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SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO: ASPECTOS PSICODINÂMICOS DE MÃE DE CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM PARALISIA CEREBRAL. (texto completo)

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SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO: ASPECTOS PSICODINÂMICOS DE MÃE DE CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM PARALISIA CEREBRAL

(texto completo)

Carolina de A. Agustinelli & Marília M. Vizzotto

Universidade Metodista de São Paulo - Mestrado em Psicologia da Saúde

Rua Dom Jaime de Barros Câmara, 1000, Jard. Planalto, São Bernardo Campo,

Fone: 43665351, mmvizzotto@ig.com.br

Fone: 42386160, carol.agustinelli@yahoo.com.br

palavras-chave: maternidade; equilíbrio adaptativo; deficiência; paralisia cerebral

Têm-se observado na práxis psicológica que o “impacto” da notícia do diagnóstico da

deficiência de um filho traz, para os pais, a expressão de um conjunto de emoções,

sentimentos e reações nunca antes experimentado por eles. Observam-se ainda,

alterações na dinâmica das relações desse grupo familiar. O sofrimento dessas

pessoas os conduzirá para uma nova adaptação; adaptação essa, não só do ponto de

vista material-funcional, mas principalmente afetivo-relacional. Amaral (1995) e Buscaglia (1993) apontam que esses pais vivenciarão o luto da “morte” da criança

saudável desejada quando da constatação de que o recém-nascido possui o

diagnóstico de deficiência. Isto porque é natural se esperar o nascimento de uma

criança como algo que trás felicidade “[...] para a maior parte das famílias é um momento de alegria, de orgulho, de reunião das pessoas queridas e de celebração da vida” (BUSCAGLIA, 1993, p.32). Em outras palavras, espera-se que o nascimento de

uma criança atenda a certas expectativas, todas elas ligadas a sentimentos positivos.

Nenhuma família espera que o bebê que nascerá tenha algum tipo de deficiência.

A MATERNIDADE E DEFICIÊNCIA DO FILHO

O nascimento de uma criança deficiente (AMARAL, 1995) é vinculado a uma situação

de choque e de desamparo para a família. Sem dúvida, com o nascimento de uma

criança deficiente, pais, irmãos e demais familiares vêem-se em um momento de

confusão e medo. Os pais se culpam pelo filho que nasceu diferente do esperado; é

como se tivessem de apresentar ao mundo uma criança que não é uma dádiva

perfeita. Porém, é a mãe a primeira a sofrer este impacto.

(2)

Cada mãe terá uma forma singular em lidar com a deficiência do filho e com o filho

deficiente; todavia, é a mãe que irá, de pronto, vivenciar o conflito de ter gerado em

seu ventre uma criança cujo nascimento está vinculado a sofrimento e cuja criação se

torna algo amedrontador diante da certeza que será diferente da criação de tantas

outras crianças (BUSCAGLIA, 1993), sendo a mãe o membro familiar mais afetado

(MURATA; PETEAN, 2000). Entretanto temos que levar também em conta o contexto

social, pois o meio exerce influência direta. Com a valorização social do belo e do

saudável, bem como o modo com que a sociedade lida com a deficiência e com o

deficiente, faz com que a mãe de uma criança deficiente sinta vergonha por não poder

apresentar ao mundo e à família um filho “saudável” e se culpe por isso (BUSCAGLIA,

1993).

Cassarin (2001) compreende que a mãe tende a ser a organizadora da família e o

membro mais próximo da pessoa com paralisia cerebral. As mães, ao se colocarem

próximas do filho deficiente, associam suas vidas à do filho, formando um par

indiferenciado. Faria (1997) aponta que as fantasias parentais que são narcisicamente

atingidas pela geração de um filho com deficiência, havendo reorganização do

universo psíquico desses pais e que se estendem à família. Góes (2004) aponta a

ambigüidade rejeição/aceitação dos pais em relação ao seu filho deficiente mental,

considerando que os pais oscilam entre momentos de aceitação e momentos de

rejeição. A análise das representações psíquicas relacionadas aos afetos dos pais

aponta o desejo de morte, o sentimento de culpa, o sentimento de inferioridade, as demandas de reparação e a negação (recusa da realidade). Essas representações do

filho deficiente são acolhidas no Ego de cada um dos pais, de três formas: como

negado; como uma coisa inominável; e como uma constatação adequada da realidade – mostrando a ambigüidade.

Diante dessa problemática pessoal e também familiar, o presente estudo apresenta

por objetivo: levantar e descrever aspectos subjetivos, intrapsíquicos, e a qualidade

da adaptação de uma mãe de uma criança diagnosticada com paralisia cerebral.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, de natureza clínica. Faz-se um recorte

diagnóstico do caso de uma mãe de criança deficiente - diagnosticada com paralisia

cerebral. Esta senhora que chamamos de Sra. M. contava com 33 anos, amasiada há

21; sua filha, uma menina de 5 anos e meio, é 2º filho desse casamento e o

(3)

encaminhada pelo fisioterapeuta, contatada e atendida pela psicóloga em uma Clínica

-Escola de Fisioterapia de uma universidade em uma sala reservada, garantindo um ambiente neutro e sigiloso. Foram realizadas entrevistas clínicas, baseadas na EDAO – Escala Diagnóstico Adaptativo Operacionaliza de Simon (1998 e 2005) e utilizou-se

também o procedimento de Desenhos-Estórias com tema, baseado em Trinca (1997),

Trinca, A. (1997) e Tardivo (1997). Após, foi dada devolutiva e encaminhamento.

Destaca-se que quanto aos aspectos éticos (riscos e benefícios), este trabalho não

apresentou riscos à participante, a qual também consentiu e autorizou a coleta e

divulgação dos dados para fins científicos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados mostraram mãe bastante regredida, com dificuldades de contato social e

afetivo e defesas frágeis para lidar com seus problemas cotidianos e seus conflitos

internos.

OS DESENHOS-ESTÓRIA COM TEMA

Sra. M. inicia o desenho e apaga a primeira tentativa, dizendo que parecia uma árvore.

(4)

que a professora pediu. Iniciou novamente o desenho, pela cabeça, e verbalizou que

fazia tempo que não desenhava e começou a rir enquanto desenhava. Enquanto

desenhava, verbalizou: “Você é psicóloga mesmo.”, “ Por quê?”, “Por causa do seu

jeito. Olha só que boneca bonita!” (Depois de um tempo) “Ela vai ficar aleijada do

braço. Também não tem perna. É aleijado! Só tem o cotoco.” (Depois de certo tempo) “Você vai fazer pergunta? Está feia. Vou aproveitar que é São João. É época de São

João. Vai ser uma festa de quadrilha...”

- Eu gostaria que agora você me contasse uma história sobre esse desenho.

Sra. M.: Ela Está feliz. Dando risada. Vai dançar festa de quadrilha, com os colegas da

escola. Vou fazer o companheiro dela. Pode fazer o companheiro dela? - O desenho é seu...

Sra. M.: (continua falando enquanto desenha a segunda pessoa) Será que eu sei

desenhar? (após certo tempo) Eu fui a primeira?

- Como assim?

Sra. M.: Eu fui a primeira que você veio falar?

-: O que você acha?

Sra. M.: Eu acho que sim. Acho que eu sou a primeira. Eu não vi você aqui falando

com mais ninguém antes de mim. (após breve pausa) E esse pé, como é que eu faço?

Não tem pé não, né? Como vou fazer esse pé. Não estou acertando fazer o pé do

homem. Não. Vai ser assim mesmo. É aleijado das pernas. Garoto bonito.

- (Após terminar o desenho) Você gostaria de me dizer mais alguma coisa sobre a

história?

Sra. M.: Mais alguma coisa? É o companheiro dela. Estão dançando quadrilha na

festa junina da escola. Está todo feliz, comendo pipoca. É época de festa. Deixou a

tristeza para lá.

-(após pausa) Mais alguma coisa?

Sra. M.: Não. Acabou.

- Você poderia dar um título para essa história?

Sra. M.: Título?

- Isso. Um nome para essa história.

(5)

- Agora vou te entregar outro papel para você desenhar nele uma mãe de uma criança

com deficiência.

Sra. M.: Vichi Maria! Mulher, como é que eu vou fazer?

- Da forma como você achar melhor.

Sra. M. iniciou o desenho. Após o término do desenho, diz: - Desenho feio da porra!

- Gostaria que a Srª. contasse-me uma história sobre esse desenho.

Sra. M.: Ela está desconsolada... Pensando na vida, no que aconteceu com a filha

dela. Corre... Corre... Tem vez que vê resultado, tem vez que não. Tem vez que quer

desanimar, desistir do tratamento. Até pôs a mão na cintura. Ficou olhando para o

planeta. Pensa: “Quem é que não tem problema no mundo?” Principalmente quem põe

filho no mundo. Ainda mais criança com paralisia cerebral.

- (após pausa) A Srª. gostaria de dizer mais alguma coisa sobre essa história?

Sra. M.: Não.

- Para essa história, que nome a Srª. pode dar?

(6)

-: Porque sofredora?

Sra. M.: Por quê? Por causa da vida que ela leva. Para cima e para baixo.

SOFRIMENTO E AMBIGÜIDADE

A deficiência é representada no 1º desenho como física (perna e braço da menina). As

histórias dos desenhos mostraram sofrimento da mãe ante a adaptação e, embora a

deficiência fosse representada (menina 1ª produção), houve indicativos de negação -

mecanismo também apontado por Góes (2004). Há também a idéia de colocar mais

uma figura junto com a menina deficiente, numa tentativa de compensar a deficiência

com outra figura de pessoa “saudável”, não deficiente, mas acaba desenhando uma

segunda pessoa também com deficiência, mas com uma deficiência “mais leve”. Este

ponto de tentativa de compensação parece trazer indicativos daquilo que Buscaglia

(1993) nos aponta como sendo a vergonha da mãe em não poder apresentar ao

mundo e à família um filho “saudável”; fato que se dá pela valorização social do belo e

do saudável, bem como o modo com que a sociedade lida com a deficiência e com o

deficiente. Isso também pode ser apreendido na narração da estória, que descreve

uma festa, parecendo uma tentativa de atenuar essa vergonha através da negação.

A segunda produção gráfica mostra uma figura de mulher adulta, porém infantilizada,

cujo desenvolvimento psico - sexual parece pré-genital; há indistinção

masculino/feminino, tendo rosto e tronco pouco definidos, com distinção apenas na

veste, que é feminina, porém pueril. A estória da 2ª produção mostra bem o sofrimento

da mãe ante a deficiência (“está desconsolada... Pensando na vida...” sic); mostra seu

cansaço (“Corre... Corre... Tem vez que vê resultado, tem vez que não.” sic), mostra

sua ambigüidade (“Tem vez que quer desanimar, desistir do tratamento. Até pôs a mão na cintura. Ficou olhando para o planeta. Pensa: Quem é que não tem problema no mundo? sic) e mostra sua culpa (“Principalmente quem põe filho no mundo. Ainda mais criança com paralisia cerebral” sic). Estes são aspectos bastante coincidentes

com os apontados por Góes (2004) sobre a ambigüidade rejeição/aceitação dos pais

em suas representações psíquicas relacionadas aos afetos, principalmente o

sentimento de culpa, as demandas de reparação/negação. Também corroboram com

o que Brunahra e Petean (1999) descreveram sobre as reações, explicações,

sentimentos de mães frente à deficiência do filho, observando sentimentos de

negação, tristeza, resignação e revolta. Esses sentimentos podem ser compreendidos

como manifestações do luto pela “morte” da criança desejada (AMARAL, 1995 e

(7)

SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO

As entrevistas mostraram um histórico de vida de abandono e rejeição sofridos por

essa mãe, dificuldades no relacionamento familiar e, especificamente, conjugal;

havendo ainda muita dificuldade dessa mãe em sentir gratidão. Utilizando o conceito

de adaptação de Simon (1989 e 2005) podemos compreender o caso da Sra. M. como

o de “adaptação ineficaz severa”, já que demanda muito sofrimento e suas respostas

pouco adequadas, não são satisfatórias na solução dos problemas, provocando

conflitos intrapsíquicos. Dessa forma, suas respostas às situações vividas não são

suficientes para resolver as dificuldades, não lhe dão prazer, e reduzem suas

possibilidades de elevação de auto-estima.

Este estudo de caso único revela a necessidade de acompanhamento psicológico aos

familiares de pacientes deficientes que freqüentam ambulatórios e clínicas de áreas

médicas. O apoio psicológico deve ser, num primeiro momento, direcionador ao

entendimento desses pais em facilitarem sua lida com o filho deficiente e com os problemas específicos decorrentes desta condição. Mas, principalmente, cabe, no

apoio psicológico, a escuta em relação ao sofrimento dessas mães e a busca de uma

adaptação eficaz, que cremos ser possível somente na medida em que os lutos

puderem ser elaborados.

REFERÊNCIAS

AMARAL, L.A. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo:

Robe Editorial, 1995.

BRUNHARA, F., PENTEAN, E. B. L. Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e

explicações à deficiência da criança. Paidéia, v. 9, n. 16, p. 31-40, jan.-jul. 1999.

BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais. Rio de Janeiro: Record, 1993.

CASSARIN, S. Os vínculos familiares e a identidade da pessoa com Síndrome. 2001.

197 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade de São

(8)

FARIA, M. C. C. O estranho no ninho – estudo da ferida narcísica dos pais de pessoas especiais deficientes mentais. 1997. 135 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia

Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

GÓES, F. A. B. Os pais e seu filho portador de necessidades especiais / deficiência mental: um encontro inesperado. 2004. 184 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia

Clínica)– Universidade Católica de Pernambuco.

MURATA, M. F., PETEAN, E. B. L. Paralisia cerebral: conhecimento das mães sobre o

diagnóstico e o impacto deste na dinâmica familiar. Paidéia, v. 10, n. 19, p. 40-46,

ago.-dez. 2000.

SIMON, R. Psicologia clínica preventiva: novos fundamentos. São Paulo: EPU, 1989.

SIMON, R. Psicoterapia breve operacionalizada. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

TARDIVO, L. S. C. Análise e Interpretação. In: TRINCA, W. (org.) Formas de

investigação clínica em psicologia. São Paulo: Vetor, 1997. Cap. VI, p. 115 – 156.

TRINCA, W. (org.) Formas de investigação clínica em psicologia. São Paulo: Vetor,

1997.

TRINCA, A. M. T. Ampliação e Expansão. In: TRINCA, W. (org.) Formas de

Referências

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