se tornam cada vez mais

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indistinguíveis”. E que todas as evidências indicam que a “história da infância se tornou, agora, uma indústria importante para os especialistas” (POSTMAN, 2012, p. 18 – 19). Sobre o assunto, Felipe entende que,

Aos pesquisadores das crianças, cabe a tarefa de elaborar um conhecimento que, captando a sua historicidade, permita apreender como pensam, sentem e vivem a vida. Um conhecimento capaz de incorporar no seu dizer a memória individual e social, a produção simbólica e discursiva das crianças de todos os grupos sociais, naquilo que têm de comum (como seres do mundo) e diverso (como seres que interpretam para si o mundo). Tanto na cidade como no campo, talvez tenha mudado “a rua da infância”. O que permanece é a tarefa de articular os ordenamentos sociais com a produção cultural das crianças, sem pretender atribuir uma liberdade da qual não dispõem – na medida em que só se pode ser humano com os outros, nem negar a faixa de autonomia que dispõem para produzir um lugar no mundo. (FELIPE, 2009, p.64).

O direito da criança, no MST, ganha uma forma diferente ao da sociedade hegemônica, mas, sem dúvida, as influências da pedagogia do capital está em toda parte e, por isso, os acampamentos e assentamentos do MST, como não são lugares isolados, também acabam sendo influenciado pela lógica do capital.

O reconhecimento da alteridade das crianças em relação aos adultos (da sua linguagem, do seu modo de pensar e conhecer) abre um leque de possibilidades de pesquisas com crianças. Há, sem dúvida, um grande ganho nesta formulação, na medida em que as crianças podem ser tomadas como sujeitos de pleno direito, capazes de gestar e gerir situações complexas, ideia que se opõe à infância como um período de minoridade. (FELIPE, 2009, p. 69).

A pesquisa com criança, no caso específico da luta pela terra, nos mostra que juntamente com os seus familiares, ela enfrenta o latifúndio da terra, as empresas do agronegócio e que vem se tornando um grande problema na disputa pelo território do campo. Nos estudos de Martins, no final da década de 1970, em pesquisa na região Amazônica com crianças filhas da luta pela terra de posseiros e trabalhadores deslocados para reforma agrária no Mato Grosso, o autor destaca a importância do projeto de pesquisa para a memória histórica sobre as “crianças sem infância”, com o objetivo de proporcionar uma pesquisa que revelasse o “que é ser criança no mundo subdesenvolvido”, embora a realidade dessas crianças, filhas de posseiros e pequenos agricultores, na sua subjetividade não aparentasse uma necessidade de pesquisa. Mas ele

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destaca a importância em estudar e pesquisar a infância e como ela vai sendo suprimida da história:

A supressão da infância suprime ao mesmo tempo processos sociais vitais, pois submete as novas gerações a relações sociais e uma socialização enferma que já não estão mais sob domínio de homens e sim de coisas. É ilusória a liberdade gestada nessas condições, porque é antes de tudo a liberdade da coisa, da mercadoria, da criança convertida em mão de obra real ou potencial. [...] Gostaria, igualmente, que este nosso trabalho encorajasse os pesquisadores das ciências sociais a trabalharem mais amplamente com a concepção de mudos da História, os deserdados, banidos e excluídos, os sucateados pelas conveniências do poder e do grande capital, são cada vez mais sujeitos do processo histórico. (MARTINS, 1991, p. 14-16).

Para Martins (1991), são elencados dois pontos importantes para a pesquisa: o da história oral e da história documental. Ele considera que dificilmente o historiador considere a primeira tão importante quanto a segunda. E, com isso, ficam evidentes que os documentos são registros importantes, mas que determina uma linguagem e um tempo da vida que certamente não contempla a infância. A escolha feita em retratar em seu processo o “que é a supressão da infância na periferia do mundo moderno desenvolvido e abastado” aponta como problema social uma multidão de crianças convertidas no exército de reserva, mão de obra excedente para a reprodução do capital (MARTINS, 1991, p. 12). Essa pesquisa nos chama atenção pelo sentido da dedicação e atenção dada pelo pesquisador para com essa frente etária:

O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos, os que não falam. De nada adiantaria conversar com eles. São os que em público e diante do estranho permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças, os velhos, os agregados da casa, os dependentes, os que vivem de favor. Ou os mudos da história, os que não deixam textos escritos, documentos. [...] Ainda que os cientistas sociais reconheçam e incorporem em suas investigações a diferenciação social, como as classes sociais, ou gêneros, fazem-no no intuito de resgatar categorias sociais que tem substância e especificidade. Quando o operário fala, é a fala da classe; quando a mulher fala, é a fala do gênero. Mas as ciências sociais têm trabalhado pouco outra modalidade de diferenciação que é metodologicamente fundamental: referi-me à que diz respeito ao enquadramento ou não da pessoas na linguagem que o instrumental sociológico pode captar e que é, na verdade, um código de poder, uma linguagem de poder (e também de classe média, de gênero masculino, de idade adulta) (MARTINS, 1991, p. 53- 54 – 55).

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Estudos sobre a infância2 vêm mostrando os efeitos da sociedade capitalista na limitação dos direitos à infância, que afeta mais as crianças da classe trabalhadora, reafirmando o "não lugar" que as crianças historicamente tiveram na sociedade, o que as afasta das esferas da participação, da "política" e do trabalho como princípio educativo. As crianças do MST podem dar uma grande contribuição aos estudos da infância da classe trabalhadora por considerar essas dimensões muitas vezes esquecidas.

Os Sem Terrinha, como os próprios se denominam para marcar sua identidade de “ser criança Sem Terra”, são, sobretudo, “crianças em movimentos”, por tanto, estão inseridas na dinâmica de um movimento social que também elas, como criança ajudam a construir. Ao mesmo tempo, não estando fora do contexto de uma sociedade desigual e excludente, trazem as marcas do mundo do trabalho, da fome, do frio, das desigualdades de se viver embaixo da lona preta, do sacrifício da luta cotidiana pela sobrevivência; seus corpos expressam sua condição de classe. Por outro lado, seus corpos também retratam uma identidade de luta, dignidade e confiança no presente e no futuro, porque estão inseridos em um movimento social que produz essa força no interior dos seus processos educativos (ARENHART, 2007, p. 43). Compreendendo a necessidade da organização infantil a partir da realidade concreta da luta do MST, criando uma organização para além do processo institucional da escola, foi fundamental colocar em pauta as crianças no MST e as questões que a afetam no dia a dia e que tornam-se pautas de luta das crianças. A concepção de infância que o MST foi construindo ao longo de seus 31 anos tem uma perspectiva histórica, dialética e crítica com base na realidade social. Sua prática educativa está vinculada ao pensamento da educação popular, com base na pedagogia do oprimido e da Pedagogia Socialista, base e fundamento que compõe a própria construção da Pedagogia do Movimento Sem Terra. Na construção da prática educativa, o processo de construção coletiva de formação humana é o que dá significação ao resultado do trabalho educativo no MST.

A contradição da propriedade privada, da concentração fundiária e da ultraexploração do trabalho gerado pelo capitalismo, no contexto da luta pela terra, é resultado do processo histórico das forças dominantes sobre a classe trabalhadora e que,

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Os estudos de Neil Postman - O desaparecimento da Infância; Mary Del Priori - História das crianças no Brasil. José de Souza Martins - O Massacre dos Inocentes. A criança Sem Infância no Brasil.

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em cada período se resignifica, mas se mantém com o objetivo da acumulação do capital através da “exploração do homem sobre o homem” 3

, ou seja, a história de todos os tempos é a da luta de classes e, a relação trabalho e capital tem cada vez mais desenvolvido um processo de produção destrutiva do capital através da exploração da força de trabalho e da propriedade privada, apropriando-se cada vez mais da terra, da água e dos bens naturais.

O trabalho, desde a sua origem, é a condição básica para a vida humana, que vai criar o próprio ser humano (MARX, 2013). O desenvolvimento da humanidade através do trabalho surge muito antes da sociedade que conhecemos e vivenciamos, transforma a sua própria existência através de atividades com as mãos e diante de novas descobertas como andar, produzir sons, se comunicar e o expressar próprio sentimento, com o desenvolvimento do cérebro, se torna atividade transformadora na natureza e que ao mesmo a modifica. Esse processo de desenvolvimento humano que possibilita a ação criativa e coletiva por meio do trabalho social, acompanhado, para Marx, de uma alimentação mista principalmente carnívora, ofereceu para a humanidade essenciais ingredientes para o desenvolvimento do metabolismo humano. A alimentação mista vai significar dois novos avanços na humanidade, o uso do fogo que vai reduzir o processo digestivo e a domesticação dos animais sendo que o hábito da alimentação humana transforma animais como gatos e cães selvagens em servidores do ser humano. Com esse processo de desenvolvimento, com a capacidade humana em se alimentar e adaptar-se nos diferentes climas ao quais os animais não conseguiram acompanhá-los, “[...] quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a natureza adquire um caráter de ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar os objetivos projetados de antemão”, o qual os diferencia dos animais. (MARX, 2013, p. 20-21-23).

O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que representam os instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que nos chegaram dos homens pré-históricos, pelo gênero de vida dos povos mais antigos registrados pela História, assim como pelo dos

3 O Manifesto do Partido Comunista (1872) afirma que o capitalismo cria internacionalmente novas necessidades, coloca a propriedade privada em poucas mãos, erguendo a burguesia ao poder com os meios de produção e de troca, produz os homens que criam as armas e as manejam, baixa o valor da força de trabalho – resultando no salário, para manter a sua existência mínima do ser humano e sua condições de trabalho.

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selvagens atuais mais primitivos? São instrumentos de caça e de pesca, sendo os primeiros utilizados também como armas. Mas a caça e a pesca pressupõe a passagem da alimentação exclusivamente vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de suma importância na transformação do macaco em homem. (MARX, 2013, p.20).

O trabalho tem, em sua dupla condição positiva e negativa, criador e destruidor, nos modos de produção onde ocorreu a divisão de classes. O trabalho como princípio educativo para a formação humana, e seu significado nesse contexto, é de uma relação ativa e criativa para a produção da existência, num processo que vai se realizando ao longo da história pelos próprios seres humanos e o resultado desse processo é o próprio humano. Porém, com o desenvolvimento humano, o trabalho criativo foi sendo submisso ao capital, a reprodução ampliada do lucro que vai ocorrer com a apropriação da força de trabalho e divisão social do trabalho, aumentando a produtividade da mercadoria, especialização dos trabalhadores, modificando a natureza do trabalho como atividade criativa e produtiva para a existência humana. De acordo com Marx, após a sociedade primitiva, com a produção de excedentes e o regime de trocas de mercadorias, o surgimento das classes sociais, a propriedade privada e o Estado, levará à formação de modos de produção cuja essência é a exploração de uma maioria de trabalhadores por uma minoria de exploradores. O capitalismo, atual modo de produção dominante, analisado por Marx, desenvolveu ao máximo a concentração da riqueza:

Os homens que nos século XVII e XVIII haviam trabalhado para criar a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as condições sociais em todo mundo e que, sobretudo na Europa, ao concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar primeiro o domínio social e político à burguesia e depois provocar a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os antagonismos de classe. (MARX, 2013, p. 27).

É nesse cenário da luta de classe, da luta pelo trabalho criativo e da resistência histórica da classe trabalhadora em suplantar a propriedade burguesa, buscando superar as contradições de classe, a luta por direitos e supressão da propriedade burguesa, colocando as contradições e as posições coletivas da classe, que o método que Marx e

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Engels utilizaram através do processo histórico de análise do desenvolvimento dos modos de produção, nos deixa um referencial que é atual. De que:

Não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução da vida humana, pois essa apropriação não deixa nenhum saldo que lhe confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos abolir o caráter miserável dessa apropriação, que faz com que o trabalhador viva para multiplicar o capital, viva enquanto é de interesse da classe dominante. (MARX & ENGELS, 2008, p. 33).

O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, tem suas raízes no genocídio dos indígenas, no escravismo, na grande propriedade de terra, na exportação de matérias-primas, na superexploração do trabalho e dos bens da natureza. Essas são as marcas históricas desse processo onde os trabalhadores foram permanentemente marcados pela violência. Na atual conjuntura – tanto no campo como na cidade –, a questão agrária tem sido uma pauta permanente em todo esse recorrido histórico. Alentejano (2014), Medeiros & Delgado (2010) pontuam questões históricas que se reafirmam na atualidade de formas diferentes na atuação do território brasileiro, cada vez com mais intensidade na acumulação do capital.

Para Alentejano (2014, p.25), a questão fundiária tem o seu marco histórico na Lei de Terra de 1850, “com o instrumento colonial das sesmarias” e, que permitiu a concentração fundiária no Brasil, tornando-se um grande problema social e histórico e tem sido demarcado através da luta pela terra e que, nos dias atuais, os conflitos da luta pela terra e o aparato judicial imposto, bloqueia o acesso à reforma agrária no país. A colonização também tem o seu o marco com a “invasão estrangeira” que há mais de 500 anos vem dizimando os povos nativos, escravizando os povos africanos e, no momento atual, com a “internalização da agricultura”, as compras de terras por empresas estrangeiras transnacionais, no Brasil, continuam expulsando e assassinando os povos do campo dos seus territórios, se apropriando da terra, da água e dos bens naturais do território brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 30).

Para Delgado (2010), a década de 1950 foi pautada pelo o discurso teórico e político da reforma agrária pós-guerra, obteve reação contrária, conservadora, com o discurso da modernização conservadora, técnica e agropecuária que prevaleceu depois do golpe militar. Os pensamentos vigentes no período sobre a questão agrária aparecem mais sistematizados em 1960, no Partido Comunista (PCB), nos setores progressistas e

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reformistas da Igreja Católica; na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL); e um grupo de economistas conservadores da Universidade de São Paulo (USP), liderados por Delfim Netto. A realização de uma reforma agrária, em seu sentido clássico, nesse período, era apoiada por um amplo leque de setores da sociedade organizada pelo PCB, setores da Igreja e a CEPAL. A Igreja Católica progressista teve um papel importante no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que legitimou a “função social da propriedade”, elaborado durante a Nova República, pós-ditadura, em 1985 (DELGADO, 2010, p. 81).

O pensamento católico sobre a questão agrária teve uma importante influência política e social nesse período, e iniciou um processo de mudança na atitude da Igreja sobre a mentalidade dos católicos sobre a reforma agrária. A partir de sua Doutrina Social, a Igreja legitima o princípio da “função social da terra”, promulgada em novembro de 1964. Ela substitui a tradicional concepção jurídica da propriedade, proveniente da Lei de Terras de 1850, que trata a terra como uma simples mercadoria. (DELGADO, 2010, p. 83).

Para o autor, o período histórico de 1965-1982, considerado “idade de ouro” pelo “desenvolvimento da agricultura capitalista e integração à economia industrial e urbana” (DELGADO, 2010. p. 86), no desenvolvimento que nasce com a derrota do movimento pela reforma agrária e que responde à política da década de 1950 da produção cafeeira e dos desafios que a modernização impõe no campo da exportação primária e diversificação agroindustriais mediada pelo setor financeiro público. É também um período de perseguições políticas durante a Ditadura Militar, pois as “principais lideranças camponesas foram presas, assassinadas ou forçadas à clandestinidade” (MEDEIROS, 2010, p. 124), e não tendo alternativas com a rápida modernização, os trabalhadores do campo sem perspectivas de continuidade nos seus territórios, buscam possibilidade de trabalho, tendo que abandonar o campo para viver nas periferias das cidades, ou então, se mantendo no trabalho agrícola assalariado, do corte da cana, da laranja, do algodão, entre outras formas encontradas pelos trabalhadores do campo para sobrevivência. Esse período de desenvolvimento, modernidade e fusão da agricultura e indústria, para Delgado, se caracteriza, por um lado, na mudança da base técnica dos meios de produção,

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[...] materializada na presença crescente de insumos industriais (fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e combustíveis líquidos); e máquinas industriais (trator, colheitadeira, equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre uma integração de grau variável entre produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais, como os oleaginosos, moinhos, indústrias de cana e álcool, papel e papelão, fumo e bebidas. Esses blocos de capital irão constituir mais adiante a chamada estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a política do Estado (DELGADO, 2010, p. 85-86).

Lembra-nos Delgado (2010) que é importante não esquecer que a investida do capital, o pacto territorial industrial e o latifúndio da terra na modernização da agricultura conservadora “nasce com a derrota do movimento da reforma agrária”, nos últimos anos do século XX, como a política neoliberal implementada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), com a retomada de um novo ciclo de modernização do agronegócio, articulado pela associação do capital agroindustrial com grande propriedade fundiária.

O segundo Governo de Cardoso iniciou o relançamento do agronegócio senão como política estruturada, com algumas iniciativas que no fim convergiram: 1) programa prioritário de investimento em infraestrutura territorial com “eixos do desenvolvimento”, visando a criação de economias externas que incorporassem novos territórios, meios de transportes e corredores comerciais ao agronegócio; 2) explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária (EMPBRAPA) a operar em perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio; 3) regulação frouxa do mercado de terra, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”, mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além de boa parte das autodeclarações produtivas; 4) mudança da política cambial, que, ao eliminar a sobrevalorização tornaria o agronegócio (associação do grande capital com a grande propriedade fundiária – sob mediação estatal) competitiva no comércio internacional e funcional para a estratégia do “ajustamento constrangido” (DELGADO, 2010, p. 94).

Na afirmação de Alentejano (2014), os efeitos do processo histórico na questão agrária brasileira resultam nas desigualdades da distribuição de terras, no Brasil, entre “a discrepância da representação política entre camponeses e agricultores familiares” e os “grandes proprietários de terras” que obtêm “1.587 vezes mais recursos públicos que os camponeses e agricultores familiares para o financiamento da produção

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agropecuária”. Esse modelo de agricultura destrutiva e mercantilista, representado pelo agronegócio derivado da “concentração fundiária e as desigualdades” existentes, representa,

A crescente internacionalização da agricultura brasileira seja em relação ao controle da tecnologia, do processamento agroindustrial, da comercialização, da produção agropecuária e da compra de terras; a crescente insegurança alimentar decorrente das transformações recentes na dinâmica produtiva da agropecuária brasileira; a perpetuação da violência e exploração do trabalho no campo e da devastação ambiental no campo brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 24).

A base do sistema capitalista está alicerçada na concentração fundiária e na ultraexploração do trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o agronegócio. Compreender a questão agrária e seus fundamentos no contexto da luta pela terra e o MST – que por uma necessidade concreta faz o enfrentamento ao latifúndio da terra –, é também pensar o lugar reservado para a infância do campo no contexto agrário e, no caso específico, as crianças do MST que fazem a luta pela terra juntamente com as suas famílias. Que questões ou indagações trazem as crianças nesse contexto de conflito agrário? Para Felipe,

A infância do Brasil agrário está marcada pela estabilidade, pela continuidade sem tensão entre a ordem social e os indivíduos. O tom estável, monofônico, sugere a existência de um mundo homogêneo, sem desvios, principalmente em relação às crianças. [...] Com a Constituição de 1934, ainda de forma bastante incipiente, a infância passa a fazer parte da ação e da função política do Estado. Ela surge no bojo de duas grandes transformações da sociedade brasileira, a industrialização e a urbanização, base material da ascensão de um novo modelo de família, a família conjugal. (FELIPE, 2009, p. 39-52).

O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, foi demarcado historicamente pelo trabalho, seja pela exploração do capital a que ela está sujeita ou de sua família. Na atualidade, se amplia para uma perspectiva de uma visão romântica de infância, desconectada das relações sociais, da produção de uma “infância ideal” de um ser em potencial consumidor, mais um elemento que se contempla na relação entre trabalho e capital, como afirma Felipe:

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A globalização fez o mundo maior, embora marcada por uma “perversidade sistêmica”. Para a infância, ela implica em alargamento dos espaços de socialização, que envolvem outros elementos além da relação adulto-criança. Além dos adultos, as crianças se relacionam com objetos, imagens, mundos outros sobrepostos ou em conflito com os seus. Por sua vez, os adultos não se resumem aos pais e professores, e talvez sejam estes os que têm menos controle sobre a socialização das crianças, pobres ou ricas, urbanas ou camponesas. Além de maior, o mundo ficou mais veloz em todos os lugares que a globalização uniu, e a descontinuidade entre tempo histórico e lugar é um desafio aos modos de pensar estruturados. (FELIPE, 2009, p. 64). A criança faz parte de um processo que não se separa do projeto hegemônico do capital, na sua especificidade, desde a inserção da criança pobre da classe trabalhadora na vida da família, na creche, na escola, no trabalho, entre outros. O direcionamento da formação da criança está ligado à sociedade em que ela vive. Sendo a sociedade capitalista vigente, certamente, se a criança não tem uma inserção na sua comunidade, nos movimentos sociais e políticos ou outros tipos de organização que as permita pensar, serem críticas e que esteja inserida na vida do seu lugar, possivelmente a sua formação estará condicionada à forma de submissão e aceitação do lugar reservado a ela no capitalismo.

No movimento da luta, os Sem Terra no MST, movimentam danças de diferentes ritmos, cores, sons que expressam desejos, vontades, desordem – subversividade à ordem. O desenho coletivo que vai sendo gestado no imaginário humano, desde a sua luta, tem em sua essência o rompimento com o meu, passando a ser o nosso, a palavra expressiva da arte em construção. Da arte de viver e sobreviver, com cores que nem sempre são as escolhidas, mas as possíveis, de danças e sons que existem para resistir ao tempo e suas contradições, formam-se em beiras de estradas, nas grandes áreas de terras concentradas (produtora de sons e ritmos “intolerantes” intoleráveis à ordem....), nascendo uma espacialidade diferente, forjada por lonas pretas ou palhas... Insistindo num movimento de mudanças, que nasce sempre da ausência de direitos, da concentração fundiária e da propriedade privada, logo, das relações capitalistas de exploração.

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O acampamento de lona preta ou palha, ou de pedaços de lonas em suas diferentes cores, vai sendo desenhado conforme a “aquisição” de tintas da sua população, se tornando uma pequena ou grande “cidade” de moradias improvisadas e itinerantes. A disposição dessa população, específica - que, por alternativa possível de trabalho, passa fazer parte do MST - enfrenta com organização e coletividade o latifúndio da terra no Brasil.

A ocupação da terra, em certa medida, busca romper com a estrutura individualista de sociedade, proporcionando às famílias, que ali passarão a residir, a transformação da forma de pensar sobre o mundo e suas contradições. Embora o processo de formação da consciência não seja algo dado, ao enfrentar o latifúndio da terra e lutar pela distribuição, projeta-se outro tipo de sociedade a partir do seu lugar, modificando-se a sua forma de vida e atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para as famílias, é muito mais que romper a cerca de arames farpados, é romper com a história burguesa, com crenças e ideários que até então tinham determinado suas vidas. É estar disposto a ser coletivo, a dividir o pouco que se tem com o conjunto de famílias acampadas, é respeitar as decisões do coletivo, é aprender a ouvir e ter, na força da luta, a vontade e ousadia em continuar lutando. Embora as contradições e conflitos sejam permanentes no dia a dia dos acampamentos do MST, pois este é um lugar habitado por homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, no qual vive o sonho de ter dignidade, conquistar a terra para sua moradia e produção de alimentos requer também um processo contínuo na formação da consciência.

O latifúndio é o pecado agrário brasileiro. Na afirmação de João Pedro Stedile (2000), a natureza do latifúndio foi a transformação da terra em uma falsa mercadoria para exploração, sendo que ela não é um bem de produção, não é fruto do trabalho humano, do trabalho acumulado, produzindo uma sociedade desigual. A terra é um “bem da natureza como a água, o vento, o sol”, mas como a terra não se multiplica e não se recria, o ser humano “instituiu a propriedade privada da terra” não como mercadoria, mas como uma forma de garantir lucros, acumulação e exploração do trabalho do outro. A terra tem um caráter de “espaço de exploração”, gerando uma sociedade com maiores diferenças sociais, “maior distância entre pobres e ricos” e vai determinar as relações sociais campo e cidade, num “caráter de cultura” das elites brasileiras, herança colonial latifundiária, escravagista, na transformação de grandes proprietários de terras. (STEDILE, 2000, p. 10-11).

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