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UM DOS ACIDENTES AÉREOS MAIS BIZZARROS DA HISTÓRIA DA AVIAÇÃO

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Academic year: 2021

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www.professorkalazans.com.br PROFESSOR KALAZANS

UM DOS ACIDENTES AÉREOS

MAIS BIZZARROS DA

HISTÓRIA DA AVIAÇÃO

ESTE ARTIGO É UM CAPÍTULO DO LIVRO

DE AUTORIA DO PROFESSOR KALAZANS:

ACIDENTES AÉREOS (CSI DA AVIAÇÃO)

Um Boeing 747-249 da empresa aérea Flying Tigers com indicativo de chamada Tiger 66, um voo cargueiro de Singapura para Kuala Lumpur, na Malásia, decolou às 06h04min local de 18 de fevereiro de 1989, com um tempo estimado de voo de 33 minutos. O comandante estava realizando as comunicações, e o copiloto estava pilotando a aeronave, que veio a se chocar com o terreno numa das situações mais bizarras que podem ocorrer na atividade aérea envolvendo falha na fraseologia e principalmente na radiotelefonia, resultando na morte dos três pilotos e mecânico de voo que compunham o número total de pessoas a bordo.

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Passemos a analisar os momentos finais da comunicação entre pilotos e controladores.

CTL: Órgão de Controle. PIL: Piloto.

CTL: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.”

CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.”

PIL: “Okay, four zero zero.” PIL: “Ok, quatro zero zero.”

Interpretação das mensagens.

Objetivo da instrução emitida pelo controlador:

CTL: Desça para dois mil e quatrocentos pés. CTL: Desça para 2.400 pés.

Entendimento do piloto:

PIL: OK, descendo para quatrocentos pés. PIL: OK, descendo para 400 pés.

A aeronave veio a se chocar a 437 pés a uma milha do aeroporto, com destruição total da aeronave e carga decorrente do impacto e incêndio que durou vinte e quatro horas.

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Houve vários fatores que contribuíram para o acidente, tais como erro na navegação, desobediência à altitude mínima do setor sobrevoado etc. Mas vamos nos ater às falhas de comunicação.

Um dos argumentos discutidos nesse acidente e equivocadamente analisado refere-se à semelhança da pronúncia entre a proposição to (para) e o numeral two (dois). O numeral two (dois) utilizado pelo controlador teria sido confundido com a preposição para (to) pelo piloto. Diante desse equívoco, há uma corrente de estudiosos no sentido de apontar uma pronúncia que possa diferenciar a preposição to (para) do número two (dois). Não é demasiado ressaltar que, em se tratando de fraseologia internacional, lidamos com pilotos e controladores das mais variadas nacionalidades, e colocar a pronúncia das palavras como elemento diferenciador para garantir assertividade na comunicação é muito arriscado, principalmente quando há outras maneiras de evitar tal conflito.

Não há necessidade de se preocupar com esse tipo de incidência na fraseologia, pois a própria radiotelefonia prevê técnica especial para transmissão de números e dígitos com a finalidade específica de garantir a clareza e precisão na radiocomunicação.

Radiotelefonia é um estudo composto de técnicas de transmissão radiotelefônica que deve preceder o estudo da fraseologia. É legislado no documento emitido pela ICAO1 e apresenta técnicas na

transmissão de número com a finalidade de proporcionar uma transmissão clara, concisa, precisa e isenta de ambiguidades. Em relação à transmissão de números, há uma técnica que garante uma precisão isenta de equívoco, garantindo a segurança na comunicação, conforme verificamos no item 2.4.3 do documento 94322.

All number use in the transmission of altitude, cloud height, visibility and runway visual range (RVR) information, which contain whole hundreds and whole thousands, shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of hundreds or thousands followed by the word HUNDRED or THOUSAND as appropriate. Combinations of thousands and whole hundreds shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of thousands followed by the word THOUSAND followed by the number of hundreds followed by the word HUNDRED.

Pelo exposto na norma internacional, os profissionais envolvidos no acidente do voo Tiger 66 – pilotos e controladores – ou ignoravam ou negligenciaram importante regra.

1 ICAO (International Civil Aviation Organization) - Organização da Aviação Civil Internacional. 2 Doc. 9432 - Manual of Radiotelephony.

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Seguindo as normas internacionais e realizando uma interpretação contextualizada dos documentos 44443, 9432 e Anexo 10 volume II4, apresentamos a seguinte instrução para a situação proposta:

CTL: Tiger 66 descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED.

PIL: Roger, descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED.

Valendo-se do mesmo critério de interpretação e utilizando os termos e técnicas apresentados pelos documentos acima, jamais veríamos uma instrução confusa do tipo:

CTL: Tiger 66 descend TO TWO THOUSAND and FOUR HUNDRED feet.

Buscar uma técnica de pronúncia no objetivo de diferenciar os termos TO e TWO na construção de frases relacionadas à instrução de altitudes é rejeitável e contraria as qualidades da boa comunicação preconizada na radiotelefonia e fraseologia previstas nos documentos internacionais.

Embora as técnicas apresentadas em documentos oficiais internacionais tenham o objetivo de garantir a segurança e assertividade nas comunicações aeroterrestres, a fraseologia brasileira não adotou tais princípios, fazendo diferença entre a fraseologia inglesa e portuguesa conforme verificamos no item 15 da ICA 100-125.

15.6.1.1 - Os milhares redondos serão transmitidos pronunciando-se o(s) dígito(s) correspondente(s) ao número de milhares, seguido(s) da palavra MIL (em português) e THOUSAND (em inglês).

3 Doc. 4444 – Rules of the Air and Air Traffic Services.

4 Aeronautical Telecommunications. 5 Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo.

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15.6.1.2 Somente em inglês, as centenas redondas serão transmitidas pronunciando-se o dígito correspondente ao número de centenas seguido da palavra HUNDRED.

A legislação brasileira induz a erro porque, ao contrário do documento 9432 – manual de radiotelefonia da OACI –, adota procedimentos diferentes para centenas e milhares. Ou seja, a legislação internacional preceitua uma forma para transmissão de centenas redondas utilizando-se a expressão HUNDRED e, em se tratando da língua inglesa, a ICA100-12 adotou a mesma orientação. Mas em português orienta que se pronuncie ZERO ZERO ao invés de CENTENA.

Isso tem feito com que pilotos e controladores venham, na prática, tanto na língua portuguesa quanto na língua inglesa, a se confundir e até mesmo inverter as regras, podendo incorrer na mesma falha ocorrida em Kuala Lumpur. O ideal seria que a legislação de nosso país seguisse a orientação internacional valendo-se do mesmo critério tanto para centenas quanto para milhares. Embora sejamos signatários da OACI, neste caso específico, não foi adotada a regra internacional. Pior ainda, a regra nacional adotou procedimento que fere as qualidades da comunicação.

Ainda em relação ao acidente de Kuala Lumpur, consideramos importante mencionar a doutrina referente aos termos READBACK e HEARBACK, que foram proeminentes nesse acidente e permanecem como fatores relevantes na maioria dos incidentes e acidentes de tráfego aéreo e desprezados nos sistemas de ensino-aprendizado voltado aos pilotos e controladores.

No anexo 10, volume II, encontramos a seguinte definição de READBACK:

READBACK - A procedure whereby the receiving station repeats a received message or an appropriate part thereof back to the transmitting station so as to obtain confirmation of correct reception.

O documento 9432 traz a mesma definição, porém mais concisa e objetiva:

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Readback, cotejar em português, significa que o piloto deve repetir a instrução exatamente como recebeu, ou seja, não basta repetir as mesmas palavras, mais do que isso, deve repeti-las na mesma sequência que recebeu.

Em determinado espaço aéreo, houve um incidente de tráfego aéreo, pois o piloto, ao invés de cotejar determinada instrução, limitou-se a repetir a instrução recebida.

CTL: PT DCC suba para 5 mil pés e curve à direita PIL: Ciente, curvando à direita, subindo para 5 mil pés.

Nessa ocorrência percebemos que a instrução emitida não foi perfeitamente compreendida pelo piloto, pois o controlador, desejando prover separação com tráfego conflitante, queria que a aeronave, primeiramente, subisse para cinco mil pés para, somente depois, curvar à direita. Ou seja, o piloto repetiu as instruções, mas numa sequência diferente da emitida pelo controlador. Isso não é cotejamento.

HEARBACK – equivalente ao que, coloquialmente, conhecemos por feedback, trata-se da mensagem ouvida pelo controlador a respeito do que o piloto falou no cotejamento (READBACK). Nesse sentido, há uma máxima na apuração de responsabilidade em que cotejamento não contestado pelo controlador é tido como correto, passando o controlador, também, a se responsabilizar pelas consequências advindas dessa incorreção. O piloto vai cotejar aquilo que entendeu, devendo o controlador checar, através do HEARBACK, se o piloto entendeu as instruções devidamente. Se, após ter ouvido o cotejamento do piloto, o controlador perceber que houve um entendimento equivocado, deverá corrigir apontando a correção e exigir o cotejamento correto do piloto conforme preconiza o item 5.2.1.9.4.7 do volume II do anexo 10:

If, in checking the correctness of a readback, an operator notices incorrect items, he shall transmit the words “NEGATIVE I SAY AGAIN” at the conclusion of the readback followed by the correct version of the items concerned.

Seguindo a regra citada, no caso de Kuala Lumpur, o controlador deveria ter procedido de forma a corrigir a imperfeição do entendimento da instrução.

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CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.”

PIL: “Okay, four zero zero.” PIL: “Ok, quatro zero zero.”

Correção requerida:

CTL: Tiger 66, negative descend and maintain four HUNDRED, I SAY AGAIN; descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED.

PIL: Roger, descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED.

Conforme analisamos anteriormente, o erro iniciou-se com o próprio controlador quando utilizou técnica incorreta na transmissão de números que compõem mensagem referente às instruções de altitude, incorrendo no que denominamos de imperícia, em Direito.

Para apuração de responsabilidade jurídica, principalmente a penal, pilotos e controladores agiram imperitamente e responderiam a título de culpa pelo resultado na modalidade de imperícia. O controlador foi duplamente imperito por empregar forma incorreta na utilização de números e por desconsiderar técnicas relativas ao READBACK e HEARBACK.

Embora as técnicas relativas ao READBACK e ao HEARBACK sejam importantes, nesse caso específico, a assertividade na comunicação seria garantida pela aplicação da técnica voltada à transmissão de números e não ao cotejamento em si.

Se fosse apurada a responsabilidade de acordo com a legislação penal brasileira, poderíamos verificar que houve culpa tanto do controlador quanto do piloto. Mas, como no Direito brasileiro não há compensação de culpa, a culpa do piloto não isentaria o controlador, que poderia responder pelo resultado – acidente e morte dos ocupantes – por imperícia.

Em se tratando de apuração de responsabilidade civil – indenização –, as pessoas jurídicas responsáveis pelos pilotos e controladores – empresa aérea e departamento do controle de tráfego aéreo – iriam compartilhar o prejuízo.

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Apresentamos esses incidentes enfatizando a fraseologia como um exemplo de certos elementos básicos comuns a muitos acidentes e que precisam ser estudados para que não se repitam, resultando em acidentes pelos mesmos fatores, e assim possamos evitar o sinistro presságio.

READBACK e HEARBACK: é incrível como esses dois elementos ainda compartilham ativamente nos incidentes e acidentes de tráfego aéreo.

“O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol.

Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.”

Passaremos a estudar alguns acidentes e convidamos o nobre leitor a prestar atenção nos detalhes e mistérios que ensejaram as ocorrências e notar que há assuntos se repetem ao longo da história da aviação, tais como FRASEOLOGIA, RADIOTELEFONIA, INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DE TRÁFEGO AÉREO, PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM aplicado à atividade aérea que remonta à década de cinquenta, por isso passamos a nos incomodar com algumas perguntas que parecem não ter respostas.

Por que a fraseologia não é estudada como uma matéria obrigatória e avaliada em banca examinadora para pilotos e controladores, sendo um dos fatores que tem contribuído significantemente para incidentes e acidentes de tráfego aéreo?

Por que não se estuda radiotelefonia?

Por que não passamos a estudar tráfego aéreo de modo a contextualizar toda a regulamentação aplicando o sistema de interpretação de regras similar ao que ocorre com o estudo de Direito?

Quantos acidentes ainda deverão ocorrer para que essas mudanças sejam implementadas?

The answer, my friend, is blowing in the wind.

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