Relato de Caso
CENTENÁRIO DA CROMOMICOSE: RELATO DE DOIS CASOS COM
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS RECENTES E TARDIAS
Chromomycosis’ Centenary: two case reports of recent and late clinical manifestations
Karine Takizawa, Ney Romiti, José Roberto Paes de Almeida, Sandra Lopes
Mattos e Dinato, Elisabeth Maria Heins, Daniela Cechi
Instituições proponentes: Serviço Ambulatorial de Dermatologia do Hospital Guilherme Álvaro; UNILUS – Fundação Lusíadas- Santos, São Paulo, Brasil.
RESUMO
A cromomicose é uma micose subcutânea crônica e progressiva. A primeira descrição foi em 1914 por Max Rudolph. Acomete com mais frequência trabalhadores rurais. Os agentes mais comuns são: Fonsecaea pedrosoi, Phialophora verrucosa e Cladosporium carrioni. Relatam-se dois casos para comparação e revisão de literatura: um com quadro clínico recente e outro tardio. O gênero masculino é o mais acometido. O trauma foi fator precipitante nos dois casos citados. O local mais frequente de acometimento são os membros inferiores, seguido pelos membros superiores já que são locais susceptíveis ao trauma e à inoculação do fungo. A riqueza clínica demonstrada em um dos casos não é esperada atualmente. O fato pode ser atribuído à dificuldade de acesso médico e/ou à indolência da doença sem sintomas sistêmicos que acaba postergando a procura de atendimento médico. A incapacidade funcional do membro poderia ser evitada se diagnóstico e tratamento precoces.
PALAVRAS-CHAVE: cromomicose; micose subcutânea; Fonsecaea pedrosoi; corpos
fumagoides; itracozanol
ABSTRACT
The chromomycosis is a chronic and progressive subcutaneous mycosis. It was first described in 1914 by Max Rudolph. It is most common on agricultural workers. Aetiological agents include Fonsecaea pedrosoi, Phialophora verrucosa and Cladosporium carrioni. We report two cases for comparison and review of the literature: a recent and a late clinical manifestations. The
Artigo recebido em: 28/01/2015 Aceito para publicação: 15/03/2015 Autor para correspondência:
E-mail: karinetakizawa@gmail.com (Karine Takizawa)
REVISTA BRASILEIRA DE
MEDICINA INTERNA
male is the most affected. A trauma was the precipitating factor in both these cases. Lower limbs are the most frequent site of involvement, followed by the upper limbs, as they are places susceptible to trauma and inoculation of the fungus Extensive lesion demonstrated in one of the case is not currently expected. The fact can be attributed to the difficulty of medical access and / or indolence of the disease without systemic symptoms which causes delay in looking for medical assistance.
KEYWORDS: Chromomycosis; subcutaneous mycosis, Fonsecaea pedrosoi, sclerotic bodies;
Itraconazole.
INTRODUÇÃO
A cromomicose, também conhecida como micose de Pedroso e Lane, cromoblastomicose e dermatite verrucosa é uma micose subcutânea crônica e progressiva. A primeira descrição foi em 1914 pelo médico alemão radicado no Brasil, Max Rudolph.1 Apresenta-se como nódulos e/ou
placas verrucosas que podem ulcerar principalmente em membros inferiores. É causada por fungos demáceos que se encontram no solo e vegetais. Eles são inoculados na pele usualmente por traumas. A maioria dos casos ocorre em homens trabalhadores rurais devido à falta de vestimentas adequadas e da exposição contínua ao fator de risco. Os agentes mais frequentemente isolados são: Fonsecaea
pedrosoi, Phialophora verrucosa e
Cladosporium carrioni.2
O diagnóstico é feito pela identificação de corpos arredondados e marrons no exame micológico direto, pelo crescimento de colônias escuras em cultura de Ágar-Sabouraud ou pelos achados histopato-lógicos de infiltrado granulomatoso com microabscessos, presença de corpos fuma-góides no interior de gigantócitos ou dos microabscessos. Para tratamento dispõe-se da crioterapia com nitrogênio líquido, eletrocoa-gulação, termoterapia, cirurgia com exérese, antifúngicos sistêmicos (itraconazol, anfoteri-cina B associado ou não a flucitosina, tiaben-dazol e terbinafina) ou terapias combinadas.
Relatam-se dois casos com evoluções clínicas distintas para comparação. Há de se refletir sobre a acessibilidade de atendimento medico de qualidade e disponibilidade de terapêuticas após 100 anos da descoberta da doença.
CASO CLÍNICO 1
Paciente masculino, 72 anos, morador de área urbana apresenta placa única, eritemato-verrucosa em face ulnar de dorso de mão direita com 3x2 cm e sete meses de evolução (figura 1A). A lesão iniciou como nódulo após trauma com espinho durante manipulação de plantas em chácara. Procurou atendimento médico por aumento gradativo da lesão. Procedeu-se a realização de exame micológico direto e cultura. O exame micológico direto apresentou corpos fumagóides (figura 2). A cultura apresentou crescimento de colônias cotonosas escuras (figura 3). Foi submetido a dois ciclos de crioterapia de 30 segundos com melhora parcial.
CASO CLÍNICO 2
Paciente masculino, 63 anos, morador de zona rural. Apresenta placa verrucosa extensa associada a odor forte em membro superior esquerdo com incapacidade de flexão de falanges e punho com 15 anos de evolução (figura 1B). Lesão inicial em mão esquerda após trauma em plantação. Procurou unidade básica de saúde por algumas vezes que orientou uso de cetoconazol tópico sem melhora. Referenciado ao serviço especializado e solicitado exame anatomopatológico, micológico direto e cultura. O exame micológico direto demonstrou presença de corpos marrons com septação (figura 4). A presença de estrutura escura no interior de uma célula gigante foi notada no exame histopatológico (figura 4). A cultura em lâmina evidenciou crescimento de
Fonsecaea pedrosoi (figura 5). Foram
realizados dois ciclos de crioterapia de 30 segundos na porção proximal do membro associado à itraconazol por via oral. Paciente não aderiu ao tratamento por motivos financeiros. Quadro clínico sem melhora até o momento.
Figura 1A: Placa eritemato-verrucosa em dorso de mão direita com 3x2 cm e sete meses de
evolução. Figura 1B: placa verrucosa extensa em membro superior esquerdo levando à limitaçãoo funcional.
Figura 2: Presença de cormos fumagoides com reprodução por fissão ao exame micológico direto
com KOH a 20%.
Figura 4: À esquerda, presença de corpo fumagoide no interior de um gigantócito em exame
histopatológico corado com hematoxicilina-eosina. À direita, exame micológico direto evidenciando os corpos cumagoides.
Figura 5: Cultura evidenciando o crescimento de Fonsecaea pedrosoi com seus três tipos de
esporulação: Phialophora (A), Rhinocladiella (B) e Ciadosporium (C).
DISCUSSÃO
Os casos descritos estão em conformidade aos achados na literatura. A população masculina é a mais acometida,
especialmente trabalhadores rurais. Essa realidade é decorrente de as atividades rurais serem mais exercidas por homens normalmente sem vestimentas adequadas que propiciam a traumas e inoculação do fungo na pele.3
chegando à incapacidade funcional do membro acometido. Questiona-se a dificuldade de acesso do paciente ao atendimento médico de qualidade. Outro fator relevante é o intervalo longo entre o início da doença e a procura de assistência especializada. A cromomicose é uma doença indolente e normalmente cursa sem sintomas gerais o que acaba postergando a consulta médica.
A crioterapia é opção eficaz em lesões pequenas e localizadas. Em média, são necessárias 6,7 sessões para cura.4
O mecanismo de cura ainda é desconhecido. Sabe-se que o frio de forma isolada não é responsável pela destruição do fungo. Sugere-se que a necroSugere-se das células humanas com a crioterapia gera um ambiente que inviabiliza o fungo.
REFERÊNCIAS
1. Ramos-e-Silva, M.; Castro, M.C.R. Fundamentos da Dermatologia. Rio de Janeiro: Medicina-Dermatologia, 2010.
2. Sampaio, S.A.P.; Rivitti, E.A. Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas, 2007.
3. Correia, R.T.M.; Criado, P.R.; Valente, N.Y.S.; Martins, J.E.C. Cromoblastomicose: relato de 27 casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2010;85(4):448-54.
4. Castro, L.G.M. Mecanismo de cura da cromomicose pela criocirurgia com nitrogênio líquido – Estudo in vitro sobre a resistência dos fungos causadores da doença ao frio. An Bras Dermatol. 64(6):1989.