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ALEMANHA, UM POVO, UMA DIREITA. Livres para odiar.

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Hockenos, Paulo,

3963-Livres para odiar / Paul Hockenos; tradução Esther Ann Henningsen. — São Paulo: Scritta, 1995. — (Pensieri)

Título original: Free to hate: the rise of the right in post-communist Eastern Europe. Bibliografia.

ISBN 85-7320-002-2

1. Europa Oriental — Política e governo. 2. Fascismo — Europa Oriental. 3. Nacionalis-mo — Europa Oriental. 4. Pós-comunisNacionalis-mo — Europa Oriental. 1. Título, II. Série.

95-3648 CDD-320.530947

índices para catálogo sistemático:

1. Europa Oriental: Fascismo: Ciência política 320.530947

2. Fascismo: Europa Oriental: Ciência política 320.530947

Título original em inglês:

FREE TO HATE 1993 © Routíedge Ia edição: setembro de 1995 © EDITORA PÁGINA ABERTA LTDA. Publicado mediante contrato com Routíedge.

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PAUL HOCKENOS

Tradução:

Esther Ann Henningsen

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Alemanha, um povo, uma direita

A

té o final de setembro de 1991, quase um ano após a unificação das duas Alemanhas, Hoyerswerda vegetava no mesmo anonimato indiferente de inúmeras cidades equivalentes na ex-Alemanha Oriental. Distante 32 quilômetros da fronteira polonesa, na Saxônia, estado do sudeste, uma placa solitáriá na periferia da cidade saúda os visitantes: Willkommen in Hoyerswerda*.

•••Planejadores da República Democrática Alemã construí-ram filas insípidas e uniformes de edifícios de concreto, no fi-nal dos anos 60 e começo dos 70, transformando em poucos anos a cidadezinha rural de sete mil habitantes em um aloja-mento industrial para setenta mil pessoas. Como todas as cida-des autocontroladas da RDA (Neubau), Hoyerswerda existia em função da indústria local: as escuras minas de carvão próximas e a usina elétrica Black Pumps. Ô governo atraía trabalhadores para a terra de ninguém mediante promessas de apartamentos

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modernos e salários acima da média. A abundância relativa atraiu uma população homogênea e leal ao partido, contente por viver em torres de cimento, respirando o ar poluído de dióxido de enxofre, a troco de pequenos privilégios materiais. O povoamento Neubau era totalmente destituído de infra-es-trutura social e oportunidades culturais, de pluralismo ou dis-sidência e, até os anos 80, de estrangeiros também//

/No começo dos anos 80, junto com a maioria dos traba-lhadores estrangeiros dos países socialistas irmãos da RDA, chegaram os primeiros moçambicanos, angolanos e vietna-mitas a Hoyerswerda. Para suprir a falta de mão-de-obra. os trabalhadores estrangeiros executavam tarefas inferiores na Black Pumps. Nos dormitórios destinados a estrangeiros (Auslànderwohnheime), havia pouca vida familiar ou social para os trabalhadores de fora. Nos finais de semana, antes do to-,que de recolher, os homens podiam freqüentar a discoteca local ou o clube de jovensfSe dançassem com alguma moça alemã em Hoyerswerda, certamente haveria uma reação in-dignada. "Minha irmã e eu não tínhamos permissão para fre-qüentar a discoteca se lá estivessem poloneses ou moçam-bicanos", comentou Cláudia, 21 anos, estudante de Biologia em Berlim. "Meu pai trabalhou com poloneses e nos preve-niu contra eles. Ele dizia: os polaco^, são sujos, bebem e an-dam com prostitutas o tempo todo"fCirculavam boatos hor-ríveis sobre os trabalhadores estrangeiros: ganham uma nota, têm os melhores apartamentos, não pagam aluguel, compram de tudo. "O Estado entope o cu desses estrangeiros com açú-car", queixavam-se os alemães da RDA, repetindo o boato co-mum, segundo o qual os estrangeiros tinham privilégios que eles, alemães, nem sonhavam ter. Mas, enquanto o Estado repressor garantia a solidariedade de cima para baixo, a dis-criminação racial restringia-se a insultos, olhares raivosos e isolamento social

q —japSO cja RDA> a introdução da economia de mercado

(antes conhecida como capitalismo de monopólio) e o estabe-lecimento do processo de unificação acabou com a tranqüili-dade, a segurança e o conforto dos habitantes de Hoyerswerda.

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A rápida conversão da RDA à competitividade de mercado for-çou o fec hamento de inúmeras fábricas no Leste Europeu. Êm Hoyerswerda, o medo tomou conta assim que começaram as dispensas na Black Pumps, e o desemprego saltou de zero para 7 %/Òs novos cidadãos da República Federal Alemã (KKA),

entretanto, recusaram-se a dirigir sua raiva à política de rápi-da transição econômica do partido governante (União dos Democratas Cristãos), que tinha recebido total apoio dos saxões conservadores nas eleições há um ano. Em vez disso, culparam os quatrocentos trabalhadores estrangeiros, todos escalados para ir embora, ao término dos contratos, no final do ano. As autoridades federais aumentaram o descontenta-mento local, enviando para Hoyerswerda 230 refugiados

polí-ticos da Romênia, Camarões, Turquia, Iugoslávia, Sen e Gana. Lá, no Complexo Residencial ix, de 12 andares, na rua Thonias Müntzer, os refugiados esperavam, desempregados e entediados, enquanto, a burocracia estatal processava os pedi-dos de asilo político,

\ animosidade acumulada durante os anos de boa vontade forçada aflorou. Multiplicaram-se as queixas contra os estran-geiros: tocavam música muito alto, jogavam lixo nas ruas. Ago-ra, diante do padrão de vida muito mais alto da Alemanha Oci-dental e da possibilidade de declínio em seu próprio padrão de vida, a indignação mesquinha dos burgueses de Hoyerswerda explodia contra os hóspedes indesejados e mal-amado,y/Os negros têm banheiros de azulejos azuis, incríveis", queixava-se um homem para um repórter alemão. "Os negros! Quanto a mim, tudo que tenho é papel de parede pintado!" A opressão contra os trabalhadores estrangeiros e os refugiados aumentou de tal modo que eles não ousavam sair às ruas. "Percebemos imediatamente que o povo de Hoyerswerda estava contra nós", descreve Pierre, um refugiado de Camarões.

Sempre que tentávamos fazer alguma coisa sozinhos, como dar um telefonema ou sair às compras, éramos insultados ou cuspiam-nos. Todos odiávamos aquilo. Não era vida. Queixamo-nos às autoridades, aos assistentes sociais e à po-lícia, mas nada foi feito. Desde o começo, não houve o

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me-nor esforço para proteger-nos. A resposta deles era sempre a mesma: Kein Problem, kein Problem*.

No início da semana, os dias 17 e 18 de setembro de 1991 passaram-se como muitos outros dias tristes e nublados em Hoyerswerda. No mercado central, oito adolescentes de cabe-ças raspadas, jaquetas de aviadores e grandes botas pretas des-truíram as bancas de rua de ambulantes vietnamitas, esmurrando-os e chutando-os até sangrarem. Por fim, a polícia dispersou os skinheads, mas, como de costume, não os prendei^ Da escola para casa, algumas crianças locais quebraram algu-mas vidraças dos dormitórios de trabalhadores vietnamitas e africanos. Na tarde de quinta-feira, 19, uma multidão não mais de adolescentes reuniu-se diante do bloco de alojamentos para estrangeiros, na rua Albert Schweitzer. Os adultos instigavam os jovens, que jogavam pedras e garrafas vazias contra o prédio. Cerca de cinqüenta skinheads e tipos neo-nazistas apareceram e contribuíram com sua experiência. A polícia não foi vista;

No dia seguinte, certamente haveria um linchamento. "A cidade inteira sabia o que iria acontecer", comentou um refugia-do croata.

Parecia que tudo fora preparado com antecedência pela po-pulação. Os assistentes sociais vieram e preveniram de que haveria um ataque, portanto, que ficássemos atentos, sem dormir, com as janelas fechadas e as luzes apagadas. Eles es-tavam vindo para nos pegar.

Na sexta à noite, depois que as lojas se fecharam, os skinheads reuniram-se novamente atrás do complexo na rua Albert Schweitzer e a perseguição começou. Fora, estrangeiros!, negros cachorros, fodam-se!gritavam cinqüenta adolescentes e jovens com garrafas de cerveja nas mãos, como se estivessem num piqueni-que. Uma turba de espectadores, alguns cqm crianças peque-nas, amontoavam-se ao redor dos agressores/Trabalhadores mo-çambicanos e vietnamitas agachavam-se nos banheiros, enquan-* Nenhum problema.

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to pedras, fogos e coquetéis molotov explodiam em suas pare-des. Alguns corriam para a rua gritando com toda força: Seus fascistas! Os que foram agarrados pela multidão seriam

brutal-mente espancados. Horas depois, a polícia isolou o prédio, lu-tando contra a multidão que tentava se aproximar,0e suas va-randas padronizadas, os cidadãos de Hoyerswerda simplesmente assistiam — ou desviavam o olhar. Absolutamente ninguém se levantou contra o terror./

Os trabalhadores foram retirados cedo, no dia seguinte, mas a turba ainda precisava descarregar sua ira. Notícias do fato espa-lharam-se pelos círculos de extrema direita em toda a Saxônia. Grupos organizados de neonazistas e skinheads como o Gubner Front, de Guben, e o Deutsche Alternativa de Dresden e Leipzig, mobilizaram as tropas, baixando em Hoyerswerda às centenas. tQ local de perseguição transferiu-se para os alojamentos de

refu-giados políticos, do outro lado da cidade. Em seus Volkswagens novos e em seus Trabants, antes valorizados, o populacho e seus líderes correram para a rua Thomas Müntzer, chegando, mais uma vez, antes da polícia. Agora, a natureza da caçada era aber-tamente fascista. Mais de 120 nazistas agitavam bandeiras do Ter-ceiro Reich, e gritando SiegHeil, erguiam os braços direitos em saudação nazista. O espírito na rua era festivo e agressivo, como de uma cervejaria ou estádio de futebol. Abraçados, os racistas cantavam velhas canções da Wehrmacht, deliciando-se em sua ati-vidade favoiita/Projéteis choviam sobre o prédio até que não res-tasse uma só Vidraça do quinto andar para baixo. "Os assistentes sociais proibiram-nos de revidar os ataques e de defendermo-nos", conta Pierre. "Só tínhamos as mesas e as camas. Não havia outra escolha a não ser escondermo-nos o melhor possível. Se tivessem entrado, poderiam ter-nos matado." Helicópteros zuniam sobre as cabeças e sirenes de ambulâncias apitavam, enquanto se travava uma batalha na rua entre a polícia e os atacantes, durante a noite inteira. Ao amanhecer, o resultado final: 8S detidos, 33 presos, 29 feridos, quatro deles seriamente, e três encarcerados. * Frente de Gubner ; Alternativa Alemã.

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Só na manhã de segunda-feira, 23 de setembro, seis dias após a primeira quebradeira, os veículos do exército da ex-RDA apare-ceram para retirar os refugiados. Os moradores da vizinhança permaneceram na rua atulhada de pedras, celebrando e gritan-do insultos, enquanto os refugiagritan-dos encaminhavam-se para os ônibus, pisando sobre os cacos de vidro. "Malditos negros, va-mos matá-los", berrava um espectador. Já outros expressavam um certa culpa: "Durante anos os estrangeiros fizeram o trabalho sujo para nós, nas minas de carvão", comentava um trabalhador. "Eles têm que partir, mas têm o direito de partir em paz." Uma mãe admitiu que estava feliz por tudo ter terminado. "Foi terrí-vel", admitiu ela. "Por causa do barulho as crianças não tiveram uma só noite de sono durante a semana." Ainda que a maioria das pessoas guardasse distância da violência dos skinheads e dos neonazistas, poucas resistiam à xenofobia que assaltara a comu-nidade inteira. As últimas pedras chocaram-se contra os ônibus, que partiram para local ignorado. Hoyerswerda, regozijavam-se os fascistas, era finalmente úma cidade livre de estrangeiros

{Auslünderfreie Stadt). A política nazista durante a Segunda Guer-ra Mundial tornaGuer-ra Hoyerswerda livre de judeus (judenfrei), e agora era também uma cidade livre de estrangeiros. O governo capitulara diante da população.

Por mais terrível que fosse, o espetáculo não fora o primei-ro nem seria o último desse tipo na Alemanha unificada. A bru-talidade de Hoyerswerda diferia apenas em grau dos lincha-mentos populares semelhantes que, naquele ano, sacudiram cidades da RDA, como Saarlotlis, Zittau, Halle, Greifswald, Hünxe e Cottbus, em sua doença pós-guerra. A perseguição foi o pri-meiro clímax em uma onda de agressões raoiáis que piorou seriamente após a queda do muro de Berlinykas cidades dos dois lados da recém-unificada República Federal, a violência de extrema direita tornou-se fato rotineiro na vida das pessoas não-brancas. Durante o ano de 1991, o primeiro da existência da Alemanha unificada, a quantidade de ataques contra resi-dentes estrangeiros aumentou dez vezes em relação às duas Alemanhas no anp_antèrior, incluindo-se 338 incêndios

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se restringiu a eles. Judeus, esquerdistas, ciganos, deficientes mentais e homossexuais —vítimas da perseguição nazista e tam-bém de gangues protofascistas na RDA e na RFA — tornaram-se alvo do ódio popular mais uma vez, na Alemanha unificada./

A dramática explosão da violência de extrema direita le-vantou questões preocupantes em relação ao tipo de Alema-nha que surgiu do país dividido no pós-guerra. A aquiescência da Alemanha Ocidental à unificação fundamentava-se na supo-sição de que a primeira República Federal estaria firmemente apoiada na tradição da democracia ocidental. A RFA havia se destacado como condutora da integração européia, bem como financiadora e porta-voz constrangida da moderação na alian-ça militar ocidental. Apesar das dificuldades de uma vizinhan-ça com a Franvizinhan-ça e a Polônia, quase quatro décadas de prosperi-dade econômica e participação obediente na OTAN unham

ame-nizado os temores do ressurgimento de uma Alemanha forte e agressiva no centro da Europa. No limiar da dissolução do blo-co do Leste, o poderio eblo-conômiblo-co dos antigos estados federais parecia adequado para garantir a integração dos novos Estados alemães ao conjunto europeu — uma posição privilegiada e única entre os países pós-comunismo. Nem mesmo o fantasma do terror racial parecia prejudicar o status da RFA como demo-cracia ocidental. Em princípio, pelo menos, o moderno Rechtsstaât poderia e iria suportar a existência de um racismo violento e de movimentos ativos de extrema direita dentro de suas fronteiras.

/Os bons alemães, a maioria que não atirou pedras, espera-vam que a sujeira desaparecesse assim como surgira. Muitos explicaram Hoyerswerda como um sintoma extremo e excepci-onal da sociedade pós-totalitária em transição, um incômodo que seria eliminado com o tempo. Entretanto, o terror diário, o vandalismo, as agressões, os espancamentos, os incêndios e até mesmo os assassinatos continuaram a aumentar durante o ano de 1992. De fato, até o final do ano, o número de agressões relacionadas à extrema direita (2.285) havia dobrado. Inclu-em-se aí 701 incêndios culposos e 17 ocorrências fatais'/? Após alguns meses, Hoyerswerda foi esquecida, e a imprensa'só

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des-tinava pequenas notas às agressões.>Kté aparecerem Rostock, Môlln e Solíngen, com imagens transmitidas para,todo o mun-do, que fizeram Hoyerswerda parecer moderada/?

- Z/A violência de agosto de 1992 em Rostock, assim como em Hoyerswerda, foi uma perseguição, só que muito maior. Come-çou da mesma forma, com um grupo de skinheads locais e hooligans* bombardeando um abrigo para refugiados com pe-dras e garrafas. Cinco dias depois, seiscentos racistas diversos combatiam 1,6 mil policiais. Ainda que, como em Hoyerswerda, o movimento fosse parcialmente espontâneo, o terreno tinha sido previamente preparado na cidade portuária de Rostockí Grupos de ultradireita tinham distribuído panfletos contra es-trangeiros, do tipo Rostock permanecerá alemã. Começou como uma hospedaria para refugiados, e Rostock já é multicultural, dizia uma parte da propaganda. Um dia antes da agressão, o jornal local Ostsee Zeitung praticamente anunciou o que estava

por acontecer.

Como num ensaio, cidadãos de Rostock reuniram-se para ajudar nazistas adolescentes. Multidões de até duas mil pessoas juntaram-se para incentivá-los e, em 24 horas, extremistas de direita até mesmo de Hamburgo, Berlim,e Dresden aparece-ram com walkie-talkies e outros aparatos.í Na noite seguinte à retirada de duzentos ciganos romenos do abrigo sitiado no dis-trito de Lichtenhagen, em Rostock, os arruaceiros cercaram o prédio ao lado, onde viviam 120 trabalhadores vietnamitas. Tes-temunhas relataram que cerca de quinhentos policiais e guar-das de fronteira bem equipados posicionaram-se diante do pré-dio ou ao seu redor. "O ambiente não estava tenso", relatou um operador de câmara ao grupo americano de direitos humanos Helsinki Watch.

A polícia conversava com os manifestantes, quando

entra-* Torcidas organizadas de futebol que ficaram conhecidas por sua vio-lência; atualmente o termo serve para designar qualquer tipo de gru-pos de vândalos.

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mos na casa para fazer entrevistas. Ao olhar pela janela, vi com espanto que a polícia se retirara para o topo de uma colina próxima. Os skinheads atiravam coquetéis molotov e. apedrejavam o prédio.

A polícia tinha ordens de não intervir. Os agressores puse-ram fogo no edifício e caçapuse-ram, escada acima, os estrangeiros, que conseguiram fugir pelo telhado horas mais tarde. Foi pura coincidência ninguém ter morrido./

O secretário do Interior, negando falha da polícia, decla-rou que a corporação estava exausta e precisava urgentemente de descanso. Acrescentou ainda que não estavam certos de que havia vietnamitas vivendo ali. Tampouco soube explicar ppr que a polícia manteve contato constante com os arruaceiros/Quan-do o prefeito de Rostock, arruaceiros/Quan-do Partiarruaceiros/Quan-do Democrático Cristão, cul-pou o "incontrolável afluxo de estrangeiros" pelo acontecido, estava simplesmente repetindo seus colegas mais experientes de Bonn. "O que as autoridades de Rostock expressaram não foi extremismo de direita, sentimento contra estrangeiros ou ainda racismo, mas um descontentamento justificado pelo abuso dó direito de pedir asilõ político", declarou o ministro do Inte-rior, Dieter Heckelmann, chefe de polícia da RFA./t)s cidadãos de Rostock moradores dos conjuntos habitacionais de Lichtenhagen repetiram as manifestações de seus compatrio-tas de Hoyerswerda. "Eles não são naziscompatrio-tas", afirmou uma mu-lher ao jornal de Berlim Tageszeitung, "são nossos filhos, ale-mães comuns, que não queriam mais conviver com esses es-trangeiros". Várias reportagens de televisão mostraram pais de família típicos, barrigudos de tanta cerveja, vangloriando-se dos atos dos filhos.

Os estrangeiros tinham que enfrentar isso. Eu teria feito o mesmo. Eles chegam aqui, destroem as habitações, usam os jardins como banheiros. Ninguém se sentia seguro com

to-dos esses ciganos por aí. Alguma coisa tinha de ser feita.

As fotos dos jovens de Rostock lançando coquetéis molotov contra os alojamentos de estrangeiros causou indignação no mundo todo. Na Alemanha, os acontecimentos de Rostock

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de-sencadearam novos ataques. Dia após dia, extremistas de direita atacaram asilos de refugiados estrangeiros, não só em cidades maiores, mas em lugarejos cujos nomes os próprios alemães des-conhecem: Stendal, Oscherleben, Lübbenau, Potsdam-Babelsberg, Quedlinburg, Eisenhüttenstadt, Dessau, Wittenberge, Cottbus, Greifswald, Schwerin, Wismar, Zielitz, Bad Lautenberg e Holzhausen. "Rostock está em toda parte", exclamava uma manchete. O governo, absolutamente paralisado, mostrava-se incapaz de agir contra a onda de terror. "O que 1908 significou para a esquerda, 1992 significa para a direita", observou um ve-terano esquerdista. Seria o advento de um Quarto Reiçh na Ale-manha unificada? Seria o governo tão indefeso contra a direita como parecia? Como explicar a cumplicidade da população, da policia e até dos políticos com essas primitivas demonstrações de ódio? Por que q chanceler Helmut Kohl esperou até dezembro de 1992, quando.morreram uma criança e duas mulheres turcas em um ataque a bomba, em Molln, para condenar abertamente a violência?/''

Vindos das ruas alemãs, os gritos de Heil Hitler e a visão de prédios ardendo e estrangeiros feridos alertaram a todos. To-davia, previsões histéricas de uma retomada de direita ou do ressurgimento de um novo estado nazista eram prematuras. Quarenta anos de supervisão aliada e prosperidade material tinham fortalecido o compromisso com o liberalismo demo-crático para a maioria dos alemães ocidentais, e este sentimen-to não se abalaria da noite para o dia. Ainda que a República Federal tivesse estancado as demonstrações estudantis da déca-da de 60, a confrontação com o passado nazista pelo menos desacreditara a ideologia fascista perante a grande maioria da população. Atitudes racistas, autoritárias e de cunho fascista ainda persistem, nem sempre camufladas, e se manifestam tan-to em partidos conservadores tradicionais como em partidos de extrema direita. Nas atuais circunstâncias, entretanto, tais partidos permanecem pequenos e isolados, sem possibilidade de chegar diretamente ao poder.

Até mesmo na ex-Alemanha Oriental o movimento neofas-cista popular dificilmente atrairá uma fração maior da

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popula-ção ./Ainda que alguns alemães possam ser racistas e hostis, a maioria, seja do Ocidente ou do Oriente, está consciente de que seu bem-estar depende da estabilidade na Alemanha, da Europa Ocidental e da democracia. Não foi coincidência, en-tretanto, que Hoyerswerda e Rostock estivessem na ex-RDA. As condições de frustração, desilusão e ansiedade proporciona-ram uma combinação explosiva, particularmente entre um povo inexperiente em termos de convivência multirracial. As incer-tezas da transição, aliadas a quarenta anos de socialização co-munista criaram um ambiente particularmente suscetível à de-magogia social e racista./

Apesar de distante do poder, o ressurgimento de uma po-tente ultradireita traz implicações significativas para a natureza da Alemanha unificada, o Estado, a sociedade e a democracia. Como qualquer vítima pode testemunhar, a ultradireita repre-senta uma ameaça real aos que, desafortunadamente, estejam em sua longa lista de ódio. O perigo que o novo tipo de violência de extrema direita se torne o status quo, parte aceita da Europa unificada, implicitamente transformaria a Alemanha e seus vizi-nhos em Rechtsstaaten apenas no nome, já que esses Estados esta-riam incapazes e despreparados para garantir a segurança e os direitos de certos povos/A retórica da direita tem uma atração evidente, que força outros partidos políticos a reagir e tomar posições mais próximas entre eles. Os progressistas já vêem o retrocesso de muitas vitórias de décadas anteriores, e um novo conservadorismo preenche o espaço vazio. Atualmente, os obje-tivos dos democratas são simplesmente proteger o que já conse-guiram e controlar o prejuízo numa sociedade em conflito, sob influência da violência e de doutrinas políticas em sua cultura. Como na República de Weimar, a explosão da violência colocou a direita na ofensiva e os democratas na defensiva//

Como nova potência internacional, a Alemanha unificada encontra-se sob intensa observação, enquanto a Nova Ordem mundial e européia toma forma. Histórias de horror como Hoyerswerda e Rostock no Leste, e Mõlln e Solingen no Oci-dente lançam dúvidas sobre a credibilidade de uma Alemanha soberana, além de provocarem preocupações nos centros do

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poder alemão/Ü Estado reagiu à violência racial apenas quan-do sentiu sua'reputação ameaçada 110 exterior e, ainda assim, culpando o ajfluxo de estrangeiros ou a lei do asilo político e nun-ca a direita em si mesma/Snteresses comerciais esforçaram-se em manter a imagem da Alemanha imaculada. Ao contrário dos anos 30, o mundo dos negócios não lucra nada com o sur-gimento e a tomada do poder pela extrema direita. Na verda-de, a comunidade financeira alemã estará muito melhor servi-da por um Estado democrático e conservador, mantido sob controle pelos mesmos partidos burocráticos que têm governa-do a RFA desde 1949.

O poder político e a mídia da ex-Alemanha Ocidental têm-se voltado contra têm-seus compatriotas do Leste por macularem seu currículo de pós-guerra e solaparem seu heróico esforço de retorno à normalidade política. As estatísticas mostram, porém, que a agressão racista teve uma violenta escalada, em ambos os lados do muro, com as forças organizadas de extrema direita da Alemanha Ocidental à frente da cruzada.

//A tentativa do establishment da Alemanha Ocidental de cul-par os novos estados do Leste pelo racismo violento mascara sua própria cumplicidade cínica na agressão contra cidadãos estrangeiros nesses estados. À unificação transformou o racis-mo alemão e as atividades das duas extrema direitas em um único problema. "Üm ano após a unificação", comentou o se-manário l)i.e Zelt após Hoyerswerda, "parece que, finalmente, a Alemanha Ocidental e a Oriental encontraram um slogan co-mum: fora, estrangeirofJ(A. incorporação da RDÀ Â segunda Re-pública Federal fez com que seus cidadãos encontrassem um discurso político não familiar impregnado de racismo. Bonn, incapaz de prover a economia da ex-RDA com os ajustes rápidos prometidos, transferiu a responsabilidade pelos males econô-micos para a liberal lei do asilo político. Afim de obter o direi-to ao asilo político, garantido por lei, tudo que se necessita é pronunciar a palavra asilo na fronteira, para ser admitido, ali-mentado e alojado até que o caso vá a um tribunal, o que pode levar anos. Mesmo os que apoiam o estatuto de asilo reconhe-cem que é necessária uma revisão das leis de controle de

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imi-gração, mas os conservadores (ajudados por quase toda a mí-dia) usaram o problema do estrangeiro inescrupulosamente, para justificar qualquer problema na Alemanha. Já que todos os partidos políticos são carentes de políticas alternativas váli-das para compensar o enorme preço da unificação, o Partido Social Democrata e o direitista Partido Republicano apoiaram a causa da União Democrática Cristã (CDU) .

Em tempos de.crise, a liderança alemã sempre se voltou para a lei do asilo/Quando expressou seu descontentamento diante dos fatos de Hoyerswerda, o ministro do Interior, da CDU, Wolfgang Schãuble, revelou o medo legítimo dos alemães de serem inundados por levas de imigrantes. "Grande parte da po-pulação está preocupada com o afluxo maciço de refugia-dos", declarou ele. O verdadeiro problema foi o "uso indevido da lei do asilo". "Por que", perguntou Schãuble, "deveríamos exigir que nossos cidadãos abrigassem centenas de milhares de refugiados, a um custo exagerado para nossos contribuintes?" Tal lógica, sempre usada com habilidade pela elite de Bonn, na vercLade desculpava os agressores e culpava as vítimas.

,/Quanto a Rostock, o chanceler Kohl não teve palavras de consolo para as pessoas que sofreram a agressão. Duramente, recusou-se a comparecer ao funeral das vítimas turcas em Mõlln e Solingen. Kohl também reafirmou que o verdadeiro proble-ma era ò número de estrangeiros na Aleproble-manha. Removam-se os estrangeiros e o racismo (os termos mais gentis usados na Alemanha são Auslánderfeindlichkeit — animosidade contr(a

es-trangeiros — e Fremdenhass — xenofobia) desaparecerá./Àpós Rostock, os partidos políticos mais importantes, obedientemente engajaram-se na campanha para mudar a concessão de asilo, reforçando o consenso de que os estrangeiros, sucedâneos dos judeus na nova Alemanha, são os verdadeiros culpados.

J A tendência ocidental de culpar a Alemanha Oriental pelo extremismo de direita é injusta. Partidos políticos de extrema direita, como por exemplo o Partido Republicano, têm con-seguido vitórias eleitorais significativas em estados federais an-tigos e porcentagens insignificantes de votos nos novos esta-dos/Ao mesmo tempo, a agressão racial no território da

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ex-RDA provou ser qualitativamente mais odiosa e proporcional-mente maior do que do lado ocidental. Jovens rapazes mili-tantes agem com impunidade, com visível apoio popular. A polícia desfalcada ou, em alguns casos, simpatizante da direi-ta, mostrou-se inçapaz e indiferente para proteger os residen-tes estrangeiros/pesquisas de opinião mostram níveis mais al-tos de intolerância e racismo entre os cidadãos da Alemanha Oriental/Acostumados a uma sociedade quase homogênea, em termos de raça, os alemães orientais foram surpreendidos quando B o n n distribuiu refugiados pelos novos estados da federação, mesmo que em pequeno número. O governo fe-deral não havia feito o menor esforço para preparar esses novos cidadãos para a coexistência com os estrangeiros. Pelo con-trário, o teor do debate sobre o asilo político jamais poderia assegurar-lhes uma boa acolhida.

O que fez surgirem as imagens dos anos 30, o que tornou os nomes de Hoyerswerda e Rostock sinônimos de ódio racial na Nova Alemanha foi a reação de seus cidadãos. A grande mai-oria deles jamais levantou a mão contra residentes estrangeiros — nem o fez para protestar. Na verdade, aplaudiram. Até mes-mo a polícia e seus líderes assistiram em cumplicidade. Sua sim-patia manifestou-se claramente e, sem ela, as primeiras perse-guições na Alemanha, desde o nazismo, jamais teriam sido pos-síveis/quatro componentes fundamentais permitiram a vitória do racismo em Hoyerswerda e Rostock: o clima de ódio, as tro-pas de choque protofascistas, a lassidão da polícia e a. maioria .aquiescente. Segundo seus líderes, o futuro da extrema direita

alemã está na reprodução de tais condiçõesf

RACISMO NA RDA

• Òs cidadãos estrangeiros concordam que o r acismo não é novi-dade na RDA. O regime comunista ignorara por muito tempo os insultos diários contra Fidschis vietnamitas é Kohten (carvões) afri-canos. "Podíamos senti-lo todos os dias", explica Stephen, estu-dante etíope de engenharia em Berlim Oriental. "Na universida-de ou no trabalho, a maioria universida-de nós não tinha problemas. Só

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quando saíamos às compras ou íamos a lugares públicos como restaurantes. Era óbvio que muitos alemães não nos queriam como parte de sua sociedade." Um estudo de 1990 mostrou que um em cada .cinco estrangeiros na RDA não era ser vido em restau-rantes ou sofrerá algum tipo de agressão física. As autoridades esforçavam-se por encobrir a escalada de, violência contra resi-dentes estrangeiros, no final dos anos 80.

A política de vista grossa do regime comunista e o racismo institucional só poderiam ter gerado atitudes xenófobas na popu-l a ç ã Q f O Estado garantia que a filosofia de vida (weltanschauung) do cidadão padrão da RDA permanecia profundamente eurocên-trica, com a própria RDA socialista como centro. Alunos de esco-las para crianças brancas da RDA quase não tinham contato com assuntos de outras culturas ou mesmo com outras literaturas, a não ser por meio de propagandaiEra difícil para os cidadãos da RDA ampliar a imaginação além' das próprias fronteiras. Restri-ções a viagens reforçavam o provinciaíismò causado pelo siste-ma. Viajar para o Oçidente era proibido, exceto em casos excep-cionais. O único país onde eram admitidos sem visto era a ex-Tchecoslováquia. Quando no exterior, os alemães orientais, com seus marcos desvalorizados, eram tratados como alemães de se-gunda classe, cultivando um ressentimento qu,e eles transferiram para os estrangeiros que viviam em seu país.

Wolfgang Thierse, líder social-democrata e hoje membro do parlamento federal, é de opinião que o racismo na RDA re-flete uma continuidade na consciência tradicional alemã, que o socialismo real existente simplesmente perpetuou.

As lideranças do SED (Partido de Unidade Socialista) varriam para debaixo do tapete a intolerância para com os estrangei-ros e, o que é pior, de tempos em tempçs usavam-na como instrumento. A específica intolerância da RDA era e é a ex-pressão de nossa idiossincrasia. Simplesmente, não aprende-mos a nos relacionar com pessoas de outros países. E nem poderíamos, pois durante quarenta anos foi-nos negado con-tato com eles! Fomos confinados forçosamente e hoje reagi-mos como crianças enfermas: autistas, assustadas, inseguras, nervosas e agressivas.

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I)e acordo com Thierse, os alemães da RDA não só eram proibi-dos de viajar como também raramente tinham qualquer conta-to com estrangeiros residentes.

Os vietnamitas, poloneses, afeganes e angolanos que vieram para cá como trabalhadores convidados, embora o Estado, na-turalmente, não usasse essa denominação, viviam e trabalha-vam em alojamentos e fábricas separados de nós. Na verda-de, o socialismo na RDA criou algo parecido com sua própria forma de apartheid. Poucos alemães na RDA podiam transpor essas enormes barreiras2 .

Não foi por coincidência que o racismo, após a queda do muro, direcionou-se mais violentamente contra as pessoas que o Estado havia recebido, sob o rótulo de intemaàonalismoprole-tário e solidariedade internacional. Além dos países do pacto de Varsóvia, a amizade especial para com os outros estendeu-se à Etiópia, Angola, Cuba, Vietnã e Moçambique, que tinham laços com a RDA na "luta contra o imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, racismo e apartheid". O Estado convidou a maioria dos 191 mil estrangeiros (estimativa de 1989) para vi-rem à RDA, com contratos de quatro e cinco anos, compensan-do assim a escassez de mão-de-obra local. O grupo maior, de 60.067 vietnamitas, trabalhou predominantemente na indús-tria têxtil, e os 15.483 moçambicanos na indúsindús-tria pesada. O segundo maior grupo de trabalhadores convidados eram os poloneses, com 51.483 pessoas. A média total de estrangeiros na RDA era somente de 1,2% dos quase 17 milhões de habitan-tes, número bem inferior ao da Alemanha Ocidental, onde a proporção era de 7,3% para 62 milhões de habitantes.

Durante sua permanência na RDA, OS residentes estrangei-ros viviam como cidadãos de segunda classe. Como a historia-dora Irena Runge documentou em 1990, em seu estudo sobre estrangeiros na RDA — Fremdenhass: Ausland DDR* —, os

contra-tos de trabalho eram detalhados e determinavam expressamente

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o que poderiam ou não fazer, quem poderia visitá-los em seus dormitórios e a que horas, quantas bicicletas poderiam com-prar etc. Setenta por cento dos trabalhadores e estudantes es-trangeiros eram do sexo masculino, a maioria entre vinte e quarenta anos. Os contratos das trabalhadoras vietnamitas e moçambicanas proibia a maternidade durante sua estadia. As cubanas que engravidavam na RDA eram imediatamente enca-minhadas ao primeiro avião, de volta ao país natal. O contrato assegurava aos pais, em um período de cinco anos, uma visita de dois meses aos filhos, em seus países de origem. A RDA em-pregava muitos desses trabalhadores estrangeiras para serviços de níveis inferiores recusados pelos alemães/Os vietnamitas disseram que recebiam, rotineiramente, os trabalhos mais ser-vis e perigosos. Se recusassem, seriam expulsos do país, por re-comendação do diretor da fábrica. A maioria dos habitantes estrangeiros recebia os menores salários, e quanto aos cuba-nos, 60% de seus salários eram diretamente transferidos para suas contas bancárias em Cuba. O Estado também regulamen-tava a quantia e a espécie de bens que os estrangeiros poderi-am adquirir e remeter a suas fpoderi-amílias. Entretanto, as autorida-des nada fizeram para dissipar o mito de que "os estrangeiros compram todos os nossos bens de consumo". Essa impressão ge-ral foi tão útil para o regime de Berlim Oriental como é hoje para Bonn, que convenientemente transfere para outros a res-ponsabilidade da má administração econômica do Estado.

/O Estado tampouco fez qualquer esforço para integrar os residentes estrangeiros à vida social alemã, o que teria ajudado a quebrar o isolamento cultural de seu próprio povo. Um dos poucos locais onde os residentes estrangeiros encontravam-se e socializavam-se com os alemães da RDA era no Café Cabana, localizado no subsolo da paróquia da igreja de São Jorge, em Berlim Orientalfíniciado em 1988, o projeto deu aos residen-tes estrangeiros* um fórum semanal e aos cidadãos alemães a oportunidade de participar um pouco da cultura de seus com-panheiros estrangeiros. Até hoje, nas noites de terça-feira, po-demos encontrar o rosto familiar do ex-dissidente pastor Almuth Berger sentado à mesa iluminada por velas, conversando com

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um punhado de freqüentadores habituais. "Quando sugerimos este projeto, as autoridades naturalmente não gostaram da idéia", diz Berger, enquanto saboreia um prato de sopa de sauerkraut, muito popular no Cabana. Do outro lado da mesa, um simpático estudante angolano concorda com a cabeça. Sua namorada alemã, alheia, olha fixamente à frente. "As autorida-des olharam-me como se estivesse louco quando falei sobre ra-cismo e sentimentos antiestrangeiros na RDA", explica, sem ro-deios, o pastor luterano, que hoje está à frente do Departamen-to para Estrangeiros Residentes em Brandenburg. "Não enten-demos seu comentário, senhor Berger", diziam-me. "Na RDA não há racismo, só solidariedade."

Tipicamente, o regime da RDA considerava o racismo um produto somente do capitalismo, excluindo os países socialis-tas que, por natureza, seriam imunes ao mesmo. Sendo um Es-tado comunista, a RDA e seus cidadãos estavam biologicamente alinhados ao mundo oprimido./À propaganda antifascista ofi-cial do Estado girava entre a céhtralidade da política raofi-cial na-zista e o socialismo nacional, e dirigia-se ao legado fascista ale-mão somente nos termos de sua continuidade na República Federal. "Embora racismo e anti-semitismo não fossem assun-tos discutidos, não significava que essas idéias não estivessem ainda na mente de muitos pais e avós na Alemanha Oriental", comenta Berger. "Aqueles anos não se passaram sem deixar vestígios. Foram transmitidos através das gerações."

Estudos mostram que a solidariedade internacional dos ale-mães da RDA para com os movimentos de libertação do Tercei-ro Mundo e para com seus irmãos de estados socialistas, ponto alto nos anos 60, caiu vertiginosamente nos anos 70 e 80. De modo geral, as pessoas participavam das marchas no Dia do Anti-Racismo ou em campanhas para angariar fundos para a Etiópia pelas mesmas razões oportunistas por que pagavam suas mensalidades para o partidos/Ainda assim, argumenta Berger, havia alguns que tinham um interesse verdadeiro em se empe-nhar nas campanhas de arrecadação de brinquedos para as cri-anças na Nicarágua ou livros escolares para Moçambique. Mes-mo assim, o "colapso da RDA e a total rejeição a tudo que

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repre-sentava e presidia pôs em descrédito qualquer aspecto positivo dessas campanhas", explicou Berger. "Muitos que anteriormente demonstravam genuína solidariedade para com os países do Terceiro Mundo, hoje não se envolvem. E impossível usar a palavra solidariedade, pois tem conotações muito negativas."

Ás pessoas do Terceiro Mundo não foram as únicas a sentir a falta de camaradagem dos alemães orientais. Após a queda do muro, como foi demonstrado pela violência contra cidadãos poloneses na Alemanha, o chauvinismo de muitos alemães para com seus vizinhos eslavos é ainda muito intenso./Os versos de uma música popular na RDA dão ênfase a uma freqüente acusa* ção feita pelos alemães contra os polacos: "Vim da loja de depar-tamentos e devo dizer-lhes que as prateleiras estão todas vazias. Em todos os lugares estão os poloneses com suas famílias." No começo dos anos 80, o tom hostil fazia eco à campanha de pro-paganda contra o sindicato polonês independente Solidarie-dade. À fim de evitar o possível alastramento do movimento democrático liderado pelos trabalhadores na RDA, a mídia re-tratava os poloneses como um povo desordeiro, preguiçoso, que preferia fazer greves em vez de trabalharí-A mensagem atingiu seu objetivo, como ilustra uma carta ao jornal diário Berliner Zeitung, de Berlim Oriental, em dezembro de 1989:

Todos conhecem a mentalidade dos poloneses. A maioria é preguiçosa e, com freqüência, ganha a vida por meios deso-nestos. É estarrecedor que tenhamos que tolerar seu comér-cio ambulante a preços exorbitantes. E as autoridades nada fazem para coibir isso, é incrível!

Uma série de estudos feitos nos novos estados federais mostram o alto índice de xenofobia, particularmente racismo, entre a população. Em 1991, o Instituto para Jovens Alemães, estabelecido em Leipzig, descobriu que metade dos jovens na Alemanha Oriental era de opinião que havia muitos estrangei-ros nos estados novos. Doze por cento dos questionados e 20% de estudantes de cursos profissionalizantes declararam que "cada estrangeiro na Alemanha era um demais". Os autores dessas pesquisas notaram que "a aversão dos jovens aos

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estran-geiros é muito significativa" devido à pequena porcentagem de estrangeiros no total de habitantes na Alemanha Oriental. Os pedagogos de Leipzig observaram que nos países da Europa Ocidental, onde a porcentagem de estrangeiros é bem maior, os jovens são "muito mais tolerantes". Estabeleceram seus pre-conceitos principalmente em linhas raciais, demonstrando gran-de hostilidagran-de contra os ciganos, turcos, vietnamitas, negros africanos e poloneses. Os judeus estavam mais próximos ao fim da lista. Embora o grau de intolerância existente fosse maior entre os que vinham de famílias com menos estudo, não havia uma correlação direta entre racismo e condição econômica. A intolerância para com os estrangeiros, concluíram os pesquisa-dores alguns meses antes de Hoyerswerda, "aumentou drastica-mente desde 1989 e 1990. De acordo com nossos resultados a situação no momento é claramente crítica. Há muitos sinais que indicam um novo e talvez drástico aumento de sentimen-tos antiestrangeiros nos novos estados federais."

Um estudo feito pela Universidade de Humboldt em 1991, entre jovens berlinenses do leste na faixa etária de 15 a 25 anos, resultou nas mesmas conclusões. Mais da metade dos entrevista-dos concordou com a declaração de que "quando há falta de empregos, os estrangeiros devem ser enviados de volta aos países de origem". Um terço dosjovens disse não confiar nos estrangei-ros como confia nos alemães. O estudo mostrou pouca simpatia para com o desenvolvimento de uma sociedade multicultural em Berlim Oriental. Mais da metade dosjovens concordou que "es-trangeiros na Alemanha devem adaptar-se ao estilo de vida dos alemães". Um quarto dos participantes admitiu que "países como a Polônia e a Bulgária nunca poderiam alcançar o nível cultural dos alemães devido à preguiça genética e atraso dos eslavos"

LEIPZIG DESPERTA

No fim dos anos 80, o crescente ressentimento contra os es-trangeiros residentes na RDA surgiu de forma evidente, tendo como expressão maior os movimentos clandestinos skinheads e neonazistas. De 1983 a 1988, a estatística anual de atos

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cri-minosos com motivos políticos de direita aumentou em mais de cinco vezes, e os ataques contra os residentes estrangeiros compreendem uma das categorias dessa violência. Os es-trangeiros relataram que os olhares de ódio foram substituídos, cada vez mais, por agressões físicas/À proliferação dos ataques racistas e atividades de direita na RDA, entretanto, coincidiu com outros acontecimentos em 1989, o que veio a ofuscar, tempora-riamente, a ascensão da direita na RDA. Em setembro de 1989, o rápido e grande êxodo de milhares de alemães orientais para a Hungria através da recém-aberta fronteira provocou uma crise aguda na RDA,Í'NO centro da Saxônia, a pouco mais de cem

qui-lômetros de Hoyerswerda, a revolução democrática começou a se manifestar. As vigílias para a paz realizadas nas noites de segun-da-feira, na igreja de São Nicolau, em Leipzig, atraíam multi-dões ainda maiores do que o habitual grupo de intelectuais democráticos, ativistas ecológicos e pacifistas cristãos. Quanto mais o regime mantinha-se obstinado e resistente a mudanças e conciliações, maiores se tornavam as vigílias na igreja de São Nicolau, até que toda a praça foi tomada. Em outubro, as vigíli-as transformaram-se em grandes demonstrações, dobrando e triplicando, a cada semana, o número de participantes. Os pro-testos aumentaram até que mais de 350 mil do meio milhão de habitantes dessa cidade industrial foram às ruas. As procissões pacíficas^ à luz de velas, pelo centro de Leipzig, deram o tom criativo à revolução democrática na Alemanha Oriental. O grito de convocação Wirsind das Volkl*, que se tornou o símbolo dos manifestantes de Leipzig, teve ressonância nos prédios cinzen-tos e sujos. A única reação hostil ocorreu quando a passeata passou em frente do bem protegido Ministério da Segurança, quartel-general da Stasi, a polícia secreta. O ambiente ressoava com longas e estridentes vaias, enquanto estudantes acendi-am velas aos pés dos policiais da força antitumultos, com seus capacetes resistentes e fortemente atados e metralhadoras em prontidão.

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Solidários, os jovens e velhos, com braços entrelaçados, entoavam os versos da "Internacional" e gritavam "NeuesForum! Neues Fórum?'*, nome dado ao recém-formado grupo ilegal de direitos humanos e movimentos democráticos. A frente das demonstrações, muitos intelectuais do Novo Fórum e velhos dissidentes apregoavam sua visão de uma RDA democrática e independente, uma alternativa à ditadura e à República Fede-ral. Em seu apartamento no quarto andar, com vista para a pra-ça Karl Marx, a porta-voz do Novo Fórum em Leipzig, a escrito-ra Petescrito-ra Lux, falou entusiasticamente sobre uma forma pro-gressiva de socialismo, baseado em noções abrangentes de soci-edade civil, pluralismo e comunidade. "Mas isso é para o povo decidir", comentou a dissidente de 36 anos. "Não há uma ideo-logia política ligada a essas demonstrações. Estamos simples-mente exigindo os direitos básicos de liberdade de expressão, eleições livres e o direito a viajar." Ela enfatizou ser fundamen-tal a não-violência nos protestos. "Durante 40 anos estivemos sob a violência e a repressão do Estado. Como exigimos o fim desse autoritarismo, concordamos em contrabalancear a vio-lência do Estado com a não-viovio-lência."

No dia 9 de novembro de 1989 caiu o muro de Berlim. O rumo da revolução, entretanto, j á havia sido alterado, antes mes-mo de os líderes da reforma comunista e os grupos legalizados dos movimentos democráticos se reunirem para elaborar a tran-sição na RDA./Embora a legislação na Alemanha Oriental conti-nuasse a banir as atividades de organizações políticas neofascis-, tasneofascis-, o caos do momento deu à direita o espaço que precisava.

Uma anistia geral para 2,6 mil presos políticos devolveu às ruas centenas de ativistas de direita. Os skinheads neonazistas e gru-pos fascistas juntaram-se a seus associados do Qtidente desenvol-vendo, rapidamente, estratégias conjuntas/lndepéndente de qualquer ilusão que os intelectuais democratas tivessem de uma , nova WA, a direita subitamente viu seu objetivo de muitos anos

como prioridade popular, ou seja, a: derrubada da RDA e a

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cação das duas Aiemanhas. De fato, o inesperado sucesso pegou desprevenidos os ainda pequenos grupos organizados de direita locais. Mas as conseqüências dessas mudanças dramáticas os fa-voreceram de forma nunca antes imaginada.

,* * Essa explosão de fervor democrático durou pouco. Os lí-deres dos movimentos democráticos ficaram horrorizados quan-do as vigílias de segunda-feira em Leipzig tornaram-se celebra-ções grotescas de nacionalismo alemão. Ao término do ano, o tópico das demonstrações havia mudado de Nós somos o povo para Nós somos um povo, e o nacionalismo manifestava-se por toda a RDA. A cidade saxônica ecoava com os gritos de Uma Ale-manha!, Fora com a esquerda e A Alemanha para os alemães: O sen-tido e a formação das demonstrações mudou. Mulheres, ido-sos, estudantes e estrangeiros residentes apareciam em menor número nas manifestações. Quando os protagonistas das vigíli-as da igreja de São Nicolau se manifestavam, pedindo tolerân-cia, suas vozes eram abafadas por vaias e assobios. Garrafas de cerveja eram arremessadas nos estudantes estrangeiros que se dirigiam às massas. Cidadãos comuns que, dois meses antes, entoavam novo Fórum agora desfraldavam enormes bandeiras alemãs, coloridas de preto, vermelho e amarelo, cantando Deutschland, Deutschland uber Alies e Deutschland einig Vaterland*.

Em meados de novembro, Petra Lux levou para a praça central úm contingente de visitantes, participantes da Semana de Filmes Documentários Internacionais, em Leipzig.

Somente então ficou claro para mim que as coisas haviam tomado um claro rumo para a direita. Pelo que eu havia dito e pelo que haviam escutado, nossos convidados da Europa Ocidental, da África e América Latina esperavam ver algo realmente grandioso. Mas o sentimento racista e antiestran-geiro era bastante evidente. Estavam receosos, e eu incrivel-mente envergonhada. Essa foi a última vez que fui a uma demonstração de segunda-feira. As pessoas com tendências esquerdistas sabiam que era perigoso aparecer por lá.

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Atrás das bandeiras alemãs, havia um ultranacionalismo repulsivo e um perigoso entusiasmo que os agitadores da Ale-manha Ocidental taticamente alimentavam, na gélida Leipzig. As demonstrações de segunda-feira, berço da revolução não-violenta, testemunharam a estréia na RDA de mais de uma dúzia de partidos radicais de direita/Com gritos de uma Alemanha maior e judeus fora, suas exigências foram claramente um passo além do recém-descoberto sentimento geral de unificação ale-mã. O Partido Republicano, de extrema direita, mantinha um

f perfil dominante nas manifestações, distribuindo grandes

quan-tidades de propaganda, que haviam contrabandeado pelas frá-geis fronteiras. Òs rapazes, principalmente, se apossavam dos folhetos, adesivos de pára-choques e isqueiros do partido. Gru-pos neonazistas e os skinheads marchavam pelas ruas geladas, com os braços estendidos em saudação nazista e com bandeiras do Reich alemão sobre os ombros.

A recepção calorosa oferecida à direita em Leipzig provo-cou novas esperanças entre os partidos extremistas da RJFA já

estabelecidos. Embora a ultradireita da Alemanha Ocidental tivesse feito contato com grupos neonazistas e fascistas da RDA antes de 1989, a situação presente abriu um novo campo de oportunidades. As publicações de direita deixavam bem claro que a Middle German, como se referiam à RDA, era a nova linha de frente de suas campanhas. Em um relatório interno, Reinhard Rade, dirigente da campanha do Partido Republica-no da Bavária, orgulhou-se da recepção na praça Karl Marx, em Leipzig.

Noventa e cinco por cento dos manifestantes mostraram in-teresse em nossa propaganda e, em meia hora, todos os 25 mil panfletos haviam desaparecido. Alguns informantes da Alemanha Ocidental (!) e a Stasi tentaram promover agita-ções contra nós, mas a multidão os silenciou®.

Se pudessem candidatar-se às eleições, previu Rade, um resultado de 15% a 30% favoreceria os republicanos na primei-ra eleição da RDA. E concluiu seu relatório: "Esta é a hoprimei-ra dos republicanos!". Durante uma visita a Turingia, em janeiro de

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1990, o líder neonazista da Alemanha Ocidental, Michael Kühnen, declarou que fora sufocado por admiradores. O entu-siasmo inicial parecia estender-se além do apoio do núcleo dos skinheads e dos hooligans. Com o regime comunista em ruínas, muitos colaboradores de conveniência mostraram suas verda-deiras tendências, passando para as fileiras de ultradireita.

O inchaço do nacionalismo alemão podou, de maneira abrupta, possibilidades a longo prazo de uma RDA soberana. O colapso da ditadura foi o último golpe na frágil identidade da RDA, à gual os intelectuais democratas queriam dar novo signifi-cado,/Para um povo não politizado, confrontado da noite para o dia com uma crise de identidade, o nacionalismo era a opção mais conveniente e palpável. A vida dos cidadãos da RDA havia tomado um rumo inesperado e desconhecido, cuja incógnita eles próprios teriam que enfrentar, pela primeira vez.iEssas decisões agora teriam de ser tomadas aparentemente com base num sistema de novos valores. Embora o cidadão médio e cum-pridor das leis pudesse ter ficado feliz ao ver o Estado e sua ética depostos, esperava-se uma mudança mais em forma de dádiva do que de conflitos. O apelo feito pelos partidos de movimento democrático, no sentido de construir uma socieda-de civil nos molsocieda-des da participação socieda-democrática, foi ignorado.

O nacionalismo alemão ofereceu aos cidadãos da RDA uma rápida ideologia sucedânea que, com a estrutura unificada, tam-bém oferecia uma solução paternal, ostensivamente abrangen-te, para suas dificuldades, A possibilidade de unificação com a República Federal oferecia estabilidade, segurança econômica e uma ética j á estabelecida. A veemente negação do desacredi-tado Esdesacredi-tado comunista colocou, mais uma vez, os alemães da RDA ao lado dos vitoriosos da história/fComo cidadãos da RDA, ha-viam sido os conquistadores do fascismo e, como cidadãos da RFA, tornaram-se vitoriosos sobre o comunismo. Anetta Kahane, diretora do Escritório Regional para a Questão dos Residentes Estrangeiros em Berlim, argumenta que a conversão rápida dos alemães da RDA deixou de alterar suas convicções essenciais. Embora o Estado menosprezasse a identificação nacional, ex-plica Kahane,

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simultaneamente, dava pouca importância ao papel do indi-víduo e encorajava a filosofia de vida direcionada ao sossego, à ordem, à segurança, ao asseio e à disciplina. Mesmo com a rejeição ao Estado, o povo não alterou esse consenso funda-mental. Na verdade, rejeitavam os que questionavam tais va-lores. A intolerância e a brutalidade que caracterizavam essa repressão popular eram realmente surpreendentes4.

Para a direita, os acontecimentos em Leipzig mostraram que os tabus de um estado repressor não mais vigoravam. Nos meses que se seguiram à derrubada do muro, ocorreram mani-festações de racismo, cada vez maiores e mais assustadoras, pa-trocinadas pela direita na RDA.' A polícia limpava os muros pi-chados com os dizeres: Despertai grandiosa Alemanha! Não ao re-conhecimento da fronteira Oder-Neisse! e Fora estrangeiros! Precisamos de espaço- vital! Na manhã seguinte, lá estavam os dizeres, nova-mente^Á violência provinha especialmente de grupos de.jfa'n:.

headse neonazistas, que fortaleceram suas estruturas com armas, propaganda e conselhos táticos oferecidos pelo Ocidente. Logo, esses grupos possuíam arsenais de pistolas de ar comprimido, punhais e bastões de beisebol, armas típicas dos colegas do Oci-dente,íNesse ameaçador vácuo de poder, as inseguras unidades de polícia apenas observavam, enquanto a violência dos skinheads contra os estrangeiros, punks e representantes do sistema comu-nista manifestava-se a níveis sem precedentes. O relatório de 1990 do Escritório Federal para Proteção da Constituição descreveu um "dramático aumento da violência de extrema direita, prati-cada por skinheads na Alemanha Oriental", particularmente na Saxônia, Brandenburgo e Berlim Oriental. O relatório assinala-va padrões extremos de comportamento dos militantes da RDA e sua habilidade para reunir grande número de simpatizantes em dias específicos/Os peritos estimavam que o número de militan-tes neofascistas na RDA ficava em torno de duas mil a três mil pessoas, e o número de simpatizantes era desconhecido/

ataques aos residentes estrangeiros também aúmenta-/ram e pichações como: Fora turcos! Fora judeus! e Russos contra o

paredão! proliferavam-se/;/À primeira onda de violência após a queda do muro, entretanto, tinha como alvo principal a

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poli-cia, os invasores de casas ligados à esquerda e monumentos comunistas que, do ponto de vista da direita, eram todos repre-sentantes do sistema. Até que a liderança da reforma comunis-ta e os partidos de movimento democrático estivessem tocomunis-tal- total-mente fora do caminho, a esquerda permanecia o inimigo público

número um. Em Berlim Oriental, Leipzig e Dresden, grupos de saqueadores skins empreendiam batidas noturnas contra pré-dios dilapidados, ocupados por anarquistas punks e transfor-mados em comunidades de invasores. Depois dosjogos de fute-bol, a polícia cercava as casas de muros coloridos dos ex-contra-revolucionários, considerados anarquistas, com carros e unida-des especiais antiterroristas, para proteger os moradores.

Até mesmo em cidades menores e vilarejos, cinqüenta ou sessentajovens de direita causavam estragos em estações de trem e nas ruas, atacando com freqüência a força policial menos numerosa/A violência chegou ao pico no dia 20 de abril de 1990, com a celebração dos 101 anos de Adolf Hitler. Depois He uma partida de futebol, no estádio de Cantian, em Berlim Oriental, quinhentos a seiscentos skinheads nazistas e uma vari-edade de hooligans marcharam na alameda Schõnhauser, con-clamando: Comunistas fora! e Heil Hitler!. A polícia de choque contra-atacou os radicais bêbados, empurrando-os até o centro da Alexanderplatz, onde uma verdadeira batalha eclodiu entre os maniféstantes skins e os seiscentos policiais//

A ASCENSÃO DA NOVA DIREITA

íÒ ingresso dos partidos de ultradireita da Alemanha Ocidental na RDA marcou uma virada crítica para a ultradireita na Alemanha Oriental. Os ocidentais apressaram-se em transferir suas estruturas para os mal-organizados grupos do Leste. Õs mais sofisticados e atuantes neofascistas da RDA rapidamente integraram-se aos partidos de direita do OcidenteJ\té o início de 1990, a maioria dos partidos ocidentais havia formado organizações irmãs na RDA. Os skinheads também, embora indisciplinados e divididos, receberam apoio básico e orientação dos partidos da RFA. As primeiras indicações de que um

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radicalismo de direita específico se desenvolveria na RDA foram diminuindo, mês a mês. Mais de uma vez, a receita para o terror provou ter seu cérebro no Ocidente e os músculos no Oriente. "Em meados do ano de 1990", argumentou o cientista político berlinense, Norbert Madloch,

ficou claro que, devido à grande ajuda amiga, provinda do Ocidente, o modelo organizado dos partidos da RFA predo-minaria. A característica dos extremistas de direita da ROA mostrava-os como sendo muito mais radicais e militantes do que seus companheiros do Leste. Embora estivessem prepa-rados para experimentar novas formas de ação, ainda esta-vam muito aquém, tanto intelectual como sistematicamente, de suas organizações de origem5.

De acordo com Madloch, o potencial de violência e a rapi-dez com que os militantes dó Leste estavam se armando ultra-passavam os do Ocidente. Mesmo nas escolas primárias, os jo-vens radicais andavam armados e eram atuantes nas violentas : gangues de direita...

A incorporação'da difusa direita da RDA ao movimento neo-fascista da Alemanha Ocidental trouxe consigo os desenvolvimen-tos estratégicos e ideológicos, já amadurecidos durante várias décadas na RDA. Desde o começo dos anos 50, partidos de ultra-direita atuavam legalmente na República Federa}, contanto que não fizessem uso de termos e símbolos íasristas. Anteriormente, nos anos 80, o auge dos esforços eleitorais da ultradireita foi o voto federal em 1964, quando o Partido Nacional Democrata da Alemanha (Nationaldemokratische ParteiDeutschlands), OUNPD,

conseguiu 4,3% do voto popular, faltando muito pouco para al-cançar os 5% necessários para obter representação no parlamen-to. Entretanto, a maioria dos conservadores nacionalistas e ele-mentos de ultradireita instalaram-se na ala direita de um dos partidos de tendência conservadora, a União Democrática Cris-tã (CDU) e seu partido coligado na Bavária, União Social CrisCris-tã

(csu). Mas a Ostpolitik* de reconciliação da CDÜ/CSU com a RDA, * Política do Leste.

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no começo dos anos 80, foi demais para os conservadores da ala direita. Decidiram, então, que chegara a hora de lançar suas candidaturas sozinhos.

vNo começo dos anos 80, a chegada da Nova Direita na Ale-manha Ocidental {Neue Rechté), juntamente com a Nova Direi-ta na Inglaterra (New Right), França (Nouvelle Droite) e em ou-tros países da Europa Ocidental, iniciou uma nova etapa na historia da direita européia^À meta estabelecida pelos

primei-ros pensadores na Alemanha Ocidental era "tirar a direita ale-mã da sombra de Auschwitz" e assim distanciar o movimento do amaldiçoado estigma de seu passado nazista.. A estratégia desses semelhantes círculos de discussões, publicações e orga-nizações continha dois elementos principais. Primeiramente, os intelectuais de direita tentaram influenciar a cultura política de pós-guerra, de forma a desestigmatizar as idéias fascistas que não faziam parte do consenso liberal. Argumentavam que o movimento de ultradireita só seria viável quando sua lingua-gem e idéias fossem aceitas como parte do discurso político. Os neofascistas modernos, através de uma revolução cultural de di-reita, buscaram criar um clima social e político que, mais uma vez, seria receptivo a idéias fascistas/7

•í À visita de Ronald Reagan, então presidente dos Estados

! Unidos, a um cemitério militar em Bitburg, na Alemanha

Oci-dental, em 1985, e o Debate de Historiadores, um ano após, era exatamente o que os pensadores da Nova Direita tinham em mente. A despeito dos protestos internacionais, Reagan concordou em participar de um culto, em Bitburg, no dia 8 de maio, em celebração aos quarenta anos do término da Segun-da Guerra Mundial e à capitulação Segun-da ditadura nazista. O pro-testo surgiu não pelas comemorações propriamente ditas, mas pela escolha do local, feita pelos líderes mundiais: um cemité-"riò com túmulos de soldados alemães da Primeira e da Segun-da Guerras, inclusive de ex-oficiais nazistas. Ao abaixar sua ca-beça juntamente com o chanceler Kohl, o minuto de silêncio do presidente Reagan implicitamente colocou no mesmo pla-no moral a morte dos nazistas alemães e de todos os outros que perderam a vida nas mãos deles durante a Segunda Guerra

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Mundial e o Holocausto. A implicação era que todos os mortos na Segunda Grande Guerra seriam vítimas: judeus e alemães, nazistas e aliados. A cerimônia em Bitburg foi um passo dado em direção à normalização da herança nazista e à mitigação do peso histórico do povo alemão.

J/Ao escândalo de Bitburg seguiu-se o Debate dos Historia-dores. As interpretações que buscavam absolver a era nazista, feitas por um contingente de respeitados historiadores conser-vadores, iniciaram uma controvérsia tempestuosa nos círculos acadêmicos e públicos. Entre outros pontos, os revisionistas igua-lavam o nacional-socialismo aos crimes do stalinismo, minimi-zando efetivamente as atrocidades únicas e especiais cometidas pelos nazistas/Embora a Academia criticasse severamente os conservadores, a controvérsia pública deu, de maneira irrestri-ta, uma nova legitimidade às idéias da Nova Direiirrestri-ta, que esta-vam lançadas e tinham ganhado terreno.

O segundo objetivo da Nova Direita foi a construção de uma imagem moderna para o movimento, que agradasse a um número abrangente de seguidores. As camisas pardas e as suásti-cas do passado foram substituídas por uma fachada mais jovem e profissional. Abandonaram-se terminologias como suprema-áa ariana e sangue e terra (Blut und Boden) por suas congêneres como unidade européia e proteção ambiental. A linguagem era, sem dúvida, menos ameaçadora, mas o conteúdo não menos reaci-onário. Para libertar o neofascismo do lastro nazista, a Nova Direita sacrificou Adolf Hitler. O objetivo claro da crítica caute-losa ao nacional-socialismo era eximir o fascismo alemão de dois crimes vergonhosos do regime nazista: o Holocausto e a Grande Guerra,/

/A fim de evitar os pontos mais obscuros do nacional-socia-lismò, os teóricos da Nova Direita agarraram-se a personagens relacionadas ao período de 1933 a 1939 do Terceiro Reich, como: o capitão da SA, Ernst Rohm, vítima da Noite dos facões, e os pensadores pré-fascistas da República de Weimar, como os irmãos Gregor e Otto Strasser. Em substituição às teorias nazis-tas, abertamente racisnazis-tas, os membros da Nova Direita abraça-ram teorias camufladas de identidade naáonal é especificidade

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ét-nica, que caracterizavam uma hierarquia similar de povos. O resultado eram slogans como: Alemães, orgulhem-se de ser alemães; turcos, orgulhem-se de ser turcos. Unidos contra o comunismo e a inte-gração raàalJf

O conjunto central de teorias que sustenta a ideologia da Nova Direita é a comunidade popular (Volksgemeinschaft), um con-ceito central da teoria nazista e de todas as ideologias naciona-listas étnicas. De acordo com os membros da Nova Direita, to-dos os alemães, pelo mero fato de serem alemães, pertencem à comunidade popular alemã, comunidade étnica fechada, basea-da na cultura e nos valores nacionais comuns. Dentro dessa comunidade natural, todos os elementos são teoricamente iguais e superiores aos de fora. A Nova Direita oferece a comunidade popular como alternativa ao pensamento que ludibria as pesso-as na sociedade pós-industrial moderna. Argumentam que a modernidade desagregou o ser humano, lançando-o como um indivíduo diminuído num mundo alienado e de alta tecnolo-gia. Todavia, em vez de confrontar o dilema da modernização com formas vinculadas de sociedade e comunidade social, a Nova Direita refugia-se no mundo da tradição, família e nação. À ascensão meteórica do Partido Republicano, no fim dos anos 80, anunciou formalmente a chegada da Nova Direita na RFA. Fundatlo numa taverna da Bavária, em 1983, o novo parti-do seguiá Franz Schònhuber, 60 anos, antigo jornalista da rá-dio local e ex-membro da Waffen ss. Schònhuber apresentava a imagem da Nova Direita com grande habilidade. Manobrava o fato de ser ex-nazista, enquanto deixava claro que se orgulhava de ter pertencido à Waffen ss e que havia algo realmente digno de ser resgatado da era nazista pelos alemães. A idéia de comu-nidade popular trz. transmitida pelos dois slogans principais: Or-gulho-me de ser alemão e Queremos permanecer alemães.

./Em princípio para multidões receptivas nas cervejarias da Bavária, e depois através de toda a República Federal, Schònhuber espalhava com vigor sua mensagem nacional-popular. Argumen-tava veementemente que a história alemã deveria ser inocentada para que os alemães pudessem novamente orgulhar-se de seus símbolos nacionais e valores tradicionais.|Schônhuber mostrou

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a pequeno-burguesia alemã como a verdadeira perdedora na : sociedade moderna pós-industrial. O tradicional senso de segu-rança e proximidade, típica da família alemã tradicional, tinha sido perdida, devido a influências esquerdistas, tais como os movi-mentos feministas. Em denúncias contra os estatutos liberais de asilo político e imigração na RFA, os republicanos manipularam uma potente combinação de nacionalismo, racismo e frustração social. Somente uma restrição rígida à entrada de estrangeiros na Alemanha "impediria o abuso e o dano aos cidadãos alemães, à sua segurança e à sua essência comunitária". Possivelmente o partido mais independente de todos os tempos, o Partido Repu-blicano pregava a queda da RDA e unificação imediata das duas Alemanhas. Ao contrário de outros partidos de direita, os

repu-blicanos mantinham um silêncio diplomático sobre "territórios alemães perdidos", a leste da fronteira do Oder-Neisse.

.y . À espetacular ascensão do Partido Republicano ocorreu no espaço de um ano. Em janeiro de 1989, o partido alcançou a fantástica cifra de, 7,5% dos votos nas eleições municipais de Berlim Ocidental.Ãlguns distritos de trabalhadores deram 20% de seus votos aos extremistas, e sucessos similares seguiram-se. Em junho daquele ano, dois milhões de alemães ocidentais vo-taram no Partido Republicano, nas eleições para o Parlamento Europeu, enviando Schónhuber e cinco adeptos para o parla-mento de Estrasburgo/Análises das tendências eleitorais reve-laram que foi principalmente a demagogia racista direcionada contra os residentes estrangeiros na Alemanha Ocidental que deu a vitória ao partido. Noventa e sete por cento desses eleito-res do Partido Republicano admitiram que não estavam prepa-rados para reconhecer os residentes estrangeiros da RFA como conterrâneos. Mais de dois terços confessaram que "se não fos-se pela guerra e pelo Holocausto, Hitler teria sido um dos mai-ores estadistas da Alemanha."

Extraordinariamente, a formação dos eleitores do Partido Republicano apresenta uma imagem quase espelhada dos sim-patizantes de direita na RDA comunista e dos novos estados fe-derais. Embora o Partido Republicano tenha erroneamente li-gado os problemas econômicos e sociais do país à presença de

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estrangeiros na Alemanha, os distritos que tiveram grande vo-tação republicana apresentavam um número muito pequeno de residentes estrangeiros./Èm outras palavras, os eleitores do Partido Republicano não eram contra os estrangeiros porque tinham vizinhos turcos. Na realidade, os distritos com alta con-centração de residentes estrangeiros apresentaram resultados a favor dos republicanos abaixo da média. Tampouco o partido reuniu grandes fileiras de simpatizantes entre os desemprega-dos e os não-privilegiadesemprega-dos. Assim ccimo os cidadãos de Hoyerswerda, o eleitor comum do Partido Republicano é de ciasse média ou tem padrão de vida alto,/Os pequenos comerci-antes, burocratas e assalariados que apoiaram o Partido Repu-blicano fizeram-no por medo do futuro. Muitos trocaram os votos do Partido Social-Democrata pela ultradireita/'/Uma por-centagem alta e desproporcional de eleitores do Partido Repu-blicano era do sexo masculino (três vezes mais do que mulhe-res), jovens (muitos entre os 18 e 23 anos de idade) e com nível de escolaridade abaixo dos outros eleitores. O Partido Republi-cano também teve excepcional votação entre moradores dos projetos habitacionais urbanos, os complexos Neubau do tipo Hoyerswerda, que o governo social-democrata havia construí-do nos anos 60 e 70.

A Nova Direita conseguiu traçar um caminho entre a velha escola neofascista e a cnu/csu, mas falhou ao tentar eliminar as fileiras de facções radicais ostensivas do cenário da extrema di-reita. Ao contrário da Frente Nacional na França, os republica-nos não conseguiram unir o espectro das forças de ultradireita sob sua bandeira. Os republicanos representavam uma coali-zão indefinida de forças de ultradireita com identidades dife-rentes, objetivos conflitantes e, o que é pior, com líderes rivais/ Os partidos renovados da Nova Direita como o NPD e o Deutsche Volksunion (União dos Povos Alemães) dependiam primordial-mente de estratégias eleitorais, embora não se eximissem de cortejar skinheads e de favorecer a violência. Organizações neo-nazistas, tais como a Frente Nacionalista, o Partido Liberal dos Trabalhadores Alemães e o Deutsche Alternative empregavam regularmente a violência e dependiam muito dos skinheads e

Referências

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