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Actas do 7º Encontro de Arqueologia do Algarve Silves - 22, 23 e 24 Outubro 2009

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Actas do 7º Encontro de Arqueologia do Algarve

Silves - 22, 23 e 24 Outubro 2009

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A necrópole romana de Monte Molião (Lagos)

Ana Margarida Arruda *

Elisa de Sousa *

Pedro Lourenço *

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Resumo

Nos finais do século XIX e inícios do XX, Estácio da Veiga e Santos Rocha, respectivamente, efectuaram «explorações» arqueológicas no Concelho de Lagos, tendo então entrado em contacto com os proprietários da Quinta do Molião. Esses contactos resultaram na entregue de espólios arqueológicos aqueles pioneiros, espólios que seriam provenientes de contextos habitacionais (os da Horta do Pimenta, no Monte Molião, propriamente dito) e funerários (os da propriedade do Sr. César Landeiro), e que se encontram depositados no Museu Nacional de Arqueologia (MNA) e no Museu Municipal da Figueira da Foz. Registe-se ainda que Santos Rocha pode também escavar, ele próprio, duas sepulturas.

Os trabalhos agrícolas na área do Molião prolongaram-se durante boa parte da primeira metade do século XX, tendo alguns materiais recolhidos no sítio nas décadas de 30 e 40 entrado nas reservas do Museu de Lagos, através do Dr. José Formosinho.

No âmbito do projecto de investigação sobre as ocupações antigas de Monte Molião, procedeu-se ao estudo das colecções depositadas nos museus já anteriormente referidos, tendo sido também analisada vária documentação inédita que integra as caixas que, no MNA, encerram o espólio de Estácio da Veiga.

Dentro de algumas limitações, pudemos isolar os espólios que provêm da necrópole daqueles que pertencerão ao sítio habitacional.

Neste trabalho, procedemos à análise dos materiais da necrópole do Molião, completada com informação publicada por Santos Rocha a propósito das sepulturas, o que permitiu aferir cronologias e reflectir sobre os utilizadores deste espaço funerário.

Abstract

In the late 19th century and in the beginning of the 20th century, Estácio da Veiga and Santos Rocha performed archeological explorations in the Lagos area. At this time, they contacted with the owners of Quinta do Molião. Those contacts resulted in the delivery of archeological materials to these pioneers, materials that were recovered from domestic contexts (those from Horta do Pimenta, in Monte Molião) and funerary (those from the property of César Landeiro), that are currently deposited in the Museu Nacional de Arqueologia (MNA) and in the Museu Municipal da Figueira da Foz. It´s also important to refer that Santos Rocha was able to explore two graves.

The agriculture in the area of Molião continued during the 1st half of the 20th century, and some of the materials recovered in the site in the 1930s and in the 1940s entered the Museu de Lagos, through Dr. José Formosinho.

During the project concerning the ancient occupations of Monte Molião, we studied the collections of these museums, having also analyzed the documentation that went with storage of the materials of Estácio da Veiga, in the MNA.

Within some limitations, we were able to isolate the materials that came from the necropolis from those that came from the habitat.

In this paper, we present the analyses of the materials of the necropolis of Molião, completed with the information published by Santos Rocha concerning the graves that he excavated, which allowed to determine chronologies and reflect about the users of that funerary space.

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1. Introdução

No quadro do Projecto «Monte Molião na

Antiguidade»1, uma das tarefas que considerámos

prioritárias foi o estudo dos espólios que estavam depositados nos Museus Nacional de Arqueologia, Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz) e Municipal de Lagos, e que eram, maioritariamente, provenientes de um espaço sepulcral localizado a NE da elevação sobranceira à Ribeira de Bensafrim. Esse estudo, iniciado ainda em 2006, permitiu obter dados interessantes que perspectivavam diversas abordagens para a ocupação da área envolvente da elevação denominada Monte Molião, dados que permaneceram inéditos. No momento em que a primeira fase do Projecto está a terminar, entendemos fundamental dar a conhecer os resultados que obtivemos com o trabalho que desenvolvemos nas reservas dos referidos museus, e divulgar, em conjunto, a totalidade dos materiais recolhidos na necrópole de Molião entre os finais do século XIX e as primeiras décadas do seguinte.

A história da constituição das colecções merecia ser contada, porque ela está directamente relacionada com a forma como a necrópole foi descoberta e com a maneira como os artefactos foram recuperados, e as descrições mais ou menos pormenorizadas dos pioneiros forneceram as parcas

informações de que dispomos sobre os rituais funerários praticados nesta necrópole algarvia.

Nesta breve Introdução, deve ainda referir-se que, como se verá, não se tornou possível, na maior parte dos casos, obter dados sobre associações de espólios, nem sequer entre estes e qualquer tipo de sepultura, situação que resulta das circunstâncias específicas em que as colecções foram constituídas, circunstâncias que abaixo se descrevem.

Queremos também deixar aqui expressos os nossos agradecimentos a todos os que, nos Museus que visitámos, proporcionaram as condições necessárias para que este estudo fosse efectuado. Assim, o nosso reconhecimento é devido aos Directores das referidas instituições, pela autorização concedida, bem como às Dras. Ana Isabel Santos e Livia Cristina Coito e ainda a Luísa Guerreiro, do Museu Nacional de Arqueologia, que facilitaram o acesso às colecções e à documentação.

2. Estórias de uma necrópole

No final do século XIX, Estácio da Veiga visita o Concelho de Lagos, tendo-se deslocado a Monte Molião, onde observa uma estrutura negativa - «…

uma cisterna elliptica com 4m,35 de fundura, 1m,76

e 6m,80 de comprimento…» (1910: 222) - e recolhe

materiais. Nessa mesma visita, informam-no que na área envolvente, na Quinta do Molião, apareceram «…muitas sepulturas com loiças» (Ibidem) e são-lhe oferecidos espólios, alguns dos quais são seguramente oriundos de contexto funerário, como é o caso dos vidros, entregues por Xavier de Paiva, e, eventualmente, do Mercúrio de bronze, que lhe foi dado por Augusto Feio Soares de Azevedo, que integrou no Museu do Algarve e que actualmente estão depositados no MNA.

A passagem de Teixeira de Aragão por Molião é apenas referida por José Leite de Vasconcellos (1917: 128), desconhecendo-se o paradeiro dos materiais, «…vidros, vasos, etc…» (Ibidem) que teria levado de uma sepultura, «…rectangular, feita de lages, onde havia ossadas…» (Ibidem).

1 O Projecto Monte Molião na Antiguidade tem como objectivo o estudo da ocupação humana do sítio arqueológico epónimo.

É financiado pela Câmara Municipal de Lagos, no quadro de um Protocolo de colaboração entre o Município, a Faculdade de Letras de Lisboa e a UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa). No contexto deste Projecto, foram concretizadas quatro campanhas de escavação, que totalizaram 10 meses de trabalho de campo, e foram tratados, nas instalações da UNIARQ, dezenas de milhares de peças, que foram lavadas, inventariadas, desenhadas e classificadas, tendo sido publicados nove trabalhos sobre os resultados entretanto obtidos (alguns dos quais estão ainda no prelo). Prepara-se, neste momento, um trabalho monográfico onde se sintetizam os resultados obtidos neste projecto de investigação.

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Aos espólios de Estácio da Veiga, junta-se, na década de 90 do mesmo século, os que José Leite de Vasconcellos recupera para o Museu Nacional aquando de uma visita ao local em 1894, e que lhe são oferecidos pelo Sr. César Landeiro, o proprietário da Quinta do Molião que agricultava, com frequência, os terrenos hoje ocupados pela urbanização Marina Park. As sepulturas que ia encontrando durante os trabalhos agrícolas eram escavadas a mando do próprio, ou mesmo pelo próprio, que guardava os respectivos espólios.

Entre os materiais recuperados pelo fundador do Museu Nacional de Arqueologia contam-se os vasos de cerâmica comum inteiros.

No Museu, existem ainda duas peças aparentemente provenientes da necrópole de Molião, e que, segundo os registos daquela instituição, teriam também feito parte da colecção do Museu do Algarve. Trata-se do chamado biberão e de um prato, ambos de terra sigillata clara, que, no entanto, Estácio da Veiga nunca refere na sua obra (fig. 2). Este silêncio não deixa de causar estranheza, uma vez que a raridade da forma do primeiro teria certamente merecido menção especial por parte Fig. 1 – Fotografia aérea da área do Monte Molião com indicação dos limites prováveis da necrópole (propriedade de César Landeiro).

Fotografia de Rui Parreira.

Fig. 2 – Forma Hayes 123 (n.º 13784) e forma Hayes 50 (n.º 15021)

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do arqueólogo algarvio. Por outro lado, uma peça idêntica, mas de Balsa, estava exposta nas estantes do «Museu Arqueológico do Algarve» instalado na Academia Real de Belas Artes, mas as fotografias que existem dessas estantes não permitem ver a de Molião. A entrada no Museu Nacional destes dois vasos de sigillata clara deve, de qualquer forma, ter sido concretizada em data antiga, uma vez que um deles, o biberão, é divulgado em 1914, nas páginas do Arqueólogo Português, por Aurélio da Costa Ferrreira. Contudo, poderá ter sido recolhido quer por Estácio da Veiga, quer por José Leite de Vasconcellos, ou ainda ter resultado de uma oferta directa feita ao Museu Nacional por César Landeiro, que, em 1904, continua a doar peças da necrópole de Monte Molião (neste caso duas tegulae), à instituição.

Mas o que realmente nos importa aqui e agora é constatar o facto de a leitura dos textos de Estácio da Veiga (1910) e de José Leite de Vasconcellos (1917) permitir aferir a existência de um núcleo urbano, localizado no «outeiro» - o Monte Molião, na propriedade de J. Pimenta, e de uma necrópole situada a NE, em terreno que César Landeiro, o proprietário, agricultava com frequência, concretamente com plantio de vinha – a Quinta do Molião (fig. 1). As sepulturas que ia encontrando durante os trabalhos agrícolas eram escavadas a mando do próprio, ou mesmo pelo próprio, e os espólios encontrados ficavam em seu poder, sendo, alguns oferecidos aos mais ou menos ilustres visitantes que se deslocavam à propriedade.

A necrópole da Quinta do Molião foi divulgada, enquanto tal, pelo Reverendo José Joaquim Nunes, na revista Portugália e no Arqueólogo Português, em 1899 e 1900, respectivamente, sendo descritos arquitecturas e rituais funerários, bem como espólios, concretamente cerâmicas e vidros (fig.3).

No que se refere ao primeiro aspecto, o capelão do Regimento de Infantaria 15 de Lagos, que ainda assiste à «…exploração d’uma sepultura…»

(Nunes, 1899, 817), informa sobre a existência de incinerações e inumações (Ibidem: 817, 818).

Nesta primeira divulgação da necrópole, referem-se também materiais arqueológicos que, na nossa opinião, correspondem a peças depositadas no MNA, no Museu da Figueira da Foz e no Museu de Lagos. O Rev. José Joaquim Nunes diz ter observado na posse de César Landeiro vários unguentários de vidro, nos quais predomina a forma de funil invertido, dois vasos coadores, um objecto de ferro semelhante a uma picadeira, vários pregos, um utensílio semelhante à extremidade de uma lança, uma pequena argola de ouro e um fundo de um prato onde era possível ler a preposição EX, inscrita numa cartela interna e um grafito onde se lê MAVRI, na superfície externa. Refere ainda que existe também uma moeda de prata.

Foi-nos possível identificar várias destas peças, no Museu Nacional de Arqueologia, no Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na Figueira da Foz, e no Museu de Lagos. Esta dispersão parece resultar do facto de César Landeiro, o proprietário dos terrenos e dos materiais, os ter oferecido aos arqueólogos que o visitaram nos finais o século XIX (José Leite de Vasconcellos e Santos Rocha), até à criação do Museu de Lagos em 1930, instituição a que teria doado outros, que manteve em seu poder e ainda os que nas primeiras décadas do século XX veio a encontrar na sua propriedade.

No que se refere aos espólios do Molião depositados no Museu Municipal da Figueira da Foz, a sua origem está também relacionada com os trabalhos que Santos Rocha efectua no local, em Dezembro de 1900 e que consistem na escavação duas sepulturas (Rocha, 1906). De facto, só na sua derradeira estadia no Algarve, o arqueólogo figueirense se interessou por Monte Molião, ainda que tivesse sabido da existência da necrópole em 1895, mas nesse momento «O nosso pensamento fixara-se em Bensafrim» (Rocha, 1975: 167). É também no ano que encerra o século XIX que

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Santos Rocha recupera para o Museu da Figueira da Foz parte dos espólios que o Reverendo Joaquim Nunes tinha visto em casa de César Landeiro, que lhe oferece os materiais. «O sr, Landeiro, que nos recebeu com a mais amável cortezia, teve a generosidade de offerecer-nos não só o mobiliário fúnebre que recolhemos por nossas próprias mãos, mas tudo o que os seus serviçaes haviam encontrado quando destruíram a necrópole» (Rocha, 1904: 36). Como já dissemos, Santos Rocha, na companhia de Joaquim Pereira Jardim, procede à escavação de duas sepulturas, uma das quais relativamente bem conservada. Nessa, que inicialmente julgaram violada, encontraram «…um bello prato romano…» (Rocha, 1906: 104) e um esqueleto completo «…d’um adulto, deitado horisontalmente sobre as costas, com os pés para SE e a cabeça para NO, braço direito estendido ao longo do tronco e braço esquerdo dobrado sobre o peito…» (Ibidem) e ainda «Ao lado direito dos pés estavam um pequenino vaso romano de barro, …, e um grande bronze imperial…» (Ibidem) (fig. 4 e 5).

A fugaz passagem de Santos Rocha por Monte Molião, em Dezembro de 1900, não coincide com o fim da «exploração» da necrópole, parecendo certo que César Landeiro alargou o plantio da vinha para outros terrenos da sua propriedade, onde viria a en-contrar mais sepulturas e mais materiais, estes ofe-recidos ao Museu de Lagos.

Os trabalhos agrícolas na Quinta do Molião parecem ter cessado em torno à década de 30 do século XX, data a partir da qual não temos mais referências a achados oriundos da necrópole. As únicas que existem sobre a área dizem respeito a 1939, quando no alargamento da estrada nacional «…que, pelo poente passa rente a esta colina de-nominada Molião, e, sendo-lhe feito um corte con-siderável….» (Viana, Formosinho e Ferreira, 1952: 136) se descobriram vários materiais arqueológicos. Trata-se, portanto, do povoado que se implantou no chamado Monte Molião, mas estas descobertas acabaram por dar origem à divulgação dos mate-riais da necrópole que estavam depositados no Mu-seu de Lagos (Viana, Formosinho e Ferreira, 1952), materiais esses oferecidos, como já referimos, por César Landeiro.

A partir dos anos 30 do século passado, não ex-istem mais notícias sobre descobertas na necrópole de Molião, mas as do século XIX e a sua divulgação nas páginas da Portugália e do Arqueólogo Portu-guês contribuíram para dar visibilidade ao sítio, visi-bilidade para que Jorge de Alarcão contribui tam-bém ao estudar, na década de 60 do século XX, o relativamente amplo conjunto de vidros oriundos desta necrópole, concretamente das peças deposi-tadas no Museu Municipal da Figueira da Foz e no Museu de Lagos (Alarcão, 1968). E o Molião acabou por ganhar um certo protagonismo na arqueologia romana do território actualmente português, pro-tagonismo que, em primeira análise, se relaciona, directamente, com a descoberta da sua necrópole.

3. A arquitectura funerária

e os ritos

De acordo com o relato de Reverendo José Joaquim Nunes, a quem César Landeiro fornece abundante informação e que ainda assiste à «ex-ploração» de uma sepultura, a necrópole de Molião é, no que ao tratamento do cadáver diz respeito, mista, nela convivendo os rituais de inumação e de cremação (Nunes, 1899; 1900).

Fig. 4 – Esquema das sepulturas escavadas por Santos Rocha

(Rocha, 1906, Est. XIV).

Fig. 5 – Materiais recolhidos no decurso das escavações de

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Relativamente ao primeiro, e para além das informações de José Joaquim Nunes, contamos também com as informações de Santos Rocha. Assim, sabe-se que as sepulturas eram rectangulares, e que as suas paredes estavam revestidas por tegulae dispostas verticalmente (Nunes, 1899: 817), ou por tegulae e lateres, e seriam cobertas por um telhado de duas águas formando uma “…cabana triangular…” (Rocha, 1906: 103). Eram pavimentadas, integralmente, com terra argilosa (Nunes, 1899: 817), com

tegulae sob o crânio e sob os pés (Ibidem), ou

ainda com tegulae. Outras seriam forradas por pedras ligadas por argila e, posteriormente rebocadas, conforme descreve Santos Rocha “(…) toda construida de pedra e barro, tendo á mistura grossos fragmentos de telhas de rebordo e tijolos romanos, e rebocada interiormente com argamassa de cal e areia. O fundo era revestido por três tegulas, a que foram quebrados os rebordos, voltando-se as fracturas para baixo.” (Rocha, 1906:104).

Com já foi referido, numa das sepulturas escavada por Santos Rocha foi identificado o esqueleto de um indivíduo adulto, “… deitado horisontalmente sobre as costas, com os pés para SE e a cabeça para NO, braço direito estendido ao longo do tronco e o braço esquerdo dobrado sobre o peito, tendo a mão sobre as clavículas. A cabeça estava assente sobre a base do cranio e maxilar inferior, com a face olhando a direita …” (Rocha, 1906:104). Sobre as tíbias deste esqueleto encontrava-se um prato, no lado direito dos pés um pequeno vaso e uma moeda de bronze, materiais que lográmos identificar no Museu da Figueira da Foz, com excepção do numisma.

Também Teixeira de Aragão escavou, viu escavar ou teve notícia de uma sepultura, «… rectangular, feita de lages, onde havia ossadas…» Para as incinerações, as informações são em muito menor número. Apenas José Joaquim Nunes faz referência à sua existência «É fóra de duvida, porém, que além da humatio ou enterramento propriamente dito, houve aqui também a crematio ou incineração, […], porquanto encontraram-se algumas olla ainda com cinzas e restos d’ossos» (Nunes, 1899: 818). Esta informação pode também ser confirmada pela urna cinerária depositada no Museu de Lagos, que, quando do nosso estudo, ainda continha os restos da incineração (fig. 6).

4. Os materiais

Analisada, com detalhe, toda estória das explorações na área de Molião, e que acima tentámos resumir, sabemos hoje que os materiais arqueológicos depositados no Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz) são, na totalidade, provenientes do contexto sepulcral, sendo resultantes das escavações do seu fundador e também das ofertas que este recebeu de César Landeiro.

Relativamente aos que integram as reservas do Museu Nacional de Arqueologia, haverá os que têm origem na necrópole, concretamente os que no in-ventário da instituição referem «ofertas de Xavier de Paiva», ofertas que pudemos confirmar pelos textos de Estácio da Veiga, e os que o proprietário (César Landeiro) entregou a José Leite de Vasconcellos. Ain-Fig. 6 - Urna cinerária – material depositado no Museu de Lagos.

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da no MNA, há também espólios que foram reco-lhidos pelo arqueólogo algarvio no Monte Molião, propriamente dito, por ele referenciados como «Na horta do Sr. José Pimenta…». Mais complexo, e como atrás já referimos, é perceber a origem de duas peças cerâmicas inteiras, concretamente o bi-berão e o prato de terra sigillata, que estão integra-das no lote anterior (da horta do Pimenta), mas que pelas suas características (estado de conservação, morfologia e cronologia) poderiam, efectivamente, ter sido recolhidas na necrópole. O Mercúrio de bronze, oferecido por Soares de Azevedo a Estácio da Veiga, poderá ser também oriundo da necrópole, mas esta informação está por confirmar.

Na sala do tesouro do Museu Nacional de Arqueologia, está exposto um brinco de ouro, cuja indicação de proveniência é Molião. Desconhecemos a origem deste brinco, justamente porque a única referência a um objecto de adorno deste tipo na necrópole do Molião é feita por Joaquim Nunes, que diz ter visto na posse de César Landeiro, entre outros espólios, uma pequena argola deste material (Nunes, 1899: 818), não sendo impossível pensar que se trata do que Maria Luísa Estácio da Veiga refere ter observado no Museu Municipal Doutor Santos Rocha, uma vez que sabemos que este recuperou, em 1900, para o «seu» museu, os materiais de César Landeiro. Infelizmente não pudemos localizar na Figueira da Foz qualquer brinco de ouro.

O do Museu Nacional, que no inventário aparece como doação de César Augusto Landeiro, poderá ter sido oferecido a José Leite de Vasconcelos, em 1894.

Os materiais do Museu Municipal de Lagos são em parte da necrópole. Esta origem é confirmada pelo texto publicado em 1952, por Abel Viana, José Formosinho e Veiga Ferreira, onde afirmam que César Landeiro, tendo continuado o plantio da vinha na sua Quinta do Molião, encontrou mais algumas sepulturas, cujo espólio foi oferecido ao Museu Regional de Lagos. Outros materiais são provenientes do Monte Molião, tendo sido recolhidos nas obras de construção da Estrada Nacional, em 1939.

Da totalidade das moedas recuperadas em Molião e referenciadas por Estácio da da Veiga, Joaquim Nunes, Santos Rocha e Viana e colaboradores, sabemos apenas o que os autores informaram, uma vez que nem no Museu Nacional de Arqueologia nem no da Figueira da Foz, nem sequer no de Lagos, existem quaisquer numismas que possamos atribuir a esta necrópole.

As circunstâncias que descrevemos não facilitam a análise de contextos funerários concretos. Com efeito, são poucos os dados de que dispomos que permitam a associação de materiais a sepulturas. Apenas no caso de uma das duas escavadas por Santos Rocha essa associação se tornou possível. O estudo que aqui elaboramos a propósito dos espólios é assim concretizado por tipos de materiais, ainda que a sepultura que Santos Rocha escavou tenha sido alvo de uma análise devidamente integrada.

3.1. Os vidros

Nem todos os vidros já publicados como provenientes de Monte Molião, e distribuídos pelas três instituições que contêm espólios deste sítio, foram por nós encontrados, parecendo que, tal como os numismas, alguns desapareceram das colecções. Pode, contudo, dar-se o caso de os inventários e de as distintas reorganizações a que as reservas destes museus foram sujeitas nas últimas décadas do século XX possam ter contribuído para eventuais erros nas atribuições de proveniência. Falaremos aqui dos vidros cuja existência pudemos comprovar, bem como dos que, ainda que desaparecidos, foram já estudados por J. de Alarcão, pelo que sabemos a forma e a cronologia.

Os unguentários dominam na necrópole de Molião, estando presentes nas colecções do Museu Municipal Dr. Santos Rocha, assim como no de Lagos e foram já publicados (Alarcão e Alarcão, 1964 e Alarcão, 1968). Ambas as colecções são, quase seguramente, ofertas de César Landeiro, e pudemos identificar três exemplares (fig. 7) de Lagos com os que José Joaquim Nunes publica em 1900.

A maioria das peças integra-se na forma 28 b de Isings, balizada entre finais do séc. I e os finais do séc. II d.C. (fig. 7 e 8). Outro unguentário do Museu da Figueira integra-se na forma 82 da mesma tipologia (fig. 8), e um outro, entretanto desaparecido, seria mais antigo, concretamente do reinado de Augusto/ Tibério. A cronologia da taça publicada em 1970 não avança para além de meados do século II (fig. 8), enquanto que para a outra taça (também desaparecida) não são conhecidos paralelos, pelo que foi difícil atribuir uma qualquer datação.

A colecção de vidros de Molião do Museu Nacional de Arqueologia, que integra os oferecidos por Xavier de Paiva a Estácio da Veiga, é constituída por um conjunto de 90 fragmentos, dos quais 17 permitiram uma representação gráfica, e, destes

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Fig. 7 – Forma 28b de Isings – materiais depositados no Museu de Lagos.

Fig. 8 – Forma 28b de Isings (n.º 7544, n.º 7545, nº 7542), forma 82 (n.º 7543) e forma 41a (n.º 7535) – materiais depositados no

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Fig. 9 – Forma 50b de Isings (n.º 2006.97.102.3), forma 28b (2006.97.124.4), forma 21 (2006.97.124.1), forma 42 (2006.97.124.2),

forma 82a (2006.97.124.5) e formas indeterminadas (2006.97.124.7, 2006.97.124.8, 2006.97.100.10, 2006.97.121.9, 2006.97.124.12, 2006.97.124.13, 2006.97.124.14, 2006.97.124.16, 2006.97.124.17, 2006.97.101.6).

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cinco uma aproximação formal (fig. 9). Um dos fragmentos (2006.97.102.3) parece integrar-se na forma 50, variante b, da tipologia de Isings, ainda que não seja possível discernir se corresponde a uma garrafa prismática ou circular. Outro fragmento de bordo (2006.97.124.4) pode ainda enquadrar-se nos unguentários da forma 28, variante b da mesma tipologia, forma, aliás, já documentada, como vimos, entre os materiais depositados no Museu Municipal Dr. Santos Rocha. A sua cronologia está balizada entre finais do séc. I e inícios do séc. II d.C. Um outro é, por outro lado, semelhante à forma 82, variante A, datável entre finais do séc. I e toda a centúria seguinte. A forma 21 de C. Isings, que corresponde a um determinado tipo de copo, está representada por um exemplar (2006.97.124.1), datável de finais do séc. I e inícios do séc. II d.C. A tigela da forma 42, com bordo de tendência horizontal, está também representada por um fragmento (2006.97.124.2), que pertenceu a um copo, cuja cronologia se iniciou no período Flávio e perdurou durante toda a centúria seguinte. Os fragmentos de fundo (2006.97.124.7, 2006.97.124.8, 2006.97.100.10, 2006.97.121.9, 2006.97.124.12, 2006.97.124.13, 2006.97.124.14, 2006.97.124.16, 2006.97.124.17) e um dos frag-mentos de bordo (2006.97.101.6) não permitem, infelizmente, uma integração formal segura.

O paradeiro da denominada clepsidra de vidro é, actualmente, desconhecido. O único registo que restou desta peça consiste numa fotografia publicada por Maria Luísa dos Santos (1971), cuja forma, contudo, não se integra em nenhuma das tipologias disponíveis.

3.2. A cerâmica 3.2.1. A terra sigillata

A terra sigillata que podemos associar, indiscu-tivelmente, à necrópole de Molião inclui produções sud-gálicas, hispânicas e africanas.

Relativamente às primeiras, documenta-se a forma 27 de Dragendorff, com quatro exemplares, a 24/25 e 36, uma peça de cada tipo, ambas mar-moreadas, e ainda uma 15/17. Estão todas deposi-tadas no Museu Municipal de Lagos, e são datáveis do século I, mais concretamente a partir da década de 40 (fig. 10 e 11).

Produzidos em oficinas norte africanas são os pratos da Forma Hayes 50, variante A, de terra

sigi-llata Clara C, num total de quatro exemplares, três

depositados no Museu Municipal Santos Rocha (fig.

Fig. 10 – Forma 27 de Dragendorff – materiais depositados no

Museu de Lagos.

Fig. 11 – Forma 24/25 de Dragendorff, forma 36 e forma 15/17

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12) e um outro no Museu Nacional de Arqueologia (fig. 2). A cronologia desta forma está balizada en-tre 230 e 325 d.C.

Em terra sigillata Clara A existe também no MNA uma forma, relativamente, rara. Trata-se de um vaso integrável no tipo Hayes 123, que pode datar-se entre a segunda metade do século II e o III.

Estas peças do MNA (uma Hayes 50 e uma Hayes 123 – fig. 2) estão incluídas no lote de materiais recolhidos na Horta do Pimenta, mas o seu estado de conservação e a sua cronologia tardia, a que se soma a total omissão destes notáveis exemplares nos trabalhos de Estácio da Veiga, permitem-nos propor que estes materiais poderão ter origem na necrópole, sendo, provavelmente, ofertas de César Landeiro a Leite de Vasconcellos.

Destaca-se ainda a presença, no Museu da Figuei-ra da Foz, de um fFiguei-ragmento de fundo de um pFiguei-rato de

terra sigillata hispânica, integrável na forma

Dragen-dorfff 15/17 (fig. 12). Tal como já tinha sido referido pelo Rev. Nunes, o exemplar apresenta, na superfície interna, uma marca de oleiro onde só é visível a pre-posição EX, o que nada adianta sobre o oleiro, e, na superfície externa, um grafito, onde se lê MAVRI.

3.2.2. A cerâmica de paredes finas

A cerâmica de paredes finas está presente com escassos exemplares, cinco no total.

Uma forma destaca-se entre as demais, não só pela sua raridade, como também pela sua representação no sítio, dois exemplares. Trata-se dos dois vasos coadores (fig. 13), referidos pelo Reverendo José Joaquim Nunes, que se encontram, actualmente, distribuídos pelo Museu da Figueira da Foz e pelo Museu de Lagos. Correspondem à forma LII de Mayet, cuja distribuição faz pensar numa produção emeritense. Apresentam um colo alto, fechado na sua base interna por uma espécie de filtro. Este filtro teria como função separar os elementos não líquidos de uma bebida. Estes exemplares podem apresentar um bico vertedor, longo e estreito, implantado na parte superior da pança, e uma asa lateral. Estes recipientes são usados para conter e servir líquidos. A distribuição desta forma centra-se no sul do território peninsular, com particular concentração em Mérida, que parece corresponder à sua área de produção. A sua cronologia está balizada na segunda metade do séc. I d.C. (Mayet, 1975, p. 112-113).

Fig. 12 – Forma Hayes 50 (n.º 7556, n.º 7557 e n.º 7568) e

forma Dragendorff 15/17 (n.º 7536) – materiais depositados no Museu de Lagos.

Fig. 13 – Forma Mayet LII. Vaso em posição superior – depositado

no Museu de Lagos. Vaso em posição inferior – depositado no Museu Municipal Dr. Santos Rocha.

(15)

Ainda no Museu Municipal de Lagos estão depositados outros dois vasos, relativamente bem conservados, que correspondem à forma VIII de Mayet, com cronologia da segunda metade do século I a.C. e um outro, de difícil classificação, que, contudo, se aproxima de modelos do reinado de Augusto (fig. 14).

3.2.3. A cerâmica comum

No conjunto da cerâmica comum, é necessário destacar, em primeiro lugar, o pote que seguramente serviu de urna cinerária (fig. 6). Está depositado no Museu de Lagos e continha ainda os restos da incineração. Possui corpo de tendência ovóide e fundo plano, apresentando bordo esvasado e pequeno lábio pendente, com o colo ligeiramente estrangulado. Sobre o bordo apresenta uma banda de cor violácea.

Os restantes vasos de cerâmica comum, que integrariam o grupo do mobiliário funerário, correspondem a púcaros (um em Lagos, outro na Figueira, três no MNA) (fig. 15), quatro potes, dos quais um é desprovido de asas, havendo três com duas asas (MNA) (fig. 16), duas taças (uma no MNA e outra em Lagos), que imitam a formas de terra

sigillata, 36 e 15/17, respectivamente (fig. 17),

dois opercúlos e uma jarra (fig. 17), em depósito no MNA. Todas estas peças têm cronologias algo vastas, entre os séculos I e II d.C.

Fig. 14 – Forma Mayet VIII (n.º 91 e n.º 90) e exemplar de difícil

classificação (n.º 93).

Fig. 15 – Púcaros. Vaso na posição superior – material depositado

no Museu de Lagos; n.º 7550 – material depositado no Museu Municipal Dr. Santos Rocha; restantes – materiais depositados no Museu Nacional de Arqueologia.

(16)

Fig. 16 – Potes – materiais depositados no Museu Nacional de

Arqueologia.

Fig. 17 – Imitações de formas de terra sigillataem cerâmica comum

(forma 15/17 de Dragendorff - n.º 100, material depositado no Museu de Lagos e forma 36 - n.º 2006.97.87, material depositado no Museu Nacional de Arqueologia). Opérculos e jarro em cerâmica comum (n.º 2006.97.122, n.º 2006.97.123 e n.º 2006.97.97 – materiais depositados no Museu Nacional de Arqueologia).

Fig. 18 – Lucerna depositada no Museu de Lagos.

Fig. 19 – Placa com decoração incisa e dois fragmentos de ligulae–

(17)

3.2.4. A lucerna

Uma única lucerna terá sido recolhida na necrópole do Molião, estando actualmente deposi-tada no Museu Municipal de Lagos. Pode incluir-se na forma VI A de Bisi, o que pressupões uma crono-logia da 2ª metade do século I (fig. 18).

3.3. Os metais

Entre os objectos metálicos recolhidos em Molião e muito possivelmente recuperados na necrópole, destaca-se o Mercúrio de bronze (MNA), oferecido por Soares de Azevedo a Estácio da Veiga (Veiga, 1910; Vasconcellos, 1913; Pinto, 2002). Este tipo de estatueta é frequente em contextos de todo o império romano.

O vaso, também de bronze, cujo corpo representa a figura de um efebo está depositado no Museu de Lagos, desconhecendo-se tudo sobre a sua origem (Viana, Formosinho e Ferreira, 1952).

Do mesmo metal é a placa com decoração incisa, que pode ter feito parte, conjuntamente com as duas

ligulae, de um estojo de cirurgião ou de cosmética,

conjunto que pode datar-se, genericamente, do período Flávio (Museu Municipal da Figueira da Foz) (fig. 19).

Este conjunto integra-se, certamente, no contexto de ofertas de César Landeiro a Santos Rocha.

A extremidade da lança de ferro, o “(…) utensílio mui parecido com a extremidade de uma lança (…)” (Nunes, 1900, p. 103), que está também depositada no Museu Municipal da Figueira da Foz corresponde, muito possivelmente, a um pilum catapultarium, enquadrável no século II e III da nossa era (fig. 20).

Das afirmações de Joaquim Nunes (Nunes, 1913: 102) pode deduzir-se que o martelo de ferro e os pregos de bronze, do Museu Nacional de Arqueologia e os pregos do Museu Municipal da Figueira, ainda que sejam artefactos de uso doméstico, terão tido também origem no contexto sepulcral de Molião, bem como aliás os brincos de ouro, do MNA e da Figueira.

Sobre este último, e como já referimos, nada podemos acrescentar, uma vez que não foi possível localizá-lo nas reservas do Museu. Quanto ao do MNA, deve referir-se que se trata de um peça constituída por um arco e um apêndice triangular, que é decorado através da técnica do granulado e da filigrana. A técnica decorativa e a morfologia indicam

uma cronologia da Idade do Ferro (Correia, 1995)2.

A moeda que Santos Rocha encontrou numa das duas sepulturas que escavou na necrópole da quinta do Molião está, como já referimos, desaparecida. Contudo o seu descobridor refere que se trata de uma cunhagem de Julia Mamea Augusta, mãe de Alexandre Severo, datável de meados da 1ª metade do séc. III d.C.

2 Agradecemos ao Dr. Virgílio Hipólito Correia a consulta da ficha descritiva que efectuou sobre esta peça para o II Volume do

Catálogo de Ourivesaria do Museu Nacional de arqueologia, que permanece inédito.

Fig. 20 – Canto superior esquerdo: fragmento de possível pilum

catapultarium– material depositado no Museu Municipal Dr.

Santos Rocha. Canto superior direito: prego de bronze – material depositado no Museu Municipal Dr. Santos Rocha. N.º 15020: prego de bronze – material depositado no Museu Nacional de Arqueologia. N.º 983.1030.22: martelo de ferro.

(18)

Como já referimos, apenas num único caso foi possível associar espólios entre si e estes a um enterramento. Trata-se da sepultura de inumação escavada por Santos Rocha em Dezembro de 1900, onde se encontrou um prato de sigillata clara C, da forma Hayes 50, variante A e um púcaro, peças que localizámos no Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na Figueira da Foz, ainda que a última já não conserve a asa (fig. 12, n.º 7557 e fig. 15, n.º 7550). A mesma sepultura forneceu também a moeda de Julia Mamea que é consentânea com a cronologia do prato de sigillata. Assim, tudo indica que se trata de um enterramento efectuado na segunda metade do século III.

5. Considerações finais

A necrópole que existiu na Quinta do Molião foi destruída, quase completamente, pelo seu proprietário no final do século XIX. Infelizmente, no final do século XX, a construção do empreendimento

Marina Park, não teve, ao que parece, qualquer

acompanhamento arqueológico, o que terá contribuído para a sua destruição total.

O trabalho de investigação que desenvolvemos com base nas escassas informações publicadas e nos espólios que indiscutivelmente pudemos associar ao sítio permitem, no entanto, algumas considerações, uma vez que os dados podem agora ser cruzados com os que obtivemos nos trabalhos arqueológicos que temos vindo a desenvolver no Monte Molião.

Em primeiro lugar, deve destacar-se a questão cronológica. A grande maioria do espólio que pudemos analisar é consentânea com a cronologia de parte da ocupação do povoado correspondente. Com efeito, os vidros, a maioria da terra sigillata, os dois vasos de paredes finas da forma LII de Mayet, as cerâmicas comuns, a lucerna, e boa parte dos metais enquadram-se num momento balizado nos séculos I e II da nossa Era, data que corresponde a uma muito bem documentada ocupação da colina sobranceira à Ribeira de Bensafrim.

Contudo, não podemos omitir que da Idade do Ferro e da época romana republicana, períodos em que o Monte Molião esteve também ocupado, quase nada existe nas colecções dos museus que seja oriundo da área da necrópole. Há apenas a registar a urna cinerária e os vasos de paredes finas da forma VIII de Mayet que podem corresponder àquelas ocupações, bem como o brinco de ouro do

Museu Nacional de Arqueologia. Estas ausências podem significar que as áreas sepulcrais sidérica e romana republicana foram apenas tocadas por César Landeiro, podendo ter-se situado na periferia da sua propriedade, ainda que haja referências a sepulturas de incineração por parte do Reverendo Joaquim Nunes e de Santos Rocha. Terão, contudo, sido destruídas pelo novo empreendimento turístico. A topografia e a distribuição espacial das sepulturas poderiam também ajudar a resolver a questão que se prende com uma utilização do espaço funerário durante o século III, utilização comprovada pelos pratos da forma Hayes 50 e pela moeda de Júlia Mamea, associados na mesma sepultura de inumação escavada por Santos Rocha no final do século XIX. Esta discrepância entre uma fase da necrópole praticamente ausente no povoado correspondente poderá significar que a utilização do espaço funerário se manteve, servindo agora populações instaladas em área também próxima, concretamente na uilla da Meia Praia.

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Referências

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