1
Novo Programa de Matemática, 1.º, 2.º e 3.º Ciclos
Formação de Coordenadores de Agrupamentos/Escolas Outubro de 2009 a Março de 2010
Tarefa 1-‐1 (1.º ciclo): Resolução de problemas
Esta proposta compõe-‐se de três partes: i)resolução da tarefa, ii) análise didáctica; iii) análise de resoluções de alunos.
1. Resolva a tarefa “Acerto de contas” que foi pensada para alunos do 4.º ano de escolaridade:
Problema: Acerto de contas
A Sofia, a Rita e a Catarina querem fazer uma festa de Natal e pretendem partilhar igualmente as despesas.
A Rita vai gastar 4,50 € em sonhos de Natal, a Sofia vai comprar um bolo por 6,50 € e a Catarina gasta 4 € em batatas fritas.
A avó da Sofia oferece a limonada, a mãe da Catarina dá os rissóis e a tia da Rita ajuda a pôr a mesa.
Como é que as três amigas devem acertar as contas?
2. Questões para reflexão:
a) Em que objectivos gerais do ensino da Matemática se enquadra esta tarefa?
b) Em que objectivos gerais de aprendizagem do 1.º ciclo e em que tema se enquadra a tarefa?
c) Quais os objectivos de aprendizagem que esta tarefa pode ajudar a atingir, relativos à resolução de problemas?
d) Que tempo destinaria para a respectiva resolução por parte dos alunos? E para a discussão colectiva?
e) Quais as dificuldades que será de prever por parte dos alunos?
3. Observe a resolução desta tarefa por um grupo de alunos de uma turma do 4.º ano:
a) Que estratégias de resolução de problemas, por parte dos alunos, (ver slide 6 do conjunto S1-‐2) consegue identificar?
b) Como analisa o papel da professora: i) No momento da introdução da tarefa?
ii) Ao longo do trabalho de grupo (apoiou os alunos nas suas dificuldades, mas sem resolver o problema por eles? Validou o resultado obtido, quando foi questionada para isso?)
iii) Que comentários lhe suscita a actuação da professora ao longo da resolução da tarefa pelo grupo de alunos, nomeadamente quando:
-‐ “aproximou-‐se do grupo, solicitando-‐lhe justificações” (p. 5);
-‐ “Na sequência da dificuldade de Tomás (...) propôs-‐lhe um problema semelhante” (p. 4);
-‐ “teve necessidade de pensar alto sobre o raciocínio de Daniel para que os alunos entendessem também o que queria dizer” (p. 6);
-‐ “esforçava-‐se por apoiar o pensamento de Bela e de Sara, sintetizando, tornando mais claras as suas afirmações, pedindo explicações de forma a fazê-‐las reflectir sobre as suas ideias” (p. 8);
-‐ “(...) reforçava positivamente a participação das alunas elogiando o seu esforço” (p. 8).
c) Que outros comentários e sugestões lhe suscita este episódio?
3
Problema: Acerto de contas
A Sofia, a Rita e a Catarina querem fazer uma festa de Natal e pretendem partilhar igualmente as despesas.
A Rita vai gastar 4,50 € em sonhos de Natal, a Sofia vai comprar um bolo por 6,50 € e a Catarina gasta 4 € em batatas fritas.
A avó da Sofia oferece a limonada, a mãe da Catarina dá os rissóis e a tia da Rita ajuda a pôr a mesa.
Como é que as três amigas devem acertar as contas?
Resolução do problema por um grupo de alunos de uma turma do 4.º ano de escolaridade1
Esta tarefa foi desenvolvida numa turma do 4.º ano. A professora começou por ler a tarefa, inteirando-‐se depois, através do questionamento feito à turma, que tinha sido compreendida pelos alunos. De seguida propôs aos alunos a sua resolução em grupo. É a análise da resolução por um dos grupos da turma, constituído por quatro alunos (Bela, Daniel, Tomás e Sara) que se apresenta aqui.
Daniel e Tomás eram os mais interessados em resolver o problema. Contudo, Daniel foi o primeiro a verbalizar a sua ideia:
Daniel-‐ Eu já sei como é que vai ser, pelo menos tenho uma ideia. Eu acho que é assim: quando a Catarina tivesse dinheiro dava 2 euros e meio à Sofia e quando a Rita tivesse dinheiro dava 2 euros e assim tinham dado as duas o mesmo.
Daniel que, na primeira parte da aula, tinha mostrado perceber o que significava “partilhar as despesas”, entendia agora o acerto de contas de dois modos. Esperava apenas poder colocar esses seus pontos de vista à consideração de outros elementos do grupo. Mas tão preocupado estava em ser ele a apresentar uma solução que não deixou Tomás expor a sua ideia, acabando por reflectir sobre o seu pensamento e detectar alguns erros no seu modo de pensar:
Tomás-‐ Não têm que ter as duas o mesmo dinheiro. Eu acho que é assim...
1 Adaptado de Ribeiro, D. (2005). A resolução de problemas e o desenvolvimento da comunicação matemática: Um
Daniel-‐ Já sei como é que tu queres: 50 cêntimos p’rali e 1 euro p’rali, mas o bolo, lembras-‐te que é 6 euros e 50, os sonhos é 4 euros e 50 e as batatas fritas é 4 euros, está bem Tomás? Está aqui não podes apagar... compra batatas fritas com 5 euros e sobra-‐lhe um euro e depois essa vai pagar o bolo e falta-‐lhe 2 euros e meio, não, 1 euro e meio. E quando tivessem dinheiro acertavam as contas, quando essa [a Catarina] tivesse mais 2 euros dava à Sofia e quando a Rita tivesse mais 2 euros pagava à… ai não, assim ela fica com muito dinheiro!
Sara, que tinha afirmado preferir “... daqueles [problemas] que têm números...” porque, dizia ela, ficava “...a saber mais alguma coisa.”, perante este problema numérico dizia “fazemos uma conta de vezes”. Daniel e Tomás, entretanto, procuravam-‐se convencer um ao outro:
Daniel-‐ Mas se ela [Sofia] vai dar o dinheiro a estas [Rita e Catarina], ela vai gastar dinheiro!
Tomás-‐ Não sei mas ficam todas com o mesmo dinheiro.
Daniel-‐ A Sofia fica sem dinheiro, não é? Fica com um euro e meio a menos e não fica contente.
Tomás-‐ Quem?
Daniel-‐ A Sofia. A Sofia vai comprar um bolo por 6 euros e meio e estás a dizer para dar 50 cêntimos à Rita e 1 euro à Catarina!
Daniel continuava a raciocinar sobre o problema e Tomás, que estava a ficar confuso, sugeriu que usassem a estratégia eficaz na resolução do problema O lobo, a cabra e a couve, ou seja a dramatização ou simulação do problema:
Daniel-‐ Eu também estava a pensar como o Tomás, mas depois pensei que elas tinham de pagar aquilo tudo.
Tomás-‐ Não te lembras do que a professora disse... para experimentarmos?
Pegaram então em objectos escolares e atribuíram-‐lhe os valores falados no texto, associando-‐os ao tamanho. Sara, por outro lado, tentava sugerir a multiplicação, como uma saída a todo o custo para esta situação de impasse pela qual passavam:
Sara-‐ Fazendo uma conta de vezes não se chega lá a lado nenhum sequer? Daniel-‐ Para quê a conta de vezes?
Sara-‐ Não sei! Uma coisa qualquer!
Daniel-‐Tens de ter uma ideia! Quando disseste fazer uma conta de vezes devias ter uma ideia!...
Tomás-‐ Vezes não. Dividir! Somamos isto e depois dividimos!
5
A professora aproximou-‐se do grupo, solicitando-‐lhe justificações: Prof.ª-‐ Primeiro: somas tudo para quê?
Tomás-‐ Para ver quanto é que dava e depois dividia. Prof.ª-‐ Para veres quanto é que dava de quê? Tomás-‐ Para ver quanto é que elas tinham. Prof.ª-‐ Para ver quanto é que elas tinham?
Tomás-‐ O que tinham juntas. Para depois dividir por 3 para ver o que tinham juntas. Prof.ª-‐ Então quando dividias por 3 era para saber o quê?
Tomás-‐ Para ver quanto dinheiro tinham para as 3.
Prof.ª-‐ concordas com o que ele está a dizer Sara, percebeste? Sara-‐ Não.
Prof.ª-‐ Repete Tomás que a Sara não te entendeu. Tomás-‐ Eu somava isto.
Prof.ª-‐ Sara, sabes porque é que ele ia somar? Sara-‐Não.
Prof.ª-‐ Diz de novo Tomás.
Tomás-‐ Para ver quanto tinham as 3 juntas.
Prof.ª-‐ Bela, para que nos serve saber quanto é que tinham as 3 juntas?
Na sequência da dificuldade de Tomás em verbalizar as suas ideias, a professora propôs-‐lhe um problema semelhante, mas mais específico e acessível de modo que ele explicitasse o sentido da divisão que tinha referido:
Prof.ª-‐ Repara [Tomás], quando divides este material por 3, como fazes? [Tomás dividiu 3 lápis pelos 3 colegas]
Tomás-‐ Cada um fica com 1.
Prof.ª-‐ Então, neste caso, o que ficaste a saber quando divides o material por 3? Daniel, ajuda-‐nos!
Daniel-‐ Fico a saber quanto ficou para cada um.
Prof.ª-‐ Bom... então agora registem o que acabaram de me dizer! Para depois acertarem as contas. Mas, eu já estou a ver que o Daniel tem alguma coisa registada. O que é Daniel?
Daniel-‐ Somei todo este dinheiro e deu-‐me 17 , depois dividi pelas 3. Prof.ª-‐ Deu 17? Confirma lá!
Sara-‐ Então devíamos ter feito primeiro a conta de mais e depois é que fazíamos a de dividir!
Após o afastamento da professora, Sara e Bela revelaram-‐se mais dependentes de Daniel:
Bela-‐ Parece que não percebi nada. Sara-‐ Ham?! [em simultâneo com Bela] Bela-‐ Não é para somar esta coisa toda?
Sara-‐ E os 4 euros onde é que metemos?
Sara-‐ Então o que é que é o resultado 5, senhor espertinho [Daniel]? Daniel-‐ É o que elas têm de gastar para fazer as despesas igualmente. Sara-‐ Explica isso.
Enquanto isso, Tomás queria dar a validar à professora os resultados a que tinham chegado e Daniel dava-‐lhe a entender que primeiro deveriam verificar, em grupo, cada passo, assim como verificar o resultado:
Tomás-‐ Vou chamar a professora, já acabámos. Daniel-‐ Não, que eu não sei se isto está certo!
Bela-‐ Agora nem sabe se está certo! [com ironia, enquanto Sara ri].
Quando a professora se aproximou: Tomás-‐ As 3 tinham de ficar com 5 euros. Prof.ª-‐ O que queremos saber mesmo?
Sara-‐ Como é que as 3 amigas devem acertar as contas?
Prof.ª-‐ Como é que as 3 amigas devem acertar as contas. Digam-‐me: elas já fizeram despesas?
Tomás-‐ Sim
Prof.ª-‐ Quanto gastou cada uma delas?
Tomás-‐ A Rita 4 euros e meio, a Sofia 6 euros e meio e a Catarina 4 euros. Prof.ª-‐ E o que é acertar as contas?
Tomás-‐ É ver o que têm de dar para ficar tudo igual.
Prof.ª-‐ Ora bem, então se todas têm de gastar o mesmo e se elas já fizeram despesas, agora têm de acertar as contas.
Tomás-‐ Já acertaram: 5 euros para as 3.
Prof.ª-‐ Já? Vamos ver outra opinião: Daniel lê o que escreveste.
Daniel-‐ A Rita vai ter de pagar 2 euros à Sofia. E a Catarina vai ter de dar 2 euros e meio à Sofia.
Prof.ª-‐ Quando a Rita der 2 euros à Sofia, quanto é que passou a gastar? Daniel-‐ 6 euros e 50
Prof.ª-‐ E foi isso que me disseram: cada uma deve pagar 6 euros e 50? Tomás-‐ Não. 5 euros
Prof.ª-‐ Então se a Rita lhe dá 2 euros, a despesa dela diminui. A Rita dá-‐lhe!... e a Sofia passa a gastar quanto?
Bela-‐ Gastou 4 euros e meio.
A professora teve necessidade de pensar alto sobre o raciocínio de Daniel para que os alunos entendessem também o que queria dizer, isto é para ajudar Daniel a clarificar o seu próprio pensamento, reflectindo sobre ele:
7
Prof.ª-‐ Deixem-‐me ver se eu entendi: O Daniel diz que a Rita vai dar 2 euros à Sofia e então, passa a pagar 6 euros e meio, mas a Sofia recebe o dinheiro da Rita e a despesa dela já não vai ser 6 euros e meio. Então como vai ficar a sua despesa?
Daniel-‐ Vai ser de 4 euros e meio.
Prof.ª-‐ Assim, as despesas ficam igualmente partilhadas? Daniel-‐ Não!
Prof.ª-‐ Então, vê lá Daniel ...
Quando chegou a vez de Bela explicar como tinha pensado, Sara mostrou que também ela estava por dentro do raciocínio da companheira e não tão alheias a esta resolução como tinham revelado nos diálogos com os colegas:
Bela-‐ Aqui somei para saber o resultado. Prof.ª-‐ Como?
Sara-‐ Para saber quanto é que elas tinham ao todo. Prof.ª-‐ Depois...
Bela-‐ Depois dividi por 3
Sara-‐ Na conta anterior deu 15 e então nós fomos dividir por 3. Prof.ª-‐ Para saberem o quê?
Sara e Daniel-‐ Quanto é que dava a cada uma.
A ideia de divisão como partilha estava compreendida. E como Ana dizia “agora devem acertar as contas”. Então procurou sintetizar o problema, chamando a atenção para os dados, que Daniel rapidamente apresentou:
Prof.ª-‐ Vamos lá ver com atenção quais são os nossos dados.
Daniel-‐ 4 euros e meio da Rita, 6 euros e meio da Sofia e 4 euros da Catarina.
De seguida, Ana, através do questionamento ao grupo, foi dividindo o problema em subproblemas levando os alunos a encontrar respostas intermédias:
Prof.ª-‐ Quanto é que cada uma devia gastar? Todos-‐ 5 euros.
Prof.ª-‐ E quanto pagou a Rita? Sara-‐ 4 euros e meio.
Prof.ª-‐ E então?
Daniel-‐ Tem de gastar mais 50 cêntimos. Prof.ª-‐ E o que é que ela vai fazer?
Daniel-‐ Vai dá-‐los à Sofia.
Prof.ª-‐ Se vai dá-‐los à Sofia, [a Rita] vai acertar as contas com a Sofia. Sara-‐ Agora falta a Catarina!
Prof.ª-‐ Concordam? Então é melhor escreverem.
Sara-‐ O que é que nós escrevemos? Bela-‐ E agora temos de escrever o quê?
Bela-‐ Então agora a Catarina vai ter de dar também, 50 à Sofia. Prof.ª-‐ Então...olhem bem para os dados do problema!
Sara-‐ Não sei, já olhei, mas não sei.
Prof.ª-‐ Então diz-‐me lá, porque é que ela dá 50 cêntimos à Sofia? Sara-‐ Sei lá!
A professora esforçava-‐se por apoiar o pensamento de Bela e de Sara, sintetizando, tornando mais claras as suas afirmações, pedindo explicações de forma a fazê-‐las reflectir sobre as suas ideias:
Bela-‐ A Catarina vai ter dar 50 cêntimos à Sofia. Prof.ª-‐ É? Porquê?
Bela-‐ Então... ela vai gastar 4 euros... Prof.ª-‐ É?
Sara-‐ Não, 5 euros!
(...) reforçava positivamente a participação das alunas elogiando o seu esforço:
Sara-‐ Então a Rita e a Catarina têm de dar à …Sofia…Elas gastaram menos mas a Sofia gastou mais.
Prof.ª-‐ Muito bem. Deixa-‐me ver se eu percebi: a Rita e a Catarina têm de dar dinheiro à Sofia, porque ela é que gastou mais.
Prof.ª-‐ Então agora vamos por partes: quanto é que a Rita vai dar à Sofia? Sara-‐ 50.
Prof.ª-‐ E quanto é que a Catarina vai dar à Sofia? Bela e Sara-‐ 50
Prof.ª-‐ E quanto é que ela tem que gastar? Bela-‐ Ela tem que gastar 5 euros e já gastou 4. Sara-‐ Ah! Então tem de dar um euro!