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Projetos de Inclusão Social I - História e Conceitos

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Academic year: 2021

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Definições e Origens A mobilização crescente da sociedade em torno da elaboração de projetos de intervenção social (por vezes denominados de PIS), quer no âmbito específico do esporte e da Educação Física quer como empreendimentos no campo da cultura e da educação, torna imperativo definir, no âmbito deste Atlas, o que se entende por inclusão social em ambas as dimensões. Em princípio, os PIS que usam o esporte e/ou a Educação Física como meio de mobilização dos destinatários e da associação destes com os interventores – voluntários, grupos comunitários e/ou instituições, profissionais etc – podem ser definidos como ações de intervenção para o desenvolvimento social em que são estabelecidos objetivos comuns com os destinatários, de acordo com as propostas do projeto. Outros meios, tais como projetos culturais e de proteção ambiental, possuem vantagens relativas similares ou distintas do esporte. A natureza dos projetos, se relacionada ao processo formal de educação ou complementar a estes meios, é que definirá o alcance possível dos níveis de inclusão social. Esta terminologia é recente e teve origem na expressão inglesa full inclusion. Trata-se de um novo paradigma que prescreve a educação de todos os alunos nas classes e escolas de bairro. Significa que todas as crianças devem ser incluídas na vida social e educacional, e não somente posicionadas no curso geral da escola e da comunidade (Carmo, 2002).

Tais concepções preliminares têm delineamento ao serem apreciadas as experiências brasileiras na área de ações sociais em projetos esportivos, que registram iniciativas pioneiras no país desde a década de 1920. E com vistas a estes legados, pretende-se inicialmente descrever e analisar sucintamente fundamentos selecionados de ações sociais com o propósito de contextualizar os PIS na cultura brasileira. Tal seleção apoiou-se na percepção de que “inclusão social” é uma expressão atual que incorpora o passado das obras de caridade cristã, bastante influente desde o século XVIII no Brasil; a tradição do governo propor e agir para melhorar as condições da população pobre do país; o esforço de ordenação jurídica, desde o século XIX, de proteção e cuidado com pessoas desprivilegiadas e marginalizadas; e o empenho voluntário tradicional, de instituições privadas – internacionais, nacionais e empresariais –aos grupos carentes da sociedade. Na busca de fundamentação incluem-se fatos de memória do próprio esporte trazendo experiências empíricas brasileiras de cunho social. Tais procedimentos antecipam e referenciam os capítulos seguintes desta seção quanto a uma melhor compreensão, encaminhamento e futuras avaliações. Cabe fazer notar que os PIS do esporte no Brasil – o que se repete no exterior, segundo estudo comparativo com 36 países de DaCosta & Miragaya (2002) – justificam-se mais pela prática do que pela teoria, impondo, assim, um retorno às suas origens e a um exercício de definições. Nesta linha de conta, pretende-se que inclusão e exclusão social sejam faces da mesma moeda nas sociedades históricas. Nas sociedades igualitárias, não tem sentido falar-se em inclusão social. Significa dizer que o conceito de inclusão social é historicamente constituído. O processo de formação e de organização social determina os pressupostos e o exercício da inclusão e da exclusão social. Em todas as concepções de exclusão está presente a idéia de rejeição, de deixar de fora, de separar pessoas e grupos do convívio com outros indivíduos e dos benefícios sociais que lhes são devidos. As raízes das formas de organizações sociais são muito antigas e diferem umas das outras. Na sociedade grega a exclusão social aparecia diretamente ligada ao ostracismo, à impossibilidade de participar da vida política da cidade; já em Roma, a idéia de

Projetos de Inclusão Social I – História e conceitos

HELOISA G. P. NOGUEIRA, NILDA TEVES, LEONARDO MATARUNAE LAMARTINE DACOSTA

Projects of Social Inclusion I – History and concepts

The social projects that use sports and/or Physical Education as a means to mobilize participants and their association with activity managers and coordinators – volunteers, community groups and/or institutions, professionals etc – can be primarily defined as actions of intervention for social development in which common objectives are discussed and established together with the participants according to the proposals of the project. Other means such as cultural projects and environmental action projects have some relative advantages that are similar to or distinct from sports. The essence of the projects, either related to the formal process of education or to a complement

to these means, will define the possible reach of the levels of social inclusion. Since the 1920s Brazil has had several types of experiences in which social projects used and adopted sports as their only badge. This chapter briefly describes and analyzes various principles selected from social and sports actions. The selection process was supported by the following observations: (i) the perception that ‘social inclusion’ is an expression of the modern day that incorporates the past within

the works of Christian charity, very influential since the 18th century

in Brazil; (ii) the tradition that the government had to propose and act in order to improve the conditions of the poor population of the

country; (iii) the effort of juridical order to protect and see about the

underprivileged and marginalized people since the 19th century; and

(iv) the engagement of the traditional volunteers of private institutions – international, national and entrepreneurial –to the needy groups of society. While primary evidence was looked into and sorted out, facts of memory of sport itself were included and with them memory of empirical experiences of social nature that took place in Brazil. Such procedure anticipates and provides the chapters that follow in this section with references to a better understanding, direction and future evaluations.

desterro representava excluir o indivíduo ou grupo do convívio dos pares, assim como os guetos na Idade Média ou os parias na sociedade hindu em que indivíduos, por força de nascimento, eram concebidos como não pertencentes ao mundo.

Mesmo as sociedades modernas percebem o binômio inclusão-exclusão como intrínseco e, por isso mesmo, o assunto tem sido foco de investigação de vários cientistas sociais como Durkheim, Simmmel, Max Weber, Marx e tantos outros. Desde o momento em que as sociedades modernas foram abaladas pelos ideais revolucionários, particularmente a França e os Estados Unidos modificaram em grande parte suas antigas estruturas sob o argumento da igualdade, liberdade e fraternidade. Prometiam, assim, efetivar a inclusão em nome da igualdade. Até o século XIX, no entanto, inclusão social nada tinha a ver com desenvolvimento. Falava-se apenas de progresso, referindo-se à esperança de civilização oferecida a europeus e a norte-americanos. À América Latina restava, no máximo, a esperança de construir um sistema de desenvolvimento que deveria basear-se na educação, ou seja, na promoção do capital humano na perspectiva do modelo de civilização europeu. A influência européia, por via do positivismo veio sustentar, em muitos dos intelectuais latino-americanos, uma visão de sociedade preocupada com a produção da riqueza material e pouco centrada na participação e inclusão da população que resultasse na formação da cidadania (Hermet, 2002). Os efeitos desta situação, em grande parte, reabilitaram os processos de exclusão, legitimando-se as diferenças específicas entre os homens. Doentes mentais, portadores de necessidades especiais, mulheres, crianças, idosos e em grande parte negros, passaram a fazer parte de um mundo separado dos demais.

No Brasil, a influência que a Igreja Católica exerceu junto ao Estado trouxe para si o encargo de apaziguar as distâncias reais entre os incluídos e os excluídos. A ela ficaram afetos os setores de assistência social: hospitais, internatos, escolas. Tudo isso era promovido pelo viés da misericórdia, da caridade. Na organização da sociedade brasileira e no processo de modernização dela decorrente houve diversos determinantes internos e externos. Entre estes, as interpretações do jurista Raymundo Faoro (1958), em seu clássico livro “Os donos do poder”, apontam para o peso da burocracia portuguesa na vida brasileira e a conseqüente institucionalização de relações patrimoniais. Fator interno da maior relevância para a formação social do Brasil diz respeito ao desenvolvimento da estrutura agrária. Das antigas fazendas, passando pelos engenhos de cana-de-açúcar aos grandes latifúndios, a estrutura agrária nunca se articulou organicamente com a economia urbana de forma a dinamizar o desenvolvimento. A grande propriedade territorial e agrícola tornou-se o celeiro de sustentação da ordem senhorial e escravocrata que, a ferro e fogo, domesticou a negros, mestiços e brancos a se ajoelhar e pedir favores, a agradecer esses favores, mas não a se imaginar semelhantes, muito menos, iguais em direitos. A herança portuguesa, reforçada pelo exercício da elite imperial, incentivava a presença do Estado no sentido de abrir perspectivas de carreira a bacharéis, militares, operários em busca de uma legislação social, migrantes urbanos em busca de emprego, etc. Todos olhavam para o Estado como porto de salvação. A República, assim como mais tarde o Estado Novo, veio sustentar a proposta de fazer do Estado um agente do bem comum, um promotor de políticas sociais. Porém não contava que os sentimentos comunitários, a identidade coletiva que estabelece o lastro da cidadania estivesse restrita às relações

de pertencimento locais e familiares mantidos apenas pela força da cultura coletiva. A conjunção das elites intelectuais reunidas sob a égide do Estado Novo na busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação culminou na construção de uma imagem paternalista de governo que cristalizou um modelo de práticas e políticas públicas predominantemente assistencialistas, frustrando, em suas origens, as idéias e o exercício da autonomia, da liberdade, da cidadania e, conseqüentemente, da inclusão social. Nesta contextualização explica-se o discurso de Getúlio Vargas, por ocasião da assinatura de decretos-leis referentes às classes trabalhadoras em 1938, quando disciplina o futuro institucional da nação por via do trabalho: “Quais as aspirações das massas obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: a ordem e o trabalho” (Vargas, 1938, 203). As dificuldades enfrentadas pelo Estado Novo para re-construir o imaginário da nação para o mundo extra-elite, as pressões dos imigrantes para manter seus laços culturais de origem, muitas vezes misturadas às ameaças fascistas, foram possíveis questões que não facilitaram a compreensão e a adoção de um modelo político expansivo e democrático. Com a emergência das lutas sociais pelo direito à cidadania social, além da civil e política, o Estado se viu obrigado a atender cada vez mais a grandes parcelas da população em seus pleitos fundamentais. A universalização do ensino público, a ampliação da rede pública hospitalar, dos benefícios previdenciários, a proteção à criança, ao adolescente, ao idoso, aos portadores de necessidades especiais enfim, tornou chegado o momento de se enfrentar o processo de inclusão como um fenômeno, não apenas político-econômico, mas fundamentalmente social.

O entendimento da inclusão refere-se, então, à instância de direito de todos os integrantes da sociedade poderem ter acesso aos bens sociais coletivos, incluindo-se as práticas esportivas. Sabe-se que os avanços sociais produzidos pelas iniciativas advindas do esporte são eficazes porém não corrigem a distorção estrutural que é educacional. No entanto, trata-se de assimilar os indivíduos, independentemente de origem social, raça ou aspecto físico, à comunidade nacional. A base para a inclusão implica no acolhimento de indivíduos diferentes, respeitando-se suas particularidades e diferenças. Quando se estabelecem critérios de quem pode ou quem não pode participar dessa comunidade inviabiliza-se a assimilação e consolida-se a exclusão. Sob a égide da normalização, inviabiliza-se a integração, a assimilação, enfim a inclusão. No caso da escola, quando se estabelece que a criança não pode repetir o ano escolar por mais de duas vezes, institui-se em princípio a exclusão da escola, legitimada pela norma. Da mesma forma acontece com o critério de idade, de aptidões físicas, de sexo, definindo quem pode e quem não pode praticar determinadas atividades, inclusive o esporte. Ao se levantar a bandeira do esporte para todos, está-se defendendo o direito à diferença, levando-se em conta que o objetivo maior é o da inclusão, da assimilação, da integração ao invés do sucesso. Igualam-se os desiguais em nome da justiça social; sejam portadores de necessidades especiais, idosos ou outros grupos quaisquer, todos devem poder participar dos eventos oferecidos ao público em geral. Cabe ao Estado gerenciar os recursos financeiros de modo a implementar políticas públicas que atendam aos interesses da população em geral. Cabe às empresas cumprir sua responsabilidade com o social gerenciando economicamente seus programas sociais, utilizando o ferramental do business para avaliar, de fato, resultados sociais atingidos. Dessa forma, a inclusão passa a ser mais um novo paradigma de

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pensamento e de ação, na direção de incluir todos os indivíduos em uma sociedade na qual o direito à diferença deve ser respeitado. O grande desafio, assim como a universalização da cidadania, é ampliar os processos de inclusão que vão desde as garantias de aposentadoria, o acesso à escola, como a participação livre nos eventos sócio-culturais. Não é tarefa fácil quando se consolidaram, no imaginário coletivo, mitos, crenças e pré-conceitos. Martine Xiberras (1993) faz o seguinte comentário “excluídos são todos aqueles que são rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos valores”. Sentir-se excluído por rejeição, por discriminação, significa romper com os vínculos de adesão social que ligam os atores a valores. Uma ruptura que resulta numa perda do sentido de pertencimento, de filiação, até mesmo de nacionalidade. Sentir-se desviante, à margem da comunidade é uma forma de ostracismo, de morte social. Poder participar, ver-se reconhecido como um membro do grupo remete ao fortalecimento da auto-estima, à valorização de si mesmo. A inclusão social não se reduz a um ato de piedade mas sim a um ato político de re-ligação dos seres humanos entre si e do fortalecimento dos laços sociais. Atualmente fala-se de marginalização ao invés de exclusão, atribuindo-se aos indivíduos o resultado e a responsabilidade sobre suas próprias escolhas. Essa lógica individualista exime os governantes do dever de preservar os valores e os laços sociais coletivos. Não é só por decreto que um governo exclui os cidadãos da participação plena da sociedade, mas por outro lado ele pode, mediante políticas públicas, favorecer a inclusão de grandes parcelas da população nos benefícios básicos sociais. Se a igualdade representava o princípio das novas sociedades sem classe, hoje se exige o direito à diferença nos processos de inclusão social. É nesse sentido que se pode pensar a legitimidade da inclusão social. É sobre essa legitimidade que se abrem os espaços para as lutas por justiça social, pela defesa de princípios morais, religiosos e políticos. Não é uma tarefa simples, entretanto.

A partir de 1975 a ideologia neoliberal desalojou rapidamente o que se entendia por desenvolvimento. À concepção que inclui o acesso de todos aqueles que, pelos mais diversos caminhos, possam desfrutar de benefícios sociais e culturais, como patrimônio que a todos pertence – versão européia do conceito de cidadania – contrapôs-se o modelo de cidadania corrente das democracias liberais, expresso essencialmente no depósito de um voto nas urnas e no desejo de uma participação política vivida na identificação afetiva do povo com seu líder (Hermet, 2002). Apesar do abismo em relações aos países desenvolvidos haver se expandido de maneira exponencial, contabilizando, em 1999, uma diferença de renda entre os 5% mais ricos e os 5% mais pobres do mundo de 1 para 74, a democratização dos países latino-americanos passou a representar uma realidade e um progresso. A emergência de uma nova visão de desenvolvimento tornou-se factual, em 1990, quando o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD assumiu o Indicador de Desenvolvimento Humano-IDH como índice estatístico comparativo para seu relatório anual. A introdução do novo indicador do PNUD redefine a luta contra a pobreza e a exclusão social através de quatro imperativos, quais sejam: (i) o desenvolvimento não apenas deve ser duradouro como também eqüitativo; (ii) a melhoria dos índices econômicos representa um meio e não um fim no processo de desenvolvimento; (iii) o crescimento é mensurado agora também pelo desenvolvimento social, pelo nível de igualdade, justiça, democracia e (iv) a proteção ao meio ambiente participa em parte ou no todo de qualquer forma de intervenção visando ao desenvolvimento que deve ser sustentável, isto é com equilíbrio entre gastos e retornos. Assim, o IDH relativiza o significado do Produto Nacional Bruto-PNB e amplia o escopo com a avaliação da expectativa de vida e o nível de educação atingido em cada país. Por fim, a estreita relação entre economia e política é assumida como intrínseca já que os programas econômicos são o resultado das lutas que se desenvolvem no seio das instituições do Estado. Na denominação do novo indicador não mais se destaca a economia, mas o humano. Já não se focaliza o crescimento, certamente desejado, dos fluxos de produção, mas estende-se a elementos que expressam uma melhora tangível no modo de vida das populações desafortunadas. O processo de mudança em virtude do qual uma coletividade tem acesso, em conjunto, a um bem-estar social maior não é quantificado apenas sob o ponto de vista do resultado econômico, mas abrange o cultural porque envolve mudança de hábitos, de valores, de comportamentos e de respostas coletivas construídas e amadurecidas pela comunidade na busca de uma vida melhor. Assim, a matriz em permanente evolução, dos sentimentos e das maneiras de perceber as coisas que caracterizam todas as comunidades em um momento dado torna-se cultural. O

que significa que os processos culturais vão constituir, também, um setor importante de atividade que gera riqueza e cria empregos a níveis perfeitamente contabilizados (Hermet, 2002).

Desde a década de 1990 que o Banco Mundial passou a incluir, na avaliação de projetos de desenvolvimento, a idéia de “capital social” que expressa, exatamente, esta capacidade de uma sociedade estabelecer laços de confiança inter-pessoais e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos. Segundo o Banco Mundial, o capital social refere-se às instituições, as relações e normas sociais que dão qualidade às relações inter-pessoais em uma dada sociedade. A coesão social é vista como fator crítico para a prosperidade econômica e para o desenvolvimento sustentado. Pesquisa realizada em 1993 e relatada por Robert Putnam revela as disparidades de desenvolvimento entre o norte e o sul da Itália, ocorridas após a implantação da descentralização administrativa do país. Durante vinte anos, os estudos de Putnam acompanharam, através de técnicas e metodologias variadas, os resultados conquistados. Ao final deste tempo, Putnam constata que o Norte, mais desenvolvido, soubera aproveitar-se melhor das vantagens da descentralização, enquanto o Sul conseguira melhorias mas não no mesmo ritmo das do Norte. Ao examinar minuciosamente cada uma das regiões, seus processos políticos, econômicos, administrativos, Putnam compreende que níveis maiores de envolvimento da população com a coisa pública, mais cooperativa e mais confiante com seus pares, mais associativa, fazem diferença. A capacidade maior de as pessoas cooperarem e confiarem umas nas outras gera laços horizontais de participação e propicia a produção do bem comum e o desenvolvimento econômico. Assim, um problema tão complexo como a inclusão demanda múltiplos esforços que vão desde as iniciativas do Estado, da sociedade civil organizada, das instituições, enfim de todos aqueles que tem por princípio os direitos humanos, direitos de todos se desenvolverem, de exercerem plenamente a cidadania, independentemente do estado físico, da condição social, ou de suas origens étnicas. Mas, para que o paradigma da inclusão possa se efetivar é necessário, também, que se disponibilizem os espaços, as condições objetivas que permitam que todos aqueles que por ele se interessem possam desfrutar de seus benefícios. E o esporte, a Educação Física e as atividades físicas em geral têm apresentado, em seus percursos históricos, tais requisitos objetivos. Seus espaços se espraiam muito além das escolas e dos clubes; adentram nas empresas, nos condomínios, nos hospitais buscando e trazendo para as atividades físicas, para o esporte, pessoas que até então ficaram à margem. Incluí-las nas atividades requer, dos profissionais de várias especialidades e dos voluntários a eles associados, a capacidade de lidar com a diferença, com o inusitado, com as aparentes impossibilidades. E mais do que esta habilitação, o conhecimento da inclusão no contexto da exclusão é a base mínima da avaliação das ações destes interventores sociais.

Ações Religiosas As duas instituições que, por sua natureza, cuidaram de organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica. Embora fossem instituições distintas, nos períodos relativos à colonização uma estava ligada à outra. Não existia, como existe hoje, o conceito de cidadania, de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado, independentemente da religião. A religião do Estado era a católica e os súditos, ou seja, os membros da sociedade, deveriam ser católicos. Em princípio, houve uma divisão de trabalho entre as duas instituições. Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia e administrá-la política e economicamente. À Igreja coube cuidar das “almas”. Ela estava presente na vida e na morte das pessoas, nos episódios decisivos do nascimento, casamento e morte. Nada mais natural, portanto, que a Igreja se encarregasse também da assistência aos desvalidos de toda a natureza. As associações religiosas que se incumbiam da assistência dividiam-se em duas categorias: as que distribuíam auxílio a todos os necessitados em geral tendo como modelo a Santa Casa da Misericórdia, e as que se ocuparam dos próprios sócios, tais como as Irmandades Religiosas, as Ordens Terceiras e as Associações de Beneficência, de socorro mútuo, representadas, estas últimas pelas Beneficências Portuguesas, com seus hospitais, havendo ainda associações beneficentes inglesas, francesas e italianas. A Igreja desempenhou, assim, no caso da colonização do Brasil, importante papel. A força que dela emanava, manifestava-se por três modos: o episcopado, com o clero secular, as ordens religiosas e as corporações leigas – ordens terceiras, irmandades e confrarias. Tais corporações eram

organizadas por classes sociais e profissões. Assim, as ordens terceiras, como a do Carmo e a de S. Francisco eram constituídas pelas elites locais; as irmandades, pelas profissões, como S. José dos Carpinteiros, Santo Elói dos Ourives, São Jorge dos Ferreiros. Os negros mantinham irmandades próprias, como a de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Santa Efigênia. Uma das principais organizações era a da Santa Casa da Misericórdia, que exercia funções de assistência social de toda ordem para todo o tipo de público. Mantinha hospitais, asilos para pobres e velhos, cuidava dos presos e assistia aos condenados à morte.

Documentos históricos sugerem que em março de 1582 o jesuíta José de Anchieta acudiu a esquadra espanhola que aportara no Rio de Janeiro, devido a enfermidades que acometera sua população. Para abrigar os enfermos, o jesuíta mandou construir um barracão de palma, coberto de sapé, que deu origem à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e, possivelmente, ao primeiro hospital da cidade. Desde 1548 que a Coroa portuguesa resolvera intervir mais diretamente na questão do povoamento do território brasileiro, nomeando como primeiro governador-geral Tomé de Souza. O governo de Tomé de Sousa (1549-1553) foi sucedido por outros quatro governadores-gerais até a União Ibérica em 1580, quando o reino de Portugal se uniu ao de Espanha. O domínio espanhol sobre o Brasil foi importante na formação de várias instituições de caridade, entre elas a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e outras que se disseminaram ao longo dos séculos pelas principais cidades e vilas. A cidade, à época, somava uma população de 3.850 habitantes, a maior parte composta por índios, 750 portugueses e 100 africanos. A vida econômica da cidade baseava-se primordialmente nos engenhos de açúcar, que inicialmente contaram com a mão-de-obra escrava indígena e, mais tarde, com os negros africanos de Angola. A falta de políticas de higiene pública e saneamento propiciou freqüentes epidemias de cólera, febre amarela e varíola, entre outras doenças que atingiam sua população. A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, regida pela Santa Casa de Lisboa, abraçava os mesmos propósitos caritativos desta última: acolher os presos, alimentar os pobres, curar os doentes, asilar os órfãos, sustentar as viúvas, enfim, ser a casa a serviço dos mais carentes, dos desassistidos e abandonados. Em seus dois primeiros séculos de existência, contou apenas com um físico e um cirurgião efetivos, além dos que se ofereciam para auxiliá-los em troca do internamento de doentes particulares e do uso das instalações para outros interesses. A instituição foi regida pelo “Compromisso” da Misericórdia de Lisboa, do ano de 1618, confirmado pelo alvará de 18/10/1806, alterado pela deliberação da Mesa de 13/05/ 1838 e reformado em 30 de maio de 1907. O cargo de provedor da Santa Casa de Misericórdia do RJ era geralmente ocupado por políticos influentes, nobres titulares ou ricos comerciantes, muitos dos quais adotaram medidas econômicas e administrativas para manter e ampliar as atividades da Irmandade no Rio de Janeiro. Até o século XIX, as exigências para a admissão na Irmandade eram severas: “ser puro de sangue há pelo menos duas gerações, o que equivale dizer não ter sangue de negro, mouro ou judeu; ser isento de trabalhar com suas próprias mãos, em caso de ser oficial mecânico, ser dono de sua tenda; que saiba ler e escrever; e ter recursos suficientes para acudir ao serviço da irmandade quando necessário e para não ser suspeito de aproveitar do dinheiro da instituição em benefício próprio”. Embora não subvencionassem as Misericórdias, os governos do Império e Provincial concediam-lhes vantagens e benefícios como a isenção de impostos, taxas, selos e o privilégio da organização de loterias, cuja renda proveniente da venda de bilhetes era aplicada no custeio das Santas Casas.

A primeira loteria foi criada pelo Coronel Comendador Custódio Moreira Lírio, por ocasião do retorno da família real a Lisboa, em 1821. A Santa Casa do RJ e da Bahia destacaram-se das demais em relação ao seu patrimônio, resultante de doações e legados além de bens imóveis e apólices da dívida pública. Nestas Instituições, alguns profissionais recebiam modestos vencimentos. O mais comum, entretanto, era que todos os médicos das localidades das diversas Santas Casas se revezassem no atendimento aos pacientes, sem receber qualquer remuneração. A prestação da assistência médico-cirúrgica era gratuita. A Santa Casa tinha a grande responsabilidade de manter o maior hospital do Rio de Janeiro até o final do século XVIII, que oferecia assistência à população pobre da cidade e seus arredores, sem distinção de raça ou nacionalidade. A assistência aos presos era uma das principais obras do “Compromisso” da Misericórdia, que lhes oferecia roupas e alimentos, além de auxílio médico e jurídico, conforto espiritual e sepultamento dos que eram

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condenados à morte. O preso deveria se encontrar preso há mais de um mês, e a acusação não poderia versar sobre a contração de dívidas. A maior fonte de renda da Santa Casa, no entanto, referia-se aos referia-serviços funerários dos quais tinha monopólio, tanto em Portugal quanto nas colônias. A maior causa dos constantes desentendimentos entre a Irmandade e as autoridades da província do Rio de Janeiro, ao longo dos séculos XVII e XVIII, estava relacionada aos serviços prestados pelo hospital aos militares adoentados e feridos, pois vários governantes se recusavam a cumprir as determinações régias que estipulavam um pagamento anual à instituição religiosa, a fim de cobrir os gastos das tropas militares que sempre foram acolhidas pela Misericórdia, mesmo depois de estabelecido o hospital militar. Grande parte de seus enfermos era de sua responsabilidade, entretanto alguns doentes arcavam com os custos de sua estadia, pagando ao nosocômio da Irmandade uma diária. Entre julho de 1809 e junho de 1810, o hospital recebeu cerca de 1.545 enfermos pobres, dos quais 293, aproximadamente, tiveram condições de pagar suas despesas. No caso de internação de escravos, cobrava-se uma diária ao seu respectivo senhor, mais os custos com os medicamentos fabricados na botica do hospital. Na verdade, o socorro prestado pelo hospital aos escravos quase nunca era pago pelos seus donos que, em última instância, acabavam doando o cativo à Irmandade. Apesar das constantes dificuldades financeiras reais vividas pela Santa Casa ao longo de sua história, a maior parte das doações recebidas não era aplicada na filantropia, mas desviada para a conservação e ampliação do patrimônio financeiro e imobiliário da confraria. O provedor Miguel de Carvalho, referindo-se ao período de 1902 a 1906, declara que “quase duplicamos o patrimônio constituído de títulos, restauramos e melhoramos sensivelmente parte do patrimônio predial, elevando de modo apreciável a sua renda”. Os serviços hospitalares ficavam então prejudicados, não respondendo às necessidades da população carente que se diversificava e crescia nos primeiros anos do século XX. A partir de 1917, a Irmandade passou a exigir a apresentação de atestado de pobreza para que o enfermo tivesse atendimento gratuito. Ações humanitárias da sociedade civil Em junho de 1859, um homem de negócios suíço chamado Henry Dunand ficou profundamente impressionado com a visão de milhares de soldados feridos no campo de batalha de Solferino, no norte da Itália, abandonados à própria sorte, em agonia por falta de assistência médica. Apelou, então ali mesmo, para a população local o vir ajudar, insistindo para que os soldados de ambos os lados fossem ser tratados. Mas não ficou por aí. Em 1862 publicou um livro intitulado “Uma recordação de Solferino”, em que fez dois apelos: em primeiro lugar, que fossem constituídas sociedades de assistência em tempo de paz com enfermeiros que tratariam dos feridos em tempo de guerra e, em segundo lugar, que esses voluntários, que seriam convocados para auxiliar os serviços sanitários do exército, fossem reconhecidos e protegidos por meio de acordo internacional. Estas idéias levaram rapidamente à criação do “Comitê Internacional para a Assistência aos Feridos”, que mais tarde se transformou no Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Em resposta a um convite do Comitê Internacional, os representantes de dezesseis países e quatro instituições filantrópicas reuniram-se numa Conferência Internacional em Genebra, em 1863. Este acontecimento marcou a fundação da Cruz Vermelha como instituição. No ano seguinte, os representantes de doze governos participaram e adotaram um tratado preparado pelo Comitê Internacional, intitulado “Convenção de Genebra para o Melhoramento da Sorte dos Soldados Feridos nos Exércitos em Campanha”. Os dez artigos constantes do tratado constituíram o primeiro tratado de Direito Internacional Humanitário.

Outras conferências foram realizadas posteriormente, ampliando o direito básico a outras categorias de vítimas, como os prisioneiros de guerra. Após a Segunda Guerra Mundial, uma conferência diplomática adotou as quatro Convenções de Genebra de 1949, depois de reunir durante quatro meses. Estas Convenções incluíram, pela primeira vez, disposições relativas à proteção de civis em tempo de guerra. Em 1977, as Convenções foram completadas por dois Protocolos Adicionais. No Brasil, a Cruz Vermelha é uma entidade supra-estatal, fundada em 05 de dezembro de 1908. A Cruz Vermelha Brasileira é uma sociedade civil filantrópica, independente, com personalidade jurídica, sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, de duração indeterminada, conforme estabelecem a Lei n. 2380, de 31 de dezembro de 1910, o Decreto n.9620, de 13 de junho de 1912, e o Decreto n. 23482, de 21 de novembro de 1933. É constituída com base nas Convenções de Genebra, das

quais o Brasil é signatário e nos Princípios Fundamentais da Cruz Vermelha. A Cruz Vermelha Brasileira é oficialmente reconhecida pelo governo como Sociedade de socorro voluntário, autônoma, auxiliar dos poderes públicos e, em particular, dos serviços militares de saúde, conforme as disposições das Convenções de Genebra e como única sociedade nacional da Cruz Vermelha que possa exercer suas atividades em todo o território brasileiro. Tem por finalidade prevenir e atenuar os sofrimentos humanos com toda a imparcialidade, sem distinção de raça, nacionalidade, nível social, religião e opinião política, podendo estender sua atuação, em determinados casos, além do território nacional. Atualmente, a Cruz Vermelha está em 171 Sociedades Nacionais em 171 países com mais de 350 milhões de voluntários, regidos por mesmo estatuto, princípios e finalidades.

Ações jurídicas de proteção à criança O trabalho infantil no Brasil é quase tão velho como a própria história do país. Desde o início da colonização, as crianças negras e indígenas eram incorporadas ao trabalho. Com o desenvolvimento socioeconômico do país, a forma de trabalho infantil se modificou. O Código Criminal de 1830 tratou de reformular a responsabilidade penal dos menores de idade. Era dominante a preocupação fundada na ideologia cristã de amparar a criança órfã e desvalida, recolhendo-a em instituições destinadas à sua criação, mantidas pela Igreja Católica, com subsídio do governo. Os legisladores ocuparam-se com a regulamentação do ensino, tornando-o obrigatório e incentivando a criação de escolas e facilitando o acesso das crianças pobres. Porém, tais escolas não eram destinadas a todos. Não eram permitidos “meninos que padecessem moléstias contagiosas, ou que não tivessem sido vacinados, e os escravos”. Quanto às crianças indígenas, essas nem

eram mencionadas. A partir da 2a metade do século XIX, destaca-se

a legislação relativa ao processo de libertação dos escravos, impulsionada pelo movimento abolicionista. Um interesse crescente em relação à criança, em particular aos cuidados a ela ministrados pela família, liderado pela medicina higienista abriu caminho para a intervenção jurídica. Havia claramente a intenção de reprimir a delinqüência, como indicavam as leis penais da época.

Com a imigração crescente da Europa e do Japão, pouco antes do final do século XIX, a revolução industrial chegou ao Brasil. As novas formas de divisão do trabalho facilitaram o próprio exercício do trabalho e possibilitaram a inclusão da mão-de-obra infantil a custos mais baixos, particularmente na indústria têxtil. A partir da difusão dos avanços das ciências como a medicina, a sociologia, a economia e a educação, aliada aos ideais positivistas, esta assistência ganhou uma forma alternativa: a filantrópica, que passa a concorrer com a caridade no tratamento da questão. Na passagem do século XIX para o XX, a esfera jurídica marcou um novo ciclo da trajetória brasileira relativa à infância. Defendia-se a idéia de uma legislação especial para menores, sob a “tutela oficial” do Estado, a exemplo do que ocorria em outros países da Europa e dos EUA. Idéias discutidas em congressos internacionais sobre o problema do aumento da criminalidade infantil e juvenil serviam de base para que se pleiteasse uma “nova Justiça”, na qual a educação (para o trabalho) e a recuperação (com base no trabalho) deveriam prevalecer em detrimento da punição. É na década de 1920 que os problemas relacionados à criança tornam-se objetos da alçada jurídica surgindo, assim, a categoria social denominada menor, em outras palavras, o filho do pobre. A palavra “menor” passa ao vocabulário corrente tornando-se uma categoria classificatória da infância pobre. Tal categoria, criada em 1921, altera “o código civil determinando que se considere abandonado o menor que não tem habitação certa, ou meios de subsistência próprios, órfão ou dependente de um responsável julgado incapaz de sua guarda”. Embora a criança pobre tenha sido alvo da preocupação da parte do Estado desde meados do século XIX, o primeiro relatório sob título “A infância desamparada” é elaborado por Sabóia Lima, em 1939. Em 1923 foi criado o Juizado de Menores. Em 1927, o Decreto 17943-A consolidou as “Leis de Assistência e Proteção aos Menores”, marcando o início de um domínio explícito da ação jurídica sobre a infância. Instalado o governo Vargas, o projeto de reformulação do papel do Estado teve repercussão direta na legislação para a infância, na medida em que a situação de carência da criança era associada ao quadro social de pobreza da população. A família do trabalho passou a constituir o foco da ação assistencial do Estado. As leis atenderão a dois alvos: a criança/ o jovem e o menor, como reflexo da visão dicotômica predominante em relação à infância das classes populares. Uma série de leis, criadas na passagem dos anos 1930 para os 1940, focalizarão, por um lado, a

assistência à maternidade, à infância e à adolescência, através de programas de educação e saúde, buscando-se estruturas políticas sociais básicas (Conselho Nacional de Serviço Social, Departamento nacional da Criança, Legião Brasileira de Assistência). Por outro lado, tratarão de definir medidas de recuperação e controle dos menores abandonados e delinqüentes, através da internação e repressão à criminalidade, firmando políticas “especiais” (compensatórias), que variavam de acordo com o “grau de periculosidade” do menor (Serviço Nacional de Menores; delegacias de polícia; estabelecimentos de triagem e internação de menores). Em 1940 é promulgado o Código Penal, colocando em evidência a necessidade da revisão do Código de Menores sob alegação de que o mesmo não poderia ser exclusivamente jurídico, mas deveria ter um caráter social (preventivo, curativo, assistencial). As controvérsias se estenderão por mais três décadas até que se efetivasse a primeira reformulação do Código, em 1979. Em 1941 surge um serviço oficial, aglutinador da assistência à infância no Brasil: o Serviço de Assistência ao Menor-SAM, que abandona o ideal filantrópico de transformar as crianças em pessoas úteis para a sociedade, para encarcerá-las em instituições totais. O sistema perdura até os anos 1960. Em 1959, desenvolveu-se um movimento que levou à elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. A Declaração veio corroborar a necessidade de uma reforma que garantisse o respeito aos direitos das crianças.

Em 1964 é criada a Funabem e retorna-se à retórica da integração social do menor pelo trabalho, agora dentro de uma política mais ampla de segurança nacional. Na década de 1970 aparece um relatório de pesquisa realizado com o objetivo de subsidiar a definição de políticas e programas sociais, mediante diagnóstico de criança em situação de risco. Encomendada pelo Tribunal de Justiça da cidade de SP e realizada pelo Cebrap e publicada em 1972, sob o título “A criança, o adolescente, a cidade”, a pesquisa teve por objetivo contribuir para a ação dos juizados de menores, num período em que a questão do menor colocava-se como um problema social grave. É interessante observar que na cidade do RJ se empreende, no mesmo período, uma pesquisa semelhante, publicada em 1973, com o título “Delinqüência Juvenil na Guanabara”. Estas pesquisas marcam, sem dúvida alguma, os primeiros passos das Ciências Sociais em direção à elaboração de diagnósticos referentes à condição social da criança, reunindo, deste modo, os interesses do Estado aos dos assistentes sociais, dos psicólogos, dos pedagogos, antropólogos e sociólogos. No final da década de 1970 e início da década de 1980, é que começam a surgir propostas alternativas de atendimento a crianças e jovens de classes populares, condenando o confinamento e o assistencialismo. Esses projetos novos, vinculados a organismos da sociedade civil e a instituições públicas, dão origem a formas diferenciadas no tratamento da questão e engajam-se em campanhas contra o trabalho infantil e juvenil. Desenvolve-se a compreensão de que as etapas de vida – infância e adolescência – não devem ser consideradas apenas em função de processos biológicos universais. Trata-se de uma construção social que determina não somente as práticas, mas também noções diferentes de infância, conforme o contexto sócio-histórico que se esteja falando. Numa sociedade desigual como a brasileira, existem, assim, diversas visões de infância. As propostas de atendimento alternativo, desenvolvidas basicamente por ONGs, deram origem, em 1986, à Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e a inúmeros projetos e programas de educação não-formal. Em 1988, a Carta Constitucional, em seu Artigo 227, culminou na elaboração do Projeto do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo o trabalho protegido a jovens de 14 a 18 anos, proibindo seu emprego em tarefas insalubres, perigosas ou noturnas. Em 1990, a Lei n. 8069 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. Dados do IBGE/PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1998 mostram que, neste ano, 7,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhavam, o que significou uma redução de 20% dos 9,7 milhões que trabalhavam em 1992. Atividades esportivas como meio de inclusão social O uso de atividades esportivas como meio de incorporação ou recuperação de pessoas desprivilegiadas na sociedade é tão antigo quanto o aparecimento do esporte moderno, na Inglaterra. Em meados do século XIX, naquele país, a expansão do rugby e do futebol teve tanto um propósito de educação dos jovens de elite como o papel de disciplinar as massas populares. A associação de qualidades físicas com virtudes morais – educação e regras de comportamento social –

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foi denominada de cristianismo muscular (muscular Christianity), segundo relata McIntosh (1979), no sentido de salvação e incorporação da população pobre à sociedade. Outra iniciativa inglesa de ajuda aos pobres em seu país, e também relacionada ao esporte, diz respeito à fundação da Associação Cristã de Moços-ACM (Young Men´s Christian Association–YMCA). O movimento surgiu em 1844, promovendo a leitura de textos bíblicos e a prática de esportes. O objetivo era proporcionar aos jovens, que se aglomeravam nas cidades em busca do trabalho, atividades saudáveis e motivadoras. No Brasil, a ACM instalou-se em várias cidades a partir de 1893 quando iniciou atividades na então capital do país, Rio de Janeiro. Além de ser provavelmente a entidade pioneira em PIS do esporte no país, a ACM introduziu o voluntariado em ações sociais esportivas, que se tornou uma tradição na sua versão brasileira: em 2002, para 147.607 associados, 287 projetos, e 35.758 pessoas carentes atendidas, havia 5.080 voluntários e 2.146 profissionais (ver capítulo sobre a ACM neste Atlas).

Nos anos de 1920, a Prefeitura de Porto Alegre deu início a uma série de iniciativas então denominadas de “Recreação Pública”, que se prolongaram por mais de uma década. Tais ações foram efetivamente precursoras dos PIS atuais, pois atendiam a população no espaço público (ruas, praças, etc) com práticas de recreação e esportes. O líder da ação sócio-esportiva recreativa foi Frederico Gaelzer, professor de Educação Física, que fez também experiências com colônias de férias para crianças carentes no início da década de 1930. Outra versão da colônia alternativa surgiu na Escola de Educação Física do Exército, sediada no RJ, cujo impacto foi maior do que a iniciativa do RS por ter se repetida por todo o país usando-se unidades do Exército Brasileiro. Esta experiência embrionária de PIS, feita por militares, sobrevive até hoje e se tornou uma tradição. A fase seguinte de experiências do uso da Educação Física e de esportes para a população em geral, fora do ambiente de clubes e escolas, deixou de ser pontual e emergiu de forma dispersa em diferentes locais do Brasil, sobretudo em SP e RJ. Assim aconteceu com “Ruas de Recreio” – e outras denominações afins – projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro nos anos de 1950 com repercussões nas décadas seguintes. Outras ações similares aconteceram no interior e na capital de SP nas décadas de 1960 e 1970, servindo de suporte e facilitação da Campanha Esporte para Todos – já então por iniciativa do Governo Federal – implantada no país no final dos anos de 1970. Esta última alcançou escala nacional e operou em seu auge com nove mil voluntários (ver capítulo “Lazer Esportivo e Esporte para Todos” nesta seção do Atlas). Os voluntários foram treinados para gerar projetos locais autônomos e, para este propósito, havia um “Decálogo” que orientava e fundamentava ações a desenvolver, mantendo um sentido de unidade na campanha. A chamada campanha EPT (de Esporte para Todos) enfatizava a cultura local recreativa e esportiva, o que acabou por realçar as atividades já existentes no país e afastá-la dos princípios internacionais então correntes e que justificou originalmente sua criação. De resto, o Decálogo EPT pregava o desenvolvimento comunitário, a integração social, o civismo, a humanização das cidades, a valorização da natureza e a valorização do serviço à comunidade, ao estilo do que hoje se denomina responsabilidade social. Entretanto, o Decálogo pregava adesão à prática de atividades físicas de lazer e saúde tanto como à prática esportiva e ao esporte organizado, o que dava equivalência aos dois tipos de desenvolvimento explicitados pela campanha: o sócio-cultural e o esportivo. Em que pese este equívoco de origem – sutileza não discernida à época – a fase EPT brasileira do período 1977–1988 experimentou abordagens por grupos-alvo (idosos, pobres, população rural, portadores de necessidades especiais etc), um pioneirismo que hoje sedimenta os PIS em geral. Estes se auto-desenvolveram, superaram aparentemente o foco desmedido no esporte e têm atuado com prioridade em seus objetivos, postos nas dimensões sociais e culturais. Faltaria, portanto, uma consolidação teórica destas experiências de oito décadas de existência, a fim de garantir intervenções sociais de maior legitimidade.

Ações esportivas de inclusão para portadores de necessidades especiais O movimento de inclusão social começou de forma incipiente na segunda metade dos anos 1980 nos países em desenvolvimento, e se desenvolveu fortemente na primeira década do século XXI engajando todas as nações. A Declaração de Salamanca foi o ponto de partida fundamental para que muitos países se envolvessem com mais ímpeto em relação aos deficientes. A Declaração é proveniente de uma conferência mundial sobre necessidades educativas especiais e pode ser considerada

uma carta magna da política da inclusão. Anteriormente, segundo a UNESCO (1994), no lugar do termo inclusão utilizava-se os termos integração (inserção da pessoa deficiente preparada para conviver na sociedade) e integração plena ou total para designar o que chamamos hoje de inclusão. Por isso é comum encontrar muitos documentos da Organização das Nações Unidas e textos de pesquisadores da área utilizando a terminologia Integração Plena. Em algumas reuniões científicas de destaque, como a Conferência Mundial de Educação, Fórum Mundial Social, Convenção Européia de Psicologia Social, Congresso Brasileiro de Medicina do Esporte, tem sido discutida a questão da inclusão social, escolar e esportiva de “pessoas com necessidade e direitos especiais”, incluindo nesta categoria os portadores de deficiência física, mental, auditiva, visual e múltipla; autistas; toxicômanos; pessoas com dificuldades de aprendizagem; insuficiências orgânicas; distúrbios do crescimento – nanismo; superdotação; obesos; problemas de conduta; distúrbio de atenção com hiperatividade, distúrbio obsessivo compulsivo; idosos; distúrbios emocionais; enfermos crônico-degenerativos e com patologias infecto-contagiosas; e transtornos mentais. Em vez de enfatizar a deficiência, a evidência maior deve estar voltada para a pessoa, seu potencial e suas ações. Apesar de alguns teóricos da área de políticas públicas educacionais apontarem que todas as pessoas no mundo possuem limitações em alguma coisa, e que logo “todos somos deficientes e diferentes”, como alerta Carmo (2002), os impactos dos estigmas e a violência simbólica continuam presentes para aqueles que são diferentes, ou melhor, cujas deficiências são evidentes. Entende-se por “diferença” a natureza biológica do indivíduo, enquanto “desigualdade”, a natureza social. Assim, todos os indivíduos são diferentes e desiguais, mas não deficientes. O Relatório da Força Tarefa entre Agências das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz, no capítulo 3, intitulado “O esporte na busca das metas do desenvolvimento do milênio” apresenta o item Esporte, Educação e Inclusão. Nesta parte, o relatório defende que “é imperativo que os programas de esportes dentro e fora da escola incluam todas as pessoas e assegurem oportunidades iguais de participação independente de gênero, raça ou habilidade (...)” oferecendo “(...) a jovens portadores de deficiência a oportunidade de participar de programas de Educação Física na escola e através de clubes da comunidade (...)” tendo em vista os benefícios adicionais que recebem do esporte e da atividade física”. Tendo em vista a Inclusão Escolar, pode-se afirmar que esta ação corrobora para o decréscimo do analfabetismo. Quanto maior o número de pessoas inseridas nas escolas, independente de credo, raça, gênero, necessidades especiais, estado de saúde e valores sociais, menor será a taxa de analfabetos no país, desde que haja condições materiais mínimas de trabalho, capacitação profissional e principalmente instalações físicas que permitam uma digna acessibilidade autônoma. No Brasil, a Educação Física Adaptada surgiu oficialmente nos cursos de graduação através da Resolução 3/87 do Conselho Federal de Educação e prevê a atuação do professor de Educação Física junto ao portador de deficiência e outras necessidades especiais. Por isso, sabe-se que muitos professores de Educação Física hoje atuantes nas escolas não receberam, em sua formação, conteúdos e/ou assuntos pertinentes a Educação Física Adaptada ou a Inclusão. A inserção de pedagogos e profissionais de Educação Física em hospitais num processo de inclusão profissional resgata a importância pedagógica de assistência à pessoa hospitalizada. Esta medida faz com que psicologicamente o indivíduo hospitalizado possa abstrair e ter contato com o conhecimento externo à realidade hospitalar. Ações como estas contribuem para o processo de reabilitação e, em alguns casos, promovem a interação e inclusão de portadores de diferentes quadros clínicos numa classe hospitalar na troca de suas experiências. A preocupação em desenvolver o estudo da inclusão de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais durante o Ensino Fundamental vem ao encontro

da atual Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional-LDB, No

9.394/96 que, em seu capítulo V, define a Educação Especial como “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais especiais”. O Estatuto da Pessoa com Deficiência – Brasil (1999) estabelece acesso a serviços de educação, esporte e lazer, subsidiando em caráter prioritário, programas que promovam a inclusão social destas pessoas. Outro documento importante é a Declaração Mundial Sobre a Educação para Todos, produzido na Conferência de Jomtien (1990) que trata dos objetivos e metas, princípios de ação e definição de políticas para melhoria da Educação, rumo à sociedade inclusiva.

Nela, em seu artigo 3º se propõe a universalização do acesso à Educação e Promoção da Eqüidade, e no item 5, cita sobre a necessidade de uma atenção especial às pessoas portadoras de deficiências com vistas a garantir “Educação” aos portadores de qualquer tipo de deficiência, como parte do sistema educativo. Neste ano, foi aprovado o estatuto

da criança e do adolescente Lei No. 8.069/90 – Brasil (1990) a qual,

em seu artigo 54, estabelece atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência na rede regular de ensino. Há ainda a

Lei No. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às

pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência–CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. O Decreto n 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. O ano de 2002 foi considerado o Ano Europeu do Deficiente, quando ocorreu uma série de atividades e planejamentos que resultaram na Declaração de Madrid, que combate a discriminação e a exclusão social e propõe a inclusão, direitos e condições de igualdade para esta população.

O esporte adaptado em seu desenvolvimento internacional tem revelado que oportunizar a prática esportiva a partir de um determinado quadro de deficiência não significa que está se fazendo inclusão. Realizar uma prova de um esporte adaptado em uma competição convencional, ou vice-versa, não é realizar inclusão, mas sim integração. Toda ação inclusiva é integrada, mas nem todo gesto de integração simboliza inclusão. É claro que ações participativas conjuntas do esporte convencional e adaptado possibilitam uma melhor aceitação social. Isto ocorre em virtude de que o esporte desconhecido passa por um processo de compreensão, através do ato consciente e reflexivo do conhecimento da ação para-esportiva. Sabe-se que a rejeição, ou o não interesse pelo Esporte Especial está ligado estritamente ao preconceito intrínseco de ignorar a deficiência. Existe uma preocupação sob o ponto de vista da ótica inclusiva no que tange a criação de novos jogos e esportes específicos para deficientes. Se a adaptação não for tangenciada pelas limitações e potencialidades de cada sujeito com deficiência, submetendo-se à normatização média de um quadro clínico, o indivíduo com menor capacidade motora terá dificuldades de atingir o padrão comum de mobilidade; e o de maior potencial poderá ficar limitado às estruturas pré-estabelecidas. Contudo, somente restarão os melhores em cada um dos esportes adaptados o que irá gerar o esporte competitivo, excluindo os demais não vencedores. Se analisarmos sobre todas as perspectivas intrínsecas ao processo de Inclusão, talvez não exista uma atividade ou possibilidade totalmente inclusiva, sempre haverá exclusão em um determinado aspecto, até mesmo entre pessoas com a mesma deficiência. O para-esporte de rendimento não pode ser visto como assistencialista. Esta conduta por sua vez está inserida no esporte de participação ou de reabilitação, mas não deve ser o pilar sustentador para se justificar a superação do indivíduo. Incluir socialmente através do esporte significa reconhecer as potencialidades e superações dos limites do sujeito enquanto sujeito, e não do indivíduo deficiente. O para-atleta e o deficiente praticante de esporte de lazer utilizam a atividade física como princípios de lazer ou trabalho. Contudo, usam as atividades em determinados momentos, como um escudo que induz a exclusão social, quando embutem o ato assistencial do esporte. Entretanto, poder-se-ia incluir o deficiente e o atleta regular com igualdades de condições para que ambos tivessem as mesmas oportunidades esportivas, se a idéia de se fazer inclusão com eqüidade continuar a ser propagada pelos novos pensadores do esporte adaptado. As diferenças motoras dos indivíduos com deficiência existem e não podem ser negadas, escondidas ou reprimidas.

Na diferença ou desigualdade é que repousam as ações dos profissionais em Educação Física na escola, os quais não devem tentar igualar o desigual, mas oferecer formas de manifestações físicas, culturais e esportivas acessíveis a todos os indivíduos que compõem seu universo de trabalho. A menção do conceito ‘sociedade inclusiva’ é bastante recente nos meios especializados em assuntos de deficiência, sendo mais recente do que os conceitos de educação inclusiva, lazer inclusivo e empresa inclusiva. Em outras palavras, foi dado ao processo de consecução da meta de uma sociedade inclusiva o prazo de cerca de 20 anos (1991-2010) para consegui-lo. Existem atualmente no mundo cerca de 500 milhões de deficientes sendo

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que 80% deles se encontram nos países em desenvolvimento. O número de deficientes vem aumentando, mas principalmente, esta camada da população vem se destacando e se envolvendo em causas nobres e aparições esportivas. Este fato vem corroborar para que a sociedade inicie a inclusão desde a própria casa, oportunizando ao máximo, que o direito constitucional à educação seja atendido. A escola é o segundo ambiente de aceitação do deficiente, criando a tendência dos educadores reverem seus currículos, seus planejamentos, seus conceitos e formações, para que efetivamente o portador de necessidades educativas especiais possa participar de uma verdadeira inclusão. Esta em sua versão atual afasta-se do que excluiu o diferente, desde que ele ou ela podem ser eficientes. Ações empresariais As mudanças econômicas e sociais impostas pela globalização e pela revolução tecnológica geraram novas relações de trabalho e pressionam no sentido da discussão sobre o papel das instituições como agentes sociais no processo de desenvolvimento sustentável e sobre a necessidade da formulação de valores éticos. O coração da idéia de sustentabilidade – conceito tão perseguido hoje no mundo dos negócios – apóia-se em três grandes pilares: desenvolvimento social, responsabilidade ambiental e viabilidade das empresas. Se o PIB brasileiro cresceu mais de 100 vezes e a população saltou de 17 milhões para 170 milhões, a riqueza produzida, no entanto, não foi distribuída. Um bilhão e meio de pessoas no mundo vivem abaixo da linha de pobreza (ganham menos de U$2,00 por dia ou consomem menos de 1.800 calorias). No Brasil estima-se que sejam 40 milhões. Na virada para o século XXI, a renda da 1% da população mais rica era praticamente igual à dos 50% mais pobres, de forma que cerca de um terço dos brasileiros convive com a insegurança alimentar. A floresta amazônica está sendo destruída na razão de um campo de futebol por segundo. Estas transformações sociais e ambientais, e as novas demandas de mercado têm gerado inúmeros desafios que o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil são incapazes de enfrentar de maneira isolada, evidenciando a necessidade de se alcançar uma melhor combinação na atuação destes três segmentos. A crescente exigência por competitividade está tornando comum a crença de que a empresa deva envolver-se responsavelmente com a comunidade. Entende-se, então, como Responsabilidade Social Corporativa, a maneira ética de condução dos negócios de uma empresa de forma que esta se torne co-responsável pelo desenvolvimento social, atendendo, simultaneamente, os interesses dos diferentes públicos com os quais ela se inter-relaciona, sendo capaz de incorporá-los ao planejamento de suas atividades. Isto significa, que a empresa é socialmente responsável quando consegue gerar valor não apenas para seus proprietários e acionistas, mas sim para todos os demais públicos com os quais ela se relaciona: Empregados, Fornecedores, Clientes, Governo, Meio Ambiente, e Comunidade (Instituto Ethos, 2001). Com vistas a conhecer mais de perto as iniciativas de responsabilidade social corporativa das empresas brasileiras, inúmeras pesquisas têm sido desenvolvidas, e estão sumariamente relatadas em capítulo específico. Entre estas, a eleição das 10 empresas-modelo 2003, no campo da responsabilidade social, promovida pela Revista Exame em parceria com o Instituto Ethos. Juntas, estas empresas faturaram 22 bilhões de reais em 2002, geraram um total de 52.000 empregos diretos e investem 87 milhões de reais anuais nos 1.200 projetos sociais voltados para a comunidade. Estão instaladas nas regiões sul, centro-oeste, norte e nordeste do país. São elas: 3M, Acesita, Belgo Mineira, CPFL, Multibrás, Natura, Perdigão, Philips, Serasa e TRW Automotive/divisão chassis e cintos.

Situação atual As experiências relatadas ao longo das seções compostas por este Atlas apontam para a formação de tendências quanto aos processos e práticas realizadas no Brasil no âmbito do esporte, da Educação Física e do lazer que podem subsidiar o entendimento e aprofundamento das ações e dos projetos de inclusão social (PIS). A visão de conjunto proporcionada pelo volume de dados coletados nesta edição do Atlas dá conta da magnitude de experiências que necessitam ser acompanhadas, para delas tirar lições. Por outro lado, a geração espontânea e ininterrupta de novas práticas esportivas assim como a criação de novas formas de lazer, as quais as instituições públicas e privadas mal conseguem acompanhar, sugerem um monitoramento contínuo na forma de banco de dados para, minimamente, mantê-los atualizados. Em termos de clientela potencial dos PIS, cogita-se aqui de um quantitativo que considera 40 milhões de pessoas categorizadas como marginais na sociedade em que vivem. Esta cifra tem sido questionada, mas pode ser assumida uma estimativa de ponto de partida, o que por si só

confere validade aos PIS de baixo custo e impacto relevante. No que tange ao fator “deficiência” – geralmente entendida como física – o monitoramento prende-se à ampliação do que hoje pode ser entendido como deficiência, por conta da extensão das dificuldades econômicas, políticas, sociais, étnicas que assolam a humanidade, particularmente o Brasil, sugerindo um trabalho de redefinição e delineamento de base teórica. Em 1980, a Organização Mundial de Saúde adotou uma classificação internacional de impedimentos (impairments), deficiências (disabilities) e incapacidades (handicaps), que implica numa abordagem mais precisa e ao mesmo tempo mais relativista. A Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades faz uma distinção clara entre “impedimentos”, “deficiências” e “incapacidades”. Ela tem sido utilizada amplamente em áreas tais como reabilitação, educação, estatística, políticas, sociais, legislação, demografia, sociologia, economia e antropologia. Alguns usuários têm expressado preocupação no sentido de que a Classificação, na definição da palavra “incapacidade”, ainda possa ser considerada médica demais e centrada demais no indivíduo, e talvez possa não esclarecer adequadamente a interação entre condições ou expectativas da sociedade e as habilidades da pessoa. Essas e outras preocupações, expressadas por usuários durante os 12 anos desde sua publicação, serão abordadas em revisões futuras da Classificação.

O Censo do IBGE de 2000 mostra um número maior de portadores de deficiência do que o esperado: 24,5 milhões de pessoas, cerca de 14,5% da população brasileira. Foram incluídas na pesquisa todas as pessoas que apresentem alguma dificuldade de enxergar, de ouvir, de locomover-se ou com alguma deficiência mental. O conceito seguiu recomendações recentes da Organização Mundial da Saúde e da Organização das Nações Unidas-ONU. Existem atualmente, no mundo, cerca de 500 milhões de deficientes sendo que 80% deles se encontram nos países em desenvolvimento. A maioria dos deficientes brasileiros mora em áreas urbanas (79%); é do gênero feminino (53,58%); e tem idade superior a 60 anos (29,34%). A porcentagem de deficientes que não possuem escolaridade é de 27,61%. Em se tratando das raças: 51,14% são brancos, 39,86% pardos, 7,5% negros e 0,51% índios. Mais da metade dos deficientes (52%) é inativa; importante relembrar da alta porcentagem de deficientes com mais de 60 anos. Dos ativos, 17% não contribuem para a previdência social. Sobre a religião 73% dos deficientes são católicos, 17% evangélicos, 1,3% são espiritualistas, 0,86% orientais, 0,39% de religião afro-brasileira e 6% deles não adotam religião. Em se tratando do estado civil, 44% são casados e 11,9% viúvos, (Neri, 2003). O Censo de 1999, do Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial explicita ainda mais a composição deste grupo-alvo: as matrículas da educação especial totalizavam 374.129 pessoas, sendo 18.629 deficientes visuais; 49.810 deficientes auditivos; 17.333 deficientes físicos; 197.996 deficientes mentais; 46.745 múltiplas deficiências; 1.228 altas habilidades e superdotados; 9.223 condutas típicas e 35.165 outras necessidades, sendo que o nível de ensino para todas as deficiências era o ensino fundamental, com 195.515 pessoas. A deficiência com maior atendimento por nível de ensino (fundamental) era a mental (101.968 indivíduos) e a menor era a deficiência física (8.151 pessoas). Talvez o número reduzido de matrículas para deficientes físicos estivesse relacionado à falta de acesso às escolas regulares. Na modalidade de atendimento, 60,5% dos deficientes eram atendidos em escolas especializadas (226.208 indivíduos), 22,6% em classes especiais (84.532 indivíduos), 6,6% em classe comum com sala de recursos (24.743 indivíduos), e 10,3% da classe comum sem sala de recursos (38.646 indivíduos) (MEC, 2003).

O Atlas observa, ainda, que há aproveitamentos diferenciados entre os vários grupos-alvo que participam dos PIS através de atividades esportivas. Os grupos-alvo de deficientes, de uma forma geral e dos idosos têm respostas mais consistentes do ponto de vista físico porque otimizam a anterior fragilidade de suas condições físicas, donde resultam possibilidades maiores de inclusão social. A situação é diferente com crianças e adolescentes pobres ou mulheres porque, então, a dificuldade inercial não diz respeito à limitação física exclusiva mas social. No âmbito deste público – certamente o de maior porte -, a educação formal ainda parece ser a melhor forma de inclusão social. A atividade esportiva, ora em revisão, auxilia e/ou completa a socialização e melhora a produtividade na escola mas não a substitui. O assunto, no entanto, é polêmico. Um argumento central vindo também da área de portadores de deficiências físicas resume as controvérsias: como reivindicar por igualdades sociais

quando alguém que é diferente e que deseja se afirmar pela sua diversidade, se inferioriza diante do esporte, ou seja, quando visualiza o esporte como única forma de ascensão pelo assistencialismo? O para-atleta é atleta, o para-esporto é esporte, o deficiente é eficiente, ou seja, os princípios de superação são iguais do ponto de vista inclusivo, e o que muda é a diversidade, afinal cada esporte, cada praticante, cada modalidade tem as suas particularidades. Em se tratando de esportes para deficientes, existem diversidades que devem ser trabalhadas para que ocorra realmente a inclusão. Por exemplo, o futebol para cegos utiliza videntes como goleiros. Neste ambiente, jogadores cegos podem jogar apenas na linha. Se todos utilizam vendas, porque não se poderia ter alguns videntes participando desta modalidade? Outra problemática é que a torcida deve permanecer em silêncio durante toda a partida, podendo se manifestar apenas na hora do gol. Isto ocorre para que os jogadores possam escutar a bola com guizo. A regra foi adaptada por profissionais e deficientes para que os cegos pudessem participar de atividades coletivas. Como Carmo (2002) explica, torcer em silêncio é algo sacrificante, que está muito mais adequado para quem está na porta da UTI de um hospital, do que para quem está numa quadra assistindo uma partida de futebol. O mesmo se passa com o Goalball, um esporte criado especificamente para cegos. Atualmente algumas equipes das associações e clubes estão montando times de videntes. Como todos utilizam vendas durante a partida, porque também não incluir o praticante dos esportes regulares nesta prática? Sabe-se que o espaço esportivo do portador de necessidades e direitos especiais é exclusivo deste, ou seja, para que, dentro das suas limitações, o aludido possa ser o melhor.

É importante, assim, repensar de forma permanente e criativa o uso da atividade física e do esporte no esforço de inclusão social. O mesmo empenho parece estar ocorrendo quanto à distinção dos objetivos a atingir com os PIS propostos para cada grupo-alvo de forma a adequar corretamente a relação custo-benefício resultante, evitando o emprego de recursos desproporcionais aos objetivos almejados. O número de empresas envolvidas com projetos sociais no Brasil é significativo e, segundo as informações correntes no tema, tal comportamento se firma como estratégia corporativa. Se em 2000, 2,5 bilhões de dólares ao ano eram gastos em projetos comunitários no país, a tendência perceptível é a da transformação da filantropia em inclusão social, com a implantação de controles, não apenas financeiros, mas na forma de avaliação dos índices de melhoria de vida da população. Este percepção apóia-se na avaliação do Instituto de Pesquisas Econômicas-IPEA de 2003, que estimou em apenas 2% a proporção de empresas brasileiras envolvidas com PIS e que avaliavam e monitoravam seus empreendimentos (Gonzales, 2004). Em resumo, a formação de parcerias tri-setoriais, envolvendo o setor público, o privado e o voluntariado, converge como uma tendência que pode se tornar dominante tendo em vista o número considerável de prefeituras que mantêm em funcionamento, e com sucesso, empreendimentos na direção da inclusão social. Como tal, esta evidência se fortalece ao serem examinados os capítulos que se seguem.

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Referências

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