À CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UM OLHAR VOLTADO PARA OS SABERES MATEMÁTICOS
Bruna Rocha Baleixo Creative Learning Center (bru_na1392@hotmail.com)
Resumo
Este trabalho é um relato de experiência vivenciado dia a dia em sala de aula na Educação Infantil. Meu olhar foi direcionado às perspectivas do ensino e aprendizagem em raciocínio lógico-matemático com uma aluna autista, buscando verificar como ocorre o processo de aprendizagem com esta aluna. Nesse sentido, o trabalho que sustenta este relato foi realizado com a professora regente da turma na Escola Creative Learning Center, escola bilíngüe onde todos os momentos são transformados em oportunidades de aprendizado para as crianças se desenvolverem tendo um grande aprendizado. A escola fica localizada na cidade de Ponta Grossa – PR, e trabalha somente com Educação Infantil, crianças de 0 a 5 anos. Este relato tem como objetivo apresentar as atividades desenvolvidas ao longo do tempo de fevereiro a junho com uma criança do nível de ensino Infantil IV. Meu interesse é socializar os saberes desenvolvidos em sala no processo de aprendizagem e os desafios que enfrentamos para fugir do tradicional e colocar em prática mais atividades lúdicas significativas para a criança com necessidades especiais, nesse caso o autismo. Foram utilizadas diversas formas de atividades: impressas para escrita e coordenação motora fina, brinquedos didáticos, ambiente escolar (parque e gramado), onde todo o local que frequentamos estamos ensinando e aprendendo, entretendo a criança ao saber.
Palavras- chave: raciocínio lógico-matemático, autismo, ludicidade.
1. Introdução
Tendo como ponto de partida a educação de crianças e problema ligado à infância representou para Freire e Betto (2001) um aprendizado, do qual ele nunca se afastaria, que o faria um educador: “o que me fez chegar a isso foi a prática mesmo, foi o seu dia-a-dia, foi vendo como é que as crianças funcionavam na escola e como os pais funcionavam com as crianças, através de pesquisas, (...) além de leituras teóricas (FREIRE & BETTO, 2001, p. 12).
Este relato de experiência tem como finalidade apresentar como é usada a matemática com uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tendo grande relevância por referir-se e elucidar o meu trabalho como professora na prática do ensino matemático com autista na Educação Infantil.
Autismo é um tema intrigante devido às incertezas de sua causa e aos questionamentos relacionados a ele que não possuem uma resposta exata. Os principais e mais reconhecidos
comprometimentos do transtorno autista encontram-se nas áreas da comunicação, comportamento e interação social. Essas dificuldades fazem com que o aluno com autismo tenha certas limitações no processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Belisário Filho (2010) a criança autista possui prejuízo no desenvolvimento da interação social e da comunicação. Pode haver atraso ou ausência do desenvolvimento da linguagem. Naqueles que a possuem, pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uma linguagem idiossincrática. Repertório restrito de interesses e atividades. Interesse por rotinas e rituais não funcionais.
Neste viés, a educação é parte integrante do processo de aquisição de conhecimentos e de mudanças sociais das crianças. Este se torna objeto de interesse pedagógico ciente de que a aluna não verbaliza, apenas balbucia alguns sons, como as vogais I e A.
A Educação Infantil, tem justamente buscado pela excelência, um de seus principais desafios, pois cada criança é um ator social e um cidadão de direitos. E se tratando de uma criança autista, onde afeta a capacidade de comunicação do indivíduo, de socialização e de comportamento, o ensino é mais complexo, pois alguns conceitos tornam-se difíceis de serem apreendidos pela criança se não for demonstrado de forma concreta.
Este relato de experiência é importante para o professor que trabalha com crianças com TEA, esteja disposto a transmitir o ensino da matemática em sala de aula com diversos elementos que a criança necessite.
2. A prática pedagógica com autista
A definição do Autismo teve início na primeira descrição dada por Leo Kanner, em 1943, no artigo intitulado: Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo (Autistic disturbances of affective contact), na revsta Nervous Children, número 2, páginas 217-250. Nessa primeira publicação, Kanner (1943) ressalta que o sintoma fundamental, “o isolamento autístico”, estava presente na criança desde o início da vida sugerindo que se tratava então de um distúrbio inato. Nela, descreveu os casos de onze crianças que tinham em comum um isolamento extremo desde o início da vida e um anseio obsessivo pela preservação da rotina, denominando-as de "autistas".
É necessário que o cotidiano da criança com autismo seja um ambiente estimulador, que a desafie a enfrentar coisas novas auxiliando no seu processo de aprendizagem. Com minha aluna, dentro da sala de aula, ensino a matemática brincando, não só para ela, mas com
os colegas que também ajudam nas contagens estimulando a concentração, deixando os materiais ao seu alcance de todos.
A rotina é necessária para a criança com autismo, desta forma, no começo da tarde sempre fazemos o calendário: dia da semana, data e mês, estimulando a contagem sequencial, onde ela mesma coloca o dia da semana e faz um X na data.
Figura 1: Dia da semana onde a aluna está fixando. (Fonte autoral)
Um ambiente estimulador, com brinquedos, lugares de leitura e percepção visual com harmonia, a aprendizagem é muito mais significativa, objetivando o seu desenvolvimento intelectual e cognitivo. A criança com autismo tem seu tempo de aprendizagem diferente, pois determina muitos limites de um mundo novo, o mundo dos números, do raciocínio lógico já que não verbaliza.
Figura 2: Cantinho da leitura. (Fonte autoral)
Sempre me agacho para ficar em seu mesmo tamanho para observar o movimento que meus lábios fazem e os sons das palavras quando verbalizo para que compreenda os comandos. Exercitando a criança a pensar, raciocinar, esperar a sua vez, instigando melhor sua sabedoria.
Com o domínio ampliado do mundo, seu interesse pelas diferentes atividades e objetos se multiplica, diferencia e regulariza, isto é, torna-se estável, sendo que, a partir desse interesse, surge uma escala de valores própria da criança. E a criança passa a avaliar suas próprias ações a partir dessa escala. (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2002, p.103).
A criança passa a ter mais conhecimento, gosta de diferentes atividades no período pré-operatório, no qual a aluna se encontra, onde a maturação neurofisiológica está completa com novas habilidades, desenvolvendo a coordenação motora fina, pegando o lápis de cor para desenhar e escrever.
Com a habilidade de coordenação motora fina, faço com que a aluna conheça a função social do número, participando de experiências para aproximação dos conhecimentos sobre o sistema de numeração e números, explorando espaços e formas de diferentes maneiras, reconhecendo grandezas e medidas, utilizando vocabulário específico da matemática, participando de situações lúdicas, de pesquisa e de exploração, respeitando o modo de fazer da criança, considerando a brincadeira e a resolução de situações- problema como forma de conhecer e se apropriar do mundo.
Jogos de mímica como Imagem e Ação: ao transmitir sem palavras sentimentos ou situações, a criança organiza seu pensamento lógico e busca compreender causas e consequências para melhor se expressar. Descrevo a situação de forma animada, divertida, e bem detalhada. Procuro sempre adicionar a descrição em vários interesses da aluna, como desenho de princesas, peças de madeiras com letras (geralmente as letras de seu nome).
Figuras 3 E 4: Contagem com tampinhas de garrafas pet e peças de lego. (Fonte autoral)
Para trabalhar os conteúdos nos livros didáticos, sempre deixo primeiramente os livros em cima da mesa para que a aluna relacione o livro com uma atividade a ser realizada naquele dia, pois como não são todos os dias que os utilizamos, foge um pouco da rotina diária da criança, e para que não haja diferença em seu comportamento, apresento o livro da aluna e
depois de seus colegas, sempre contando para que vire rotina, a contagem, os tamanhos, o peso, tudo que esteja presente no momento para instigar o raciocínio lógico- matemático.
Figura 5: Formas geométricas: destaque do livro didático onde a aluna destacou e pintou.
Para minha aluna, se tratando de não verbalização, o toque é algo confiável, as atividades sensoriais são mais atrativas para ela, cores que chamem mais atenção, gosta de pegar muitas quantias na hora de jogar e colar, mas eu falo com calma e procuro deixar a distração dela de lado, ficar focada no que estou fazendo, falando e explicando. Desta forma, ela presta mais atenção e retêm o conhecimento do dia. No dia seguinte sempre retomo o que foi trabalhado nos dias anteriores, despertando um olhar mais aguçado do que já passou e interesse pelo que irá acontecer nesta tarde: voltamos à rotina e a novos desafios.
Figura 6: atividade sensorial de colagem com os números.
Em relação aos princípios norteadores e à metodologia empregada pelo Currículo Funcional Natural, Suplino (2005) aponta que: a pessoa com autismo deve ser tratada como qualquer outra pessoa, que todos podem aprender e que a família deve participar do processo de aprendizagem. O educador deve ensinar com entusiasmo, o tom de voz e a linguagem usada com o aluno devem ser o mais natural possível, as habilidades do aluno devem ser mais enfatizadas que suas fraquezas, a atenção do aluno deve ser garantida antes de ser dada uma
ordem ou fazer um pedido, as ordens dadas devem ser claras e indispensáveis, as ordens não devem ser repetidas mais de duas vezes antes que o aluno processe a informação recebida, deve ser dado tempo suficiente para a resposta do aluno, o educador deve manter-se calmo e interagir como um amigo com seu aluno, elogios devem ser descritivos, ajudas físicas devem ser evitadas de forma a dar ao aluno a oportunidade de fazer sozinho, os interesses do aluno devem ser aproveitados para ensino de novas habilidades.
Sendo assim, não existe caminho único e sim perspectivas de atitudes e ações que poderão fortalecer a importância dos professores para que crianças autistas tenham uma educação que privilegie seus conhecimentos e contribua para seu desenvolvimento.
3. Considerações finais
A importância da matemática e seus conteúdos devem ser estimulados para a criança em seu processo de assimilação de maneira adequada. A metodologia empregada pela escola Creative Learning Center propicia que o processo de aprendizagem fundamentado pela neurociência, fazendo assim com que cada momento seja significativo no processo de ensino aprendizagem das crianças ao todo, com e sem necessidades especiais.
Através das atividades realizadas foi possível observar que inicialmente a aluna não possuía interesse pela matemática, mas com o uso de atividades diferenciadas, como: histórias que mais gosta, músicas e desenhos infantis em sala de aula ficaram mais visível a identificação dos numerais e seu interesse.
Conclui-se assim, que o estudo da matemática para a criança autista é sim eficaz, tanto para o cérebro, quanto para sua aproximação intelectual e social. A educação é movimento, ensinar e aprender. Mas é principalmente apreender a relação constante entre a teoria e a prática, é a descoberta, é busca de caminhos, pois nunca há um só, mas sim um para cada indivíduo, é prática de fazer acontecer, prática criativa, planejada, organizada, pensada e elaborada, mas principalmente prática reconstruída.
Referências
BOCK, Ana Mercês B.; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes T.
PSICOLOGIAS: Uma introdução ao Estudo de Psicologia. 13ª ed. Reform. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2002.
BELISÁRIO, Filho José Ferreira. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
Escolar : transtornos globais do desenvolvimento. Brasília : Ministério da Educação,
KANNER, Leo. (1943). Autistic Disturbances of Affective Contact. Nervous Child, n. 2, p. 217-250.
SUPLINO, M. H. F. Currículo funcional natural:guia prático para e educação na área de