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O DELATOR FACÍNORA DE NOVA YORK 1

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O DELATOR FACÍNORA DE NOVA YORK1

“Ainda que agrade a traição, ao traidor

tem-se aversão” (Cervantes, Dom Quixote,

Parte Primeira, Cap. XXXIX).

"Vivemos atolados na lameira e no

mesmo lodo todos manuseados. Hoje em dia dá no mesmo ser direito que

traidor." (Cambalache - Raul Seixas).

Segundo matéria produzida por João Ozorio de Melo, correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos, publicada com o título "Promotores garantem imunidade a assassino para delatar inocente", acessada no dia 17 de fevereiro de 2015, às 11h55, em Nova York, "exames de DNA provaram a inocência de uma mulher,

depois de ela passar 13 anos na prisão. E que o verdadeiro culpado era seu ex-namorado. No entanto, os promotores não puderam processá-lo, porque haviam garantido a ele imunidade, em troca de seu testemunho contra ela no julgamento."

A notícia informa que a "americana Lynn DeJac Peters fora

acusada de estrangular a própria filha, Crystallynn Girard, de 13 anos, em sua casa em Buffalo, Nova York, no dia de São Valentim – o Dia dos Namorados – em 1993. Ela foi condenada em 1994 e inocentada em 2007, depois que exames de DNA revelaram que o assassino de sua filha era, na verdade, seu ex-namorado Dennis Donohue. Exames feitos por um perito forense de slides e registros da autópsia da menina mostraram que a menina, além de estrangulada, fora estuprada. Nesse ponto, os promotores desistiram de recorrer contra a liberação de Lynn Peters e tiveram de

1 Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito

Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 e 2014, respectivamente (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013), "Uma Crítica à Teoria Geral do Processo" e “A Nova Lei de Organização Criminosa”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

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encarar o fato de que não poderiam processar Donohue, porque haviam lhe garantido imunidade. De qualquer forma, Donohue está na cadeia. Ele foi condenado, posteriormente, a 25 anos de prisão, por estuprar e estrangular outra mulher. Essa mulher foi a segunda vítima do acordo entre a Promotoria e o assassino. Lynn Peters, por sua vez, não teve direito a visitas de seus filhos gêmeos, que nasceram um pouco antes do julgamento, nem da família, porque ela não entrou em acordo com a Promotoria antes do julgamento, pelo qual poderia admitir sua culpa em troca de uma condenação menor e outros privilégios. Ao contrário, ela manteve, durante todo o tempo, que era inocente. Em 2009, o advogado de Lynn, Steven Cohen, entrou com uma ação indenizatória contra o Condado de Erie e a Cidade de Buffalo, alegando negligência nas investigações e no processo contra sua cliente, que resultaram em erro judicial. Em novembro de 2013, Lynn obteve na Justiça uma indenização de US$ 2,7 milhões, depois de fazer um acordo com a cidade de Buffalo e o estado de Nova York. Ela pedia mais de US$ 10 milhões, de acordo com o Huffington Post. Lynn DeJac Peters não teve 13 anos para desfrutar a compensação pelo tempo que passou na prisão. Em junho de 2014, cerca de sete meses depois de receber a indenização, ela morreu de câncer. De acordo com o The Buffalo News, seus filhos gêmeos garantiram que ela morreu em paz, porque, na opinião dela, a Justiça tardou mas não falhou, afinal de contas."

A notícia lida faz-nos, mais uma vez, discutir a

questão da delação premiada no Processo Penal. Aqui no Brasil, no ano de 1990,

mais precisamente no dia 26 de julho, publicava-se no Diário Oficial da União o

texto de uma nova lei.

Sancionada pelo então Presidente da República tentava em seus treze artigos (dois destes vetados) resolver por intermédio do Direito Penal um problema que definitivamente não é dele.2 Exasperaram penas de determinados crimes, impossibilitando-se, também, a concessão de benefícios aos sentenciados, tais como a anistia, a graça e o indulto, além de proibir o gozo de direitos subjetivos individuais (mesmo estando presentes os requisitos específicos para a sua fruição) como a fiança e a liberdade provisória, tudo a atender “ao contagiante clima

psicológico de pavor criado pelos meios de comunicação social e aos interesses imediatos de extratos sociais privilegiados”, como acentuou Alberto Silva Franco.3

Como não poderia deixar de ser inúmeras vozes, quase em uníssono, levantaram-se contra a sua edição, taxando-a de inoportuna e, sob certos aspectos, inconstitucional.

2 Em conferência realizada no Brasil, em Guarujá, no dia 16 de setembro de 2001, Zaffaroni contou a parábola do

açougueiro: “El canicero es un señor que está en una carnicería, con la carne, con un cuchillo y todas esas cosas. Si

alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comércios que dijeran: ‘Banco de Brasil’, Agencia de viages’, ‘Médico’, ‘Farmacia’, y los pegara junto a la puerta de la carnicería; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pedirían pasajes a Nueva Zelanda, intentarían dejar dinero en una cuenta, le consultarían: ‘tengo dolor de estómago, que puede hacer?’. Y el carnicero sensatamente responderia: ‘no sé, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, a otro lugar, consultar a otras personas’. Y los feligreses se enojarían: ‘Cómo puede ser que usted está ofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y después de no presta el servicio que dice?’. Entonces tendríamos que pensar que el carnicero se iría volviendo loco y empezaria a pensar que él tiene condiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas de dolor de estómago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esas cosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estómago agujereado, el otro pierda el dinero, etc. Pero si los feligreses también se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran al carnicero; el carnicero se vería confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo.” Conclui, então, o mestre portenho: “Bueno, yo creo que eso pasó y sigue pasando con el penalista. Tenemos incumbencia en todo.”

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Estamos a falar da Lei n. 8.072/90 que dispõe “sobre os crimes

hediondos, nos termos do art. 5o., XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências”,

cujos defeitos não iremos aqui abordar, pois não é este o nosso escopo no momento.4

Trataremos, tão somente, de um instituto por ela trazido: a delação premiada (ou, na expressão feliz de José Carlos Dias, extorsão premiada), como causa obrigatória de diminuição da pena em favor de autor, co-autor ou partícipe nos crimes de extorsão mediante sequestro e quadrilha ou bando (este último quando a societas sceleris tiver sido formada com o intuito de praticar os crimes considerados hediondos e outros a eles assemelhados).

Mas, não é só.

Em 03 de maio do ano de 1995 foi sancionada a Lei n. 9.034/95 dispondo “sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações

praticadas por organizações criminosas.”

Tal como a anterior esta lei, criada para definir e regular “meios

de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando“, também considera causa compulsória de diminuição da pena a delação de um

dos participantes na organização criminosa.

Aliás, na lei dos crimes hediondos o legislador foi mais explícito e utilizou o verbo denunciar como sinônimo de delação, enquanto que nesta segunda norma preferiu a expressão colaboração espontânea, como que para escamotear a vergonhosa presença da traição premiada em um diploma legal.

Em 19 de julho de 1995 foi sancionada a Lei n. 9.080/95, prevendo, igualmente, a delação como prêmio ao co-autor ou partícipe de crime cometido contra o sistema financeiro nacional ou contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo quando cometidos em quadrilha ou co-autoria. Agora se preferiu a expressão confissão espontânea, o que resulta no mesmo.

Em 1998, surgiu entre nós a Lei n. 9.613/98, a chamada lei de “lavagem de dinheiro”, disciplinando, outrossim, a diminuição de pena para o “colaborador espontâneo”.

Temos, ainda, como exemplo a Lei nº. 9.807/99, de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, que também prevê a delação premiada, além da Lei nº. 8.137/90 (art 16, parágrafo único). Faz-se referência também à Lei nº. 11.343/06 (a Lei de Drogas), que no art. 41 dispõe de forma semelhante e ao art. 159, § 4º. do Código Penal.

Também o art. 86 da Lei nº. 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, estabelece que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. Tal acordo, segundo o art. 87 da mesma lei, nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137,

4 Por todos, leia-se a excelente obra de Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, São Paulo: Editora Revista dos

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de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Código Penal, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

Por fim, veja-se o art. 4º. da Lei nº. 12.850/13 (Organização Criminosa) que, inclusive prevê uma exceção à regra da obrigatoriedade da ação penal pública quando houver a delação (§ 4º.).

Pois bem; “no espectro do recrudescimento da

legislação processual penal, visto como um reflexo da expansão tresloucada da

cultura da emergência, ganhou vigor a figura da delação premiada, sobretudo com

a sua propagação no processo criminal italiano e estadunidense.”

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Segundo Damásio de Jesus, “a origem da "delação premiada"

no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do "Código Filipino", que definia o crime de "Lesa Magestade" (sic), tratava da "delação premiada" no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão" e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios.”6

Já na Inquisição, “um filho delator não incorre nas penas

fulminadas por direito contra os filhos dos hereges e este é o prêmio pela sua delação. In proemium delationis.”7

Alguns doutrinadores costumam distinguir a delação8 como

aberta ou fechada, aduzindo que naquela primeira o delator aparece e se identifica, inclusive

favorecendo-se de alguma forma com o seu gesto, seja na redução da pena, seja no recebimento de recompensa pecuniária ou mesmo com o perdão judicial; nesta, ao contrário, o delator se assombra no manto do anonimato “propiciando auxílio desinteressado e sem qualquer perigo“, como assevera Paulo Lúcio Nogueira.9

Afora questões de natureza prática como, por

exemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto por conta, principalmente, do

fato de que o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do

delator criminis nem a de sua família, o que serviria como elemento

desencorajador para a delação, aspectos outros, estes de natureza ético-moral

informam a profunda e irremediável infelicidade cometida mais uma vez pelo

legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos

aspectos jurídicos de seus respectivos projetos de lei.

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Natália Oliveira de Carvalho, A Delação Premiada no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 78.

6 https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=16323&Id_Cliente=10487 7 Manual da Inquisição, por Nicolau Eymereco, Curitiba: Juruá, 2001, (tradução de A. C. Godoy).

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Hoje, inclusive e principalmente a doutrina estrangeira, prefere a expressão “colaboração processual”, ainda que tal colaboração se dê, também, na fase pré-processual, como informa Eduardo Araújo da Silva (Boletim do IBCCrim. nº. 121, dezembro/2002).

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Sem dúvidas, “o tema da delação premiada desafia diversos

questionamentos: desde sua conveniência político-criminal, passando por sua apreciação sob o ponto de vista da quebra da ética ínsita ao proceder dentro de um Estado Democrático de Direito, ou pelas questões relativas ao seu valor probatório(1), até sua natureza jurídico-penal, sua função processual penal e as implicações daí decorrentes para o postulado do devido processo legal em nosso direito positivo. Nesta oportunidade, passaremos os olhos por estes três últimos aspectos quanto à delação que tem por objeto a identificação dos demais coautores ou partícipes.”10 Como diz Hassemer, “não é permitido ao Estado utilizar os meios empregados pelos criminosos, se não

quer perder, por razões simbólicas e práticas, a sua superioridade moral.”11

Também a propósito, veja-se a opinião de João Baptista Herkenhoff:

“A meu ver, a delação premiada associa criminosos e

autoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime. Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça. Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado Editora, página 98). Então, é de se perguntar: Pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera? Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal?”12

Se considerarmos que a norma jurídica de um Estado de Direito é o último refúgio do seu povo, no sentido de que as proposições enunciativas nela contidas representam um parâmetro de organização ou conduta das pessoas (a depender de qual norma nos refiramos se, respectivamente, de segundo ou primeiro graus, no dizer de Bobbio), definindo os limites de suas atuações, é inaceitável que este mesmo regramento jurídico preveja a delação premiada em flagrante incitamento à transgressão de preceitos morais intransigíveis que devem estar, em última análise, embutidos nas regras legais exsurgidas do processo legislativo.

Que não se corra o perigo, já advertido e vislumbrado pelo poeta Dante Alighieri, lembrado por Miguel Reale quando afirma que o “Direito é uma proporção

real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.“13

Diante dessa sombria constatação, como se pode exigir do governado um comportamento cotidiano decente, se a própria lei estabelecida pelos governantes permite e galardoa um procedimento indecoroso? Como fica o homem de pouca ou nenhuma cultura, ou mesmo aquele desprovido de maiores princípios, diante dessa permissividade imoral

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ESTELLITA, Heloísa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 202, p. 2-4, set. 2009Para nós é tremendamente perigoso que o Direito Positivo de um país permita, e mais do que isso incentive os indivíduos que nele vivem à prática da traição como meio de se obter um prêmio ou um favor jurídico.

11 Apud Paulo Rangel, in Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7ª. ed., 2003, p. 605. 12https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=14287&Id_Cliente=10487 13

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ditada pela própria lei, esta mesma lei que, objetiva e obrigatoriamente, tem de ser respeitada e cumprida sob pena de sanção? Estamos ou não estamos diante de um paradoxo? Como afirma Paulo Cláudio Tovo, “a delação premiada de comparsa nos parece uma violação ética com perigosas

conseqüências no mundo do crime (...). Este não é o verdadeiro caminho da Justiça, importa, isto sim, na confissão que o Estado não tem capacidade científica de chegar à verdade.”14

É certo que em outras legislações, inclusive em países desenvolvidos economicamente (embora possuidores de uma sociedade em desencanto, como, por exemplo, a americana), a figura da delatio já existe há algum tempo (diga-se de passagem, assegurando-se inquestionavelmente a vida do denunciante), como ocorre nos Estados Unidos (bargain) e na Itália (pattegiamento), entre outros países. São exemplos, contudo, que não deveriam ser seguidos, pois desprovidos de qualquer caráter moral ou ético, como já acentuamos.

Tão-somente para se argumentar, pode-se dizer que o bem jurídico visado pela delação (a segurança pública), justificaria a sua utilização, ou, em outras palavras, o fim legitimaria o meio. Ocorre que tal princípio é de todo amoralista, aliás, próprio do sistema político defendido pelo escritor e estadista florentino Niccolò Machiavelli (1469-1527), sistema este dito de um realismo satânico, na definição de Frederico II em seu Antimaquiavel, tornando-se sinônimo, inclusive, de procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro, etc., etc...

O próprio Rui Barbosa já afirmava não se dever combater um

exagero (no caso a violência desenfreada) com um absurdo (a delação premiada).

Em um artigo intitulado “Prêmio para o ´dedo duro`, o advogado mineiro Tarcísio Delgado afirmou com muita propriedade:

“Contam uma história muito conhecida, aconteceu há muitos e

muitos anos e, de geração em geração, tão sagrada e consagrada, que estabeleceu o mais importante marco no caminho da humanidade. Trata-se da saga de um "Sujeito", altamente perigoso, indisciplinado e subversivo, que andava atormentando e tirando o sono do Poder Soberano. O "Cara" não era mole, dizia defender os fracos e os oprimidos. Fazia até milagre. Formou uma "quadrilha" de seguidores fanáticos, e andava com seu "bando", infernizando o Poder constituído. Não respeitava nem o Imperador. Era uma ameaça permanente às instituições. "Pior" que "Esse", nunca se viu. Precisava pegá-lo, mas ele era "danado", se misturava no meio do povo, e não tinha como prendê-lo. Preso, o castigo seria severo e inapelável. Eis que aparece a figura canhestra do delator, para "colaborar" com a polícia e com os detentores do Poder. Um dos seus vende-se por trinta dinheiros e articula a prisão do chefe: "O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: Jesus é aquele que eu beijar; prendam" (Mateus, 26, 48). Estava consumada a mais famosa e repugnante traição de todas as épocas. Judas se transformou em sinônimo de traidor. Podemos fixar aqui a origem da delação premiada, que se confunde com o nascimento de nossa Era. Este famigerado instituto tem vida recente em nosso Direito. Importado dos Estados Unidos e da Itália, que o recepcionam com grande entusiasmo, foi positivado em nosso País, pela Lei nº 8.072/ 90, art.8º, § único - O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). O art.159, do Código Penal, no seu § 4º, estabelece coisa parecida. Como esta legislação contraria a natureza de nossos sentimentos, nossas tradições e a formação de nossa cultura, permaneceu durante esses anos como letra morta, sem qualquer aplicação noticiada. Só agora, recentemente, foi, imprópria e equivocadamente, cogitada. (...) Faz quase 60 anos, lembro-me muito bem, quando cursava o primeiro grau, certa feita nossa professora enérgica e diligente, magnífica mestra, que saudade!... surpreendeu um grupo de alunos com um caso grave de indisciplina que, embora praticada por um

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só, não havia como identificá-lo, sem que houvesse confissão. O indisciplinado calou-se. A professora ameaçava punir o grupo inteiro, se não aparecesse o responsável. Eis que surge o "dedo duro" e delata o colega, apontando aquele dedo de "bom moço" para o culpado. Aquela mestra exemplar passou-lhe uma descompostura. Disse que a indisciplina mais grave praticara o delator do seu colega. Aplicou-lhe a penalidade mais forte, e ensinou que nunca mais deveria dedurar quem quer que fosse. O resto daquela aula foi sobre o papel sujo e condenável de delatar. Esta foi uma lição que me marcou para sempre. (...) Por estas e por outras, tenho fundadas e irremovíveis restrições à chamada delação premiada. Repugna-me o acordo de autoridade instituída com bandidos. Parece-me mais um comodismo de quem tem o dever de investigar, uma redução de trabalho, um falso pragmatismo utilitarista, que encontra utilidade numa prática que corrompe e avilta. O argumento de que os criminosos modernos dispõem de técnicas e arranjos difíceis de serem apanhados, nada mais é do que a confissão de que o Estado está perdendo uma batalha que não pode perder, sob pena do desmantelamento total da organização social. Pegar um acusado, sem qualquer culpa formada, no início da apuração de possíveis atos criminosos, prendê-lo, algemá-lo e oferecer-lhe o benefício da "deduragem" é de arrepiar os cabelos. Os momentos em que prevaleceu o crédito à delação não enaltecem a história, pelo contrário, são períodos soturnos no caminho da humanidade. A delação mais conhecida é aquela que está na origem de nossa Era, resumidamente descrita na introdução deste artigo. Aí, os personagens são nominados, a vítima foi simplesmente Jesus Cristo e, o delator, aquele que virou sinônimo de traidor, Judas Iscariote. Todavia, a história universal está repleta de exemplos tenebrosos de milhares de pessoas inocentes e anônimas que, por causa da delação, foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisição; levadas à guilhotina para serem decapitadas depois da Tomada da Bastilha nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. Além disso, na Rússia do comunismo Stalinista, por um canto, e no Nazismo Hitlerista, por outro, a delação desempenhou papel absolutamente fundamental. E não citamos, ainda, o caso clássico e típico de delação premiada, que marca a história pátria com sangue e vergonha, daquele que delatou o "bando perigosíssimo" comandado por aquele desvairado de amor à Pátria, Tiradentes, na Inconfidência Mineira - o fraco e pusilânime Joaquim Silvério dos Reis, em troca de vantagens pessoais. A história registra incontáveis casos de delação que, sem nenhuma exceção, marcam sempre os momentos mais obscuros e vergonhosos da humanidade. Só quem não quer ver, em virtude de uma formação utilitarista, não reconhece que a delação sempre foi um instrumento do autoritarismo, da violência, da injustiça. Está na teoria que justifica os meios pelo fim e, ainda assim, no caso, impropriamente, porque, aqui, por meios corrompidos, quase sempre se chega a fim distorcido e injusto. "A árvore má não dá bons frutos". Enganam-se os que buscam tirar proveito de quem só pensa em se aproveitar. A prova não pode fundar-se no testemunho daquele que antes fora pego como comparsa do crime. Sua palavra é suspeita e inconfiável. Todo delator, para amenizar sua situação no processo, joga a culpa no outro, seu comparsa ou não. Não é de se acolher, também, o argumento dos defensores da adoção deste instituto jurídico, de que hoje ele é aplicado com tais cautelas que impossibilitariam qualquer abuso contra inocentes. Claro que, em nossos dias, a delação não levaria ninguém à fogueira ou à guilhotina, mas pode criar constrangimentos e danos morais, ferir direitos inalienáveis, que precisam ser respeitados numa sociedade civilizada e livre, durante o processo investigatório, isto para admitir, o que não é nosso caso, alguma utilidade ou alguma força moral na aplicação dessa norma positiva. É aconselhável que, em se tratando de assuntos desse nível de especulação e com tantas manifestações do pensamento universal, procure-se exemplares na vasta doutrina existente. André Comte-Sponville, desculpando-se por citar poucos, trabalha com conceitos de Kant, Bérgson, Camus, Dostoievski, Jankélévitch para indagar e responder: "se para salvar a humanidade fosse preciso condenar um inocente (torturar uma criança, diz Dostoievski), teríamos de nos resignar e fazê -lo? Não, respondem eles. A cartada não valeria o jogo, ou antes, não seria uma cartada, mas uma ignomínia. Porque, se a justiça desaparece, é coisa sem valor o fato de os homens viverem na Terra. O utilitarismo chega aqui ao seu limite. Se a justiça fosse apenas um contrato de utilidade, apenas uma otimização do bem-estar coletivo, poderia ser justo, para a felicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossem perfeitamente inocentes e indefesos", e

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avança, utilizando-se ainda de Kant e Rawls: "a justiça é mais e melhor do que o bem estar e a eficácia, e não poderia ser sacrificada a eles, nem mesmo em nome da felicidade da maioria". Estes conceitos, certamente, soam como devaneios aos "idiotas da objetividade", de Nelson Rodrigues, mas, só assim, poderemos "criar uma sociedade de Homens, não de brutos", como acentua Spinoza. Premiar o delator é premiar o crime.” Fonte: JURID Publicações Eletrônicas – 06/09/2005.

Em crônica publicada no jornal O Globo, na edição do dia 17 de dezembro de 1995, João Ubaldo Ribeiro, após lembrar que as expressões “dedo-duro” e “dedurismo” surgiram ou generalizaram-se após o golpe militar de 1964, escreveu:

“Os próprios militares e policiais encarregados dos inquéritos

tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade.” E, conclui: “Sei que as intenções dos autores da idéia são boas, mas sei também que vêm do desespero e da impotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo.”

Entendemos que o aparelho policial do Estado

deve se revestir de toda uma estrutura e autonomia, a fim de poder realizar seu

trabalho a contento, sem necessitar de expedientes escusos na elucidação dos

delitos. O aparato policial tem a obrigação de, por si próprio, valer-se de meios

legítimos para a consecução satisfatória de seus fins não sendo necessário,

portanto, que uma lei ordinária use do prêmio ao delator (crownwitness), como

expediente facilitador da investigação policial e da efetividade da punição.

Ademais, no próprio Código Penal já existe a figura da atenuante genérica do art. 65, III, b, onde a pena será sempre atenuada quando o agente tiver

“procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano”, que poderia muito

apropriadamente compensar (por assim dizer) uma atitude do criminoso no auxílio à autoridade investigante ou judiciária.

Além da atenuante referida há o instituto do arrependimento

eficaz que, igualmente, beneficia o agente quando este impede voluntariamente que o resultado da

execução do delito se produza, fazendo-o responder, apenas, pelos atos já praticados (art. 15 do Código Penal).

Pode-se, ainda, referir-se ao preceito do art. 16,

arrependimento posterior, bem verdade que este limitado àqueles crimes cometidos sem violência

ou grave ameaça à pessoa, mas, da mesma forma, compensador de uma atitude favorável por parte do delinqüente, reduzindo-lhe a pena.

Vê-se, destarte, que o ordenamento jurídico existente e consubstanciado no Código Penal já permitia beneficiar o réu em determinadas circunstâncias, quando demonstrasse “menor endurecimento no querer criminoso, certa sensibilidade moral, um

sentimento de humanidade e de justiça que o levam, passado o ímpeto do crime, a procurar detê-lo em seu processo agressivo ao bem jurídico, impedindo-lhe as conseqüências”, como já acentuou o

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mestre Aníbal Bruno.15 Não necessita, portanto, o legislador, em lei extravagante, vir a prever a delação premiada, como causa de diminuição da pena. Também por isso é inoportuno.

Em texto escrito para o Boletim do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, Vinicius Gomes de Vasconcellos16, escreveu: "Em meio aos muitos

fatores que permeiam o debate acerca do sistema criminal brasileiro, certamente a grande quantidade de processos e a habitual morosidade em seus julgamentos são pontos discutidos direta ou indiretamente pela grande maioria dos críticos. Tal cenário acaba por justificar demandas de atores do campo criminal e da sociedade em geral por ações estatais visando a acelerar o transcorrer dos julgamentos criminais. É a partir daí que tendências internacionais de sumarização de procedimentos e relativização de garantias se fortalecem e se tornam pauta no debate político-criminal brasileiro.1 Nesse sentido, um dos principais meios de aceleração da resolução de processos penais é a antecipação da punição por meio de acordos e barganhas entre acusação e defesa (FERNANDES, 2005, p. 192).Assim, a expansão dos espaços de consenso é cristalina tendência internacional, que se faz presente também em âmbito brasileiro. Aqui, apontam-se as previsões contidas nos projetos de Lei do Senado Federal 156 de 2009 (reforma global do Código de Processo Penal) e 236 de 2012 (reforma global do Código Penal), ambos introduzindo maiores possibilidades de consenso, por meio de acordos denominados “procedimento sumário” e “barganha”, respectivamente, e inspirados no modelo estadunidense da plea bargaining.2

A definição de um conceito de mecanismo de barganha é complicada, devido às particularidades assumidas pelo instituto em cada ordenamento jurídico. Entretanto, John Langbein (1978, p. 08) aponta que ele se realiza “quando o promotor induz o acusado criminalmente a confessar sua culpa e a renunciar ao seu direito a um julgamento em troca de uma sanção penal mais branda da que poderia ser imposta se o acusado fosse julgado culpado ao fim do processo”.Importante definir que, em regra, o sistema de barganha acarreta a relativização do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública (ARMENTA DEU, 1991, p. 208), característico do ordenamento processual penal brasileiro (JARDIM, 1998, p. 93-94). Assim, resta fortalecida a admissão da não-obrigatoriedade, que possibilita uma certa discricionariedade do órgão acusador no manejo de seu poder de atuação. Entretanto, existe cenário intermediário, que se define a partir dos espaços consensuais na justiça criminal, pois, conforme Nereu Giacomolli (2006, p. 72): “ao gênero permissão legal de oportunidade há que se acrescentar as formas de consenso, as quais podem ser ilimitadas – plea bargaining –, ou ocorrer uma autorização legal para que tenham eficácia – sistema continental –, com ou sem controle jurisdicional, dependendo do ordenamento jurídico”.Conforme Alberto Bovino (2005, p. 59), quase 90% das condenações criminais nos Estados Unidos são impostas com a renúncia do acusado à garantia do devido processo legal, tornando letra morta a garantia constitucional do julgamento por júri. Assim, pode-se analisar a propensão à expansão dos espaços de consenso na justiça criminal brasileira como sinal da relativização de garantias fundamentais do processo, com o fim de estabelecer meios céleres e abreviados para a concretização antecipada do poder punitivo, de modo a dar vazão à incessante ampliação do controle social por meio do Direito Penal. Neste sentido, observa Gabriel Anitua (2005, p. 158): “como conclusão se pode advertir que um processo penal com as características de ‘eficiência’ definidas com a promoção desta figura necessariamente terá efeitos contraproducentes. Não só em curto prazo com a configuração de uma sociedade repressiva, mas também a longo prazo para sustentar a superestrutura jurídica que, de alguma forma, brinda possibilidades de

15 Direito Penal, 4a. ed. Tomo. III, p. 140, 1984.

16 "Barganha e acordos no Processo Penal: crítica às tendências de expansão da justiça negociada no Brasil",

publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal - IBRASP, Ano IV, nº 06, ISSN 2237-2520, 2014/01, p. 6/8. O autor é Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS. Pós-graduado em Justiça Penal pela Universidade Castilla-La Macha (Toledo/Espanha). Bacharel em Direito pela PUCRS. Bolsista de Iniciação Científica CNPq/PIBIC (2009/2012).

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melhora social.”Como se percebe, pode-se sustentar que institutos correlatos ao plea bargaining violam frontalmente os fundamentos de um processo penal adequado ao Estado Democrático de Direito, ao passo que introduzem a postura utilitarista e eficientista no núcleo de seus princípios reitores. Tal cenário acarreta distorções por sua constante excepcionalidade, pois, conforme Ricardo Gloeckner (2009, p. 300): “exceções estas que ganham cada vez mais corpo, passando a se tornar a normalidade, gerando um processo penal cada vez mais defectivo em sua função de proteção e, por outro lado, cada vez mais ativo em sua função promocional, procurando oferecer a todo custo, funcionalidade ao sistema”.Assim, pode-se citar, ilustrativamente (em razão da concisão do presente artigo), diversas críticas ao instituto, como em relação à suposta autonomia e igualdade das partes para negociarem, o ressurgimento da confissão como rainha das provas, a violação do sistema acusatório a partir do fortalecimento do acusador e a relativização da essencial garantia do devido processo legal.Em âmbito nacional, foi editada em 1995 a Lei 9.099, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, prevendo o procedimento sumaríssimo no processo penal brasileiro e introduzindo mecanismos consensuais, como a transação penal e a suspensão condicional do processo. Tal diploma, portanto, apresenta características que podem ser estudadas, visando ao questionamento da adequação e da pertinência das propostas aqui analisadas. Neste sentido, em sede crítica, pode-se apontar que a introdução de espaços de consenso no justiça criminal brasileira, por meio dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, embora cabíveis em casos limitados pelo texto legal, resultou na expansão do controle punitivo estatal nas relações sociais. Ou seja, a legislação inovadora pode ter trazido efeitos diversos daqueles aparentemente pretendidos.Parte da doutrina percebeu reflexos intrigantes trazidos pela Lei 9.099/95 e seus novos espaços de consenso. Conforme Maria Lúcia Karam (2004, p. 38), “no Brasil, não muito tempo depois da criação dos juizados especiais criminais, já se percebia esta ‘economia’ funcional ao agigantamento do sistema penal”. A partir do ressurgimento do controle estatal em delitos menores ou até insignificantes (crimes de menor potencial ofensivo), pode-se dizer que tal inovação resultou em uma expansão do campo de controle social do sistema criminal, de modo a desvirtuar por completo os fins de sua redação (desburocratização e despenalização).Portanto, as tendências de expansão dos espaços de consenso na justiça criminal brasileira precisam ser analisadas criticamente com rigor, considerando seus possíveis efeitos em relação ao aumento do âmbito de controle social por meio do poder punitivo estatal. Assim, tal tema apresenta relevância ímpar na estruturação do futuro do processo penal brasileiro, de modo a reafirmar ou relativizar direitos fundamentais e garantias constitucionais."

A traição demonstra fraqueza de caráter, como

denota fraqueza o legislador que dela abre mão para proteger seus cidadãos. A

lei, como já foi dito, deve sempre e sempre indicar condutas sérias, moralmente

relevantes e aceitáveis, jamais ser arcabouço de estímulo a perfídias,

deslealdades, aleivosias, ainda que para calar a multidão temerosa e indefesa

(aliás, por culpa do próprio Estado) ou setores economicamente privilegiados da

sociedade (no caso da repressão à extorsão mediante sequestro).

Em nome da segurança pública, falida devido à

inoperância social do Poder e não por falta de leis repressivas, edita-se um sem

número de novos comandos legislativos sem o necessário cuidado com o que se

vai prescrever.

Antônio Carlos de Almeida Castro, no artigo intitulado "Delação premiada dá à palavra do criminoso a força da verdade", escrito para o UOL (13/09/20140 - 6h00), escreveu: "Depois da panaceia das investigações baseadas quase que exclusivamente em

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estamos às voltas com o mais "moderno método": a delação premiada.Confesso que tenho aversão a este método até por uma questão de princípio. Não me parece ser a melhor maneira de forjar a têmpera de um povo, em um estado democrático, o incentivo à deduragem, principalmente se ela for feita em um regime de barganha, e sendo impossível o seu controle.Quem delata confessa que é criminoso, mas quer o perdão do Estado para poder entregar seus companheiros de empreitada. Os que ele, delator quiser, e só os que quiser. Aquele que por ventura tenha a chave do cofre, para poder repartir no futuro o produto não delatado, este será preservado.Por outro lado, aquele que, ao longo da vida o atrapalhou, até por não ter querido ser cúmplice, este será escolhido para o abate. Seletivo, amoral, sem critérios - a não ser os do delator, que, quando chega a este ponto, a mim parece claro, não se deve esperar qualquer sinal de caráter.A delação é a arma preferida dos governos ditatoriais e totalitários de todos os tipos. Com a delação, o Estado esmaga os vínculos, espúrios ou não, entre os cidadãos, desequilibrando o equilíbrio e a coesão que devem existir entre Estado e sociedade civil.Aquele que por ventura tenha a chave do cofre, para poder repartir no futuro o produto não delatado, este será preservado Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado, sobre a delação premiada Mas o pior é o "aprimoramento" que agora se faz. A delação é realizada sobre total segredo - outra famosa arma dos estados autoritários. Vaza-se a delação só quanto aos nomes citados, sem dizer em que contexto e qual a acusação. Ora, o primeiro direito do cidadão, por paradoxal que possa parecer, é ser bem acusado. Neste momento as acusações pendem sobre a cabeça de vários sem sequer ter forma e conteúdo.A delação secreta, vazada de forma seletiva, é um instrumento de inversão da democracia em pleno regime democrático e deve ser repudiada pelos órgãos de imprensa, pelos diversos grupos políticos e, sobretudo, pelo Poder Judiciário.O poder desse instrumento é tal que seria bem possível que as eleições, em nosso país, fossem decididas por um delator. Por hipótese, se este delator disser que falou com a presidente Dilma sobre ajuda de campanha, as eleições de outubro estariam definidas, ainda que tal fosse uma mentira grosseira.É muito grave este momento. Estamos às portas de uma eleição presidencial. Elege-se a voz de um delator como o grande eleitor, e ata-se a ele os destinos da nação.Na Itália, na Operação Mãos Limpas, tão citada quanto desconhecida da grande maioria, a delação foi usada a granel para afastar o Estado do jugo da máfia. Mas logo após vieram os efeitos maléficos, perceberam o uso maldoso, parcial e dirigido de várias das delações. Buscaram aí as revisões criminais, mas estas não servem para resgatar a honra perdida, a vida que se esvaiu com a acusação sem provas, sem rosto, mas com ares de verdade absoluta.Em última hipótese, que se aceitasse uma delação como princípio de uma investigação, com a contrapartida do perdão ao final do processo em se confirmando as acusações, mas nunca com este pré-julgamento de pessoas que, muitas vezes, não sabe sequer de que estão sendo acusadas.Quem for citado pelo delator, ainda que completamente inocente, estará fadado a ser um condenado pela opinião pública Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado, sobre a delação premiada Inverte-se o princípio. Quem tem a força da verdade é a palavra do criminoso confesso, não o Estado e seus agentes que têm a obrigação de promoverem investigações com a preservação dos direitos dos investigados. É o regime do terror que se aperfeiçoa com os vazamentos criminosos e desmoralizantes, onde ao acusado resta negar sem saber qual é a acusação.Triste país onde se abalam as estruturas com acusações sem contorno definido, sem um aprofundamento do que se acusa, sem um entender a quem servem estas acusações. É claro que toda e qualquer acusação que chega ao conhecimento do Ministério Público ou da Polícia, duas entidades respeitadas, tem que ser levada a frente a ferro e fogo. Até pouco tempo não era assim no país, e é bom que seja.E é natural que deduzida a acusação formal, com provas e respeitado o devido processo legal, ao judiciário cabe dar a última palavra. Mas nesta época de insegurança, de sombras e de acusações sem corpo, a defesa é obrigada a se posicionar sem saber contra o que. Faz-se um arremedo de defesa, uma defesa pela metade. E quem é atingido neste caso é o estado democrático de direito, pois uma condenação prévia, sem o amplo exercício das garantias constitucionais não serve a nenhum regime que se pretenda democrático.O pior é que quem for citado pelo delator, ainda que completamente inocente, estará fadado a ser um condenado pela opinião pública, mesmo estando com a verdade ao seu lado, pois, como dizia Dostoiévski, "a verdade verdadeira é sempre inverossímil".

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Repita-se uma observação de Damásio de Jesus:

“A polêmica em torno da "delação premiada", em razão de seu

absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal à traição. A nós, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de uniformidade em seu regramento. Não se pode fazer dela um fim em si mesma, vale dizer, não podem as autoridades encarregadas da persecução penal contentarem-se com a "delação", sem buscar outros meios probatórios tendentes a confirmá-la.”

A propósito da delação premiada, Ulisses Augusto Pascolati Junior, publicou no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 265 (Dezembro/2014), um trabalho onde faz uma relação entre esta "colaboração premiada" e o Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital do Estado de São Paulo.

Com efeito, procura o autor, "de início, até para que nos

posicionemos sobre o tema, cumpre-nos definir o que se entende por delação ou colaboração premiada, para, na sequência, verificar o procedimento (na fase de inquérito policial) e as consequências processuais penais tendo sempre em conta a operacionalização deste instrumento de obtenção de prova na cidade de São Paulo, em que há um órgão responsável pelo trâmite de todos os inquéritos policiais instaurados nas dezenas de delegacias e departamentos da Polícia Civil da capital paulista que apurem crimes apenados com reclusão.A delação ou colaboração premiada é prevista na Lei 7.492/1989 (art. 25, § 2.º), Lei 8.072/1990 (art. 8.º, parágrafo único); Lei 8.137/1990 (art. 16, parágrafo único), Lei 9.807/1998 (art. 13), Lei 9.613/1998, na redação da Lei 12.683/2012 (art. 1.º, § 5.º), Lei 11.343/2006 (art. 41) e, finalmente, e de forma mais completa, na Lei 12.850/2013 (arts. 4.º/6.º). A delação ou colaboração premiada, de maneira geral, consoante a disciplina da Lei 12.850/13, consiste na efetiva e voluntária colaboração do agente na investigação criminal que propicie, de forma útil, e alternativamente, a elucidação dos fatos, a identificação dos autores, coautores e partícipes, a revelação da estrutura hierárquica da organização, a prevenção de novas infrações penais, a recuperação total ou parcial do produto ou proveito do crime ou a localização de eventual vítima."

Pois bem.

"É sobre esta colaboração, prevista na Lei 12.850/2013,

que traçaremos breves comentários relacionando-a ao sistema do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital (DIPO), até porque é o diploma legal acerca da matéria mais completo e que, por sua vez, prevê maiores garantias ao próprio colaborador, além de uma disciplina processual própria. A colaboração, visando um ou mais dos resultados do art. 4.º da Lei 12.85020/13, segundo se depreende do diploma legal, pode ser alcançada nas três fases do assim chamado processo penal – este visto de maneira global – vale dizer, na fase pré-processual (inquérito policial), na fase processual, após o recebimento da denúncia, já que esta pode ser dispensada (§ 4.º do art. 4.º) e mesmo após a sentença penal condenatória – fase recursal (§ 5.º do art. 4.º). É sobre a fase do inquérito policial que vamos nos fixar.No sistema processual penal atual não é possível o trâmite direto dos inquéritos policiais instaurados pela polícia judiciária e o Ministério Público; todos os procedimentos administrativos devem ser submetidos ao Judiciário e por ele controlados. Na cidade de São Paulo, tendo em vista a quantidade de delegacias de polícia e departamento existentes, o Conselho Superior da Magistratura, por meio do Provimento 167/1984, criou o Setor de Inquéritos Policiais e habeas corpus para a Comarca de São Paulo. Posteriormente, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, por intermédio da Resolução 11/1985, além de retirar a corregedoria da Polícia Judiciária da Vara das Execuções e outorgá-la ao Setor

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de Inquéritos Policiais, disciplinou as competências deste Setor. Em resumo, o art. 2.º da referida resolução dispôs que todos os atos relativos aos inquéritos policiais competem ao Juiz do Setor de Inquérito Policial, cessando a competência deste com oferecimento da denúncia. Assim, numa primeira leitura das disposições administrativas, poder-se-ia concluir que a competência para a operacionalização da delação ou colaboração premiada – que depende de homologação – seria do Juiz do Departamento de Inquérito Policial da capital."

O autor entende que não, pois "a Lei 12.850/2013

sugere que a delação ou a colaboração, por se tratar de um meio de prova que pode acarretar um benefício penal, quais sejam, o perdão judicial (causa extintiva da punibilidade), redução ou substituição de pena (art. 4.º), deve ser reconhecida pelo juiz natural ao qual aquele inquérito foi distribuído. Esta conclusão pode ser extraída, dentre outros, do art. 4.º, § 1.º eis que ele dispõe que para a concessão do benefício o juiz levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. Ora veja, pelo teor do dispositivo é nítida a intenção do legislador de que o benefício penal, ainda que operacionalizado na fase pré-processual, já que partes, incluindo o delegado de polícia, poderão “requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador” (art. 4.º, §2.º) seja ele concedido pelo juiz natural da causa, após a instauração da lide penal, vale dizer, por aquele que efetivamente julgará a demanda eis que o próprio legislador deixou assente que “a sentença apreciará os termos do acordo homologado e a sua eficácia” (art. 4.º, § 11). Ainda, saliente-se, o art. 7.º deixa expresso que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído e que as informações da colaboração serão remetidas ao juiz a que recair a distribuição (art. 7.º, § 1.º).Destarte, por esses dispositivos, percebe-se que o desiderato da Lei é que o acordo de colaboração ou delação premiada seja homologado pelo mesmo Magistrado que julgará a demanda já que a ele é que a prova será dirigida e, ademais, concederá ou não a benesse legal (perdão, redução ou substituição da pena) consoante sua livre convicção tendo em conta o grau de importância da colaboração para o alcance das finalidades previstas nos incisos do art. 4.º."

Pergunta-se, então: como proceder com a colaboração premiada na cidade de São Paulo com a existência do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital do Estado de São Paulo já que a lei exige que o termo de colaboração seja homologado pelo juiz?

Eis a resposta:

"Na fase de inquérito policial havendo a possibilidade

da colaboração ou delação premiada o juiz não participa das negociações entre a autoridade policial, Ministério Público, colaborador e seu defensor (§6.º, art. 4.º). O juiz, posteriormente, após verificar a regularidade do acordo de delação, sua legalidade e a voluntariedade do colaborador procederá ou não a homologação e se, eventualmente, restar alguma dúvida poderá ouvir o réu colaborador e seu defensor para posterior homologação (§7.º).Pois bem. Neste cenário duas possibilidades se apresentam: a) se se entender que a homologação é meramente ato formal do juízo tal poderá ser realizada pelo Juiz do DIPO e, posteriormente, os autos, com a denúncia oferecida, serão remetidos ao Juiz natural anteriormente prevento para a concessão ou não de algum benefício penal. Nesta situação o juiz não faz qualquer tipo de análise quanto ao conteúdo da colaboração apenas analisa a presença dos requisitos acima elencados, quais sejam, regularidade, legalidade e voluntariedade. Não entendemos, todavia, ser este o melhor caminho na medida em que, além de não ser a mens legis da Lei 12.850/13, a efetividade ou não da colaboração somente será apreciada pelo Juiz encarregado da instrução processual o qual poderá reconhecer o benefício podendo aplicar o perdão judicial, reduzir a pena ou convertê-la. Em acréscimo, anote-se, que, em se entendendo a homologação como mero ato formal, sem qualquer análise material do conteúdo,

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não vemos como possa o Ministério Público deixar de oferecer a denúncia nas hipóteses dos incisos do § 4.º do art. 4.º, já que, por se tratar de exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, este controle deve ser feito pelo juiz natural do feito que, atendendo às finalidades do § 4.º, pode recursar a homologação. b) por outro lado, se se entender que a homologação é ato de instrução, ainda que antecipada, e que tem conteúdo material, pois vincula o juiz quando da prolação da sentença, esta somente pode ser feita pelo juiz natural. É esta a posição que defendemos e que, aliás, parece que ser a intenção do legislador quando interpretamos os dispositivos da Lei em análise.No caso de São Paulo, portanto, havendo pedido de homologação de termo de colaboração ou delação, deve o Juiz do Departamento de Inquéritos Policiais de imediato remeter os autos do inquérito ao juiz prevento, havendo ou não denúncia, cessando, portanto, sua atribuição para atuar na fase policial. A partir do pedido de homologação, até para se garantir a aplicabilidade dos benefícios penais, quem passa a atuar no inquérito policial decidindo não somente o pedido de homologação do acordo de delação, mas também todos os demais pedidos de ordem cautelar é o juiz natural da causa devendo a ele serem remetidos todos os demais requerimentos formulados tanto pela autoridade policial, quanto pelo Ministério Público e Defesa. Cessa, portanto, a competência administrativa(8) do Juiz do Departamento de Inquéritos para atuar no feito."

Outro interessante estudo diz respeito à delação premiada e direito de defesa, trabalho também publicado no Boletim acima referido, por David Teixeira de Azevedo:

Afirma inicialmente o autor que, "agora disciplinado

sistematicamente pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, o instituto da delação premiada tem sido demonizado.Argumenta-se estar manchado o instituto de uma ética torta, a prestigiar a traição e o denuncismo sob a lógica de um egoísmo exacerbado (pois o outro lado da moeda é a condenação de coautores e partícipes), além de ser, ordinariamente, produto de uma ação caracteristicamente constrangedora dos agentes estatais.Não enxergo o instituto exclusivamente sob essa ótica, como, aliás, já pude me manifestar neste mesmo Boletim a propósito da edição da Lei 9.807/1999, que dispôs sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Passados mais de 14 anos, e adiantando a conclusão desta breve reflexão, posso reafirmar ser o instituto orientado eticamente, constituir medida eficaz de política criminal e prestigiar as finalidades do direito punitivo num contexto do Estado democrático de direito e, finalmente, consagrar e garantir um excelente meio e um modo eficaz – muita vez o único – de exercício do direito de defesa, a ser com muita sensibilidade e extremo critério posicionado estrategicamente pelo advogado.Em abreviadas palavras, a delação premiada é instituto jurídico a um só tempo ético quanto às finalidades penais e político-criminais, útil para o Estado na administração da justiça e estratégico nas coordenadas da defesa técnica."

Enfrentando a questão ética que envolve o tema, afirma o articulista:

"A ética que define a delação premiada está

comprometida com a afirmação dos valores essenciais de convivência (proteção de bens jurídicos fundamentais à vida em sociedade) sobre os desvalores próprios de um determinado grupo criminoso, cuja proeminência axiológica encontra-se na fidelidade que deve interceder entre os membros da organização delituosa ou entre os comparsas do crime.A delação promove a tutela de bens jurídicos pela descoberta precoce de infrações criminais, identificação da autoria ou participação de agentes, redução das consequências jurídicas do crime, resgate do bem jurídico objeto de proteção, a cumprir exitosamente a finalidade política de conservação das condições essenciais da vida em comunidade. De outro lado, a delação antecipa o juízo

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ético-retributivo-15

preventivo próprio do direito punitivo. Ela implica a declaração antecipada – pelo Estado-Juiz – do cumprimento satisfatório da finalidade do magistério punitivo: prevenção especial de delitos pela reformulação do agente de sua hierarquia axiológica, com a penetração de sua personalidade pelos valores ético-jurídicos imperantes, cujo respeito e adesão são exigidos apenas no plano objetivo na vida em sociedade: demandar uma tal adesão e incondicional acatamento no plano subjetivo seria a recepção de uma intervenção autoritária do Estado no exercício do magistério punitivo.A retomada – repita-se: na perspectiva objetiva – do respeito aos valores fundamentais de convivência, o reconhecimento da prática da infração criminal, a busca de uma proveitosa e útil persecução penal, a diminuição do dano causado pelo crime e o resgate do bem jurídico, por outro lado, constituem índice da desnecessidade da pena criminal – ou necessidade em grau diferenciado – sob a ótica da prevenção geral e da prevenção especial de crimes.O fato, em tudo e por tudo reprovável, de membros da polícia, do Ministério Público e da magistratura exercerem verdadeira coação com prisões e demais cautelas indevidas e, uma vez consumadas, aplicarem “uma tortura psicológica” sobre o investigado, indiciado ou processado visando à delação, não desmerece eticamente o instituto, senão as autoridades públicas que consumam um tal constrangimento pelo qual devem responder criminalmente. Cabe ao defensor buscar energicamente a responsabilização dos agentes estatais.A lei, isso não obstante, exige apenas a voluntariedade e não a espontaneidade na delação, notadamente a recente Lei 12.850/13, que disciplinou de modo bem completo a delação. A espontaneidade do comportamento pressupõe uma decisão autônoma, sem interferência decisiva externa; é o produto do conhecimento das circunstâncias da ação e das consequências dela no plano jurídico, natural e moral sem qualquer ação persuasiva ou coativa. Já a voluntariedade do comportamento implica uma decisão livre, em maior ou menor grau, a partir da adesão do sujeito a fins práticos e morais ainda que influenciado por fatores ou motivos externos. A coação externa pode retirar a espontaneidade de uma conduta, mas somente a coação absoluta anula a vontade, porquanto o sujeito não escolhe entre dois fins porque não há margem de liberdade, o que subtrai do ato sua qualidade moral.Por essa razão, se fatores externos conduzirem o agente a decidir pela delação não há por que desconhecer a voluntariedade do ato. Considere-se que em geral e preponderantemente são externos os motivos e as razões da delatio;impensável o ato puro de delatar decorrente de uma decisão absolutamente autônoma, sem que a própria investigação, acusação penal ou condenação penal não despertem o interesse, condicionem e encaminhem de qualquer modo à delação. Há outros institutos na Parte Geral, interferentes alguns no capítulo das consequências jurídicas e outros na própria estrutura típica, que pressupõem uma opção livre do agente – investigado, indiciado ou acusado – para a obtenção do benefício ou solução legal. Assim, p.ex., o arrependimento posterior com a devolução da coisa; o arrependimento eficaz e a desistência voluntária como destipificação do delito tentado; a confissão como circunstância atenuante obrigatória de natureza subjetiva; a retratação do agente ou a aceitação do perdão nos crimes contra a honra. Em todas elas, cogita-se da voluntariedade do investigado, imputado ou acusado, não podendo terceiro agir em seu nome; não se cuida de considerar a espontaneidade da ação."

Adentrando, em especial, nos crimes tributários, afirma: "Assim também na legislação especial, o pagamento ou

parcelamento do tributo nos crimes tributários, a transação penal ou a composição civil, assim como a delação premiada – a que suficiente a simples voluntariedade do ato – podem constituir valiosa estratégia de defesa. O olhar sobre o caderno probatório pré-processual e sobre o desenho da instrução processual, o juízo técnico-prospectivo sobre o curso das diligências policiais e assim a inevitabilidade da descoberta de todos os elementos da infração, ou a inevitabilidade da condenação, autorizam a defesa a encorajar o cliente a melhor solução para o litígio, a adoção de uma estratégia útil para o resultado favorável da potencial ou da já efetiva demanda penal. Nesse sentido, o advogado que acoroçoa o cliente à delação premiada ou aceita que o faça presta serviço útil e valioso para a defesa e para a justiça. Nenhum outro vínculo, a nenhum outro compromisso

Referências

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