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Cidade-Colcha Bagagens Afetivas em Florianópolis

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Academic year: 2021

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Cidade-Colcha

Bagagens Afetivas em Florianópolis

Universidade Federal de Santa Catarina . Departamento de Arquitetura e Urbanismo . Trabalho de Conclusão de Curso Paula Franchi Macedo . Orientador Alcimir de Paris

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COMO COMEÇAR?

O trabalho de graduação nunca começa somente um ano antes da banca final. Penso que ele se constrói ao longo de uma jornada dentro do curso de arquitetura, com as experiências que vivemos dentro e fora dele e com as pessoas que conhecemos ao longo do caminho.

Mas o TCC começou com algumas perguntas, que nortearam todo o processo: "o que é o TCC?" e "o que eu quero que seja meu TCC?". A minha resposta inicial era que eu queria desenvolver algo que me movesse de verdade e que refletisse a pessoa que me tornei ao longo dos anos que passei na escola. E queria que o TCC fosse um trabalho livre, em que eu pudesse desenvolver concei-tos e produconcei-tos que refletissem as qualidades que vejo na arquitetura e o que me cativa nela.

À princípio, posso garantir, que não sabia que o iria sair no final desse um ano de processo. Mas que com certeza, o resultado alcançado reflete pelo menos um pouco do meu olhar e do que me cativa não só na arquitetura, mas também no meu dia a dia.

Para tanto, eu precisei me perguntar: mas o que, afinal, me cativa em Arquitetura? E a resposta para essa pergunta nem sempre foi fácil de responder e creio que ainda não o seja. Porém, vou tentar mostrar aqui um pouco do que me cativa nessa disciplina a qual me dediquei durante estes anos.

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5 À esquerda: 1. Disciplina de Projeto VII : Projeto Cultural, Residencial e de Lazer no terreno da

Penitenciária (2011). 2. Disciplina de Teoria e Estética: Cidade-Colagem (2009) 3. Coletivo Volver: Projeto de Direção de Arte para o filme “Fisrt Breath”, com o Estúdio Margot (2012) 4. Coletivo Volver: criação e desenvolvimento de acessórios em madeira de reaproveitamento (2012). 5. Disciplina de Projetos para o Futuro: Instalação na Semana Ousada de Artes (2009).

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O espaço envolvente

Pensar a arquitetura é pensar espaços. E os espaços fazem parte de tudo o que vivenciamos. Todas as nossas experiências se dão em espaços, abertos ou fechados, públicos ou privados. Podemos dizer então, que a todo momento estamos vivenciando arquitetura. E é exatamente esta presença intrínseca ao nosso dia-a-dia, às nossas vidas e experiências, que me cativa em Arquitetura.

Alguns espaços são capazes de gerar as mais diversas sensações e sentimentos. Espaços que nos abrigam, nos remetem a outras escalas, nos remetem à lembranças, memórias de outros tempos. Pra mim, esta é a qualidade presente na Arquitetura que mais me cativa.

E durante o processo do TCC, em que estava ainda me perguntando qual seria essa qualidade, um amigo me emprestou um livro, com o título "Atmosferas", escrito pelo arquiteto Peter Zumthor. Com certeza, o arquiteto ganhador do Pritzker já me era conhecido, mas nunca tinha me cativado - até eu ler esse livro -, e foi quando ele falou por mim.

Ele descreveu o que seria a arquitetura como "espaço envolvente". A arquitetura como espaço envolvente é aquele espaço que se torna parte da vida:

"É um lugar onde as crianças podem crescer. Talvez estas, inconscientemente, se lembrem daqui a 25 anos de algum edifício, de uma esquina, uma rua, uma praça, sem nada saber do arquiteto, o que também não é importante."

A arquitetura como um espaço que envolve a vida, onde a vida das pessoas se desenrola. Espaços que nos trazem sensações, que nos tocam de alguma forma, que nos protegem. Me agrada a ideia de que um espaço construído se conserve na memória das pessoas, que este espaço possa estar relacionado com um fato de suas vidas ou mesmo seja presença constante em seu dia-a-dia.

A sensação que um espaço pode causar ou transmitir a uma pessoa, ou a memória que se sedimenta em um espaço construído, ou ainda o fato de que os espaços estão sempre presentes nas vidas das pessoas, é que me cativa em arquitetura.

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Os sentimentos que um espaço pode causar são inúmeros. Mas um deles chama minha atenção não só pela sua abrangência, mas também pela profundi-dade desse sentimento que é praticamente inexplicável, que é o sentimento de casa.

Todos nós temos uma casa. Num primeiro momento, quando pensamos na casa, pensamos no lugar onde moramos, nos nossos aposentos, nossa cozinha, nosso quarto, enfim, em um espaço físico, construído.

"Porque a casa é o nosso canto no mundo. Ela é como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos." - Gaston Bachelard em A Poética do Espaço

Mas nem sempre estamos na nossa casa e ainda assim o sentimento de casa pode estar presente. Podemos estar em qualquer lugar, longe ou perto da nossa verdadeira casa, mas alguns lugares irão simplesmente nos fazer sentir seguros e plenos e nos remeterão à nossa casa. Segundo Bachelard, todo espaço realmente habitado, traz a essência da noção de casa.

Esta coisa que nos remete à casa, que nos faz sentir seguro, não precisa necessariamente, ser um lugar ou um espaço. O sentimento de casa pode estar presente em uma pessoa, um livro, um objeto, ou mesmo em uma lembrança. Tendo-os conosco, sentimo-nos seguros para seguir nosso caminho e para sermos nós mesmos. Pois o habitar transcende o morar, o habitar trata de quem nós somos e de quem nos tornamos ao longo do caminho.

"A casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. Nessa integração, o princípio de ligação é o devaneio." - Gaston Bachelard em A Poética do Espaço

Costura em Tecido de Algodão, 2012.

A nossa casa

Assim, o habitar pode estar presente também no ato de fazer, pois fazer algo que nos dá prazer também nos remete à casa. Segundo Bachelard, o fazer consciente é o próprio habitar e podemos reconstruir o mundo a partir de um objeto, de um artefato que produzimos.

E o meu fazer consciente, o fazer o qual habito, é o ato de manipular papéis, tecidos, linhas e agulhas. Neste fazer me sinto em casa. E este sentimento do fazer habitado, que tanto me conforta, que eu quis incorporar nas minhas experiências do TCC.

E o objeto destas experiências, onde irei de fato incorporar este meu fazer consciente, é a cidade de Florianópolis, cidade a qual escolhi chamar de casa durante os últimos anos. Onde fiz amigos, parceiros pra toda vida e onde aprendi a vivenciar uma cidade pela primeira vez. Florianópolis é pra mim hoje, a cidade onde me sinto em casa.

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o caminho

Do mesmo modo que um Trabalho de graduação não se faz em um ano, uma ideia não se cria do nada.

O que me levou a ter meu produto final de TCC com certeza não surgiu por si só e no meio do caminho muitas coisas me instigaram e inspiraram. E aqui vou apresentar algumas delas.

A Roupa - O Têxtil

Mais do que mero abrigo, modismo ou adereço, as roupas para mim, possuem uma conotação muito mais profunda, que ao longo do processo do TCC, percebi, que se aproxima do que tanto me agrada na arquitetura. A roupa também possui aquilo que me cativa na arquitetura.

A roupa, a vestimenta, o têxtil sempre teve um papel muito determinante na minha vida, pois sempre me senti muito atraída por tudo que é têxtil. Seja quando minha avó me dava retalhos de tecido para brincar, ou quando meus pais me deram de presente um pequeno tear de plástico, seja quando eu quase me decidi a estudar moda. Sempre gostei muito da condição do têxtil, do tátil, da roupa, da moda e de algum modo, eu queria que isto estivesse presente no meu trabalho.

No filme "Identidade de nós mesmos", do cineasta alemão Wim Wenders, o estilista japonês Yohji Yamamoto diz em algum momento: "Por exemplo, no início do

século XIX, se você tivesse nascido num país pobre, o inverno seria rigoroso para você, seria muito frio. Então, você precisaria usar roupas de verdade. Não são roupas da moda. O casaco é tão lindo, porque você sente tanto frio e não consegue viver sem aquele casaco, por exemplo. Ele parece seu amigo, ele parece sua família. E eu sinto muita inveja disso. Se as pessoas pudessem usar minhas roupas desse jeito eu ficaria tão feliz porque...Por exemplo, quando uma roupa, um vestido, um paletó, um casaco, por si só, jogado no chão ou pendurada permite que você reconheça: 'este é John' ou 'este é Tommy'... Aquela roupa é você."

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Esse sentimento presente na roupa, o fato de que a roupa recebe nosso corpo, nossa forma e nossos odores, para mim, se aproxima muito do sentimento presente em ambientes construídos. Pois nós habitamos também as nossas roupas, assim como habitamos nossa casa.

Outra leitura que entrei em contato durante o processo foi "O Casaco de Marx", de Peter Stallybrass e assim como Zumthor descreve o sentimento que me cativa em arquitetura, Stallybrass coloca em palavras aquilo que me cativa na roupa. Em seu ensaio "A vida social das coisas: roupas, memórias e dor", ele nos fala principalmente que "ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos

apenas uma meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses corpos sobrevivem."

Esta condição não-efêmera, presente tanto na arquitetura como na roupa, sempre me inquietou. Pois, tamanha é a responsabilidade de pensar, projetar e construir um edifício, que assim como as roupas, possuem uma história própria, mas que resistem à nossa própria, a história dos nossos corpos. Assim como a arquitetura, as roupas permancem. São os corpos que as habitam que mudam.

"A roupa tende pois a estar poderosamente associada com a memória ou, para

dizer de forma mais forte, a roupa é um tipo de memória. Quando a pessoa está ausente ou morre, a roupa absorve sua presença ausente."

Outra passagem muito interessante do ensaio de Stallybrass diz respeito à colcha de retalhos, em que nos mostra o registro que uma operária fabril, em 1845, fez de sua própria vida e da colcha que ela mesma costurou:

"Quantas passagens de minha vida parecem estar sintetizadas nesta colcha de retalhos. Aqui estão restos daquela almofada de cor cobre brilhante que enfeitava a cadeira de minha mãe...Aqui está um pedaço do primeiro vestido que vi, cortado de acordo com aquilo que era chamado de "mangas de perna de carneiro". Ele era da minha irmã... E aqui está um fragmento do primeiro vestido que eu tive em forma de corpete; aqui está um fragmento da primeira veste que meu irmão mais novo vestiu quando ele deixou de vestir roupas longas. Aqui está uma peça do primeiro vestido que ganhei com meus próprios esforços! Que sentimento de alegria, de autodependência, de autoconfiança foi criado por esse esforço!"

Segundo o autor nos conta, Annete, a fabricante da colcha, dá a colcha de presente de casamento à sua irmã e é sob esta colcha que esta morre, espalhando sobre ela, por causa da tosse, os remédios que tomava, de forma que quando a colcha retorna à Annete, "existem manchas escuras em cima dela". A colcha então, que é feita de pedaços de tecido que carregam traços da vida pessoal e da história de sua fabricante, passa a carregar os traços de outras pessoas, de sua irmã, por exemplo.

"Uma rede de roupas pode efetuar conexões do amor através das fronteiras da ausência, da morte, porque a roupa é capaz de carregar o corpo ausente, a memória, a genealogia, bem como o valor material literal."

E ao refletir sobre o tema da colcha de retalhos pensei comigo: não seriam as nossas memórias e vivências sintetizadas nos espaços também uma espécie de colcha de retalhos? A cidade onde vivemos não seria toda composta por diversos retalhos, traços de memória de diferentes pessoas? Mais tarde voltaremos a isso.

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Bagagens afetivas e Memória

A imagem da mala, da valise ou da bagagem me acompanhou no meu processo de trabalho estando presente desde as primeiras referências, em trabalhos como o do estilista Hussein Chalayan e do artista Joseph Cornell.

Em seu trabalho Afterwords de 2001, Chalayan explora sua própria experiência como Turco- Cipriano vivendo em Londres e sua identificação com os refugiados do então conflito nos Bálcãs. A transformação dos móveis que constituíam o cenário em vestidos e em malas sugere a necessidade destes refugiados em saírem de suas casas às pressas com nada exceto as roupas do corpo.

Hussein Chalayan, Afterwords (2001).

Já Cornell, trabalha com caixas de madeira em que o artista justapões obje-tos encontrados, recortes e colagens de livros antigos. Muitas vezes estas caixas eram dedicadas a pessoas conhecidas de Cornell ou seguiam algum tema específico. Algumas ainda eram feitas para serem tocadas e manipuladas, com inúmeras gave-tas que parecem guardar pequenos segredos.

Um outro trabalho com o qual me deparei durante o processo foi o Migrat-ing Landscapes, um concurso aberto à arquitetos do Canadá para a Bienal de Veneza de 2012.

Dentre os trabalhos selecionados, me identifiquei muito o trabalho dos arquitetos do Loose Affiliates que fala de como estamos constantemente organi-zando nossos pertences, nossas memórias e experiências. E que quando nos muda-mos, levamos algumas coisas e deixamos outras para trás, fazemos nossas malas e quando chegamos ao nosso destino, nós as desfazemos e organizamos tudo nova-mente conforme o novo lugar. E logo estamos acumulando novos pertences, novas memórias e experiências específicas deste lugar.

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A bagagem ou a mala possui também uma forte carga simbólica. Basta pensarmos em expressões como "bagagem cultural" ou quando dizemos que alguém tem "bagagem" quando queremos dizer que esta pessoa tem vivência, experiência acumulada.

Cada um de nós tem uma bagagem. Composta por nossas vivências, experiências e lembranças. Esta bagagem é o que faz de nós indivíduos, ela é defini-dora de nossa identidade. E por mais que estejamos longe de casa e de nossas raízes, é a nossa bagagem e o que trazemos dentro dela que faz com que nos lembremos de quem somos e de onde viemos.

" O caracol está sempre em casa, qualquer que seja a terra onde viaje." Gaston Bachelard

E a bagagem está sempre aumentando, acumulando a cada dia novas experiências e histórias. Aqui neste trabalho, a mala representa tudo aquilo que eu vou levar como bagagem desta experiência, de toda minha vivência na escola de Arquitetura e na cidade de Florianópolis. E são também estas experiências vivencia-das por mim, que eu gostaria de compartilhar neste trabalho.

As formas coloridas representam espaços reservados para nossos pertences, memórias e experiências e se arranjam de modo a formar uma caixa que possui o tamanho máximo permitido para uma bagagem de mão e convidam para serem manipuladas, reorganizadas e remontadas.

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Compartilhar

transformações possíveis

Segundo Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa, - um acervo de histórias de vida -, nascemos naturalizados com o mundo, abertos à este como ele se apresenta. Após uma primeira apropriação e naturalização com o que conhec-emos, quando entramos em contato com alguma coisa, sentimento ou evento fora dos nossos padrões, é que remodelamos nossas percepções e interpretações daquilo que consideramos "realidade".

Muitas das transformações que ocorrem no nosso modo de ver o mundo decorrem do processo oposto ao da naturalização da realidade, pois vêm de um estranhamento. Assim, do mesmo modo como os viajantes encontram o estranha-mento em novas paisagens e espaços, uma pessoa pode sentir um "estranhaestranha-mento" ao ouvir, ao escutar de fato, a história de alguém. E como diz Worcman, "olhar o mundo com os olhos de outro é relativizar nossas referências e, por isto mesmo, rever nossas premissas." Abrindo assim, a possibilidade de transformação de quem ouve.

Entrar em contato com uma memória, uma história, pode então, de fato, transformar o modo como vemos o mundo. A palavra transformar vem etimologica-mente da junção do prefixo do latim trans- para além de, através de - com o substantivo forma “modo pela qual uma coisa existe ou se manifesta”. É ir além da forma pela qual uma coisa existe. Transformar o modo como uma pessoa vê o mundo, quer dizer neste contexto, principalmente, ir além da forma como vemos a "realidade" do que nos cerca. E é neste sentido que a experiência e a memória compartilhadas tem um papel fundamental.

Para Worcman, a história de vida de alguém é a narrativa que esta pessoa constitui sobre si mesma. E esta se baseia nas visões de mundo e nas experiências vividas por ela. As experiências mais significativas, vão constituindo o conjunto de marcos que forma a memória de cada um de nós. E este conjunto de memórias individuais e coletivas que constituem nossas identidades, reforça cada vez mais nossa visão e referências de mundo. Mas só percebemos e damos significado àquilo que estamos predispostos. Por isso, memória é tradição, é o nosso mecanismo de esforço de manutenção. Nossa identidade baseia-se, principalmente, no

conjunto de memórias que vamos filtrando ao longo de nossa existência. Memória é o que permanece.

"...e mudando de espaço, deixando o espaço das sensibilidades usuais, entramos em comunica-ção com um espaço psiquicamente inovador." - Diolé

Quando entramos em contato com uma narrativa, ela pode ser transfor-madora. Pode mudar nosso olhar, nos fazer enxergar nosso cotidiano de uma forma mais rica e ter percepções diferentes sobre coisas banais do dia-a-dia que podem nos fazer transcender, nos remeter a outra escala.

Para que haja algum sentido no compartilhar narrativas e vivências, é necessário que haja uma escuta, uma atenção. Só a partir da atenção descompro-missada, é que podemos nos deixar levar, ser envolvidos por alguma coisa.

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florianópolis

cidade-colcha de espaços envolventes

Assim como uma colcha de retalhos, a cidade guarda em cada "pedaço" ou fragmentomou abriga uma lembrança. As múltiplas narrativas vivenciadas por diferentes pessoas na cidade formam uma colcha de retalhos, um repositório de memórias e narrativas. Assim como a colcha, a cidade carrega os traços de permanência de quem a vivenciou e continua a agregar novos traços, marcas, memórias a cada geração que abriga.

A cidade também é abrigo para quem nela habita. Assim como uma colcha, que nos envolve e traz conforto, a cidade pode ser também nosso abrigo, um lugar envolvente, a nossa casa, onde nos sentimos aliviados ao chegar após uma longa viagem. Onde guardamos nossas lembranças e memórias, onde o tempo e a permanência se sedimentam nas ruas, nos prédios e nas praças.

Considerando Florianópolis como a cidade onde me sinto em casa e onde eu vivenciei e acumulei novas experiências e memórias, elegi neste trabalho alguns lugares da cidade de Florianópolis que considero como espaços envolventes, e através de alguns ensaios, pretendo explorar as qualidades presentes nestes locais, compartilhando com outras pessoas, o mesmo sentimento que estes lugares me trazem.

Estes espaços, antes de tudo, foram vivenciados por mim e me cativam de alguma forma e através destes ensaios vejo a possibilidade de despertar nas pessoas o mesmo sentimento ou sensação que estes lugares despertam em mim, ou mesmo fazer com que as pessoas vivenciem alguma qualidade deste local através de algum "deslocamento" de seu ambiente cotidiano.

“Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, cada segment riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras”. - Italo Calvino em Cidades Invisíveis

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ensaios

ou deslocamentos

Por que o centro de florianópolis?

Nos ensaios aqui apresentados, tento de alguma forma exemplificar como eu vejo o centro de Florianópolis, ou seja, como um espaço envolvente e que tem certas particularidades que me encantam e fazem eu querer voltar sempre.

Lá, sei onde encontrar tudo - as lojas de armarinho, brechós, papelarias e lojas de tecidos. Enfim, tudo que eu mais gosto está lá. No centro me sinto em casa, me reconheço e me encontro.

Ali se desenrolam as vidas das pessoas e suas histórias e com certeza, o centro é pano de fundo para muitas de suas memórias. Tem também seus sons e cheiros característicos, que não existem em outro lugar senão ali.

Pensando na cidade como uma colcha de retalhos onde se sobrepõem fragmentos de ações, narrativas e lembranças de diversas pessoas, estes ensaios visam capturar alguns instantes, fragmentos de pessoas, lugares e objetos de alguns espaços envolventes do centro de Florianópolis.

Estes fragmentos e instantes capturados foram de alguma forma manipula-das e modificados por mim para dar ênfase em alguns aspectos destes. Alguns são dobras e colagens, outros são objetos que modificam as imagens do próprio centro e que colocadas junto aos lugares onde foram capturados para serem manipuladas pelas pessoas que ali passam e os compõem todos os dias.

Estes ensaios tem como objetivo que as pessoas que entrem em contato com a imagem- objeto possam enxergar certos aspectos da paisagem urbana que estão inseridos diretamente no seu contexto diário, mas que talvez elas nunca tenham visto.

A experiência de enxergar estas características presentes no cotidiano não se dá apenas com os olhos, mas sim com as mãos, com o tato. A pessoa será convidada a tocar, manipular. Esta experiência do toque e do manipular é consid-erada um espaço de encontro entre a pessoa e este fragmento da cidade.

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paisagens Têxteis

no trajeto do volta ao morro Pantanal

Foi durante o intercâmbio no primeiro semestre de 2011, na cidade de Paris e seus arredores, que me senti cativada pela primeira vez pela paisagem durante uma viagem de trem. Utilizava 2 tipos de trem todos os dias para me locomover, um de superfície, que conectava a periferia à La Defense e de lá, pegava o metrô para o centro de Paris. Normalmente este trajeto levava de 30 a 35 minutos, mas a parte da qual mais gostava era a parte do trem de superfície, no qual eu podia ver a paisagem, os prédios, as casas, suas janelas e seus jardins. Gostava de ficar olhando para dentro dos apartamentos, observando como eram os cômodos, as cortinas e os abajures. Ficava imaginando como seriam aqueles cômodos, quem vivia ali. As viagens passavam rápido.

Já de volta ao Brasil, no início do processo de TCC, comecei a ler "A Poética do Espaço" de Gaston Bachelard, e lá encontrei um trecho dedicado justamente aos momentos de devaneio vivenciados numa viagem de trem:

"Então, que belo exerício para a função de habitar a casa sonhada é uma viagem de trem! Essa viagem projeta um filme de casas sonhadas, aceitas, rejeitadas... sem que jamais, como de automóvel sejamos tentados a parar. Estamos em pleno devaneio, com a salutar impossibilidade de verificar."

Esta experiência no trem, do devaneio de observar os prédios e casas, não tinha sido uma experiência isolada. O mesmo acontecia comigo todas as vezes que eu pegava o ônibus Volta ao Morro em Florianópolis. Este longo trajeto, por vezes chamado de "Volta ao Mundo" por alguns, sempre foi meu preferido, em detri-mento do trajeto do UFSC Semi-Direto, que é muito mais rápido para chegar ao centro.

Quem escolhe o caminho mais longo do Volta ao Morro é surpreendido por uma das paisagens a qual considero uma das mais bonitas da cidade. Mas não só de belezas naturais é feita a bonita paisagem do Volta ao Morro, mas também de pequenas particularidades que gosto de prestar atenção toda vez que faço o trajeto.

Quando pego este ônibus, costumo jogar comigo mesma um pequeno "jogo": de que lado do ônibus vou sentar? O lado direito proporciona uma linda vista do mar e da costa, além de muitos detalhes interessantes, nas casinhas e lojas que vão passando. O lado esquerdo, o lado do morro propriamente dito, tem também muitas casas com detalhes interessantes, que gosto de observar.

Cada dia, um novo detalhe, ou apenas um detalhe antigo que gosto de rever. São janelas, revestimentos, cores e texturas únicos daquele local. E na maioria das vezes, como fazia nos trens de Paris, fico tentando olhar através das janelas e através das cortinas, fico tentando captar pelo menos um objeto, um móvel, a cor de uma parede e imaginar como é aquele cômodo, e quem vive ali.

O ônibus Volta ao Morro e seu trajeto, o qual percorri inúmeras vezes durante estes anos, é um dos espaços envolventes o qual quis intervir no meu trabalho pois as experiências, vivências e histórias que podem ser experimentadas neste percurso são muito característicos da cidade de Florianópolis - algo que pode ser vivenciado somente aqui. Por isso, além de constituir para mim um espaço envolvente na cidade, o Volta ao Morro me remete a um sentimento de casa, é um espaço familiar.

Neste ensaio, vejo a paisagem do Volta ao Morro Pantanal como uma colcha de retalhos, onde cada fragmento que a compõe tem sua especificidade e pode ser compartilhada.

Estes fragmentos são compostos não somente pela paisagem avistada pela janela durante o percurso, mas também pelas pessoas que utilizam este meio de transporte todos os dias. Muitas vezes, durante a viagem podemos ouvir conversas, pessoas contando sobre suas vidas e acontecimentos cotidianos. Vamos ouvindo e imaginando dentro da nossa cabeça, ao mesmo tempo em que a paisagem da cidade passa diante de nossos olhos. As histórias das pessoas se sobrepõem na cidade e se desenrolam nela, assim como em uma colcha de retalhos.

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paisagens têxteis

materialização do ensaio

Neste ensaio o objetivo principal é fazer com que as pessoas que pegam o ônibus Volta ao Morro Pantanal possam ver, assim como eu vejo, todas as pequenas belezas naturais e construídas que seu trajeto proporciona.

Assim como na colcha de retalhos composta por pedaços, fragmentos têxteis onde estarão reproduzidos fragmentos da paisagem, foram deixados junto aos assentos do ônibus. Estes fragmentos não são mera reproduções fotográficas, mas carregam consigo uma marca, um bordado em algum detalhe da imagem.

Os bordados são a minha marca, meu ponto de contato entre mim mesma e as pessoas que dividem este trajeto comigo. São bordados empíricos, sem técnica, experimentações de linha, que acrescentam cor aos fragmentos preto e branco da paisagem.

Num primeiro momento, a pessoa que entra em contato com este artefato têxtil, enxerga, com certo estranhamento até, aquele retalho de tecido impresso como algo novo, que funciona como uma espécie de deslocamento de seu cotidiano habitual no trajeto do ônibus.

Após este momento de deslocamento, de interrupção da continuidade de seu cotidiano, ela pode então reconhecer em determinado ponto do trajeto, qual é a paisagem ali representada, e assim, olhá-la com os olhos de outro.

A experiência então, pode transformar não só o modo como a pessoa faz o seu trajeto cotidiano para casa ou para o trabalho, como pode também transformar o modo como a pessoa verá a paisagem a partir daí, atentando para detalhes que talvez ela nunca tenha visto e que podem ser redescobertos diariamente a cada trajeto.

"Pegar uma lupa é prestar atenção, mas prestar atenção já não será possuir uma lupa? A atenção por si só, é uma lente de aumento." - Gaston Bachelard

Por mais simples que possa parecer, colocar os fragmentos de paisagens têxteis no ônibus me tomou um pouco de coragem. Ao colocar ali algo feito por mim, que seria visto por pessoas as quais jamais vi, fiquei um pouco nervosa. Me senti exposta. Mas assim que o ônibus começou a andar, me senti melhor. Tentei fazer o trajeto como faço normal-mente, olhando a paisagem pela janela e vez ou outra, quando alguém saía ou entrava no ônibus, olhava para ver se alguém estava mexendo nos meus "paninhos".

E muitos de fato mexeram. A maioria olhou para aquele conjunto com algum estranhamento, mas não ousavam tocar. Outros tocavam rapidamente e logo soltavam, sem dar muita importância.

Uma mulher tocou bastante, sentindo a costura da linha azul por cima daquela imagem. E de fato me senti tocada ali. Pois alguém estava tocando algo que eu fiz com muito cuidado e estava provavelmente dividindo comigo o mesmo prazer que tenho em tocar a costura.

Uma menina que também tocou um dos "paninhos" olhou ao redor, viu que não era só o banco dela que tinha um daqueles e depois ela me olhou. Olhou a câmera e continuou nos olhando. Havia sido descoberta. Me senti como se eu fosse alguém que estava escon-dida, invisível e que de repente se tornou visível, desnudada.

Não sei se as pessoas compreenderam que aqueles eram fragmentos do caminho que fazem todos os dias. Mas com certeza o caminho delas foi um pouco fora do habitual o qual estão acostumadas. E se não viram ali os fragmentos do trajeto, elas pelo menos me viram e me conheceram de alguma forma, nem que tenha sido por um breve momento, num olhar de relance.

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atmosferas da praça xv

pessoas e ações

Um dos locais mais característicos e emblemáticos do centro de Flori-anópolis, a Praça XV de Novembro agrega em seu espaço desde jovens, senhores, ambulantes e moradores de rua, até turistas entusiasmados pela grande Figueira.

Um dia sentada em um dos bancos da Praça pude observar as mais diversas pessoas fazendo as mais diversas atividades. Anotei em meu caderno:

"Alguns comem, alguns esperam. Alguns brigam. Alguns namoram. Alguns falam ao telefone. Alguns jogam. Alguns trabalham. Alguns estudam. Alguns vivem. Alguns esperam o tempo passar. Alguns estão de passagem. Alguns ouvem música. Alguns olham em volta, assim como eu. Quantas atividades abriga um banco de praça!"

Considerando a Praça XV como um espaço envolvente - que envolve a vida e onde a vida das pessoas se desenrola - este ensaio visa captar e reproduzir alguns fragmentos do cotidiano da Praça, chamando atenção para os indivíduos que ajudam a compor sua atmosfera através das mais diversas ações que ali realizam.

Estes fragmentos capturados no cotidiano da praça se materializam através de cubos cujas faces contém imagens, textos e espelhos. Com estes cubos-fragmento busca-se atentar para as inúmeras ações, cubos-fragmentos de vida, que têm lugar na Praça e que muitas vezes não percebemos, estando nós mesmos, imersos nas nossas próprias vidas, impedindo que vejamos alguns aspectos que se encon-tram fora dela.

materialização do ensaio

Os cubos-fragmento são dispostos sobre alguns dos bancos da Praça XV, próximos aos locais em que as imagens foram captadas. As pessoas ao pela praça ao sentarem-se nos bancos, podem ver nas faces dos cubos alguma ação que já teve lugar ali. Entram então em contato com um fragmento de instante da vida de outra pessoa que esteve no mesmo local em que ela agora se encontra. A pessoa pode assim, reconhecer o local daquelas ações ou mesmo se reconhecer naquelas pessoas.

O "reconhecer-se" no outro está materializado na forma de espelhos, que ao serem vistos pelas pessoas, estas poderão ver-se no mesmo local em que encontram-se os indivíduos ali representados. E ao entrar em contato com instantes de vida de outras pessoas, há a possibilidade de se transformar de alguma forma.

Nem bem coloquei 3 cubos sobre os bancos e já tive que me voltar pois um deles já havia sumido. Estava nas mãos do engraxate que trabalha ali na praça e que aliás, está representado em uma face de um dos cubos. Ele foi mostrar para seus amigos: o moço que vende água e sucos num carrinho vermelho, também fotografado por mim e uns outros que estavam num banco próximo.

Em um banco de madeira não muito distante estava o outro cubo também sendo manipulado por um rapaz. Logo outro se sentou e mexeu no cubo também. Deixei ainda um outro em cima de uma das mesinhas de xadrez, que também logo foi ocupada. Eu não sabia para onde olhar, nem o que registrar.

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Ao fotografar aquelas pessoas, montar os cubos e pensar em uma determi-nada ação que eu iria observar e registrar por trás das lentes da máquina, eu me exclui de todo o processo. Ao passo que através dos meus próprios cubos, fui eu quem entrou em contato com instantes de vidas de outras pessoas.

A transformação a partir do outro foi em mim. Percebi o quanto aquilo que havia lido no artigo de Karen Worcman sobre como entrar em contato com uma memória, uma história, pode de fato transformar o modo como vemos o mundo, realmente acontece quando escutamos alguém de verdade, quando nos damos ao luxo de realmente escutar.

As histórias que escutamos, as pessoas que conhecemos e conversamos, ficam em nós. As levamos sempre conosco nas nossas bagagens e depois desse ensaio minha bagagem ficou um pouco maior.

O engraxate não nos viu com a câmera, ou viu e não se deu conta, pois são muitos os turistas com suas máquinas fotográficas, e então foi em direção do outro banco, ver o outro cubo. Mexeu, conversou e então nos viu, estávamos meio escondidos. Deu risada, falou que tinha descoberto quem havia feito, mas continuou com o cubo na mão. Mas ele ainda não tinha se visto naquele cubo.

Não aguentei e me aproximei dele, disse pra ele olhar aquela face e perguntei quem era. "Sou eu." Ele sorriu. Contei então que aquilo era um trabalho e expliquei que aquilo era sobre a praça e como ele estava sempre ali, fazia parte da praça também. Ele gostou muito. E foi assim que conheci o José.

Ele trabalha de engraxate há 16 anos na praça e em dias de chuva, vende guarda-chuvas perto da Catedral. Conversamos bastante e fomos também conversar com os conhecidos dele ali na praça, um deles estava com o outro cubo na mão e não queria soltar. E o outro era o homem do carrinho vermelho. Ele falou pra mim que eu deveria tirar uma foto da "Ferrari" dele (o carrinho é vermelho e tem o símbolo da Ferrari desenhado) e então eu tirei da minha bolsa, o cubo em que ele estava representado, junto à sua "Ferrari". Ele sorriu e conversamos e eu comprei uma água e uma água de coco.

Expliquei pra eles que eu tinha que levar de volta os cubos, que era parte de um trabalho, mas prometi voltar com os cubos de presente para cada um deles depois que eu apresentasse o trabalho.

Depois continuei conversando com o José. Ele parecia gostar de conver-sar. Me contou muitas coisas da vida dele, me contou como tinha se queimado em um acidente no fogão e nos mostrou suas queimaduras. Me contou sobre como levou um tiro e a bala acertou seu dedo. Enfim, muitas coiss. Fiquei de levar meu sapato favorito pra pintar e me despedi dizendo que ainda ia fotografar outros cubos.

Essa experiência toda foi muito intensa. Tentei continuar com os outros cubos em outros bancos. Mas não parecia mais fazer tanto sentido. Sentei em um banco e começou a chover. Era hora de ir embora.

Depois, em casa, consegui perceber porque senti que não fazia sentido continuar. Eu tinha atingido meu objetivo. Eu queria que as pessoas que frequentam ou passam pela Praça, entrassem em cotato com o instante de vida de outras pessoas e que através disso, elas pudessem ver o outro e se reconhecer no outro. E isso aconteceu, comigo.

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cidade pop-up

UM OLHAR DE VIAJANTE NA CIDADE

O centro da cidade de Florianópolis, assim como em outras cidades, possui muitos apelos. Durante o dia, um grande fluxo de pessoas passa por suas ruas movimentadas por comércios e serviços de todos os gêneros. Nelas, recebemos apelos de todos os lados: ambulantes, vitrines, pessoas que entregam folhetos, músicos e artesãos. Enfim, muita coisa pra se olhar, pra se escutar.

Estamos sempre olhando as vitrines, andando apressados, ao passo que se olhássemos para cima, teríamos agradáveis surpresas. Tudo parece mais tranquilo nos andares acima do nível da rua. Menos sinais, menos pessoas e muitos prédios interessantes. Janelas, sacadas e texturas que nunca vemos, pois nunca nos damos o luxo de olhar para cima.

Este ensaio visa chamar o olhar do transeunte, que passa pelas ruas do Centro de Florianópolis todos os dias para trabalhar, estudar, fazer compras ou resolver pendências, para que ele veja estes pequenos detalhes que agregam muita qualidade ao ambiente construído das ruas.

Esta ideia surgiu a partir do momento em que fui tirar fotografias nas ruas do centro e percebi que o modo como eu enquadrava os detalhes de edifícios nas fotos, geralmente detalhes em níveis mais altos, era muito comum quando eu estava neste estado de contemplação dos edifícios, olhando para cima. Percebi que possuo em meus arquivos, uma coleção espontânea de fotos que enquadram detalhes de edifícios junto ao céu: pontas, detalhes, quinas e beirais.

Logo, percebi que este tipo de olhar é geralmente de quem está a passeio, visitando um lugar novo, quando nos damos ao luxo de olhar para cima, assim como eu capturei estas imagens de enquadramentos semelhantes em viagens que fiz. Este olhar geralmente está ausente no nosso dia a dia, pois estamos sempre imersos em nossas tarefas e afazeres e é este olhar que quero capturar por meio de imagens e reproduzi-las para que outras pessoas possam ver também a cidade de Florianópolis com um olhar de contemplação, de viajante.

Para tanto, foram confeccionados 20 cartões, que lembram cartões postais de viagem. Estes cartões que reproduzem uma imagem em preto e branco de um detalhe ou fachada de edifício, e ao serem abertos mostram uma imagem colorida com um detalhe em 'pop-up'. Assim, estes detalhes poderiam então de fato 'saltar aos olhos'.

O cartão 'pop-up' também foi escolhido pelo fato de ser um artefato que só funciona e faz sentindo se manipulado. Guardando assim, o mesmo sentido do tato como espaço de encontro, de contato entre a pessoa e a cidade e por sua vez, também comigo, pois a pessoa que manipula o artefato se comunica comigo através deste objeto que foi antes manipulado e fabricado por mim e que mostra um detalhe que acho interessante na cidade, e o qual agora é compartilhado.

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materialização do ensaio

Após confeccionar os cartões 'pop-up', carimba-los e pensar em inúmeras possibilidade de como colocá-los na cidade, optei pelo velho e singelo barbante. O 'pop-up' dos cartões possibilitou que eu passasse o barbante por eles e com um outro pedaço, os prendia aos postes. Os postes foram escolhidos pela proximidade com o edifício reproduzido nos cartões e também pelo fato de não exigirem uma outra estrutura para exposição dos mesmos.

Pode-se dizer que a atitude perante as pequenas belezas as quais vejo no centros todos os dias foi a mesma perante os cartões. As pessoas em sua grande maioria passaram desapercebidas, atentando somente para os cartões quando eu os estava amarrando ou retirando-os.

Alguns olhavam, mas não tocavam. Acho que os cartões acabaram por parecer mais um anúncio dentre os tantos colocados nos postes. Teve mesmo um rapaz, que vendia aparelhos de celular junto a um dos postes que comentou: "Que legal que vocês estão amarrando e não colando!", deu uma olhada no que estava escrito, mas pareceu não entender muito bem.

Como eram muitos cartões, fui andando e pendurando-os pelas ruas e por isso, não fiquei o tempo todo observando cada um deles. Mas depois de colocar todos, fui junto a alguns e fiquei por alguns minutos observando e capturando em vídeo a reação das pessoas perante os cartões. E a maior reação que consegui capturar foi a ação do vento. Era um dia ensolarado de muito vento e os cartões balançavam com força nos postes. E isto me agradou de alguma maneira.

E quando eu achava que não ia conseguir capturar nenhuma interação com os cartões e estávamos ali filmando sem nenhuma pretensão de registrar algo interessante, eis que o pipoqueiro que lá do fundo do quadro de filmagem já estava olhando para o cartão em movimento, se aproxima e lê mexendo os lábios "cidade ..." alguma coisa. Ele então abre o cartão e não abre da maneira certa, ele segura o 'pop-up' pra baixo e depois levanta e então lê "seja um viajante todos os dias e descubra as belezas escondidas da sua cidade" e logo depois faz uma expressão que não consegui descrever com palavras, solta o cartão e volta ao seu carrinho.

Essa reação foi muito além do que eu poderia esperar. E ele estava tão absorto em seus pensamentos, em descobrir o que era aquilo preso ao poste e que mexia sem parar, que não percebeu que estávamos ali, bem próximos a ele com uma câmera a registrar tudo aquilo.

Acho que ele ilustra bem como nos sentimos e nos comportamos no nosso dia a dia na cidade. Estamos muito absortos em nossos próprios pensamentos que não enxergamos muito além. Não enxergamos nem as pessoas, nem os prédios bonitos. Mas vez ou outra, temos a possibilidade de nos deparar com coisas simples, coisas pequenas que podem não ter muita importância em meio a todo aquele movimento da cidade, mas que nos chama a atenção de alguma forma.

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conclusão

Bibliografia

Parece que esse um ano que passou não foi um , mas sim vários. Todas as coisas que aconteceram, todo aprendizado, todas as pessoas que eu conheci e todas as coisas que eu fiz conseguiram "engordar" minha bagagem como em muito tempo não acontecia.

Aprendi a ver, olhar diferente. E percebi que durante todo o curso pensa-mos as coisas para os outros, projetapensa-mos e pensapensa-mos lugares onde os outros irão desempenhar diversas ações e nos excluímos de tudo, como se fôssemos observa-dores onipresentes e não participaobserva-dores da coisa em si. Ao passo que ao nos incluirmos como participadores, podemos ver e projetar de uma forma completa-mente diversa e mais rica, creio eu.

Com certeza aprendi muito sobre várias coisas, dentro e fora da escola. Mas posso dizer que neste um ano aprendi muito sobre arquitetura. Construir coisas, por menores que sejam, nos ensina muito. Tirar do papel é muito gratifi-cante.

Acima de tudo, aprendi sobre mim mesma. Enquanto fazia meu TCC e me envolvia com outras coisas fora disso, percebi o quanto as coisas não precisam se separar. Arquitetura não é diferente de design e design não é diferente de um filme e um filme não é diferente de moda. Está tudo interligado e o que conecta tudo é o olhar, um modo de ver diferente as coisas. Arquitetura pra mim agora, é um olhar.

agradecimentos

Ao Professor Alcimir que me guiou nesse percurso tão agradável e me mostrou inúmeras possibilidades de ser eu mesma. Obrigada.

A todos meus amigos que ajudaram direta e indiretamente com livros, dicas, opiniões, companheirismo e alegria.

À minha família, que mesmo de longe, fez com que fosse possível eu estar aqui. É bom ter uma casa à retornar sempre.

Ao Romullo, que além de também ser minha casa, foi nesse processo quase que uma extensão das minhas mãos a pregar, cortar, filmar e fotografar. Obrigada por tudo.

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. 5a ed. Editora Martins Fontes, 2000. CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. Rio de Janeiro: Biblioteca Folha de S. Paulo, 2003.

JACQUES, Paola Berenstein. Estética da Ginga - 1.ed. Editora Casa da Palavra, 2001.

SOUZA, Márcia Regina Pereira de. O livro de artista como lugar tátil. Universi-dade do Estado de Santa Catarina, 2009.

STALLYBRASS, Peter. O Casaco de Marx - Roupas, Memórias e Dor. 3a ed.Editora Autêntica, 2008.

ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. 1a ed. Editora Gustavo Gili, 2009.

Sites da Internet

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SKIN + BONES: PARALLEL PRACTICES IN FASHION AND ARCHITECTURE.

Disponível em: <http://www.moca.org/museum/exhibitiondetail.php?&id=370> Acesso em 03 de abril de 2012.

WORCMAN, Karen. Transformação, memória e história: Por que uma história de vida pode mudar seu jeito de ver o mundo. Disponível em:

<http://www.museudapessoa.net/midiateca.php> Acesso em: 26 de setembro de 2012.

Referências

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