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Flora Ferreira Camargo* Thaianny Rodrigues de Souza**

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Ethnoécologie et ethnobotanique dans Cerrado environnements en Mato Grosso

Province

Etnoecología y etnobotánica en ambientes del Cerrado en el Estado de Mato Grosso

Flora Ferreira Camargo*

(fl orafl oresta@gmail.com)

Thaianny Rodrigues de Souza**

(thaiannyrodrigues@hotmail.com)

Reginaldo Brito da Costa**

(reg.brito.costa@gmail.com)

Recebido em 22/07/2013; revisado e aprovado em 15/12/2013; aceito em 10/04/2014

Resumo: O presente artigo objetivou mostrar a utilização da etnoecologia, etnobotânica e o etnoconhecimento em

comunidades locais do Estado de Mato Grosso, com foco no saber popular sobre plantas do bioma Cerrado.

Palavras-chave: Etnoconhecimento. Diversidade biológica. Comunidade local.

Abstract: Goal of this study was to demonstrate the utilization of ethnoecology, ethnobotanic and ethno-knowledge

at local communities in Mato Grosso State, focusing popular knowledge about plants of the Cerrado biome.

Key words: Ethno-knowledge. Biological diversity. Local community.

Résumé: Le but de cette étude était de démontrer l’utilisation de l’ethnoécologie, ethnobotanique e

l’ethno-con-naissance dans communautés locales en Mato Grosso Province mettant l’accent sur les savoirs populaires sur les plantes du biome Cerrado.

Mots-clés: Ethno connaissance. Diversité biologique. Communauté local.

Resumen: El presente artículo tiene como objetivo mostrar el uso de etnoecología, etnobotánica y el

etnoconoci-miento en cumunidades locales del Estado de Mato Grosso, con el foco (centrándose) en el saber popular sobre las plantas del bioma Cerrado.

Palabras clave: Etnoconocimiento. Diversidad biológica. Comunidad local.

* Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil ** Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.

Introdução

A etnoecologia contribui para a cons-trução de um novo paradigma de desenvol-vimento sustentável investigando formas peculiares de conhecimento ecológico e a classifi cação, interpretação e manejo da na-tureza, não sendo restritos ou originários apenas do saber sistematizado, mas científi co (TOLEDO, 1992). Estudos etnoecológicos são de extrema relevância para compreender-mos as interações entre os seres humanos e o ambiente natural, enfatizando as relações do conhecimento entre as populações e o seu ambiente, baseado nas experiências de gerações passadas.

Conforme Pedroso Júnior (2002), os estudos etnoecológicos têm buscado conciliar a conservação dos ecossistemas com o desen-volvimento socioeconômico e a melhoria da

qualidade de vida das parcelas menos favo-recidas de nossa população e, segundo Nordi et al. (2001); “a etnoecologia tem a função de desvendar, compreender e sistematizar, cientifi camente todo um conjunto de teorias e práticas relativas ao ambiente, oriundas de experimentação empírica do mesmo por cul-turas tradicionais, indígenas ou autóctones”.

Os estudos etnoecológicos devem ser norteados por duas premissas: uma de ca-ráter fi losófi co ou ideológico e outra, intrin-secamente relacionada, de caráter prático. A primeira trata da promoção do respeito à diversidade cultural, eliminando posturas et-nocêntricas, e a segunda diz respeito à utiliza-ção de práticas tradicionais como exemplos de desenvolvimento sustentável não excludente (NORDI et al., 2001).

Para Guarim Neto e Carniello (2007), a interdependência entre os seres, o ambiente

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e a base interdisciplinar é que deve funda-mentar estudos voltados para o etnoconhe-cimento para desvendar e entender o saber local acumulado através das gerações. Esses pressupostos devem contribuir para as novas pesquisas etnoecológicas em aspecto mais amplo e, mais especifi camente, aquelas desen-volvidas no cerrado mato-grossense, podendo assim auxiliar e subsidiar novos projetos e estudos no âmbito regional.

No Estado de Mato Grosso, já se tem hoje estudos e pesquisas em muitas comu-nidades, objetivando também a formação de recursos humanos em diferentes níveis (iniciação científi ca, mestrado e doutorado), como indicadores de um banco de dados sobre o etnoconhecimento voltado para os recursos vegetais (GUARIM NETO; CAR-NIELLO, 2007). Tal diversidade está intima-mente relacionada com a própria extensão territorial, privilegiada com complexidade de biomas e rica diversidade étnica e cultural que favorecem estudos na área.

Este estudo não tem um caráter defi -nitivo nem possui a pretensão de esgotar o assunto, porém a de mostrar a utilização da etnoecologia, etnobotânica e o etnoconheci-mento em comunidades locais do Estado de Mato Grosso, com foco no saber popular sobre plantas do bioma cerrado.

O Cerrado, seus recursos e algumas caracterizações

O cerrado possui tipologias desde cam-po limcam-po até cerradão, apresentando fl oresta decídua na encosta dos morros e fl oresta de galeria ao longo dos rios, além de, em alguns trechos, vegetação típica de áreas alagadas. As principais atividades econômicas são a agricultura familiar, a pesca, a fabricação de farinha de mandioca para consumo próprio e comercialização; algumas atividades ligadas ao turismo começam a ser implantadas e, nos anos recentes, as infl uências externas vêm se tornando marcantes, aprofundadas pela implantação de infraestrutura moderna, que permite a rápida penetração na área da ideo-logia urbano-industrial (AMOROZO, 2006). Guarim Neto (2001) chama a atenção para o cerrado no Estado do Mato Grosso, argumentado que o bioma está repleto de possibilidades de aproveitamento dos

recursos vegetais, sendo as populações locais detentoras desse conhecimento botânico e que utilizam esses recursos.

Um dos grandes problemas das co-munidades tradicionais do Centro-Oeste do Brasil atualmente é a ausência de segurança alimentar, demonstrada pela falta de meca-nismos que promovam a geração de renda e a pressão do agronegócio sobre a biodiversida-de. Nesse contexto, o cerrado apresenta uma grande riqueza de espécies negligenciadas que podem ser consideradas “plantas do futuro” (VIEIRA et al., 2010).

Os recursos vegetais do cerrado pos-suem papel importante na vida dos mem-bros da comunidade pela diversidade de usos, manifestada na quantidade de espécies potencialmente econômicas o que inclui as alimentícias, artesanal, medicinais, forragei-ras, madeireiforragei-ras, oleífeforragei-ras, entre outras. Em estudos conduzidos por Carniello et al. (2010) em Mirassol D’Oeste, as espécies vegetais en-contradas nos quintais da população possuem vários usos, como auxílio na alimentação humana e animal, artesanatos, medicinal, ornamental, tóxico entre outros, porém o mais importante é a complementação alimentar, re-duzindo os custos alimentícios familiares. Em comunidades estudadas em Rondonópolis por Pasa e Ávila (2010), verifi cou-se que mais de 30% das espécies cultivadas são nativas da região de cerrado e mais usadas como com-plemento alimentar, medicamentos, lenha e ornamental. A riqueza de espécies da fl ora e fauna do cerrado é expressiva, representando cerca de 30% da biodiversidade brasileira (EITEN, 1972; RIBEIRO; WALTER, 1998).

O cerrado brasileiro está entre os bio-mas de maior diversidade fl orística do planeta (MENDONÇA et al., 2000). Entretanto, em função da facilidade de desmatamento, boas condições de topografi a, histórico de coloni-zação e tipo de terreno, o cerrado é a principal região brasileira produtora de grãos e gado de corte provindos do latifúndio. Com a ocu-pação das terras do cerrado para a produção agrícola mecanizada, as áreas nativas vêm sendo removidas em um ritmo acelerado e desordenado (AGUIAR; CAMARGO, 2004). Myers et al. (2000) pontuam que nada menos do que 80% da área original do cerrado foram antropizadas, restando apenas 20% de áreas consideradas originais ou pouco perturbadas.

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Tal situação, por exemplo, pode ser percebida nos remanescentes de cerrado nos municípios em que os estudos etnoecológicos vêm sendo realizados, onde a necessidade de implanta-ção de unidades de conservaimplanta-ção de uso sus-tentável é extremamente necessária e urgente.

Para demonstrar a importância de estu-dos etnoecológicos, Amaral (2008), Carvalho et al. (2011), Guarim Neto et al. (2011) e Xavier et al. (2011) constataram a utilização das es-pécies do cerrado com diversas fi nalidades: a) aromáticas usadas para realçar o sabor dos alimentos: cumbaru (Dypterix alata Vogel), hortelã (Hypis cana Pohl ex. Benth), carne de vaca (Roupala brasiliensis Klotzsch), cidreira-da-mata (Siparuna cuyabensis Aublet); plantas medicinais: quina (Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.), arnica (Camarea ericoides A. St.-Hil.), mangava-brava (Lafoensia pacari A. St.-Hil.), araticum-do-cerrado (Annona coriacea Mart.), pata-de-vaca (Bauhinia rufa (Bong.) Steud), sangra d’água (Croton urucurana Baillon); b) utilização de frutos tais como: a cagaita (Eugenia dysenterica DC.), a mangaba (Han-cornia speciosa B.A. Gomes) o pequi (Caryocar brasiliense Cambess.), buriti (Mauritia fl exuosa L.), maracujá-do-cerrado (Passifl ora campestris Rodr.), jenipapo (Genipa americana L.), c) o uso de lenha: a semaneira (Byrsonima coccolobifolia Kunth, Byrsonima verbascifolia (L.) Rich. ex Juss.), o angico (Anadenanthera falcata (Benth.) Speg.) e, d) fabricação de utensílios domés-ticos como peneiras e vassouras, utilizando o buriti (Mauritia fl exuosa L.) e a bocaiúva (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.).

A busca da lenha no cerrado em geral é uma atividade feminina, na qual as mulheres coletam ramos caídos no solo, confeccionan-do feixes desse material, que são amarraconfeccionan-dos e carregados até a moradia sob os braços ou cabeça, esta protegida por pequena rodilha de tecido, para não causar ferimentos.

A relação com o meio ambiente está alicerçada na subsistência e no uso de dife-rentes tipos de unidades de paisagem, e sua integração com a natureza proporciona várias práticas e atividades, de forma a maximizar o uso desses ambientes, como a extração e coleta dos recursos vegetais, pesca, caça, agricultura diversifi cada e pecuária de pequena escala. Esse saber sobre os recursos vegetais do cer-rado é fruto de suas adaptações e interações com o ecossistema, conhecimento adquirido

por meio de observações e experimentação, que gera um saber ecológico que é materiali-zado em suas práticas cotidianas.

Moreira e Guarim Neto (2009), de-monstrando a importância da relação dessas comunidades com os recursos naturais do cerrado, analisaram e utilizaram os dados referentes à vegetação local no município de Rosário Oeste, partindo da percepção da classifi cação oral das comunidades. No que se refere às unidades de paisagem do cerra-do, seis tipos de fi sionomias vegetais foram detectadas: “Cerrado de pedra”, “Cerrado de areia”, “Mata”, “Várzea”, “Chapada” e “Campo”. Nesse mesmo estudo em relação à caracterização das unidades de paisagens do cerrado observou-se que os membros da comunidade usam a palavra “mato” para designar a vegetação. Então, quando se per-guntava: “quais os tipos de mato que tem por aqui?”, eles indicam: “cerrado”, “mata”, “várzea”, “chapadão” e “campo” para dis-tinguir os tipos de vegetação, classifi cando o cerrado em dois tipos; o “Cerrado de pedra” e o “Cerrado de areia”.

Pasa (2011), estudando uma comuni-dade situada na região da baixada cuiabana, onde não há estação de tratamento de esgoto e água, posto de saúde, hospitais e farmácias, além de algumas residências não possuírem energia elétrica, ressalta a importância da vegetação de mata de galeria localizada na região, onde é considerada como fonte de recursos naturais, principalmente para uso medicinal, sendo de suma importância para os moradores da região, resultando na con-servação dessa vegetação.

As comunidades desenvolveram ao longo do tempo uma multiutilização do ambiente, manipulando a paisagem natu-ral, porém mantendo a heterogeneidade de habitats e ampliando o uso da variabilidade biológica. O multiuso que fazem do cerrado proporciona adaptações às condições ambien-tais e às variações sazonais, requerendo um manejo adaptativo ecológico, de forma que desenvolveram um profundo conhecimento dos recursos e de seus ciclos ecológicos de renovação.

As pesquisas etnoecológicas, e ainda mais evidentes nas etnobotânicas realizadas na região, mostram que esses conhecimen-tos passados de geração para geração e os

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recursos naturais encontram-se ameaçadas pelo desmatamento.

Essas mudanças começam a ser sen-tidas, perceptíveis na afi rmação dos entre-vistados de que muitas das espécies nativas de cerrado estavam se tornando difíceis de encontrar, seja pela destruição dos habitats para formação de pastagens ou uso urbano, seja pela sua inacessibilidade, devido à apro-priação e cercamento das terras por indiví-duos estranhos às comunidades. Também, a “modernização” traz consigo novas opções de cuidados com a saúde e certa desvalorização da cultura local, à qual os jovens são o grupo mais sensível, reforçando a tendência de per-da ou abandono per-das práticas tradicionais, as relações com a roça e com a mata de galeria, festas, danças e crenças (RIBEIRO et al., 2009). Em estudos realizados por Amorozo (2002) em Santo Antônio do Leverger, a área caracteriza-se por uma situação sócio-econômica em transformação. Questões muito importantes ligadas à saúde e doenças são refl etidas pelo confronto entre os modos de pensar e agir tradicionais e as novas ideias e costumes, trazidos com o contato intensifi cado nas décadas recentes com a sociedade nacional. A comunidade de Conceição-Açu, no município de Cuiabá, MT, entende os recursos vegetais dentro de um signifi cado amplo de utilidade, apresentando uma dependência dos recursos localmente disponíveis, espe-cialmente de plantas medicinais, na mata de galeria e alimentar, nas roças e quintais. Os usos descritos para a mata de galeria revelam expressivo aproveitamento em relação às funções de coleta, demonstrando preocupa-ção com a manutenpreocupa-ção das potencialidades vegetais, contribuindo dessa forma para a conservação da biodiversidade nos ecossis-temas naturais (PASA et al., 2005).

A presença da mata de galeria, parti-cularmente no cerrado mato-grossense, tem grande importância na vida da população regional. De um lado, pela oferta de remédios e alimentos para subsistência das famílias, de outro, por ser um dos vetores que leva determinados moradores locais à conserva-ção dos recursos nela existentes e, com ela identifi ca-se socialmente, enquanto membro da comunidade.

Como já foram mencionados, os quin-tais também podem ser ricos depositários de

germoplasmas. Na cidade de Santo Antônio do Leverger, em Mato Grosso, um único quintal, com menos de meio hectare, conti-nha mais de cem tipos diferentes de plantas (entre espécies e variedades reconhecidas localmente). Em sua maioria, são espécies de uso alimentar e/ou medicinal. As fruteiras apresentavam a maior riqueza, entre espécies e variedades; só de bananeiras, havia sete tipos diferentes, enquanto se contavam 11 tipos de cítricos. Algumas das plantas faziam parte da vegetação nativa local. Este quintal tem mais de 90 anos de existência, segundo os cálculos do agricultor proprietário.

Diversidade biológica e os estudos da etnoecologia no Estado de Mato Grosso

O Estado de Mato Grosso está inserido na região Centro-Oeste do Brasil, é caracte-rizado pelas formações biogeográficas do cerrado, do pantanal e da fl oresta amazônica. Seus recursos naturais são usados tradicional e contemporaneamente sob diferentes formas pelas populações humanas que habitam esses locais de alta diversidade, distribuídos pelo território mato-grossense.

Essa diversidade propicia uma quanti-dade grande de habitats diferenciados abri-gando uma variedade imensa de espécies com características próprias e específi cas ao seu ambiente. Essa diversidade de condições bió-ticas e abióbió-ticas faz com que as comunidades humanas presentes na região possam também caracterizar-se e expressar-se de formas bas-tante distintas dependendo das condições de cada sub-região ou município. Mato Grosso possui uma variedade de múltiplas manifes-tações culturais diversifi cadas, cada qual com um ambiente bastante peculiar de ocupação (MORAIS, 2003). Conservar a biodiversidade presente nesse bioma nos dias de hoje é um grande desafi o.

De acordo com Neuburger (2003), a incorporação defi nitiva de Mato Grosso à economia nacional se deu somente nos anos 70 do século XX, através de um boom regio-nal, iniciado pela implantação de uma rede rodoviária, pelos baixos preços da terra, pela colonização particular por empresas sulistas e pela migração crescente de colonos do Sul do país e, com isso, áreas enormes de cerrado foram desmatadas, deslocando e expulsando

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os grupos tradicionais e indígenas. Os es-paços sociais dos camponeses, ribeirinhos, quilombolas e dos grupos indígenas voltados à produção de subsistência podem ser consi-derados como regiões de exclusão, tendo o êxodo rural como a expressão da degradação sociocultural e ambiental.

A maioria dos grupos marginalizados quase sempre fracassa nas suas estratégias de integração por falta de recursos econômicos, socioculturais e ambientais, não podendo adaptar seu modo de vida às exigências da lógica do mercado, perdendo ao longo do tempo sua cultura e conhecimento. Nesse sen-tido, confi gura-se a importância dos estudos etnoecológicos.

No Estado de Mato Grosso, em outras regiões brasileiras e no exterior, a materia-lidade do conhecimento de populações em relação ao componente vegetal, por exemplo, tem geralmente sido registrada nos espaços de entorno das moradias que contemplam várias formas de manejo e localização e as denominações desses espaços de um grupo cultural para o outro (CARNIELLO et al., 2002). Nesses espaços, é encontrada uma diversidade de espécies que confi guram um importante patrimônio genético, no qual o componente vegetal e animal e a cultura local constituem um sistema coexistente através de conhecimentos acerca da relação entre populações humanas, vegetais e animais refl etindo a história de relações e de grupos sociais (AMOROZO, 2006). Tal diversidade está intimamente relacionada com a própria extensão territorial do Estado de Mato Grosso, privilegiada com a complexidade de biomas e rica diversidade étnica e cultural, os quais favorecem estudos na área.

Ao longo das últimas décadas, pôde-se testemunhar que estudos e pesquisas em etnoecologia, principalmente através da etno-botânica, apresentaram um volume maior de trabalhos culminando com o início dos traba-lhos com plantas medicinais, intensifi cados a partir da década de 1980 com abordagens envolvendo: as comunidades e o respectivo acervo de conhecimento de natureza concreta e simbólica, os saberes acumulados de seres humanos individualmente (benzedeiras, raizeiros, pescadores, agricultores, pecuaris-tas tradicionais e outros) cuja atividade que desenvolvem e acumulam propicia-lhes um

vasto conhecimento a respeito da ocorrência, manejo e conservação dos recursos vegetais, o contato de diferentes culturas com unidades de paisagens naturais (em diferentes biomas e regiões) e artifi ciais (roças, pastagens, quintais e hortas) (MORAES, 2003).

Ainda de acordo com Moraes (2003), percebe-se também que os trabalhos em etnoecologia iniciam-se mais tarde, já na se-gunda metade da década de 90, quando o seu objeto de estudo é mais bem caracterizado, diferindo-se da etnobotânica, período em que se cria o curso de Mestrado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade, do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso.

Atualmente a área de etnobotânica no estado já se constitui um relevante banco de dados sobre o etnoconhecimento no bioma cerrado, com bases científi cas e provindos de estudos e pesquisas em muitas comunidades, objetivando formar recursos humanos em diferentes níveis e também poder subsidiar a defi nição de políticas públicas destinadas aos respectivos locais e comunidades, assim como, em seu conjunto, diminuir os impactos socioambientais e orientar a defi nição de áreas prioritárias para atuação e de conservação no estado. Porém ainda percebe-se a necessidade de assimilação e atuação em estudos etnoeco-lógicos em um maior número de instituições de pesquisa e ensino no estado.

A cidade de Cuiabá, capital do estado, sediou em 2002 o I Seminário Mato-Grossense de Etnobiologia e Etnoecologia e II Seminário Centro-Oeste de plantas medicinais, ocorrido de 25 a 28 de outubro de 2002. Desse impor-tante espaço, surgiu um coletânea de artigos “Diversos olhares em etnobiologia, etnoeco-logia e Plantas medicinais” caracterizados por grande diversidade de temas expressando di-versos olhares e de grande contribuição para a ciência da etnoecologia no estado. E, em 2005, o município de Chapada dos Guimarães sediou o V Simpósio Brasileiro de Etnobiolo-gia e EtnoecoloEtnobiolo-gia “Diversidade de saberes e práticas”, ocorrido de 15 a 19 de dezembro de 2004. Hoje Mato Grosso representa a Socieda-de Brasileira Socieda-de Etnobiologia e Etnoecologia na Região Centro-Oeste do Brasil.

A Universidade Federal de Mato Grosso sedia dois grupos de pesquisa em etnoecolo-gia cadastrados no CNPq: o Estudando o

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Cerrado (ESCER), de repercussão Etnobio-lógica, Etnobotânica e EtnozooEtnobio-lógica, que objetiva resgatar os fatos e realizações socio-culturais, botânicos e zoológicos em comuni-dades de saber local abordando a interação ser humano-ecologia-biologia, situadas no município de Rondonópolis; e o Grupo de Estudos da Flora, Vegetação e Etnobotânica (FLOVET), que vem realizando no espaço territorial mato-grossense, ao longo de quase trinta anos, estudos e pesquisas em um uni-verso extenso no cenário das suas paisagens, envolvendo o cerrado em aspectos que mos-tram a diversifi cação e riqueza dessa região, inserida na região Centro-Oeste, abrangendo populações humanas e etnoconhecimento, divulgando seus trabalhos, até então disse-minados em eventos e periódicos nacionais e internacionais, e lança seu boletim periódico no ano de 2009.

Os municípios incluídos nesta pesquisa considerando o conhecimento etnoecológico em comunidades rurais, urbanas, ribeirinhas e indígenas de relevância para o presente estudo são: Acorizal, Barra do Bugres, Barão de Melgaço, Cáceres, Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Campo Verde, Colíder, Dom Aquino, Santo Antonio do Leverger, Novo São Joaquim, Primavera do Leste, Poxoréu, Santo Antonio do Leste, Mirassol D’Oeste, Rosário Oeste, Rio Branco, Juscimeira, Ron-donópolis, Nova Xavantina, Várzea Grande, Poconé, Jangada, Canarana, Novo Santo An-tônio, Jaciara, Nossa Senhora do Livramento, Vila Bela de Santíssima Trindade, Barra do Garças, Ribeirão Cascalheira e Pedra Preta.

No sentido de facilitar a visualização e os locais onde foram desenvolvidos os tra-balhos com seus respectivos autores e títulos, apresenta-se a Tabela 1.

Tabela 1 – Autores, ano, título e local de trabalhos relacionados ao estudo da etnoecologia.

Autores / Ano Título Local

Amaral e Guarim Neto, 2008

Os quintais como espaços de conservação e cultivo de alimentos: um estudo na cidade de

Rosário Oeste (Mato Grosso, Brasil). Mato Grosso, Brasil Amorozo, 2002 Uso e diversidade de plantas medicinais em Santo Antônio do Leverger,MT. Mato Grosso, Brasil Carniello et al., 2010 Quintais urbanos de Mirassol D’Oeste, MT, Brasil: uma abordagem etnobotânica. Mato Grosso, Brasil Mendonça et al., 2000 Florística da região do Espigão Mestre do São Francisco, Bahia e Minas Gerais. Bahia e Minas Gerais, Brasil Moreira e Guarim Neto,

2009

Usos múltiplos de plantas do cerrado: um estudo etnobotânico na comunidade Sítio

Pindura, Rosário Oeste, Mato Grosso, Brasil. Mato Grosso, Brasil Neubeurger, 2003 Estratégias de Ssrevivência entre tradição e inovação – exemplos da produção familiar em

Mato Grosso, Brasil. Mato Grosso, Brasil Pasa, 2011 Saber local e medicina popular: a etnobotânica em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Mato Grosso, Brasil Pasa e Ávila, 2010 Ribeirinhos e recursos vegetais: a etnobotânica em Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. Mato Grosso, Brasil Pasa et al, 2005 Estudo etnobotânico na comunidade de Conceição-Açu (alto da bacia do rio Aricá-Açu,

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Considerações fi nais

Atualmente, priorizando uma trans-missão e interlocução de saberes e práticas, os diferentes estudos etnoecológicos são realizados em vários ecossistemas e comuni-dades neles existentes, objetivando a busca da preservação e resgate de tradições locais em uma diversidade de situações e ambien-tes ecológicos que estão sendo devastados paulatinamente.

Portanto as informações contidas no artigo mostram a importância e a carência de mais informações sobre o modo como as comunidades tradicionais manejam, conser-vam e enriquecem a biodiversidade e suas infl uências também na distribuição de plantas e animais e qual a sua matriz produtiva. Os es-tudos que buscam o registro e a compreensão da prática tradicional desses povos que é re-passada através da experiência deixada como herança de geração a geração, constituem-se importantes ferramentas para a conservação dos recursos naturais principalmente no cer-rado, região biogeográfi ca fadada à exaustão de seus recursos naturais.

Estudos dentro dessa perspectiva não podem estar ausentes das discussões sobre o meio ambiente e suas alterações. A valori-zação da cultura, de crenças, lendas e formas de uso dos recursos que permeiam o saber local fundamenta o conhecimento ecológico tradicional, no qual está baseada a ciência da etnoecologia, que faz a integração deste com o conhecimento ecológico científi co, enfatizan-do então a diversidade biocultural.

E a contribuição dos pesquisadores deve ir além da documentação como ferra-menta de fi xação das famílias em suas co-munidades, assim como persistir na luta por unidades de conservação de uso sustentável e políticas públicas que busquem caracterizar essas comunidades como as próprias mante-nedoras dos recursos naturais no Estado de Mato Grosso.

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Referências

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