TRADIÇÃO TEOSÓFICA OCIDENTAL E MAÇONARIA
TRADIÇÃO TEOSÓFICA OCIDENTAL E MAÇONARIA
Mitos – Tradições – Práticas
Teosofia do grego significa literalmente “conhecimento de Deus”, não de um Deus externo ao Homem, mas do divino no Homem, vivido e auto-realizado por
experiência directa, sem a mediação de figuras de autoridade “espiritual” supostamente iluminadas, ou de doutrinas ditas reveladas, dogmáticas e sectárias.
Embora seja o substrato de todos os sistemas iniciáticos e de todas as grandes religiões e filosofias geradoras de sabedoria do mundo, tanto ocidentais
como orientais, portanto uma sageza ensinada e praticada desde o início da humanidade pensante, não se confunde nem se pode confundir com nenhum deles.
A sua natureza é um corpus de saber e prática autónomos e primordiais, cuidadosamente guardado e transmitido por teósofos, ou conhecedores de Deus, em
todas as épocas, e não se deve confundir com religiões e filosofias, com doutrinas e sistemas iniciáticos, esotéricos e ocultistas que se manifestam
pontualmente nas várias culturas do planeta.
Por ser ponto de convergências de saberes e práticas da Teosofia universal sob forma de uma linguagem e de uma simbólica iniciáticas, a Maçonaria pode
considerar-se como uma das herdeiras modernas dessa Teosofia perene, pelo que importa saber qual a relação entre ambas.
O termo Teosofia aparece no terceiro século da nossa era, associado a Ammonius Saccas, pai do Neoplatonismo (síntese do platonismo com a sageza iniciática
egípcia e judaica) e tem um seu equivalente, na gnose hindu, sob a designação Brahma-Vidya (ou ciência de Deus), mas o conceito e a sua prática são muito
mais antigos. Modernamente está identificado com Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, em 1875, e ao revivalismo maçónico dos séculos XIX e
XX, a que a Teosofia contemporânea não é de modo algum estranha.
Conteúdos
Panorâmica de um conjunto de precursores ocidentais, desde o séc. XV até ao séc. XX, com influência nas ideias e práticas teosóficas, ao nível da linguagem
e da simbólica, que se reflectiram na estrutura filosófica e iniciático-simbólica da Maçonaria:
Paracelso (1493-1541)
John Dee (1527-1609)
Robert Fludd (1574-1637)
Jakob Böhme (1575-1624)
Johann Georg Gichtel (1638-1710)
Martinez de Pasquallys (1638-1710)
Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824)
Alexandro Cagliostro (1743-1795)
Louis Claude de St. Martin (1743-1803)
Wolfgang von Göthe (1749-1832)
Karl von Eckartshausen (1752-1803)
Eliphas Levy ((1810-1875)
Visconde de Figanière (1827-1908)
Helena Petrovna Blavatsky (1831-1933)
Annie Besant (1847-1933)
Charles Leadbeater (1847-1934)
Rudolf Steiner (1861-1925)
Mario Roso de Luna (1872-1931)
Importância do papel preponderante destes vultos no pensamento filosófico e científico ocidental, bem como no pensamento e práticas que se plasmaram no
pensamento maçónico, sobretudo na sua versão ou matriz oitocentista, que perdura com variações de pormenor até hoje.
Fundação da Sociedade Teosófica e influência que alguns dos seus membros tiveram no pensamento e na estrutura da Maçonaria actual.
A Teosofia ocidental é penetrada de quatro séculos de tradições iniciáticas. A ela pertenceram personagens fora de série que influenciaram
a maçonaria ou foram, eles próprios, maçons. Oficialmente a história da Maçonaria começa com a criação da primeira Loja (lodge) na Escócia
no século XVI / XVII, mas não há origens definidas, trata-se de um universo plural que também bebeu, por exemplo, na prática dos arquitectos das catedrais
franceses da Idade Média. Existe uma espécie de corrente de personagens que transmitiu um certo saber.
Esta primeira loja escocesa era antes uma tertúlia, onde comerciantes, trabalhadores e outras pessoas curiosas se encontravam. No início nem existiam
rituais propriamente ditos, havia um sinal que exprimiu o compromisso dos membros em termos de entreajuda, fraternidade e beneficência. Na Alemanha e em
França já existiram grupos deste género, que tiveram origem nas construções das catedrais. Com o tempo, as suas assembleias se tinham tornado mais
filosóficas, afastando-se da origem prática de um saber expresso iconograficamente no próprio espaço das catedrais assim como no seu programa de decoração
iconográfico.
O ser humano é imperfeito, incompleto quando nasce, é preciso completá-lo para que deixe de viver como membro de uma espécie biológica e
se torne um verdadeiro ser humano. A tarefa é dar a volta a esta forma natural do homem, no qual o verniz civilizacional estala em qualquer momento – o que
se vê facilmente em situações extremas, nas guerras, conflitos territoriais e relacionais, etc.
A questão foi sempre como será possível dar a volta, passar da espécie para o ser humano, como criar sociedades com valores humanos estáveis. Esta
preocupação civilizacional foi sempre prioritária tanto nos indivíduos da tradição teosófica como nas próprias Escolas de Mistérios. A mais-valia do seu trabalho foi a propagação, através da cultura e educação, de valores inovadores. A corrente teosófica reivindica-se, em primeiro lugar, da compreensão da natureza e da natureza do ser humano pela sabedoria da unidade de todas as coisas, vendo o
cosmos como um tudo e vendo o ser humano como um microcosmos que espelha as leis do macrocosmos. Em ambos vigora uma ordem tripartida que, no homem, está
patente no seu cérebro tripartido – o cérebro reptiliano ou arcaico, o cérebro límbico e o neo-cortex ou seja, as inteligências cognitiva, emocional e
psico-motor (vontade). Em segundo lugar, a corrente teosófica baseia-se na Igreja Interior ou Igreja Invisível que existe desde a
origem do tempo e acompanhou sempre as civilizações, reunindo universalmente indivíduos através do campo de consciência. (Veja-se: Karl von Eckartshausen: A Nuvem sobre o Santuário). Trata-se de uma confraria oculta de sábios, na qual todo o saber está presente como conhecimento conectado em
rede.
Helena Blavatsky
, fundadora da Teosofia ocidental nos tempos modernos, foi a primeira mulher que, no fim do século XIX, conseguiu entrar no Tibete, país hermeticamente
fechado a estrangeiros, onde conseguiu comunicar com alguns dos membros desta confraria. Através dos seus livros divulgou no Ocidente o saber adquirido.
Entre outros publicou um livro dedicado à origem do ritual na igreja e na maçonaria. (veja-se: As Origens do Ritual na Igreja e na Maçonaria )
Apesar dos inúmeros textos dedicados à iniciação egípcia, não sabemos praticamente nada acerca dela, uma vez que tudo o que se passava nas
Escolas de Mistérios egípcias ter sido segredo e transmitido sob estrito sigilo. O chamado Livro dos Mortos dos egípcios não descreve o ritual da
iniciação, e o adepto ou iniciado que revelava o segredo, era ameaçado de morte. Nos tempos dos Mistérios de Eleusis, herdeiros dos
rituais egípcios na Grécia, Lucius Apuleius, no seu livro O Burro de Ouro , descreve o processo da iniciação pelo qual ele
próprio passou, contudo, não é explícito sobre o ritual iniciático propriamente dito. Sabemos, por exemplo, que o adepto recebia a iniciação, ajoelhando-se
face ao iniciante, mas ignoramos o que se passava entre ambos. A estes mistérios, que formaram o fundamento do poder grego, participavam tanto mulheres
como homens. Também dos Mistérios de Mitra pouco sabemos. Neles o touro tinha um papel preponderante, representando a natureza selvagem do
ser humano que tinha de ser dominada. As touradas da península ibérica têm nestes rituais a sua origem.
Na Idade Média e com as Cruzadas, surge a Ordem do Templo, com os monges-cavaleiros, os Templários, que eram os primeiros banqueiros
europeus, gerindo os negócios ligados aos conflitos bélicos entre cristãos e árabes, devido à ocupação da Cidade Santa por estes últimos. Estes conflitos
armados eram uma fonte de bastante lucro. O pensamento teosófico foi, nestes tempos, influenciado pela tradição esotérica do Oriente e pelas Escolas de
Mistérios. Foram sempre indivíduos que transmitiram um certo saber às respectivas sociedades e culturas. Muitos deles foram perseguidos, difamados ao Santo
Ofício e assassinados. A Igreja Católica odiava estes espíritos rebeldes e livres, cuja preocupação era de enriquecer e desenvolver a civilização humana.
A Ordem do Templo transmitiu a iniciação a poucos eleitos na sua sede em França. Na mesma época surgiam as catedrais francesas,
nomeadamente a catedral de Notre Dame de Paris e a catedral de Chartres. Os seus arquitectos, ligados aos Templários, deram-lhes uma configuração espacial
e desenvolveram um programa iconográfico para as suas fachadas, portais e vitrais que as tornaram em livros abertos da simbologia iniciática. Transmitem
deste modo uma tradição bem viva, que encontrou depois a sua síntese na Alquimia, muito disseminada entre os adeptos e iniciados dos
séculos que se seguem. Aos construtores das catedrais foram buscar a sua simbologia do esquadro, do nível, da régua e do compasso. Nas primeiras lojas
maçónicas ainda não encontramos vestígios destes símbolos, foram acrescentados mais tarde. Juntaram-se também a escada e o próprio templo a estes símbolos,
ambos significando a relação do ser humano com o cosmos. Inicialmente os maçons, nas suas reuniões, delimitaram o espaço sagrado para a iniciação pelo
desenrolamento de um tapete no qual estava representado o templo salomónico e as duas colunas que guardavam a sua entrada. Só mais tarde construíram-se
templos maçons próprios.
Outro grande indivíduo nesta série de homens que transmitiram o conhecimento perene às civilizações foi Paracelso, homem revolucionário
nas suas ideias e pesquisas.
O homem à procura da luz, apresenta-se na iniciação, sempre ajoelhado, muitas vezes com uma venda nos olhos, símbolo que já aparece na
tradição antiga da gnose e se mistura na Maçonaria com símbolos mais recentes como a pedra cúbica. Da iniciação faz parte a morte simbólica, a descida ao
inferno e a ascensão à luz. A Alquimia procura realizar este processo de transmutação nos seus laboratórios secretos como eclosão do
mistério. Hermes é o mítico patrono da alquimia, onde os processos estão sob os signos do Sol e da Lua. Outros símbolos utilizados são o
triângulo (no cristianismo símbolo do olho de deus), ou o pelicano que fere o seu peito para nutrir a sua cria com fome, com o seu próprio sangue. Na
alquimia é a figura do Rebis que simboliza o complemento dos opostos depois de todas as operações da Grande Obra serem alcançadas, é o Hieros Gamos, o casamento sagrado entre o rei e a rainha.
A iniciação é a primeira verdade, corresponde à Primavera no ciclo anual, e corresponde a uma espécie de peregrinação que cava o poço
fundo em nós mesmos para descobrir dentro de nós o princípio da revelação. O princípio da iniciação universal é um processo interno em cada um para
encontrar o conhecimento perene.
Jacob Böhme foi outro dos grandes vultos da Maçonaria, mesmo que, na vida inteira, se declarou oficialmente como bom cristão para não sucumbir às
perseguições de heréticos que a Igreja Católica promovia.
Na Maçonaria, os símbolos mais simples do esquadro, compasso e cinzel representam, respectivamente, as nossas três áreas de sensação – a
vontade, a emoção e a inteligência - que já no tempo de Pitágoras foram designadas como as ferramentas disponíveis ao ser humano no caminho para a
iniciação. O triângulo, símbolo mais tardio, designa a mesma visão trinitária, também expressa na separação em submundo, mundo e supra-mundo, seguindo o
antigo lema hermético de uma relação orgânica entre o que está em cima e o que está em baixo, entre o homem e o cosmos. Outro símbolo tardio é o da espada
flamejante que trespassa o coração, designando esta pulsão em nós que procura a luz e que só pode ser alcançada pela visão do coração, não pela
inteligência cognitiva: é a emoção que transfigura. A divisão trinitária do homem espelha a divisão dos mundos. A metamorfose humana que a iniciação
proporciona, é esta revelação, dentro do velho Adão, o seu próprio ser. Que o adepto se apresente em muitas das imagens da iniciação na sua nudez refere-se
a esta mudança radical, simula esta metamorfose.
Outro indivíduo excepcional que mostrou em palavras e imagens a natureza do ser humano como homem dividido em três zonas de sensação, foi Robert Fludd, mostrando a iniciação como processo que permite integrar o que está normalmente dividido em nós: a inteligência cognitiva,
os afectos e a vontade como área ligada ao mundo natural (o Eu territorial que defende o que pensa lhe pertencer, é a área mais difícil de transformar).
Este processo de unificação faz-se, no Ocidente, de cima para baixo (e não de baixo para cima a partir da força chamada Kundalini dos hindus). O cérebro
projecta-se nas três zonas do corpo humano, no fluxo vital constante entre cima e baixo, entre o cosmos e o homem. O templo é símbolo desta relação
ininterrupta. A verdadeira Consciência do homem é transcerebral. Para captar a revelação destas forças supra-cerebrais, para desenvolver a árvore, que tem
as suas raízes no céu, em nós, e alcançar a percepção da sabedoria, temos de desenvolver ferramentas em nós próprios. Nesta nova visão das coisas, a morte
torna-se ilusória, uma vez que as instâncias de Consciência sobrevivem a morte física.
A Bíblia diz que no início era o verbo, a tradição gnóstica fala da luz como princípio que rasga a escuridão primordial e cria o universo, só
depois surge o verbo. A luz primordial cria tudo, continua a criar o mundo a cada instante e cria-nos a nós. O cristianismo chama a esta força criadora
incessante Espírito Santo, representada na tetraktys de Pitágoras ou na árvore dos Sefirot da Cabala.
No século XVI surge na Alemanha a confraria dos Rosa+Cruz que se espalha depois na Europa, sendo por muitos vista como um "Colégio de
Invisíveis" nos mundos internos, formado por grandes
adeptos, com o intuito de prestar auxílio à evolução espiritual da humanidade. O
símbolo da rosa mística no centro da cruz designa o coração, onde os adeptos, ao exemplo das abelhas, vão buscar o mel da sabedoria. A figura doConde de S. Germain surge desde o século XVI, e aparece durante três séculos como um iniciado misterioso transversalmente à Igreja Interior, estando por detrás da sabedoria maçónica perene. Outro vulto maçónico que divulga esta sabedoria é Eliphas Levy
que no seu livro mais conhecido, Dogma e Ritual da Alta Magia, elaborou uma parte prática, baseada num comentário aprofundado do Tarot. Este jogo de cartas, surgido misteriosamente na época do Renascimento italiano, representa outro modo de transmitir pelos seus 21
Grandes Arcanos a sabedoria perene, salvando-a do esquecimento. A Maçonaria é herdeira das escolas
cabalísticas. Durante séculos
admite apenas homens, só no fim do século XIX cria as chamadas Lojas da Adopção, designadas às mulheres. Só mais tarde criam-se lojas
femininas autónomas com direito à iniciação. Estas mulheres lutam, no início do séc. XX activamente pelos direitos da mulher.
O símbolo dos rosa-cruz mostra o Sol e um pelicano que nutre sete crias – os sete planetas numa apoteose da transcendência do ser humano.
Em todas as lojas maçónicas, o princípio que não há luz sem sombra, nem sombra sem luz está proeminente. Muitos símbolos se referem a esta verdade. Os
alquimistas procuram a pedra filosofal, a luz primordial. No centro do pentagrama, outro símbolo recorrente, está a letra G, não se sabe
muito bem qual o seu significado – talvez designe o Grande Arquitecto do Universo, nome que os maçons dão ao divino. Noutras imagens do pentagrama surge
uma serpente atravessado por uma flecha (O S. Jorge cristão que mata o dragão retoma este símbolo). Qual é esta serpente? Ela representa a
energia indestrutível, a energia que nunca se perde mas se transforma e remete para a energia própria que está à disposição em cada ser humano para a sua
transformação.
Para a renovação da Teosofia no ocidente os trabalhos de Helena Blavatsky foram fundamentais. Os seus livros mais importantes são Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta. Os seus colaboradores, Annie Bésant e Charles Leadbeater, que pertenciam à Maçonaria mista, preocupavam-se, por um lado, com os direitos humanos, por outro, por um processo de ascese interna, iniciática dentro da
sabedoria perene. Rudolf Steiner, pertencendo inicialmente à Sociedade Teosófica, criou mais tarde a Antroposofia com o
intuito de transferir o princípio da iniciação à sociedade, à arte e à educação.
A lenda fundadora da Maçonaria, a chamada Lenda do Templo, refere-se ao arquitecto de Salomão, Hiram Abiff, apresentado como salvador
maçónico, e apregoa um rito de morte e ressurreição do seu salvador.
Outro dos indivíduos excepcionais que proporcionou uma síntese do saber maçónico foi o Conde de Cagliostro que viveu no séc. XVIII,
antecipando de certo modo a missão que Helena Blavatsky cumpriu mais tarde. Ele foi ocultista, místico e maçon, e deixou um testamento filosófico que
sintetisa a sabedoria perene, identificando-o como o último dos grandes rosa-cruz (Blavatsky). O seu primeiro parágrafo começa deste modo:
« Je ne suis d’aucune époque ni d’aucun lieu ; en dehors du temps et de l’espace, mon être spirituel vit son étincelle d’existence et,
si je plonge dans ma pensée en remontant le cours des âges, si j’étends mon esprit vers un mode d’existence éloigné de celui que vous
percevez, je deviens celui que je désire. Participant consciemment à l’Etre absolu, je règle mon action selon le milieu qui m’entoure.
Mon nom est celui de ma fonction, parce que je suis libre ; mon pays est celui où je fixe momentanément mes pas. Datez-vous d’hier, si
vous le voulez, en vous rehaussant d’années vécues par des ancêtres qui vous furent étrangers ; ou de demain, par l’orgueil illusoire
d’une grandeur qui ne sera peut-être jamais la vôtre ; moi, je suis Celui qui Est. V. Q.