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A construção da feminilidade: alguns impasses da relação mãe e filha

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

ANA PAULA PEREIRA VARGAS

A CONSTRUÇÃO DA FEMINILIDADE: ALGUNS IMPASSES DA

RELAÇÃO MÃE E FILHA

Ijuí

2017

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ANA PAULA PEREIRA VARGAS

A CONSTRUÇÃO DA FEMINILIDADE: ALGUNS IMPASSES DA

RELAÇÃO MÃE E FILHA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à graduação de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de psicólogo.

Orientadora: Kenia Spolti Freire

Ijuí

2017

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A CONSTRUÇÃO DA FEMINILIDADE: ALGUNS IMPASSES DA

RELAÇÃO MÃE E FILHA

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________ Profª Kenia Spolti Freire

Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ)

______________________________________________ Profª Sônia Aparecida da Costa Fengler

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, de alguma maneira, contribuíram em meu percurso acadêmico. Agradeço, em especial, à minha família, minha mãe Claudete e meu padrasto Paulo pela paciência em me apoiar durante todos esses anos, pelos conselhos dados e por nunca me deixarem desistir. Agradeço à minha orientadora Kenia por ter acolhido minha proposta de trabalho e contribuído da melhor maneira possível com a tranquilidade que me era necessária. Agradeço aos meus colegas por dividirem esses anos comigo, pelos laços criados, em especial à minha colega, e para sempre amiga, Carolina, por tudo que vivenciamos juntas, por dividir comigo esses anos e por estar sempre presente. Agradeço ao meu amigo Gregory por me auxiliar nos momentos em que desanimei e por sempre me incentivar a melhorar, pelo tempo e paciência que dedicou em me ajudar a organizar esse trabalho, obrigada. Agradeço também ao meu amigo Lucas por suportar com bom humor meus pedidos de ajuda e por abdicar de seu tempo para isso. Por fim, agradeço a todos os professores que me auxiliaram nesse tempo, em especial à minha supervisora Ana Dias pela transmissão de seu conhecimento e por contribuir com minhas escolhas desde o início do curso.

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O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja indiferente. Carreia sempre estragos. Um grande crocodilo em cuja boca vocês estão — a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar a bocarra. O desejo da mãe é isso. [...] Então, tentei explicar que havia algo de tranquilizador. [...] Há um rolo, de pedra, é claro, que lá está em potência, no nível da bocarra, e isso retém, isso emperra. É o que se chama falo. É o rolo que os põe a salvo se, de repente, aquilo se fecha. (LACAN, 1969-70, p.105).

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo abordar alguns impasses que inviabilizam o acesso à feminilidade em decorrência da relação estabelecida entre mãe e filha. Para isso, utiliza-se como referencial a teoria psicanalítica, percorrendo historicamente construções teóricas de Freud sobre a sexualidade feminina e a importância do vínculo pré-edípico estabelecido com a mãe para o futuro da feminilidade. Posteriormente, avança-se em direção às contribuições de Jacques Lacan sobre a inexistência de um símbolo que determine o feminino através da lógica fálica. Busca-se, a partir dessas contribuições, abordar as circunstâncias em que uma referência para além do falo podem problematizar o acesso de uma mulher à feminilidade e, em alguns casos, mantê-la ancorada em sua relação com a mãe.

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ABSTRACT

This undergraduate thesis has the objective to approach some hurdles that unfeasible the access to the femininity due to the established relationship between mother and daughter. For this, it is used as referential the psychoanalytic theory, historically going through the Freud theoretical constructions about the female sexuality and the importance of the pre-edipic bond established with the mother to the future of femininity. Afterwards, it goes through to the contributions of Jacques Lacan about the nonexistence of a symbol that determines female through the phallic logic. From this contributions, seek to accost the circumstances in which one reference beyond the fact can cause problems to the woman’s access to the femininity and, in some cases, it keeps her stuck in the relationship with her mother.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 1. A FEMINILIDADE ... 11

1.1 O SIGNIFICANTE FALO E A CONFLITIVA DO NASCIMENTO DO FEMININO ... 16

2. O VÍNCULO ENTRE MÃE E FILHA ... 27 2.1. "A PROFESSORA DE PIANO": UM DESFECHO POSSÍVEL À RELAÇÃO ENTRE MÃE E FILHA ... 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41 REFERÊNCIAS ... 43

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca compreender alguns impasses que se manifestam na construção da feminilidade em decorrência das relações estabelecidas entre mãe e filha. Para isso, torna-se necessário elucidar as particularidades da estruturação feminina que podem servir de obstáculo a essa transmissão.

O interesse por essa temática se deu em virtude de minha inicial prática clínica como estagiária de Psicologia, onde foi possível perceber a dificuldade encontrada por algumas pacientes em conseguir separar-se definitivamente de suas mães, sem que isso lhes fosse indicativo de culpa. Esses acontecimentos estavam em grande parte ligados às trocas que ainda exerciam com elas, o que não se findava quando adentravam na vida adulta. Essas manifestações apresentavam-se em circunstâncias relevantemente diferentes na vida de duas pacientes. Apesar disso, as duas compartilhavam da mesma dificuldade que residia em separar-se do universo materno. Em um desses casos o caráter reivindicatório da paciente em busca de algo que a determinasse como mulher era exaurido diante da impossibilidade de transmissão desse símbolo, o que a conduzia a uma intensa rejeição da condição feminina diante da crença de uma suposta superioridade masculina.

Para melhor compreensão da temática a ser exposta foi necessário construir o trabalho em dois tempos. Assim, o primeiro capítulo é dedicado às considerações iniciais a respeito da feminilidade, perpassando o percurso iniciado por Freud em suas construções teórico-clínicas sobre o particular desdobramento da sexualidade feminina. Busca-se compreender, a partir da evolução da teoria freudiana, as elucidações sobre o vínculo amoroso estabelecido com a mãe durante a fase pré-edípica serem determinantes para o destino sexual de uma mulher. Posteriormente, avança-se em direção às configurações orientadas a partir do conceito de falo para consolidar a diferenciação entre o sexos e, através das contribuições da teoria de Jacques Lacan, procura-se elucidar conceitos fundamentais ao entendimento das particularidades da castração feminina e de seu funcionamento de gozo.

O segundo capítulo orienta-se através da questão inicial presente nesse trabalho e busca abranger considerações teóricas que permitam responder a questão sobre a transmissão da feminilidade. Diante disso, busca-se compreender o que pode se problematizar diante da transmissão de mãe para a filha sobre sua condição como mulher. Posteriormente, avança-se em

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algumas considerações sobre o caráter arrebatador que a reivindicação por essa transmissão pode causar a uma filha e a problemática de instauração de um desejo separado do desejo materno. Para contribuição e melhor entendimento dos conceitos trabalhos, o segundo capítulo apresenta a análise do longa metragem "A Professora de Piano".

Finalmente, nas considerações finais deste trabalho busca-se refletir sobre as indagações que o tema provoca e, através do percurso das articulações conceituais, considerar a existência de caminhos possíveis para a feminilidade.

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1. A FEMINILIDADE

Aquilo que não pode ser nomeado a respeito da sexualidade feminina deixa restos ao imaginário popular. A mulher, como enigma a ser desvendado, foi historicamente retratada através da literatura e das artes e também "seduziu" Freud ao longo de sua experiência clínica e de seus compilados teóricos, revelando à Psicanálise um sinuoso caminho a ser explorado. Em sua construção teórico-clínica, Freud percorreu diferentes abordagens para compreender o que denominou metaforicamente como o “dark continent” da Psicologia. Apesar de suas descobertas acerca do desdobramento sexual feminino serem inovadoras, o autor encontrava impasses em evidenciar o que de mais particular existia na sexualidade das mulheres.

Ao compreender os caminhos da organização da sexualidade através de conceitos como o Complexo de Édipo, Freud orienta-se através de um referencial masculino, sendo o Édipo da menina inicialmente pouco explorado e incapaz de seguir os mesmos preceitos deste. As suposições do autor a respeito de semelhanças entre os dois processos tornam-se insuficientes diante da evidência de uma fase anterior à fase edípica, o que configura que o caminho percorrido pela mulher em busca de seu objeto final não apresente um caráter linear ao do homem.

Esse trabalhoso percalço é testemunhado por Freud em seu texto intitulado A

Feminilidade (1932), onde o autor declara que a Psicanálise não busca retratar o que é a mulher,

uma tarefa considerada como inconcebível, mas sim, trabalhosamente dizer de como esta se constitui. Embora Freud nunca tenha definitivamente encerrado sua questão sobre o tema, suas descobertas são consideradas de grande importância para o pensamento psicanalítico e atuam como base literária de diversos estudiosos.

Em suas primeiras observações sobre a importância atribuída pelas crianças às diferenças anatômicas entre os sexos, Freud ainda não as considera pelo primado do falo, mas sim do pênis. Em Sobre as Teorias Sexuais das Crianças (1908) o autor trata do desconhecimento da diferença entre os sexos por parte destas e elucida sua impossibilidade em representar uma pessoa sem um elemento tão essencial quanto o pênis. Essa impossibilidade aconteceria pela importância atribuída pela criança ao seu órgão genital, responsável por prazerosas descobertas de ordem sexual em sua tenra idade.

Quando, em suas observações, o menino é confrontado com a percepção da inexistência do órgão sexual masculino nas meninas, inicialmente justifica-a com a ideia de que embora o

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órgão feminino seja reduzido, ao longo do tempo irá se desenvolver. Essa primeira consideração infantil é posteriormente elaborada pela criança e dá lugar a uma importante concepção: “se o pênis não existe na mulher é porque dela fora retirado.”

Essa proposição infantil é o que permite a Freud (1923) considerar que para ambos os sexos o órgão genital masculino é referencial, o que configurou em suas reformulações teóricas a denominada primazia do falo. O falo, então, organizaria a sexualidade e, para o autor, se daria como um símbolo de representação do pênis diante de condições anatômicas. Pommier (1991), ao reportar-se a essa confirmação, diz que independentemente de seu gênero a criança crê na primazia deste símbolo. Imagina durante muito tempo e, muitas vezes, para sempre, que as mulheres, especialmente sua mãe, dele são providas.

Encobrem a contradição entre a observação e a preconcepção dizendo-se que o pênis ainda é pequeno e ficará maior dentro e pouco, e depois lentamente chegam a conclusão emocionalmente significativa de que, afinal de contas, o pênis pelo menos estivera lá, antes, e fora retirado depois. A falta de um pênis é vista como resultado da castração e, agora, a criança se defronta com a tarefa de chegar a um acordo com a castração em relação a si própria. (FREUD, 1923, p.182).

Essa descoberta é o que promove o olhar para sua própria castração e sua possibilidade de perder o pênis, o que permite que posteriormente haja um reposicionamento em relação às satisfatórias trocas estabelecidas durante o Complexo de Édipo. Apesar disso, é um processo trabalhoso para a criança reconhecer expressamente que sua mãe também é castrada, fato que inicialmente destina apenas ao restante das mulheres atribuindo-lhes um caráter punitivo. (FREUD, 1923).

Essas considerações levam Freud a indagar-se a respeito das diferenças existentes quando o sexo feminino é representado através dessas considerações teóricas. E destaca que “nesse ponto nosso material, por alguma razão incompreensível, torna-se muito mais obscuro e cheio de lacunas.” (FREUD, 1924, p. 222).

Segundo o autor, quando a diferença anatômica entre os sexos é percebida pela menina, ela atribui à sua falta de pênis uma insígnia de inferioridade que subjaz sua estruturação. Percorrendo o modelo masculino, a menina também conclui que seu órgão foi mutilado pela castração, porém, aceita esse fato como concluído. O falo, aqui, é representante de ausência. Ela é, portanto, fundamentalmente castrada.

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Para melhor compreensão da diferença pela qual o falo está inscrito na vida dos sujeitos, torna-se necessário nos remetermos às relações primordiais estabelecidas entre uma criança e sua mãe. Freud (1924) inicialmente ainda percorria suas construções teóricas postulando a semelhança existente entre o Complexo de Édipo masculino e feminino. Dessa maneira, a possibilidade de satisfação encontrada pelo Édipo se daria de duas maneiras: uma ativa e uma passiva. À menina restaria a possibilidade de identificar-se com a mãe e receber o amor do pai de forma passiva, enquanto ao menino, de maneira ativa - manteria suas trocas com a mãe através da identificação paterna.

Após a análise de pacientes histéricas com persistentes demandas direcionadas à figura paterna, Freud propõe uma reformulação teórica de extrema importância para o vínculo estabelecido entre mãe e filha:

Em tais mulheres fiz as observações que aqui relatarei, que me levaram à determinada concepção da sexualidade feminina. Dois fatos me chamaram a atenção acima de tudo. O primeiro foi: quando a ligação com o pai era particularmente intensa, a análise mostrou que tinha havido antes uma fase de exclusiva ligação com a mãe, igualmente intensa e apaixonada. Excetuando a mudança de objeto, a segunda fase praticamente não acrescentou nenhum novo traço à vida amorosa. A relação primária com a mãe fora desenvolvida de maneira bastante rica e variada. (FREUD, 1931, p.372).

A inicial concepção teórica de que ao pai caberia a função de primeiro objeto de amor da menina é, então, insuficiente para elucidar os primórdios da sexualidade feminina. A descoberta da existência de uma fase pré-edípica propõe que a menina, assim como o menino, tenha a mãe como seu primeiro objeto de amor, estabelecendo com esta trocas pulsionais e atuando como objeto de seu desejo. A semelhança estabelecida está em função da fase de desenvolvimento da libido que ocorre da mesma maneira para os dois sexos, assim, a menina também atua como adjunto fálico para a mãe. A menina tem seu corpo demarcado e pulsionalizado1 através dos cuidados proporcionados pela mãe e, inicialmente, não é nada mais que objeto de seu desejo. É por esse motivo que Freud considera: “Temos que reconhecer que então a garota pequena é um pequeno homem.” (1932, p.271).

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O conceito de pulsão é definido por Freud no texto Os Instintos e suas Vicissitudes (1915) como fronteira entre o psíquico e o somático, sendo a pulsão o representante psíquico dos estímulos que se originam no interior do corpo e alcançam a mente.

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A diferenciação se dá em razão de que a menina necessita trocar de objeto amoroso, percorrendo caminho até o pai, seu destino final. As satisfações encontradas pelo menino no decurso de prazerosas descobertas propiciadas por seu órgão genital, também são encontradas na menina em função de seu clitóris, um equivalente do pênis. Segundo Freud (1932) essas satisfações decorrem de impulsos sexuais direcionados ativamente à figura da mãe, sem que a menina tenha conhecimento da existência da vagina como órgão genital. Para que a transição à feminilidade aconteça é necessário que duas trocas sejam realizadas: a troca de objeto amoroso e a troca de zona erógena. É a troca de zona erógena que permite a consideração de que a sexualidade da mulher se configura inicialmente de modo masculino para, posteriormente, tornar-se feminina.

Podemos insistir em que o clitóris é a principal zona erógena da fase fálica da menina. Mas naturalmente isso não continua assim; com a mudança rumo à feminilidade, o clitóris deve ceder à vagina sua sensibilidade e, com isso, sua importância, no todo ou em parte. Essa seria uma das duas tarefas a serem cumpridas no desenvolvimento da mulher, enquanto o homem, tendo mais sorte, na época da maturidade sexual precisa apenas dar continuidade ao que já praticou no período da florescência sexual. (FREUD, 1932, p. 271)

As anteriores elucidações sobre o reconhecimento da castração por parte da menina propõem que o Complexo de Édipo feminino seja uma operação secundária, sendo precedida pela castração, diferentemente do que ocorre na vida psíquica do menino. A saída do Édipo por parte deste é ocasionada em virtude do temor da castração, o que promove que sua organização genital fálica seja naufragada. A menina, porém, reconhece-se como castrada e não partilha da angústia de castração. Ela é encaminhada ao Complexo de Édipo propriamente em busca daquilo que não tem. Segundo Freud: “A menina se comporta diferentemente. Faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo.” (1925, p.314). Se a ameaça de castração limita as atividades pulsionais estabelecidas entre a criança e seu objeto de amor, a menina permaneceria vivenciando seu Complexo de Édipo?

O complexo de castração prepara o Complexo de Édipo, em vez de destruí-lo; através da influência da inveja do pênis, a menina é afastada da ligação materna e entra na situação edípica como num porto seguro. Com a ausência do medo da castração, falta o motivo principal que impeliu o garoto a superar o Complexo de Édipo. A menina permanece nele tempo indefinido; desmonta-o tarde apenas, e mesmo então incompletamente. (FREUD, 1932, p. 286).

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A maneira de encontrar o que não se tem é, inicialmente, junto ao pai. Freud (1924) propõe que a menina não toleraria sua falta de pênis sem alguma compensação, o que a faz transmutar pela relação entre pênis e bebê. É essa equação que permite ao pai ser considerado objeto de amor pela filha, já que esta considera, por muito tempo, que pode receber dele um bebê, um equivalente simbólico ao pênis (falo).

Para dar lugar ao pai, é preciso que a menina abandone a relação estabelecida com a mãe e interrompa suas demandas ativas direcionadas a ela. Freud (1931) considera que as circunstâncias em que ocorre a separação entre mãe e filha são determinantes ao desenvolvimento sexual da mulher adulta e indica que essa separação é possibilitada através da hostilidade da menina com sua mãe. O autor relata diferentes situações nas quais essa agressividade pode ser observada e as considera prioritariamente em razão de a criança direcionar a frustração de não ter sido agraciada com um pênis à mãe, responsabilizando-a por sua situação de inferioridade.

O afastamento em relação à mãe não ocorre de uma vez, pois a menina vê sua castração inicialmente como uma desgraça pessoal, só aos poucos a estende a outros seres femininos, e por fim também à mãe. Seu amor dizia respeito à mãe fálica; com a descoberta de que mãe é castrada, torna-se impossível abandoná-la como objeto amoroso, de modo que ganham proeminência os motivos para a hostilidade, longamente acumulados. Isto significa, portanto, que com a descoberta da ausência de pênis a mulher perde valor para a garota, tanto como para o garoto e depois o homem, talvez. (FREUD, 1932, p. 282).

O modo como a mulher vivencia sua castração permite, segundo Freud (1931), três direções de desenvolvimento sexual: a inibição sexual, o complexo de masculinidade, e a feminilidade.

A inibição sexual ou histeria é vivenciada quando a menina se sente em desvantagem diante da comparação de seu clitóris ao pênis. Assim, abandona a satisfação anteriormente encontrada com seu órgão por considerá-lo insuficiente e, dessa maneira, renuncia grande parte de sua sexualidade, mantendo-a recalcada. O complexo de masculinidade decorre da continuidade da menina em se direcionar ativamente ao uso de seu clitóris, evitando a passividade. Para que, enfim, a feminilidade seja vivenciada é preciso que a menina abandone a

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atividade clitoridiana e renuncie à atividade direcionada à mãe, aceitando a passividade que lhe encaminhará até o pai.

1.1 O SIGNIFICANTE FALO E A CONFLITIVA DO NASCIMENTO DO FEMININO

O conceito de falo é melhor explorado através da releitura de Lacan à obra freudiana. Lacan não apenas guia seus conceitos através das considerações do autor, como também os lança a uma nova problemática, a estruturação do inconsciente através da linguagem. Em A

Significação do falo (1958) o autor considera o falo como um significante através de seu estatuto

simbólico.

O falo é aqui esclarecido por sua função. Na doutrina freudiana o falo não é uma fantasia, caso se deva entender por isso um efeito imaginário. Tampouco é, como tal, um objeto (parcial, interno, bom, mau, etc), na medida em que esse termo tende a prezar a realidade implicada numa relação. E é menos ainda o órgão, pênis ou clitóris, que ele simboliza. (Lacan, 1958, p.696).

Ao inverter a abordagem linguística de Saussure, Lacan institui a primazia do significante sobre o significado. Considerar o falo como significante é o que permite ao autor conceituar sobre o posicionamento do sujeito frente a essa lógica. Através de seus escritos sobre a alteridade presente entre a necessidade e a demanda, Lacan situa o falo como significante do desejo.

Essa alteridade que propõe explicação ao conceito de falo é descrita através da relação primeira estabelecida entre a criança e a mãe. Sabe-se que ao nascer uma criança necessita inteiramente dos cuidados da mãe, responsável por satisfazer suas necessidades básicas e garantir sua sobrevivência, situação que Freud denominava como desamparo. Ao reportar-se à problemática proposta por Lacan, Dor (1991) relembra Freud ao explicar que através das trocas estabelecidas nessa relação acontecem as primeiras experiências de satisfação de uma criança. Inicialmente, o que vigora na criança é um estado de necessidade a ser satisfeita que diz de suas precisões básicas de caráter orgânico sem organização permeada por símbolos da linguagem, portanto, sem endereçamento.

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Consequentemente, somos levados a aceitar que o objeto que lhe é então proposto para a satisfação lhe é proposto sem que ela o busque e sem que lhe seja dado ter uma representação psíquica dele. Nestas condições, o processo pulsional em ação nesta primeira experiência de satisfação é da ordem, propriamente dita, de uma pura necessidade, uma vez que a pulsão vê-se satisfeita sem mediação psíquica. Por outro lado, este processo de satisfação está na origem de um prazer imediato ligado à redução do estado de tensão originário da pulsão. (DOR, 1991, p.140)

Através da relação estabelecida com a mãe, aquilo que era recebido pela criança sem necessidade de seu endereçamento lhe deixa uma marca, o que permite que a satisfação encontrada por ela se una a uma representação. Diante disso, quando sua necessidade é novamente apresentada, a criança procura recuperar essa primeira satisfação, bem como o objeto responsável por proporcioná-la.

Lacan explora mais intimamente a relação estabelecida entre os processos de necessidade e satisfação vivenciados pela criança. Dor (1991) explica que de acordo com sua teoria, não é o objeto de necessidade que satisfaz a situação da criança, mas sua condição de objeto do desejo que pressupõe a presença do Outro através de uma relação simbólica. Dessa maneira, os apelos da criança fazem alusão não apenas ao objeto de necessidade, mas a alguém que lhe traga o objeto.

Retomando o exemplo do registro alimentar onde se dão as primeiras experiências de satisfação, a criança que nasce é constitutivamente submetida em seu ser, à ordem das exigências da necessidade. [...] A incapacidade em que a criança se encontra de satisfazer por si mesma as exigências orgânicas requer e justifica a presença de um outro. Como se dá esse cuidado da criança pelo outro? Uma primeira coisa que se deve observar é que essas manifestações corporais tomam imediatamente valor de signos para esse outro, uma vez que é ele que alivia e decide compreender que a criança está em estado de necessidade. Dito de outra forma, essas manifestações corporais só fazem sentido na medida em que o outro lhes atribui algum sentido. (DOR, 1991, p.144). A descrição proposta por Dor (1991) permite compreender que o Outro cede significantes à criança quando busca dar sentido a seus apelos. Dessa maneira, quando um bebê chora, por exemplo, a mãe pode supor que seu choro seja um indicativo de fome. É esse deslizamento de sentido atribuído da mãe para a criança que a organiza na linguagem, por essa razão Freud indicara o advento de uma marca, de um traço no aparelho psíquico através da primeira satisfação. O Outro, representado pela mãe, empresta seus significantes à criança e a referencia ao registro simbólico.

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A mãe, então, supõe uma demanda aos apelos da criança e a criança, por sua vez, considera a demanda suposta pela mãe como um indicativo de seu desejo. Quando essa demanda é satisfeita, a mãe continua a prover meios para que essa satisfação seja prolongada, o que permite que a demanda se encontre para além da necessidade, configurando-se como uma demanda de amor. (DOR, 1991).

[...] Para além da demanda de satisfação da necessidade, perfila-se a demanda do “a mais” que é antes de tudo demanda de amor. [...] Ainda que ela incida sobre um objeto de necessidade, é fundamentalmente “inessencial” (Lacan), porquanto demanda de amor na qual a criança deseja ser o único objeto do desejo do Outro que satisfaz suas necessidades. Em outras palavras, este desejo do desejo do Outro encarna-se no desejo de um “re-encontro” da satisfação originária onde a criança foi totalmente satisfeita sob a forma de um gozar que não demandou nem esperou. (DOR, 1991, p. 145/146).

A constituição do desejo manifesta o que se encontra além da necessidade, ele “não é, portanto, nem o apetite de satisfação, nem a demanda de amor, mas a diferença que resulta da subtração do primeiro à segunda [...]” (LACAN, 1958, p. 698). Como a linguagem propicia que a busca pelo objeto da necessidade seja insuficiente e se eleve à categoria de objeto de desejo, algo de instintual se perde. A busca inerente ao desejo comporta um objeto perdido, faltante, que a demanda não pode significar. Ao supor o desejo da mãe, a criança também se depara com a falta. Como o Outro é quem lhe cede os primeiros significantes, a criança recusa-se a aceitá-lo como faltoso, por isso se identifica com o que supõe preenchê-lo, o objeto fálico. A completude ao se fazer objeto do desejo do Outro recusa o que estabelece seu próprio desejo, que é a falta. (DOR, 1991).

A alusão à identificação da criança com o objeto fálico faz referência ao falo imaginário. O falo imaginário representa o corpo da criança subordinado às demandas maternas. Nasio (1989) elucida a existência do falo imaginário como resultante de três fatores: anatômico, libidinal e fantasístico. O autor reitera que quando Freud relata que é através das equivalências propiciadas pelo falo que a criança pode considerar a futura substituição do pênis por um filho, consideramos o pênis como falo imaginário. Através da castração, o falo imaginário se torna padrão simbólico constituindo muito mais do que um termo de uma série de equivalências, mas a condição de existência da série.

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Se o falo pode excluir-se da série comutativa e constituir seu referencial invariável é por persistir como vestígio desse acontecimento fundamental que é a castração, ou seja, a aceitação, por todos os seres humanos, do limite imposto ao gozo em relação à mãe. [...] Afirmar com Lacan que o falo é o significante do desejo é lembrar que todas as experiências erógenas da vida infantil e adulta, todos os desejos humanos (desejo oral, anal, visual etc.), permanecerão marcados pela experiência crucial de se ter tido que renunciar ao gozo com a mãe e aceitar a insatisfação do desejo. Dizer que o falo é o significante do desejo equivale a dizer que todo desejo é sexual e que todo desejo, em última instância, é insatisfeito. (NASIO, 1989, p.36).

Para que o conceito de falo seja fielmente elucidado é necessário retomarmos considerações a respeito do Complexo de Édipo e da castração através da lógica do significante.

Como foi elucidado anteriormente, a condição de existência da criança é organizada através da identificação desta com o que supõe ser objeto de desejo do Outro, o falo. É por intermédio desse significante que o filho se liga à mãe. A dialética da criança se incide inicialmente na problemática entre ser ou não ser o falo, já que lhe é inconcebível reconhecer a mãe como faltosa. Como a criança se identifica com o falo, atestar a ausência desse símbolo na mãe significa atestar sua própria morte. Segundo Zalcberg (2003), é dessa maneira que o suposto desejo do Outro se torna imperativo de seu poder, assim, ao estar assujeitada ao desejo materno, a criança compreende que suas demandas são mandamentos e que suas respostas constituem lei. É somente através da Lei paterna que se torna possível mediar o poder absoluto do Outro.

[...] O poder da mãe terá de ser regulado pela interferência de um terceiro elemento, a ser exercido pela função mediadora do pai na relação exclusiva mãe-criança. O futuro da criança depende da interferência simbólica do pai e da disposição da mãe de aceitá-la, a evitar que a criança permaneça totalmente imersa e alienada ao universo materno. (ZALCBERG, 2003, p.61).

Lacan (1958) explica que a mediação instalada pelo pai acontece por meio da privação da mãe de sua relação com o objeto fálico. Para que isso aconteça é preciso que a mãe deseje Outra coisa, é preciso que ela dê lugar ao pai como mediador de uma Lei a que também esteja submetida para além de sua própria lei. O autor afirma que quando uma criança não aceita a privação efetuada pelo pai, ela carrega, em sua vida e em sua estrutura, uma identificação primitiva com o objeto fálico.

Com a orientação do desejo da mãe para Outra coisa, o filho pode supor que suas presenças e ausências sejam um indicativo desse desejo e o supõe atrelado ao pai. Como o pai

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desvenda à criança que a mãe é também submetida à sua Lei e que a reconhece como o que mediatiza o desejo, o objeto desejado já não é mais a própria criança, mas algo que o pai é suposto ter ou não. É isso o que “leva a criança a fazer o Pai aceder a um lugar onde ele só pode lhe aparecer como depositário do falo.” (DOR, 1991, p.87).

Esse é um processo simbólico e o pai de que aqui se trata é um significante que fundamentalmente impõe uma separação entra a criança e a mãe, impedindo que a primeira permaneça como objeto de gozo do Outro. O pai em sua função de Lei é representado através do significante Nome do Pai (S2) que substitui o significante fálico (S1), desejo da mãe, fundando a Metáfora Paterna e mantendo-o recalcado através do recalque originário.

A função do pai no complexo de Édipo é ser um significante que substitui o primeiro significante introduzido na significação, o significante materno. Segundo a fórmula que um dia lhes expliquei ser a da metáfora, o pai vem no lugar da mãe, S em lugar de S’, sendo S’ a mãe como já ligada a alguma coisa que era o x, ou seja, o significado na relação com a mãe. (LACAN, 1958, p. 180)

O significado do significante primordial, desejo da mãe, só aparece quando o pai realiza sua intervenção simbólica para o que, até então, era vivido como enigma. A nomeação do falo como representante do desejo da mãe é o que proíbe a criança de continuar submissa ao seu desejo. A problemática se incide no fato de que, embora ilusória, a identificação fálica ainda permitia à criança uma identificação. (ZALCBERG, 2003).

A criança encontra a saída do seu dilema de já não mais ser o falo, na dimensão de tê-lo através de posteriores identificações. Com a existência do falo, o pai já não é mais aquele que priva a mãe, mas quem indica onde ele é desejado. Como a mãe, a criança cobiça o falo e sabe onde ele se encontra, junto ao pai. (DOR, 1991).

A castração é o que permite que a criança seja conduzida ao lugar de sujeito remetido à linguagem, não mais alheio as designações e imperativos do Outro. Por esse motivo considera-se o falo simbólico como significante do desejo e também representante da Lei, já que ao mediatizar o gozo atesta a existência de um sujeito dividido pela castração.

Como foi mencionado anteriormente, Freud havia elucidado algumas particularidades existentes na conflitiva edípica feminina, e considerava que a castração da menina portava um diferencial. Pommier (1991) resgata a teoria freudiana ao conceber que somente através da

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castração feminina é possível compreender melhor a diferença existente entre o pênis e o símbolo fálico. Segundo o autor, as teorias sexuais da infância relatadas por Freud revelam que a falta do pênis percebida pela menina só adquire significação através da presença do símbolo fálico, por essa razão ela não é considerada como de sexo diferente, mas como castrada. É também por esse motivo que as diferenças entre os sexos não resultam de considerações puramente anatômicas, mas devido à posição que cada um atribui ao discurso do Outro.

A castração só diz respeito à mulher na relação que esta mantém com sua própria imagem: ela não está situada ao mesmo nível da angústia que acompanha os tormentos da rivalidade. O membro viril não poderia lhe fazer falta, senão quando comparado a esse símbolo da falta que é o falo, e este último lhe estará presente na sua ausência da mesma forma que para todo ser humano. Assim, a castração não é absolutamente o resultado de uma fantasia de mutilação, e a diferença anatômica, longe de parecer como causa, não faz mais do que trazer uma resposta contingente para a questão da falta. O corpo responde a essa interrogação, dedica-se a ela num completo desprezo por aquilo que ele é. (POMMIER, 1991, p. 20).

Apesar de concebê-lo como signo de ausência, a mulher, assim como o homem, estabelece uma relação particular com o falo, visto que ele delimita as demandas endereçadas à mãe. Ela, portanto, é também referenciada a esse símbolo e se interessa por ele. (POMMIER, 1991). Contudo, a referência ao falo não é suficiente para explorar a sexualidade feminina, Zalcberg (2003, p. 69) elucida que “além da falta-a-ser que a constitui como sujeito, a mulher deve fazer face frente a um significante específico de seu sexo, o feminino.”.

O homem encontra no falo um significante que representa seu sexo, enquanto a mulher não possui essa representação. Lacan (1971) explica que por esse motivo a mulher não se situa inteiramente no gozo fálico, o gozo interditado pela castração, ela não é, portanto, inteiramente castrada.

Em suma, a partir do real, isto é, deixando de lado um nadinha insignificante – não digo isto por acaso -, elas não são castráveis. Porque o falo [...] elas não o possuem. É a partir do momento em que é pelo impossível como causa que a mulher não está essencialmente ligada à castração, é a partir daí que o acesso à mulher é possível, em sua determinação. (LACAN, 1971, p.45).

Ao explorar a teoria lacaniana, André (1991) explica que após a castração, a menina, diferentemente do menino, não recebe um traço de identificação que a constitua de maneira sexuada. Por parte do pai, a filha recebe um traço identificatório que lhe estrutura como sujeito.

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Por parte da mãe, porém, não recebe uma identificação especificamente feminina. Isso acontece porque a identificação que o sujeito recebe do Outro só se torna semelhança quando remetida a um traço simbólico. Desta maneira, como não existe um significante que represente o sexo da mulher, a mãe é incapaz de fornecê-lo à filha.

Essa conjuntura permite concluir que a identificação da menina com o objeto fálico lhe concedia ao menos um traço identificatório, ser objeto de desejo do Outro. Assim, tudo o que a mãe pode oferecer à filha como resposta a sua falta de significante é a identificação com o objeto fálico.

Tudo o que a mãe pode fornecer como traço simbólico suporte da identificação é o falo. Quer ela o detenha – como a criança acredita no início – quer ela não o tenha – como ela vai descobrir – isso implica em que ela remete sua filha a um marco que pode lhe significar, fato de que a vida sexual feminina esteja de tal modo centrada no amor e na demanda do amor, ou seja, na demanda de se fazer dar, pelo Outro, aquilo que ele não tem. A falta da mãe, com relação à filha, deve ser então vista como uma dupla falta: falta do significante de uma identidade feminina, por um lado, e a falta do falo, por outro lado. (ANDRÉ, 1991, p.196).

A menina possui uma relutância particular em abandonar sua identificação com o objeto fálico tendo em vista que, após a castração, ela não possui nenhum lugar assegurado em razão da inexistência de um significante que a determine. Segundo Zalcberg (2003), essa particularidade permite que haja uma nostalgia da menina em relação à mãe, o que configura, muitas vezes, que abandonar o lugar de objeto do Outro seja considerado uma renúncia à própria existência.

Essa observação esclarece que, embora a Metáfora Paterna tenha atuado na conflitiva edípica feminina, por carecer de um significante essencialmente feminino, a menina ainda transita por sua primitiva identificação com o objeto fálico. Isso configura pensar que a Metáfora Paterna seja, em parte, inoperante na mulher.

André (1991), ao reportar-se à problemática da castração feminina, compreende que “tudo se passa na realidade como se, para a menina, o pai nunca substituísse completamente a mãe” (p.179). Através desse posicionamento, indaga-se sobre a substituição do significante fálico realizada na castração feminina configurar caráter propriamente metafórico ou metonímico. O autor considera que a formulação proposta por Freud ao compreender que a menina deseja receber um filho de seu pai não configura uma renúncia ao pênis, mas uma equivalência. A

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equivalência não constitui metáfora, visto que para que ela exista é necessário que um significado novo seja produzido a partir da substituição do significante.

Apesar de suas proposições sobre o destino sexual das mulheres, o autor afirma que a castração feminina deve ser pensada de maneira prudente, posto que não é possível considerar a mulher como não submetida à castração, o que configuraria pensá-la como totalmente assujeitada ao desejo do Outro.

É preciso que aqui avancemos com prudência, e não nos apressemos em tirar conclusões muito gerais. Não se trata, é claro de sustentar que as meninas não sejam sujeitas à metáfora paterna – o que equivaleria a dizer que as mulheres são psicóticas. Mesmo assim, alguma coisa dessa ordem se produz. O pai não se impõe verdadeiramente como metáfora no destino feminino, ou, mais exatamente, a filha é não toda assujeitada a essa função da metáfora. Para ela, a instância paterna não faz desaparecer, não condena ao esquecimento o primeiro Outro materno. Parece que é antes enquanto sempre suscetível de se reduzir a uma metonímia da mãe que o pai encontra seu lugar no Édipo feminino [...]. (ANDRÉ, 1991, p. 181).

Como esclarecido anteriormente, a particularidade de atuação da Metáfora Paterna na mulher, embora a liberte da alienação completa ao Outro, não determina o que é a feminilidade. É pela falta de significante feminino que se atribui à castração da menina um resto, que não pode ser simbolizado já que o falo é o indicador do processo de simbolização. Zalcberg (2003) descreve que isso é o que permite que a mulher esteja concomitantemente dentro e fora do registro simbólico. Embora esteja remetida à divisão que a constitui como ser falante, ela é também marcada por uma divisão particular, a de ser, apenas em parte, castrada. O que escapa do registro simbólico na castração feminina é inatingível às palavras e refere-se ao gozo próprio do feminino.

Para melhor compreensão do conceito de gozo elucidado pela teoria lacaniana e da especificidade do gozo feminino, torna-se necessário explorar brevemente as conceituações a respeito do tema realizadas por Nasio. Em Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan (1993), o autor aproxima as três categorias de gozo das proposições realizadas por Freud sobre os destinos da energia psíquica. O gozo fálico, que corresponde ao gozo interditado pela castração, assemelha-se a uma energia dissipada em descarga parcial, isto é, através da castração esse gozo foi mediatizado pelo falo e tornou-se parcial. Portanto, através da organização propiciada pelo falo, o gozo fálico indica a inscrição da linguagem onde, anteriormente, o gozo era de ordem corporal.

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A categoria do mais-gozar, por sua vez, indica a energia que permanece no inconsciente ao ter sua descarga impedida pelo falo; é, portanto, um excedente. Essa categoria de gozo relaciona-se à problemática do desejo, já que está ancorada nas primeiras zonas de satisfação do corpo. A terceira categoria de gozo é aquela atribuída às mulheres, o gozo Outro. O gozo Outro se opõe ao gozo fálico e é explicado através de uma situação idealizada que o sujeito supõe no Outro, onde toda tensão seria descarregada sem qualquer limite. (NASIO, 1993).

André (1991) ao compreender o seminário intitulado Mais, Ainda (1972-73) de Lacan explica que, para o autor, o conceito de gozo sempre esteve afastado do conceito freudiano de prazer ou satisfação. O gozo transborda o limite do prazer, por esse motivo, gozar de alguma coisa ultrapassa o limite do uso até o abuso.

O gozo se coloca assim como uma instância negativa que não se deixa reduzir nem às leis do princípio do prazer, nem ao cuidado da autoconservação, nem à necessidade de descarregar à excitação. Tem-se aí uma concepção muito ampla no interior da qual se pode situar a noção mais estrita de gozo sexual. Pois a ideia de Lacan é de que o gozo sexual é em si mesmo uma limitação do gozo em geral. O gozo sexual faz limite, porque depende do significante: é com efeito o significante que introduz a dimensão do sexual no humano – ou seja, a organização fálica e a concentração em que ela implica sobre um órgão que o significante isola do corpo. (ANDRÉ, 1991, p. 212).

O gozo fálico, também denominado gozo sexual, promove limite de um gozo infinito diante da função do significante. O falo introduz uma divisão de gozo que, por um lado o proíbe, e por outro, o permite, já que é apenas diante da castração que se pode ter acesso ao gozo sexual. Em sua oposição está situado o gozo Outro, correlato do ser que compõe aquilo que é faltoso diante do significante. Por não haver significante da sexuação que não seja o falo, a mulher não existe na dinâmica inconsciente. (ANDRÉ, 1991).

Como o representante inconsciente do sexo feminino fracassa, não existe representação das mulheres em seu coletivo – ou seja, elas devem ser tomadas particularmente uma a uma. É o que André (1991) reitera quando afirma que “nenhuma mulher, nenhuma super-mulher funda a existência de um sexo não-fálico.” (p. 221). O autor compreende que as imagens clássicas da mulher que compõem a memória de uma cultura dizem de figuras fálicas.

O falo propõe que a posição feminina esteja dividida não apenas na ordem da identidade, como na ordem do gozo. Lacan (1972-73) explica que, pelo fato de a mulher ser não-toda, ela torna-se portadora de um duplo gozo, comportando simultaneamente o gozo fálico e um gozo

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suplementar. O autor reitera que “não é porque ela é não-toda na função fálica que ela deixe de estar nela de todo. Ela não está lá não de todo. Ela está lá à toda. Mas há algo a mais.” (p.100). Esse gozo se encontra além do significante por não possuir mediação interpelada pelo falo. Ele situa-se, portanto, fora do registro simbólico, sendo inacessível às palavras.

Pommier (1991) indica que a relação estabelecida entre pênis, falo e gozo determina logicamente os três destinos da feminilidade que foram anteriormente trabalhados por Freud no texto A Sexualidade Feminina (1931). Diante da descoberta da ausência de pênis, a vida sexual da futura mulher pode fracassar frente aos impasses do gozo e, muitas vezes, ser completamente frustrada em seu desenvolvimento.

A primeira possibilidade indicada por Freud exprime a inibição da vida sexual da mulher. Pommier (1991) considera que, nesse caso, a descoberta da ausência de pênis promove uma catástrofe da vida erótica da mulher. Aqui, a falta de pênis traz à mulher uma relação com o gozo fálico. A associação que é feita considera: “se não tenho pênis, portanto não tenho falo”. O segundo destino da feminilidade indica que o pênis é comparado com sinal de igualdade ao falo, e sua falta pode se converter em um complexo de masculinidade onde se acredita na possibilidade de um dia ter um pênis como o do menino. Nesse caso, considera-se a premissa: “se tenho o falo, também tenho um pênis”. O destino respectivo ao domínio da feminilidade propõe que haja uma diferenciação entre pênis e falo. Apesar disso, essa separação não implica que o gozo fálico se ausente da mulher.

Quando a diferenciação entre pênis e falo é evidenciada pela mulher, o acesso à feminilidade permite que o homem seja considerado um abrigo simbólico para solucionar a questão referente à sua falta de identificação, por esse motivo “uma mulher busca um homem na qualidade de um significante”. (ZALCBERG, 2003, p.103). Na fantasia de um homem, a mulher faz-se de falo para encobrir aquilo que não tem. Seu corpo guarnece da fantasia de ser feito de falo para encobrir o vazio significante.

Essa busca de significante é representada pela forma pela qual a mulher, em busca de um lugar para amarrar sua questão identificatória, torna-se o falo (significante do desejo) na fantasia do homem. É nesse ponto que Lacan começa a formular sua concepção da “comédia dos sexos” que homens e mulheres estabeleceriam entre si, regulados, ambos, pelo falo. Nessa comédia, o homem pretende “ter” o falo (que ninguém, na verdade, tem) e a mulher adota a mascarada com forma de esconder sua falta de tê-lo. Por meio dessa mascarada, jogando sobre sua falta, a mulher constrói uma feminilidade possível:

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faz-se amada pelo que não tem e desejada pelo que não é [...]. (ZALCBERG, 2003, p.103).

Segundo Pommier (1991), quando essa diferenciação não acontece, a igualdade proposta entre pênis e falo, retratada nos dois primeiros destinos da feminilidade, apóia-se na certeza evocada pela menina de que já possui um pênis e não na inveja de tê-lo. As circunstâncias responsáveis pela determinação dessa equivalência encontram-se ancoradas na estreita relação entre mãe e filha, em que diante da falta do significante feminino, para a filha resta identificar-se com a mãe ainda fálica.

Zalcberg (2003) preconiza que a ausência de um significante concedido pela mãe resulta que, muitas vezes, a mulher não encontre completamente seu lugar no Outro. Ser sujeito é possuir um lugar de representação no lugar do Outro, ou seja, estar referenciado a uma amarragem simbólica em que seja representado por um significante para outro significante. A feminilidade implica que a mulher circule diante da divisão de, em parte ser e, em parte não ser um sujeito.

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2. O VÍNCULO ENTRE MÃE E FILHA

A relevância atribuída às trocas estabelecidas na relação pré-edípica constitui fundamento às construções teóricas de Freud sobre o desdobramento da sexualidade feminina. Através de constatações clínicas, o autor considera o estágio originário estabelecido com a figura materna determinante ao futuro de uma mulher. A Psicanálise passa a compreender que as particularidades do acesso à feminilidade encontram-se ancoradas no rompimento do vínculo amoroso estabelecido entre mãe e filha. Diante das peculiaridades desse vínculo, tornar-se mulher constitui um trabalhoso construto psíquico que, em muitos casos, nunca se experiencia. Freud evidencia essa problemática em A Sexualidade Feminina (1931), onde considera que “um certo número de mulheres se detém na original ligação com a mãe e jamais se volta realmente para um homem.” (p.373).

Para melhor compreensão da conflitiva que constitui o vínculo entre mãe e filha torna-se necessário retomar algumas considerações introdutórias de Freud abordadas no primeiro capítulo deste trabalho. Como elucidado anteriormente, o autor concebera que através da constatação da ausência de pênis (falo) na mãe, a menina volta-se ao pai a fim de receber dele o que esta não pode lhe fornecer. As elucidações freudianas recaem sobre o abandono da relação primordial estabelecida com a mãe, necessário para o encaminhamento ao pai, não transcorrer de maneira branda para a filha, acontecendo através de forte hostilidade direcionada à mãe. (FREUD, 1931).

Agora vamos dirigir interesse para a questão de como desaparece essa forte ligação materna da garota. [...] Este passo no desenvolvimento não envolve uma simples mudança de objeto. O afastamento em relação à mãe ocorre sob o signo da hostilidade, a ligação materna acaba em ódio. Um ódio assim pode se tornar conspícuo, e durar por toda a vida. Mais tarde pode ser cuidadosamente sobre-compensado; via de regra, uma parte dele é superada, enquanto outra parte persiste. (FREUD, 1932, p. 275/276). Freud (1932) descreve algumas razões encontradas pela filha para justificar sua hostilidade à mãe, dentre elas a falta de aleitamento materno, a chegada de um novo filho e a proibição da masturbação na tenra idade. Porém, o autor as considera insuficientes para explicar essa agressividade, visto que algumas dessas circunstâncias ocorrem também com o menino e não o mantém atrelado às demandas agressivas direcionadas ao objeto materno. Como mencionado anteriormente, através de sua experiência clínica, Freud compreende uma importante

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concepção que busca esclarecer a agressividade da filha: a menina responsabiliza a mãe por não ser agraciada com pênis e “não lhe perdoa por essa desvantagem” (p.279).

Ao reportar-se à teoria freudiana, André (1991) explica que as circunstâncias mencionadas por Freud só podem ser suficientes para justificar a hostilidade da filha quando se considera também a ambivalência presente nas primeiras fases da vida amorosa. O vínculo estabelecido entre mãe e filha comporta desde o início a antítese do amor e ódio. Essa ambivalência também é presente no menino de modo igualmente intenso, porém pode ser liquidada diante do ódio ao pai em decorrência de seu Complexo de Édipo, o que a impede de ser direcionada em relação à mãe restando a esta grande parte de seu amor. A particularidade da ambivalência feminina encontra-se no fato de a mãe ser para filha pólo de amor e também de identificação.

E se, para o menino, este duplo estatuto pode ser cindido pela entrada em cena do pai – passando a identificação para o lado paterno e a mãe permanecendo como objeto de amor – para a menina a identificação com a mãe parece ser a condição pela qual seria possível não mais amá-la – o que é absolutamente paradoxal. (ANDRÉ, 1991, p.185). A proposição de a filha conceber a mãe como cerne de identificação e deparar-se com a condição de não mais amá-la não esclarece toda adversidade, ela situa-se também nas relações entre atividade e passividade que se estabelecem nesse vínculo. Freud (1931) considera que filha dirige à mãe desde a mais tenra idade conteúdos de natureza ativa e passiva. Sabe-se que primeiras vivências de uma criança com a mãe têm caráter passivo, visto que esta é responsável por lhe guarnecer de cuidados necessários à sua subsistência. O autor compreende que as vivências recebidas passivamente por uma criança lhe suscitam tendência a reagir de modo ativo, o que configura uma revolta contra a passividade, embora ainda haja alternância entre as duas tendências mencionadas.

A relação proposta entre passividade e atividade equipara-se à problemática de preservar-se como objeto do depreservar-sejo da mãe ou tomar a mãe como objeto. Ao sair da posição de objeto de desejo da mãe, a menina necessita usar da posição ativa, próxima a masculinidade2; porém, deve

2Em A Feminilidade (1932), Freud considera o conceito de atividade próximo à masculinidade visto que o

feminino é caracterizado principalmente por metas passivas. Apesar de afirmar ser inapropriado coincidir esses conceitos, Freud compreende que as mulheres estão culturalmente referenciadas à passividade e exemplifica a supressão da agressividade imposta à mulher. Diante de suas considerações, conceito de libido apresenta dois modos distintos de satisfação: ativo e passivo que se aproximam do masculino e feminino.

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conservar parte de sua passividade para situar-se como mulher e encaminhar-se ao pai. (ANDRÉ, 1991).

André (1991), ao compreender as oscilações entre passividade e atividade, considera a relação entre mãe e filha como um grande confronto cujo objetivo é “determinar quem vai devorar o outro.” (p.186). A posição ativa em que a menina dirige-se para se desvencilhar de sua relação com a mãe refere-se à condição da filha valer-se da Metáfora Paterna como impedimento de sua permanência na condição de objeto do gozo do Outro e, assim, poder tomar o Outro como objeto. Deste modo, a aproximação da masculinidade ao conceito de atividade reitera o compromisso do gozo interditado pela castração de lançar o sujeito à problemática fálica, visto que o falo é o significante que representa o sexo masculino.

A adversidade encontrada pela menina ao ascender à atividade situa-se na problemática de que, embora demonstre forte hostilidade em relação à mãe para promover a separação, necessita também identificar-se com ela para ocupar a posição feminina frente ao pai. Deste modo, a filha rejeita o amor da mãe para ingressar na articulação edípica, mas volta-se a ela em busca de um símbolo do feminino. O regresso à passividade implica que a filha conserve a identificação com o objeto de amor que necessita ser abandonado. (ANDRÉ, 1991).

A filha espera e demanda da mãe um significante que a represente como mulher. Sabe-se que diante da ausência de um significante do sexo feminino, a mãe é incapaz conceber essa transmissão. Zalcberg (2003) explica que a impossibilidade de a Metáfora Paterna abarcar o gozo feminino que se situa além do falo é o que presentifica o “resto” não passível de ser simbolizado e conduz a filha com mais facilidade ao terreno materno. A autora reconhece esse impasse ao elucidar que mãe e filha desfrutam de um corpo feminino, parte do qual permanece sem simbolização diante da especificidade de seu gozo. A semelhança de ambos os corpos estarem vinculados ao gozo suplementar favorece a ilusão de que mãe e filha podem partilhar também da experiência desse gozo, ou seja, da experiência feminina. Porém, o fato de o gozo do Outro situar-se além das palavras o torna alheio à transmissão. A autora afirma que apesar disso, a filha desde a mais tenra idade fascina-se pela sexualidade do corpo materno, ela procura constantemente nesse corpo por algo que também a determine. Nessa busca a menina precisa deparar-se com existência de algo sem definição também na mãe, falta que se revela na ordem do corpo.

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Esse lugar sem definição no corpo materno passa a representar para a menina não a falta, mas o véu que encobre a falta. Ao mesmo tempo em que a fascina, a paralisa. Frente ao espelho que a mãe representa para ela, a menina pergunta-se: ‘Qual o traço da mulher visível nessa imagem?’ A impossibilidade de nomear-se o sexo feminino faz com que a mulher defronte-se com um espelho inacabado que não reflete qualquer traço de identidade feminina. A menina tem de confrontar-se com esse aspecto particular: a imagem do que seria específico da mulher é inexistente. Ei-la em permanente sofrimento. (ZALCBERG, 2003, p. 150).

A filha busca capturar resquícios da imagem feminina presente na mãe já que compreende que o corpo da mulher que é vinculado ao corpo materno é indicativo do desejo de um homem. A busca da imagem da mulher que detém a feminilidade pertence às especificidades do vínculo entre mãe e filha, e pode representar ora a imagem da mãe, ora a imagem da filha. Zalcberg (2003) explica que essa constatação pode ser, para ambas, aterrorizante já que indica que se uma for representante da imagem feminina a outra pode dela ser privada. Nesse conflito, a filha precisa conseguir efetivar a separação de sua sexualidade emaranhada à sexualidade materna.

Inversamente, a permanência da menina em um apelo identificatório com a mãe estabelece a dialética de um conflito feminino. Assim, seguir endereçando demandas e reivindicações à espera de que a mãe lhe conceda um significante feminino compromete o destino da sexualidade da filha e seu acesso à feminilidade. É necessário que a menina descubra expressamente que, assim como ela, a mãe também não comporta esse símbolo.

Zalcberg (2003) compreende que essa descoberta por parte da filha, transita inicialmente pelo modo como a própria mãe encara sua impossibilidade de transmitir um significante feminino, ou seja, como ela se depara frente à própria castração:

A questão passa pela forma pela qual a mãe ela própria aceita essa impossibilidade de transmissão da feminilidade a uma filha. É essa problemática que surge quando a mãe tem que dar à filha ‘o que não tem’. Quando a mãe pode dar ‘o que não tem’, isto é, sua castração, ela indica à filha que ela encontrou uma forma de lidar com essa difícil questão, a da ausência de um significante para o sexo feminino. É dessa ausência que decorre a dificuldade de a mulher obter uma identificação feminina. A consciência dessa questão feminina, e da melhor maneira de resolvê-la, é melhor vivenciada e é mais enriquecedora na relação mãe-filha quanto mais a mãe puder viver sua falha constitutiva de forma serena e criativa. (p. 110).

A menina, mais do que o menino, estabelece um confronto radical da mãe com a própria falta. As peculiaridades que envolvem a castração materna podem ocasionar obstáculos em situar um lugar de falta à filha, além de ressentimento diante da convocação de transmitir aquilo que não se tem. Quanto maior a dificuldade do Outro materno em suportar sua própria falta, mais a

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filha perpetua a esperança de receber dele um símbolo feminino. (ZALCBERG, 2003). É o que Brousse (2003) explica ao considerar que a condição de orientação ao pai depende da satisfação ou insatisfação materna diante de sua posição como mulher. Se a mãe permanece ilesa à problemática fálica propiciada pela castração, ela torna-se objeto único de uma filha única. Ou seja, diante da tenacidade dessa relação, a filha pode permanecer na condição de ser objeto compensatório para a falta da mãe como mulher, visto que é um substituto fálico para ela.

A mãe pode mais facilmente ser remetida à problemática da falta feminina diante dos apelos e necessidades da filha, o que evidencia a condição de sua própria castração. Por esse motivo pode tentar evitar a falta e supri-la em quaisquer circunstâncias a que supõe ser convocada. Já para a filha, satisfazer a mãe através da resposta à sua demanda seria motivo de grande satisfação, porém essa circunstância a mantém atrelada à condição de objeto de endereçamento do amor do Outro, o que problematiza a condição de existência de seu próprio desejo.

Ao confundir a satisfação de necessidade com a doação de seu amor para suprir uma falta, a mãe priva a criança de um precioso dom: o de preservar-lhe o espaço da demanda, isto é, a possibilidade de ter uma demanda insatisfeita, de onde pode emergir seu desejo. Tal condição não se dando, surge a angústia como manifestação sintomática da falta de falta. É esta, a falta, o vazio que instaura uma fundamental dissatisfação no ser humano, a causar-lhe o desejo – o desejo que não poderá ser satisfeito definitivamente por nenhum objeto. (ZALCBERG, 2003, p.80).

Por sua vez, a menina encontra maiores dificuldades do que o menino em renunciar a demanda do Outro visto que através dela busca obter uma dupla compensação para sua falta como sujeito e como mulher. Admitir a falta no Outro se aproxima de não mais encontrar alguém capaz de sustentar aquilo que lhe falta, a filha “teme arriscar-se a perder a mãe, pois isso equivale a perder tudo ou a se perder.” (ZALCBERG, 2003, p.75). Apesar disso, tudo o que a mãe fornece à filha como identificação remete-se à problemática fálica. Como citado anteriormente, a menina compreende, então, que diante da ausência de uma representação feminina, o fato de permanecer alienada ao desejo do Outro lhe concede ao menos uma possibilidade identificatória.

André (1991) explica que a mulher pode se obstinar em sua demanda reivindicatória de um símbolo do feminino e através disso insistir na tentativa de reparar a falta do Outro, o que a remete cada vez mais ao sacrifício de sua própria existência. A demanda por um signo que a mãe supostamente poderia conceder implica em não reconhecê-la como faltosa, aqui a mãe ainda

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representa totalidade e afasta-se do feminino. O autor elucida que ao retrair cada vez mais sua vida em busca de um significante que a determine como mulher, ela lança-se a fórmula: “tudo para o Outro... mais nada para o sujeito.” (p.119).

A persistência da filha em reivindicar de sua mãe um traço que a determine como mulher causa entrave ao seu próprio desejo, visto que ele se encontra ancorado ao desejo do Outro, não ao próprio. Isso acontece porque a filha permanece na tentativa de reparar a falta no Outro para assegurar nele um lugar de identificação que a referencie em sua própria existência. Porém, reparar a falta no Outro implica em permanecer como objeto de seus desígnios.

O fato de a mulher ter de continuar insistindo na demanda (de amor) à mãe para dar alguma consistência ao seu ser, turva a distância a ser mantida entre demanda e desejo, dificultando o surgimento deste em sua vida, separado do desejo do Outro. (ZALCBERG, 2003, p.71).

Em O Aturdito (1973), Lacan usa o termo devastação para se referir a adversidade da relação entre mãe e filha diante da infinita demanda de amor que o gozo feminino pode abarcar por não ser totalmente aludido à castração. O autor elucida que a mulher, por possuir a castração como ponto de partida, espera mais substância da mãe do que do pai. A substância de que trata Lacan é o que a filha reivindica de sua mãe, um significante feminino.

Miller (2016), ao referenciar-se ao termo proposto por Lacan, explica através da língua francesa a origem da palavra devastação (ravage). O termo ravage é derivado de ravir que tem o significado de arrebatar. A partir dessa observação, o autor considera o verbo arrebatar como pertencente a duas vias distintas de sentido semântico. Assim, arrebatar pode significar conduzir uma pessoa a um estado extremo de felicidade, mas também indica aquilo que pode ser arruinado e completamente destruído. Nesse sentido, Miller indaga-se sobre o que pode ser considerado como devastação.

[...] Ser devastado! Não vou me devastar por causa disso. O que é a devastação? É ser devastado. O que chamamos de devastar uma região? É quando nos entregamos a uma depredação que se estende a tudo. Não no sentido pequeno; tudo bem completo. É uma depredação sem limites. Isso que Lacan chama de "o todo fora do universo", o todo que não se completa como um universo fechado, limitado. É uma depredação, uma dor que não para, que não conhece limites. (MILLER, 2016, p. 18).

O “todo fora do universo” pode ser facilmente comparado às peculiaridades do gozo feminino visto que ele não se situa inteiramente nas delimitações propostas pelo falo. O encontro

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com um gozo sem limites pode ter, portanto, caráter arrebatador para o sujeito diante da impossibilidade de nomeá-lo. Ele arrebata justamente porque se estende a tudo e é impossível de ser apreendido.

Ao reportar-se ao gozo feminino, André (1991) considera que a devastação indica traços de uma relação passional na qual os parceiros não encontram saída que não seja diante de uma ruptura; por esse motivo a relação entre mãe e filha pode permanecer como uma separação para sempre adiada. Assim, a devastação trata de uma consequência da impossibilidade de o desejo da mãe ser completamente interditado pela castração, o que pode arrebatar o sujeito frente à voracidade do desejo do Outro.

Diante da maneira como a mãe transmite sua relação com o próprio gozo que escapa da simbolização, a devastação pode representar para a filha o arrebatamento frente à sua demanda de amor e reconhecimento em caráter infinito. Essa demanda é proveniente do gozo feminino que é, em partes, ilimitado diante da falta de significante. Por esse motivo a devastação também pode estar presente em quaisquer trocas amorosas que uma mulher estabeleça durante sua vida e na dificuldade de abandoná-las. Ao continuar endereçando à mãe reivindicações sobre seu ser, a filha pode obstruir seu acesso à feminilidade.

De qualquer forma a devastação implica em dificuldades do sujeito nas relações de troca, em colocar o corpo na troca amorosa, no relacionamento sexual e na maternidade. Uma mãe deverá se separar dos objetos de seu corpo em sua relação com a filha. Se essa transmissão não ocorre, a devastação será a consequência desse deslumbramento narcísico que busca mais o amor desenfreado do que o desejo. (DRUMMOND, 2011, p.12).

Brousse (2003) reitera o valor do termo devastação ao retratar sua experiência clínica com mulheres onde lhe foi possível observar que, independentemente da estrutura de suas pacientes, de suas histórias ou de seus sintomas, havia uma invariante em sua análise: o desejo materno, em algum momento, assumia o lugar de morte. A autora explica que diante das circunstâncias dessa devastação o sujeito pode ser despossuído de seu lugar. Aqui a impossibilidade de encontrar um lugar no Outro não é apaziguada pela função paterna. Dessa maneira, embora a função fálica não esteja excluída dessa singularidade, ela não se coloca em termos de troca possível para a mulher, mas sim de perda.

A mulher pode, portanto, considerar sua falta como uma perda, o que se torna possível diante da falta de luto do Outro que a remetia à posição de objeto. Essa circunstância impede que

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