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OS PARADOXOS DA VIOLÊNCIA. Adelina H. Lima Freitas SUMÁRIO

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Academic year: 2021

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OS PARADOXOS DA VIOLÊNCIA

Adelina H. Lima Freitas

SUMÁRIO

A proposta do texto é associar a tese freudiana do ódio e da agressividade, ligados à pulsão de morte e à tendência à destruição, às discussões sobre a violência na organização social. É a cultura que estabelece limites para as pulsões agressivas e mantém suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. A hipótese de Totem e Tabu diz respeito à origem mítica da civilização, relacionando a lei à morte do pai e à decorrente culpa que instala limites ao grupo. Desta forma, a cultura tem início pela violência, o que coloca uma questão acerca da sua função posto que, a partir de um certo limiar, os atos violentos provocam uma impossibilidade total de organização. Freud sustenta que a presunção da lei significa a passagem do arbitrário individual ao pacto comunitário, o que designa uma posição para o sujeito no social. Todavia, o desejo de retomar um lugar puramente individual continua presente, recalcado, o que alimenta um ódio contra tudo que signifique uma exigência de renúncia.

APRESENTAÇÃO

Adelina H. F. Lima Freitas, membro psicanalista da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle ( SPID), doutora em Teoria Psicanalítica (UFRJ) , mestre em Psicologia Social e Personalidade (UFRJ) , especialista em Drogodependência (Unifesp). Professora da Universidade Veiga de Almeida (UVA)

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A violência atinge todas as esferas da vida na relação indivíduo/sociedade: contra a pessoa, no trabalho, trânsito, escola, nas segregações, nas drogas. É algo que perpassa nossa organização social, fruto de um mal estar entendido como discurso do sintoma social, em 1930 apresentado como neurótico e que hoje permite uma interrogação acerca de sua vertente perversa. Os limites razoáveis da violência nas relações humanas e sua expressão no espaço social é tema de discussão há muito tempo. Sabemos que, a partir de certo limiar, sua manifestação constitui uma impossibilidade absoluta de organização. Trata-se de algo que choca e aponta para uma angústia, atingindo os homens de formas e intensidades diferentes. Entretanto, este tema é dimensionado, por vezes, de uma tal forma que o mal se banaliza e passa a ser encarado como algo que faz parte do dia a dia, sem mais mobilizar um movimento de oposição, quando não chega mesmo a confundir a própria definição a seu respeito.

O termo violência - ato de violentar, constrangimento físico e moral ao qual se pode acrescentar coação psicológica – tem sido amplamente utilizado para referir-se a situações de emprego de força ou agressividade como solução para determinados conflitos (Levisky, 1997). Diversos mecanismos compõem uma ação desta ordem, variando bastante de um indivíduo a outro ou mesmo entre culturas. Pode ser justificada por argumentos ligados aos aspectos emocionais, sociais e ideológicos, ao poder econômico, aos próprios ritos culturais, etc., implicando, desta forma, responsabilidades diferentes daqueles que a praticam. Dizemos, constantemente, que a violência é irracional. Hanna Arendt, ao considerar este aspecto ligado à questão de sua legitimidade e caráter humano, afirma que:

a violência não é irracional nem bestial, se ela jamais será legítima, pois prescindirá sempre do diálogo e da persuasão na medida em que tenta obter efeitos imediatos e inquestionáveis, por certo quase sempre é justificável... o ódio e a violência ...pertencem às emoções “naturais” do humano e extirpá-las não seria mais do que deshumanizar ou castrar o homem (1969, p. 48).

Mas o que diz a psicanálise sobre tudo isto e que contribuição pode oferecer à abordagem desta questão tão presente na história da humanidade? Será que a constatação atual da violência, que assusta a todos, diz respeito apenas às características do nosso tempo, ou na realidade estamos falando de um aspecto humano que se repete sempre como diz Arendt, apenas com razões e roupagens diferentes?

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Desenvolver o tema da violência pela perspectiva da psicanálise, implica em reportarmos à pulsão de morte e seus desdobramentos. Este conceito foi postulado por Freud na segunda tópica e resultou em mudanças significativas na teoria psicanalítica. Freud apresentou três destinos para a pulsão de morte, o primeiro diz respeito à união com Eros que resulta no sadismo e ao masoquismo, o segundo corresponde à inibição da sua finalidade na sublimação e o último aparece como a destrutividade decorrente da desfusão em relação às pulsões eróticas. O ódio e a agressividade estão relacionados à tendência destrutiva, tanto do próprio sujeito quanto do objeto, estabelecidos no primeiro plano da vida psíquica. É a civilização que estabelece limites para as pulsões agressivas e mantém suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas, ou seja, a evolução da civilização se dá a partir da luta entre Eros e Tânatos.

Entre os trabalhos freudianos que desenvolvem este tema, utilizamos como referência neste trabalho Totem e Tabu (1913), O Mal Estar na Civilização (1930), Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte (1915), Por que a Guerra (1933) e Moisés e o Monoteísmo (1939).

Em Totem e Tabu, Freud desenvolve sua teoria acerca da origem mítica das organizações sociais, relacionando a lei e o direito como produtos da violência. No desenvolvimento da humanidade haveria uma modificação na atitude em relação à morte do outro, na passagem da indiferença à ambivalência do assassinato, com a culpa conseqüente. De acordo com o texto freudiano matar em si não é violento mas sim o desejo de morte e atos, mesmo os mais banais, podem vir a representar deste desejo. Encontramos aí um paradoxo pois, segundo esta abordagem, é o desejo de morte que também civiliza, na medida em que resulta da suspensão de um ato que fica impossibilitado de realização. Questão interessante pois numa visada rápida pareceria contraditória tal afirmação. A hipótese, então, é da passagem da organização da horda em torno da força bruta do pai, à organização social civilizada. Na base deste processo está um crime, o assassinato do pai tirânico que submetia os filhos com seu desejo sem limites. O conflito entre o amor e o ódio ao pai leva a um esboço do que mais tarde será conceituado como supereu, estruturado a partir do parricídio e da introjeção do pai morto, isto é, resultante de uma dívida de sangue (Gerez-Ambertin, 2000) .

Resumindo, a idéia do assassinato está sempre presente: tratando-se de um crime real ou de um desejo assassino, a conseqüência é a mesma. Para a psicanálise não é importante o fato em si, o que vigora é a força do desejo. As proibições têm a ver com o desejo, pois o que não é desejado não precisa ser proibido. Totem e Tabu, então, tem

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como temas importantes as versões do pai, inicialmente tirânico e após sua morte transformado em totem protetor, além da culpa e da instalação da lei como conseqüências deste ato.

Portanto, na raiz da cultura há um crime. A violência é, desta forma, um ato da cultura, está na base da sua constituição, e só existe em relação à lei cujo representante é o pai simbólico, sustentáculo da função paterna. O pai é aquele que pode ser assim denominado não apenas porque possui as mulheres, mas também por ser alvo de um desejo de morte. Entretanto, uma vez reconhecida a função paternal, os filhos ficam divididos, oscilando entre o desejo de morte e a identificação pelo amor.

A tese edipiana, segundo Freud (1923a, 1924, 1925) e Lacan (1957 /58), trata da expressão mítica desta problemática do ser, articulada em torno da castração simbólica, que significa a constatação da falta e da diferença irredutível dos sexos. O percurso vai da passagem da posição primitiva do poder ilimitado ao reconhecimento da lei, do limite. Acessar a lei é aceitar a perda do objeto de satisfação primordial, confrontar-se com o mundo dos adultos e renunciar aos desejos arcaicos. É por este processo que o sujeito se alia às leis da cultura.

A função paterna se mede, então, pelo gozo que interdita e imaginariza, põe limite ao sujeito e em troca concede uma cidadania, um lugar simbólico e alguns ideais básicos de referência. Parte de uma violência simbólica que tem o objetivo de manter uma distância entre o ato e o objeto e está ligada, como postula Julien (2000), à transmissão das leis do bem estar, do dever e do desejo. A primeira diz respeito a um critério difícil que é a referência de felicidade para cada um. Vivemos numa sociedade que indica ícones de felicidade pré-fabricados e esta formulação do bem estar encontra-se muito comprometida com a idéia de que é o útil que pode trazer satisfação. Útil para a saúde física, a competência intelectual, o equilíbrio psíquico ou mesmo a situação econômica e política, que não devem ocorrer no registro dos excessos, mas manter uma estabilidade impossível. E se o sujeito não alcança este patamar, o que resta é a violência, seja contra si mesmo ou contra o outro.

Passar a mensagem sobre o que pode ser bom ou ruim está cada vez mais determinado pelo discurso científico, personificado nos inúmeros especialistas existentes para dar conta de qualquer orientação e decorrente desvio nas ações infantis, funcionando como um terceiro social que intervém no processo. Este é um dos pontos fortes do esvaziamento atual da palavra paterna.

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A transmissão do dever também, por seu lado, não esgota a função do pai, inclusive porque este já não é mais o autor desta lei. A sociedade pós-revolução francesa inaugurou a inclusão de seus cidadãos como seres livres, obedecendo a uma lei comum e não mais submetidos ao poder único do soberano/ pai. É esta condição do compartilhamento que orienta a lei moral, estabelecendo o dever em função desta característica. A lei fala por si mesma, vale por ser comum a todos e cada um é o próprio legislador. Entretanto, como nos adverte Freud, é a voz paterna que transmite esta lei ao interditar a realização do desejo incestuoso, voz assimilada pelo sujeito que a transforma na consciência moral - um dos aspectos do supereu. Mas Freud nem sempre apresentou o supereu como normativo, o herdeiro do Édipo que organiza as relações do sujeito com o desejo tese que desenvolve no Ego e o ID (1923 b). Pela própria teoria freudiana, ou mesmo na proposta de Lacan (1954/55), o aspecto tirânico do supereu liga-se à uma lei incompreendida, que se abate sobre o sujeito como trauma primitivo, denunciando a constante tensão existente entre o poder colonizador da palavra e o impossível de ser dito.

Por fim, a terceira vertente da função paterna está ligada à conjugalidade, que diz respeito às leis de trocas entre os grupos e à perspectiva desejante. O desejo é da ordem da falta, regido pela castração, cuja satisfação está referida a um objeto perdido desde sempre. Para que um casal se una é necessário abandonar pai e mãe, no sentido da interdição dos desejos incestuosos. O amor e o gozo, presentes na formação do casal, necessitam do desejo e sua lei para que possa efetivamente se estabelecer. Para tanto, abdicar do vínculo filial é uma condição pois, em caso de sua manutenção, o pacto com o cônjuge fracassa. Esta ruptura, entretanto, exige uma transmissão que passa pela aliança conjugal dos pais, mesmo que estejamos falando de novas configurações familiares. O pai é aquele assinalado pela mãe como alvo de seu desejo, e é na manutenção de uma relação homem / mulher, que pode funcionar a garantia de sua função. Um pai todo voltado para o filho pode até passar as premissas dos bens e dos deveres, mas estará sempre falho quanto a sua função de indicar que a falta faz desejar.

É a transmissão, então, de um desejo que se satisfaz num registro alteritário que importa, desejo que não se realiza pelo investimento narcísico no filho como prolongamento dos pais. Entretanto, vemos constantemente soluções conflitivas frente ao fracasso desta realização. A relação com o outro sempre importa em desencontro, mal estar, mal-entendidos. A busca solitária acaba sendo um destino possível, pois o outro traz obstáculos ou mesmo aponta para o caráter ilusório desta procura. Daí os

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movimentos para eliminá-lo, as relações estreitando-se ao grupo que pensa e age de forma, comumente, violenta.

Como assinalamos acima, uma das finalidades da função paterna é possibilitar o estabelecimento dos laços sociais, através do direcionamento do desejo no sentido exogâmico, a partir das leis das trocas sexuais e da separação das gerações e o fracasso neste projeto põe em cena a violência. Se estendermos esta operação para o universo social, podemos ampliar nossa compreensão para uma abordagem que contempla os momentos de turbulência, que resultam, freqüentemente, num incremento do apelo ao pai desde a posição do salvador / limitador dos impulsos. Quando os homens se sentem inseguros, sem condições de realização de seus projetos de futuro, surge a demanda de um chefe, um pai ideal para salvar e paradoxalmente o canal das atitudes violentas e da criminalidade são dos mais utilizados. Como indicado por Freud em Moisés e o Monoteísmo (1938), nos momento de turbulência recorre-se ao homem forte em busca da garantia, mesmo que o preço desta seja alto. E este homem / pai está simbolizado no campo social através das figuras de dirigentes, autoridades em geral, sempre presentes para assinalar que existem limites, barreiras e proibições, ou seja, não é possível ter e fazer tudo - todos estão submetidos à mesma lei. Entretanto, a falha destas autoridades em sua função está intimamente relacionada ao esgarçamento do tecido social, seja pela vertente das omissões, seja pelos excessos cometidos – atentam contra a coletividade.

Na falha do pai, o que surge é uma vertente tirânica do supereu que irá dominar a cena com suas mazelas e imperativos da ordem do impossível. A constituição do supereu sempre esteve ligada à função paterna, seja pela via do complexo de Édipo, representando a lei que regula o desejo e pune com culpa qualquer transgressão, ainda que imaginária, tese de 1923, sustentada pela identificação ao pai e ao juízo crítico da consciência moral, seja por ser o herdeiro do Isso em sua ligação ao pai primevo, ao trauma primitivo, à palavra incompreendida, à falha no aspecto normativo, o que caracteriza este seu aspecto de domínio.

Frente ao supereu o sujeito está sempre em falta, tanto pelo que fez a mais, quanto pelo que faltou fazer. Esta situação o coloca em cheque com seu ideal, buscando satisfazer a gula superegóica que não cede nunca. Nos quadros em que a agressão e a violência estão fortemente presentes, o que encontramos é esta particularidade que escapa à posição desejante, é o automatismo de repetição que compromete o desejo. Identificamos, assim, um movimento circular, de impulso incontrolável para a ação de

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acordo com os desígnios deste supereu tirânico, que intima a avançar até os limites máximos da satisfação, o que gera, frequentemente, sofrimento e destruição.

Posteriormente, em Mal-Estar na Civilização (1930), Freud argumenta que a presunção da lei significa a passagem do arbitrário individual à potência da comunidade. O direito representa o poder da comunidade, trata-se de um elemento que se constrói a partir da renúncia ao poder individual em prol do coletivo, sustentado pela organização da justiça que promove a ordem legal, organizadora dos laços sociais. Entretanto, o desejo de um gozo ilimitado se mantém no ser humano, explicitamente ou não, e sustenta uma reivindicação de um lugar especial, de privilégios, que é necessário abandonar para se entrar na ordem da cultura. Mas esta renúncia não é sem preço. Um ódio surdo se perpetua contra tudo que se mostrar responsável por este limite. O pacto comunitário ao possibilitar a passagem do poder individual ao acordo coletivo, viabiliza também a convivência social e a própria sobrevivência da humanidade. Entretanto, paralelo a estes aspectos, traz no seu bojo um resto inassimilável, que coloca sempre em cheque este projeto e dá margem às turbulências constantes que observamos nas relações humanas. O mal-estar, resto decorrente da renúncia pulsional, constitui, assim, o fundamento de toda cultura e está presente o tempo todo, não é possível eliminá-lo. Todavia, é possível pensar a existência de formas de laços sociais que tornem o pacto menos instável. O pai é o sustentáculo deste pacto, por funcionar como o agente da privação de uma satisfação plena e também como referência simbólica que permite a construção de formas de circular no campo social, fazendo uso da palavra para nomear os desejos, sabendo que a satisfação destes é sempre parcial. Este pacto designa ao sujeito, desde o início, um lugar na família e na sociedade como um cidadão.

Existe, desta forma, uma violência estrutural da natureza humana que se apresenta através das gerações e das diferenças de localização hierárquica em que se instituem. A autoridade é uma conseqüência do reconhecimento da diferença simbólica dos lugares e tem armado a geração mais antiga para negociar a violência da geração mais jovem (Lebrun, 2004).

Nos trabalhos que escreve sobre a guerra Freud (1915 e 1933) associa violência e agressividade com o objetivo de satisfazer os impulsos e desejos destrutivos do homem. O autor descreve a ilusão de harmonia que o homem criou junto com suas obras culturais e a impossibilidade de haver alguma paz constante entre os povos. As antigas divergências sempre tornam as guerras inevitáveis e sem as objeções da comunidade, o homem é capaz de perpetrar atos de crueldade, fraude, traição e barbárie tão

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incompatíveis com seu nível de civilização, que qualquer um os julgaria impossíveis. Para Freud, não existe a erradicação do mal, pelo contrario, a essência mais profunda da natureza humana consiste em impulsos instituais, semelhantes em todos os homens, e que visam a satisfação de certas necessidades primitivas. Em si mesmo estes impulsos não são bons nem maus, mas suas expressões são classificadas segundo suas relações com as necessidades e as exigências dos grupos humanas. Na realidade, todos os impulsos que a sociedade condena como maus, egoísticos e cruéis, são de natureza primitiva. Fatores internos e externos irão atuar para sua transformação. Os primeiros dizem respeito à influência do erotismo sobre as pulsões egoístas, decorrente da necessidade humana de amor. A mistura com os componentes eróticos transforma os impulsos egoístas em sociais. Por outro lado, o fator externo é a força exercida pela educação que representa as reivindicações e pressões do ambiente cultural.

Em 1933 Freud discorre sobre a relação entre o direito e a violência, e mostra o caminho que se estende de um ao outro e que reconhece o fato de que

“à força superior de um único indivíduo podia-se contrapor a união de diversos indivíduos fracos. Ainda é violência, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se lhe oponha; funciona pelos mesmos métodos e persegue os mesmos objetivos. A única diferença real reside no fato de que aquilo que prevalece não é mais a violência de um indivíduo, mas a violência da comunidade” (Freud, 1933, p. 247).

Neste sentido a lei é a força da comunidade. Dois fatores mantêm ligados os grupos humanos: o império da violência e os laços afetivos, as identificações que ligam seus membros. Freud não se mostra muito otimista quanto à possibilidade de pacificação nas relações entre os povos ou mesmo de um término do uso da guerra como instrumento para arbitrar seus conflitos. Respondendo à pergunta de Einstein sobre a possibilidade de evitar a ameaça da guerra, discorre acerca do jogo das pulsões, definindo aquelas que tendem a preservar e unir e as que se orientam para a destruição, particularizando que os fenômenos da vida resultam da ação confluente ou contrária a esta mesclagem. A análise freudiana está fundamentada na união pelo recalque de uma figura de gozo absoluto, o pai mítico. Mas a condição do recalque nem sempre implica em anulação, mas sim um reforço, os sintomas estão aí para comprovar esta tese. As leis também podem constituir-se em produtoras e reforçadoras daquilo que pretendem limitar. Ou seja, sempre haverá lugar para um mestre em toda e qualquer organização humana.

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Mas a cultura exige renúncias e ao mesmo tempo incita ao gozo, este é o paradoxo atual. Se as pulsões não são totalmente domadas como nos diz Freud, o risco do recrudescimento das exigências está sempre em pauta. E, se em nome da civilização, da harmonia e da relação satisfatória com o outro, o sujeito renuncia ao gozo absoluto, nos momentos em que este laço se esgarça, o risco de conflito fica muito incrementado e a hipocrisia, que de alguma forma encobria os movimentos pulsionais, não mais consegue conter a avalanche, há uma eclosão das pulsões. Na guerra ou nos momentos de turbulência social, a ruptura do contrato ético, inicia-se por ação do próprio Estado, que acaba por autorizar atos que em tempos de paz estão contidos em nome da convivência e sobrevivência do grupo. Torna-se, desta forma, um estímulo para extravasar a pressão do homem comum, que busca nestes momentos uma expressão tanto para a destrutividade quanto para a sexualidade sem freios. Na história recente do mundo, exemplos desta ordem são freqüentes Desde os condenados pelas barbáries nazistas, passando pelos soldados americanos no Iraque, acampamento de prisioneiros em Guantânamo ou nossos jovens envolvidos no tráfico de drogas, o real se mostra com uma face aterrorizante.

Viver num mundo em que a função paterna está comprometida, resulta num prejuízo das vivências de castração que possibilitam ao sujeito transitar na ordem simbólica, no registro da linguagem como perda que possibilita uma organização do vazio, ao instituir a palavra como substituto do objeto sempre perdido, embora vislumbrado nas produções sublimatórias.

Percebemos que toda a sociedade sofre com o deteriorar da lei, é um efeito em cascata e “pequenas transgressões” que todos admitimos acabam gerando um comprometimento na convivência, impossibilitando uma decisão clara entre o que é possível, ou não, realizar. O homem é narcísico, a civilização já sabe disto há muito tempo, tanto que estabelece leis de convivência calcadas no amor e respeito ao próximo, sempre falhas em sua intenção última de pacificar as relações. Como afirma Bauman (2004) “amar o próximo”, um dos preceitos fundamentais da vida civilizada é uma exigência absurda. Muitas vezes não é possível encontrar indícios consistentes do amor deste próximo direcionado ao sujeito, frequentemente o que se enfrenta é com a injúria, a calúnia e os conflitos que demonstram a luta pela afirmação do poder muito presente nas relações humanas. É a premissa do narcisismo, que está na origem da desconsideração do próximo em virtude do gozo próprio, baseado num ideal de plenitude. No mundo contemporâneo assistimos a uma subversão da organização social calcada no processo

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edípico que, como assinalamos acima, promove os laços sociais. A lógica do individualismo é a premissa da contemporaneidade e sua conseqüência em termos das ações sociais é o desconhecimento da alteridade, o estímulo ao gozo sem limites, o incremento do valor da imagem, que facilitam enormemente o surgimento da violência nas relações humanas.

BIBLIOGRAFIA

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