421
a
indenização do dano de viaGem arruinada e o dever deCooperação do viaJante previsto no
d
eCreto-l
ei17,
de8
demarço de
2018:
Breves notas soBre od
ireitop
ortuGuêsT
heindemnificaTionofruinedTraveldamageandTheduTyof cooperaTionofTheTravelerprovidedforind
ecree-l
aw17,
of
m
arch8, 2018:
briefnoTesonp
orTuguesel
awf
elipeC
omarelam
ilanez Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre em DireitoPrivado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito dos Contratos e do Consumo pelo Centro de Direito do Consumo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG e do BRASILCON. Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto/MG. felipemilanez@gmail.com
Recebido em: 02.07.2018 Pareceres em: 29.07.2018 e 04.08.2018
áreado direito: Consumidor
resumo: O artigo aborda a relação entre o dever
de indenizar pelo dano de viagem arruinada e o dever de cooperação do viajante/consumidor estabelecido no regime de acesso e de exercício da atividade das agências de viagens e turismo. A partir da compreensão das funções da indeni-zação no Direito Português, observa-se a neces-sidade de imposição do dever de indenizar pelos danos de viagem arruinada em razão da gravidade da ofensa causada sobre um dos componentes do direito de personalidade. Todavia, o apuramento do quantum indenizatório encontra-se
vincula-do à ponderação vincula-do comportamento vincula-do viajante/ consumidor no momento da identificação da não conformidade do contrato, conforme disposto no Decreto-Lei 17, de 8 de março de 2018.
aBstraCt: This article addresses the relationship
between the obligation to indemnify for ruined travel damage and the traveler/consumer’s duty of cooperation established in the regime for access and exercise of the activity of travel and tourism agencies. From the understanding of the functions of indemnification in Portuguese Law, it is observed the need to impose the duty to compensate for ruined travel damages due to the seriousness of the offense caused on one of the components of the right of personality. Howe-ver, the calculation of the indemnity quantum is linked to the weighting of the traveler/consumer behavior at the moment of identification of the nonconformity of the contract, as established in Decree-Law 17 of March 8 2018.
palavras-Chave: Viagens turísticas – Incumpri-mento contratual – Dano de viagem arruinada – Dever de cooperação.
keywords: Tourist trip – Breach of contract – Ruined travel damage – Duty of cooperation.
Sumário: 1. Introdução. 2. O dever de indenizar e o dano não patrimonial. 2.1. As funções
da indenização dos danos não patrimoniais. 2.1.1. A função compensatória. 2.1.2. A função punitiva. 3. Dano moral e a proteção dos direitos de personalidade. 4. As viagens turísticas, o incumprimento contratual e o dano de viagem arruinada. 4.1. Breve contextualização legisla-tiva. 4.2. O contrato de viagem turística. 4.2.1. A agência de viagem e turismo. 4.2.2. O viajante. 4.3. O incumprimento contratual e o dano de viagem arruinada. 4.4. O dever de cooperação como filtro para a análise do dano de viagem arruinada . 5. Conclusão. Referências bibliográ-ficas.
1. i
ntroduçãoO movimento político-jurídico de defesa do consumidor iniciado em mea-dos do século XX trouxe importantes reflexos nas mais diversas áreas do Di-reito em Portugal, sendo notadamente no DiDi-reito Civil onde essa influência vem se mostrando cada vez mais marcante, levando alguns institutos clássicos a sofrerem uma releitura constante perante as normas especiais de proteção do consumidor.
No campo da responsabilidade civil, v.g., a ampliação da sua incidência em razão da violação de determinados interesses influenciou, como consequência da percepção de que a gravidade dos comportamentos exigia a tutela do Direito, o reconhecimento de novas situações geradoras de danos não patrimoniais.
Um exemplo dessas mudanças encontra-se no tratamento conferido aos de-nominados danos de viagem arruinada1, que, relacionados ao regramento
1. Miguel Miranda adota a expressão danos de férias arruinadas (O contrato de viagem orga-nizada. Coimbra: Almedina, 2000. p. 328 e ss.). A expressão dano das férias estragadas também aparece na jurisprudência portuguesa, como indicado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa publicado em 24.06.2008, relativo ao processo 2006/2008-7: “Em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do programa contratual, além de outros danos eventualmente sofridos, os lesados têm ainda direito a receber indemnização pelo chamado “dano das férias estragadas”, decorrente da frustração de não se ter realizado a via-gem tal como fora idealizada e programada, dano que assume particular relevância quando se trata de destinos longínquos e caros, a que se não volta com facilidade uma segunda vez”. Referidas expressões assemelham-se àquelas adotadas por outros ordenamentos.
No Brasil, férias frustradas. GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Dos contratos de
454 Revistade diReitodo ConsumidoR 2018 • RDC 119
Será necessário, contudo, atentar para os impactos gerados pelo dever de coo-peração previsto art. 28º (1) do Decreto-Lei 17/2018, pois através dele reafirma--se, com a relevância conferida ao comportamento das partes envolvidas no caso concreto, a importância da equidade como critério justificador do dever de indenizar. Além de estabelecer mais um filtro para o reconhecimento de danos não patrimoniais dentro da responsabilidade contratual e evitar a ampliação indiscriminada desta aquando da ocorrência do incumprimento contratual.
Essa compreensão permite ao julgador, por conseguinte, adotar os mesmos critérios delimitados pelo artigo 496º do CC – notadamente o da equidade – aquando da análise concreta da repercussão da não cooperação do viajante sobre a extensão e caracterização dos danos de viagem arruinada, resultante do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de viagem orga-nizada.
r
eFerênCias BiBLiográFiCasBARBOSA, Mafalda Miranda. Reflexões em torno da responsabilidade civil: te-leologia e teleonomologia em debate. Revista da Faculdade de Direito, Coim-bra, v. LXXXI, p. 511-600, 2005.
BARROS, Adriano Celestino Ribeiro. Dano moral coletivo e os direitos metaindi-viduais sob o prisma de Direito Constitucional. Revista de Direito
Constitucio-nal e InternacioConstitucio-nal. São Paulo, ano 17, n. 68, p. 9-18, jun.-set. 2009.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
BRAGA, Armando. A reparação do dano corporal na responsabilidade civil
extra-contratual. Coimbra: Almedina, 2005.
CASTRONOVO, Carlos; Mazzamuto, Salvatore. Manuale di diritto privato
euro-peo. Milano: Giufrrè, 2007. v. II.
CAYTON, Reis. Avaliação do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 1999. CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de direito civil português. Coimbra:
Al-medina, 2010. v. II: Direito das Obrigações, t. III Gestão de negócios, enrique-cimento sem causa e responsabilidade civil.
CORREA, Marco Roberto; Pereira, Rosária. Turismo de negócios: viabilidade e potencial. Revista da ESGHT/UAIg, Algarves, n. 19, p. 60-78, 2010.
DIAS, Reinaldo. Sociologia do turismo. São Paulo: Atlas, 2003.
DÍEZ-PICAZO, Luis. En torno al daño moral: estudos em homenagem ao prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. v. IV. DINIS, Joaquim José de Souza. Avaliação e reparação do dano patrimonial e não
patrimonial (no domínio do direito civil). Revista Portuguesa do Dano
Corpo-ral, Coimbra, ano XVII, n. 19, p. 51-68, nov. 2009.
ESPIN, Pascual Martinéz. El contrato de viajem combinado: antecedentes, dere-cho comparado, estudo normativo y jurisprudencial. Cuenca: Ediciones de La Universidad Castilla-La Mancha, 1999.
FARIA, Jorge Leite Areias Ribeiro de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2003. primeiro volume.
FERNANDES, Luis A. Carvalho. Teoria geral do direito civil. 5. ed. Lisboa: Uni-versidade Católica, 2009. v. 1: Introdução e pressupostos da relação jurídica. FERREIRA, Pedro Branquinho. O dano moral: na doutrina e na jurisprudência.
Coimbra: Almedina, 2001.
FRANZONI, Massimo. Trattato della responsabilità civile: il danno risarcibili. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2010. v. II.
FREITAS, Bianca Mendroni de; Milanez, Felipe Comarela. Dano de viagem frus-trada: breves considerações sobre o reconhecimento dos direitos ao sossego e ao lazer do consumidor turista. In: JORGE, Alan de Matos (Org.). Direito do
consumidor: temas práticos para a advocacia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
GOMES, Júlio. Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma fun-ção reparatória para a responsabilidade penal? Revista de Direito e Economia, Coimbra, ano XV, p. 105-144, 1989.
GONZÁLEZ, José Alberto Rodríguez Lorenzo. Código Civil anotado. Lisboa: Quid Juris Sociedade, 2012. v. 2: Direito das Obrigações (artigos 397º a 893º). GOUVEIA, Roberta Corrêa. Limites à indenização punitiva. Tese de Doutorado em
Direito Civil Comparado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
GRIVOT, Débora Cristina Holembach; RODRIGUES, Otávio Luiz; MAMEDE, Gladson; ROCHA, Maria Vital da (Coord.). Responsabilidade civil
contemporâ-nea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011.
GUIMARÃES, Patrícia Carla Monteiro. Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil. Direito e Justiça. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade Católica de Portugal, Lisboa, v. XV, t. 1, p. 159-206, 2001.
GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Dos contratos de hospedagem, de transporte
de passageiros e de turismo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
HORA, Alberto Segundo Spínola da; Cavalcanti, Keila Brandão. In: REJOWSKI, Mirian; COSTA, Benny Kramer (Orgs.). Turismo pedagógico: conversão e re-conversão do olhar. Turismo contemporâneo: desenvolvimento, estratégia e gestão. São Paulo: Atlas, p. 207-228, 2003.
KAUFFMANN, Boris Padron. Dano moral e a fixação do valor da indenização.
Re-vista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 10, n. 39, p. 75-84, jul.-set. 2001.
KEGEL, Patrícia Luíza; Amal, Mohamed. Instituições, direito e soberania: a efe-tividade jurídica nos processos de integração regional nos exemplos da União Européia e do Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 53-70, jan.-jun. 2009.
456 Revistade diReitodo ConsumidoR 2018 • RDC 119
LEITÃO, Luis Manuel de Menezes. Direito das obrigações. 9. ed. Coimbra: Alme-dina, 2010. v. I. Introdução: da constituição das obrigações.
LIMA, Pires de; Varela, Antunes. Código Civil anotado. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 1987.
LOURENÇO, Paula Meira. Os danos punitivos. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, v. XLIII, n. 2, p. 1019-1111, 2002.
MARTINS, Ana Maria Guerra M. Manual de direito da União Europeia. Coimbra: Almedina, 2012.
MARTINS-COSTA, Judith; Pargendler, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o direito brasileiro). Revista CEJ, Brasília, v. 9, n. 28, p. 13-32, mar. 2005.
MIRANDA, Miguel. O contrato de viagem organizada. Coimbra: Almedina, 2000. MONTEIRO, António Pinto. Sobre a reparação dos danos morais. Revista
Portu-guesa de Dano Corporal, Coimbra, ano 1, n. 1, p. 17-25, set. 2002.
MONTEIRO, António Pinto. Cláusula penal e indenização. Coimbra: Livraria Al-medina, 1990.
OLIVEIRA, Renata Fialho. Harmonização jurídica no direito internacional. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
OLIVEIRA JÚNIOR, Arthur Martinho de. Danos morais e à imagem. São Paulo: Lex, 2007.
PAIVA, Rafael Augusto de Moura. Direito, turismo e consumo. Rio de Janeiro: Re-novar, 2012.
PEREZ-NEBRA, Amália Raquel; Torres, Cláudio v. Medindo a imagem do destino turístico: uma pesquisa baseada na teoria de resposta ao item. Revista
Adminis-tração Contemporânea, Curitiba, v. 14, n. 1, p. 80-99, jan.-fev. 2010.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 4. ed. atual. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto. 2. reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. PINTO, Paulo Mota. Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo.
Coimbra: Coimbra Editora, 2008. v. I.
PIRES, Mário Jorge. Lazer e turismo cultural. 2. ed. São Paulo: Manole, 2002. PONCIBÒ, Cristina. In: CENDON, Paolo (Org.). I Diritti dei Consumatori.
Tratta-to dei nuovi danni. Padova: CEDAM, 2011. v. IV: Danni da inadempimenTratta-to – Responsabilità del professionista – Lavoro subordinato.
PROENÇA, José Carlo Brandão. A conduta do lesado como pressuposto e critério de
imputação do dano extracontratual. Coimbra: Almedina, 1997. Coleção Teses.
RANGEL, Rui Manuel de Freitas. A reparação judicial dos danos da responsabilidade
ci-vil: um olhar sobre a jurisprudência. 3. ed. rev. e ampl. Coimbra: Almedina, 2006.
SANTOS, Adriano Barreto Espíndola. O instituto da responsabilidade civil, a fun-ção punitiva e a teoria do valor do desestímulo no cenário luso-brasileiro.
Revista Jurídica Luso-Brasileira, Lisboa, ano 4, n. 2, p. 583-620, 2018.
SCOGNAMIGLIO, Cláudio. Danno morale e funzione deterrente della responsa-biblità civile. Responsabilità. Civile e Previdenza. Rivista Mensile di Dottrina,
Giurisprudenza e Legislazione, ano LXXII, n. 12, p. 2485-2502, 2007.
SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Reparação do dano não patrimonial. Boletim
do Ministério da Justiça, Lisboa, n. 83, p. 69-111, 1959.
SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Obrigação de indemnizar. Boletim do
Ministé-rio da Justiça, Lisboa, n. 84, p. 5-303, 1959.
SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Anotação ao Acórdão de 23 de outubro de 1979, do Supremo Tribunal de Justiça. Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, ano 113, n. 3663 e 3664, p. 91-96 e 104-105, 1980.
SOUZA, José Pedro Ferreira de. Danos não patrimoniais (dano morte). Revista
GESTIN. Idanha-a-Nova, ano 1, n. 1, p. 125-126, jul. 2002.
SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O Direito geral de
personalida-de. 1. reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 2011.
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das sucessões: noções fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1978.
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações. 7. ed.-reimp. Coimbra: Coim-bra Editora, 2010.
VARELA, Antunes. Das obrigações em geral. 10. ed. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2004. v. I.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas: São Paulo, 2005. v. 4.
ZAMORANO, Marcelo Marrientos. El resarcimiento por daño moral em España y Europa. Ratio Legis. Salamanca, 2007.
ZENUN, Augusto. Dano moral e reparação. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
p
esquisas doe
ditorialVeja também Doutrina
• A responsabilidade civil nos contratos de turismo, de Gustavo Tepedino – RDC 26/83-95
(DTR\1998\659);
• Causa e responsabilidade nos contratos de turismo, de Adalberto Pasqualotto – RDC 67/
9-33 (DTR\2008\401); e
• Indenização do dano moral nos serviços de turismo. 5.º congresso brasileiro e 3.º congres-so mineiro de direito do consumidor: belo horizonte, de 2 a 5 de maio de 2000 congres-sob os aus-pícios do instituto brasileiro de política e direito do consumidor, Wander Marotta – RDC
37/207-218 (DTR\2001\752).