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A construção da espiritualidade por meio do corpo na velhice: um estudo sobre idosos praticantes de hatha-yoga em Brasília

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Academic year: 2017

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM GERONTOLOGIA

Dissertação

A CONSTRUÇÃO DA ESPIRITUALIDADE POR

MEIO DO CORPO NA VELHICE: UM ESTUDO

SOBRE IDOSOS PRATICANTES DE

HATHA-YOGA

EM BRASÍLIA.

Autor: Daniel Camelo Rancan Orientador: Prof. Dr. Vicente Paulo Alves

BRASÍLIA

2007

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A CONSTRUÇÃO DA ESPIRITUALIDADE POR MEIO DO CORPO

NA VELHICE: UM ESTUDO SOBRE IDOSOS PRATICANTES DE

HATHA-YOGA

EM BRASÍLIA.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação “Stricto Sensu” em

Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Gerontologia inserida na linha de pesquisa: Longevidade e qualidade de vida.

Orientador Prof. Dr. Vicente Paulo Alves.

Brasília

2007

(3)
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AGRADECIMENTOS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 6

Metodologia de Pesquisa ...10

Participantes: colaboradores da pesquisa...10

Descrição dos grupos e de suas atividades...10

Instrumentos de pesquisa...11

Procedimento de pesquisa...12

CAPÍTULO 1: O UNIVERSO DO YOGA... 16

1.O Yoga no contexto indiano...16

2. O Universo do Yoga.....18

3. O Tantra e o Hatha-Yoga...21

4. O Yoga e o Ocidente...24

5. Hatha-Yoga e o Envelhecimento...26

5.1. Descrição de uma aula de hatha-yoga praticada por idosos de Brasília...28

5.2. Idosos praticantes de Hatha-Yoga em Brasília...29

CAPITULO 2: ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NA VELHICE...33

1. A velhice ...33

2. O Fenômeno Neo-Esotérico no Contexto Urbano...38

3. Tendências Teóricas para se pensar as questões da espiritualidade e Religiosidade...40

4.Espiritualidade, Religiosidade E Envelhecimento...43

4.1.Ponto de partida...43

4. 2.A Teoria do Desenvolvimento...45

4.3. Estudos sobre a religiosidade...47

4.4. Stress e coping....48

4.5. Desdobramentos...48

5. Espiritualidade...50

5.1. Yoga e espiritualidade...51

5.2. Idosos, Yoga e espiritualidade...53

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1. Direções para o corpo...59

2. Pensar o corpo...60

2.1 Natureza X Cultura...61

3 A Historicidade no corpo...63

4. Encontro entre a condição moderna do corpo e a transformação do corpo pelas práticas orientais...69

5. Técnicas corporais e o universo do hatha-yoga...74

CONSIDERAÇÕES FINAIS...80

BIBLIOGRAFIA...84

ANEXOS...90

ANEXO 1...91

ANEXO 2...93

ANEXO 3...98

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INTRODUÇÃO.

Essa dissertação de mestrado tem como tema o estudo sobre o envelhecimento, visto pelo prisma da espiritualidade. Optamos por abordar essa temática a partir de uma pesquisa realizada com indivíduos idosos adeptos das práticas de hatha-yoga no Distrito Federal. O estudo sobre a espiritualidade em idosos é um campo pouco explorado, se for comparado aos demais eixos temáticos que formam o campo da gerontologia.

A escolha pelo tema, assim como pelo objeto a ser pesquisado diz respeito a peculiaridades de nossa trajetória desde a graduação. Três fatores que foram determinantes no direcionamento do nosso olhar sobre o objeto: o conhecimento antropológico, a proximidade com o Yoga e o interesse pelo fenômeno do envelhecimento (e em especial, pela dimensão da espiritualidade).

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O contato com o Yoga1 aconteceu no ano de 1999, quando começamos como

aluno em um grupo de hatha-yoga. Em 2001, participamos do curso de formação de instrutores em hatha-yoga e iniciamos a lecionar em Brasília. Em 2003 e 2004, estudamos hatha-yoga no Sarasvati Yogashala e no Ashtanga Yoga Stúdio (Porto Alegre - RS). No mesmo ano estudamos o uso terapêutico da hatha-yoga e participamos de cursos sobre meditação e Yoga.

O interesse por estudar a velhice, assim como os demais grupos que estão à margem da sociedade, faz parte de nossa herança da graduação em Ciências Sociais. No caso dos idosos, isso é interessante, pois, mesmo estando cada vez mais presentes, ainda são uma parcela excluída da sociedade. Além desse caráter social, há também o fato de que, enquanto professor de yoga, estamos em constante contato com indivíduos idosos que fazem parte dos grupos que freqüentam aulas de Yoga. De alguma forma, seja pela proximidade com esses indivíduos, seja pelo interesse reflexivo, as questões relativas a espiritualidade desse segmento social, chamou-nos a atenção.

O estudo das questões que envolvem a velhice é justificado, ao nosso ver, por dois elementos: o crescimento demográfico dessa população, tornando-os cada vez mais presente e a condição marginal desses idosos. No caso do Brasil observa-se essas duas condições. No contexto brasileiro a população de idosos tem aumentado consideravelmente. O termo “idoso” é utilizado para designar aquele indivíduo que, de acordo com o Estatuto do Idoso de 2003, possui idade igual ou superior a 60 anos. De 1940 a 2000 houve um aumento dessa população de 4% para 8,6% (Camarano, Kanso e Mello, 2004), concomitante a esse crescimento, está a condição social dessa população na sociedade. Numa lógica regida pelo sistema de produção, o idoso passa a ser aquele que não é mais sujeito produtivo e com isso é destituído de um lugar social reconhecido (Gusmão, 2003) o que gera uma exclusão. Desta forma, o presente trabalho tem uma importante contribuição a dar para a sociedade brasileira, pois, traz a esses indivíduos uma visibilidade social através da análise do contexto em que estão inseridos.

Paralelamente ao crescimento populacional, a velhice vem sendo construída como um importante fenômeno de estudo. A Gerontologia é a área do conhecimento

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onde se produz e processa o saber científico sobre a velhice. Com uma característica predominante das áreas biológicas, a gerontologia brasileira tem tido um maior espaço de discussão das questões relativas ao envelhecimento biológico. No campo das ciências humanas a Psicologia foi a disciplina que melhor se adaptou ao contexto gerontológico, desenvolvendo uma notável produção de trabalhos. No entanto, quando se trata da abordagem da temática da espiritualidade e do corpo, há uma série de questões históricas e políticas que limitam as pesquisas em Gerontologia. São poucos os pesquisadores das áreas biológicas que abordam devidamente a questão da espiritualidade. No caso das ciências humanas foi a Psicologia que timidamente desenvolveu reflexões e pesquisas para a abordagem da espiritualidade na velhice. Essa timidez está ligada ao fato de ter havido, na história da disciplina, um silenciamento diante dessas questões enquanto temas de estudo (Freitas, 2006). Ou seja, por muito tempo não lhe foi atribuída a importância devida. Já o corpo é um tema que possui uma infinidade de aspectos para serem trabalhados em relação à velhice. Os pesquisadores das ciências naturais dão uma importante contribuição para as questões relativas ao saber biológico do mesmo. Na área das ciências humanas, há importantes trabalhos sobre as representações do corpo ao longo da história, e como isso, se reflete na velhice. Contudo, não encontramos nenhum trabalho que pudesse analisar a espiritualidade na velhice levando em consideração o corpo. Com base nisso, essa pesquisa pode contribuir para alargar o conhecimento produzido no campo gerontológico, mostrando a importância do tema para a compreensão do envelhecimento.

Entre os temas estudados pela Gerontologia, a espiritualidade ocupa um importante espaço nas discussões relativas à velhice e à qualidade de vida: “Quem, com efeito, lida com a qualidade de vida relacionada com a saúde, física ou mental, esbarra freqüentemente com a espiritualidade” (Paiva, 2004: 119). Desta forma, por se tratar de um assunto pertinente às questões de qualidade de vida, essa dissertação pode dar uma pequena, mas, importante contribuição ao Programa de Mestrado de Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, pois, cria um espaço de discussão e reflexão sobre um tema relativo à área de concentração do mestrado.

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(Siqueira, 2003), pois a construção da cidade representou a possibilidade de realização de dois mitos da criação: a “Cidade Utópica” e a “Terra Prometida”. O primeiro, diz respeito ao caráter arquitetônico urbanístico do Plano Piloto que tinha como ideal a universalidade e a igualdade, onde não existiriam divisões de classe social. O segundo, faz parte das profecias de Dom Bosco, padroeiro da cidade, em relação a essa região (Siqueira, 1999). Em um estudo, realizado com indivíduos consumidores de práticas esotéricas2 no Distrito Federal, os pesquisadores observaram que 41,50% dessa amostra disseram ter como motivação, ao procurar essas práticas uma melhora de qualidade de vida, e 41,25%, o auto-conhecimento. Como comenta a autora: “Tudo isso nos indica a tentativa de construção e de vivência de um novo estilo de vida que implica em uma melhor qualidade de vida” (Siqueira, 2003:158).

Outro ponto importante a ser levado em consideração para a problematização do tema é a crescente procura por um estilo de vida que povoa o imaginário ocidental, e que está ligado a uma visão de mundo oriental (expressa por meio da adesão às praticas corporais, o interesse pelas técnicas de confecção manual de roupa, as conversões aos sistemas religiosos, a empatia com a produção e o consumo das artes etc.) nas sociedades modernas. Esse fenômeno vem chamando a atenção de uma série de pesquisadores como Carvalho (1992), Brandão (1994), Soares (1994), Campbel (1997), Siqueira (1999 e 2003), Hollinger & Valle-Hollinger (1999) e Magnani (1999).

Dentro da diversidade de práticas corporais orientais, o Yoga vem sendo estudado por diferentes áreas do conhecimento (Gallois, 1984; Joshi, Joshi & Gokhale, 1992; Gonzalez & Waterland, 1998; Feuerstein, 2003 e 2005; Coutler, 2001; e, Eliade, 2004). Especificamente no caso de estudos enfocando idosos, há poucos trabalhos desenvolvidos no Brasil (Oliveira, 2005) e os que têm, buscam correlacionar a prática do Yoga à qualidade de vida, apenas pelo aspecto físico. Isso de alguma forma limita a compreensão do que esse sistema pode trazer para esses indivíduos, já que, o mesmo propõem algo além do físico: “Sua finalidade, desde o início, é bem clara: libertar o

2 Pesquisa realizada no inicio de 1994 pelo Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília

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homem de sua condição humana, conquistar a liberdade absoluta, realizar o incondicionado” (Eliade, 2004: 91).

Assim, a partir das colocações apresentadas acima, a questão que nos propusemos para essa dissertação era relacionar a velhice com a busca por práticas corporais orientais e a concepção moderna de corpo. Essa pergunta norteou a nossa pesquisa direcionando o processo de investigação e análise ao longo do trabalho.

O objetivo geral para essa dissertação é o de investigar se no grupo de indivíduos idosos estudados haveria alguma relação entre a busca pelo Yoga e questões relativas à espiritualidade. Para alcançar esse objetivo geral buscamos seguir alguns pontos específicos como, aprofundar o conhecimento sobre as diversas linhas de Yoga; analisar como se relaciona religiosidade e espiritualidade na velhice; e, compreender as relações entre as concepções de corpo moderno e as práticas orientais. Vejamos portanto, agora a metodologia em que se baseou essa pesquisa de dissertação.

Metodologia da Pesquisa

Participantes: colaboradores da pesquisa

Os sujeitos entrevistados para esta pesquisa pertencem a três diferentes grupos de pessoas que participam das aulas de yoga em Brasília. A maioria desses indivíduos são de classe média e alta e estão aposentados pelo sistema previdenciário brasileiro, exceto o caso de Neuza e Betina3 que ainda trabalham. São indivíduos com 60 a 76 anos, sendo todos brasileiros. Das cinco pessoas entrevistadas, somente uma era do sexo masculino, sendo que as demais eram do sexo feminino. Todos possuem nível de ensino superior. Luiz tem 76 anos de idade e mora no Lago Sul. Aposentado, é economista de profissão e pratica Yoga há três anos. Betina tem 66 anos de idade e mora na Asa Norte. Agrônoma de profissão trabalha na Embrapa e é praticante de Yoga há dois anos. Norma tem 63 anos de idade e mora no Lago Sul é pedagoga aposentada pela Secretaria

3 Todos os nomes dos entrevistados são fictícios e foram acrescentados com o intuito de preservar a

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de Educação do Distrito Federal e pratica Yoga há um ano. Neuza tem 62 anos de idade e mora na Asa Norte é cientista político de profissão e trabalha no Ministério da Ciência e Tecnologia é praticante de Yoga há doze anos. Maria de Lordes tem 67 anos de idade e mora na Asa Sul é formada em Letras, aposentada pelo Ministério das Relações Exteriores e é praticante de Yoga há oito anos.

Descrição dos grupos e de suas atividades.

Os grupos estudados realizavam suas atividades em localidades distintas. O principal grupo que acompanhamos realiza suas atividades na Quadra 605 Sul, onde é a sede da Sociedade Teosófica em Brasília. As aulas são ministradas pela professora Maria Luiza. As aulas têm uma hora de duração e são realizadas duas vezes por semana. Concomitante a isso, freqüentamos turmas em outros espaços onde eram realizadas aulas de Yoga com idosos. São eles: um centro no Lago Sul, uma escola na Asa Norte, duas escolas na Asa Sul, uma igreja no Lago Sul, um clube desportivo na Asa Sul.

Instrumentos de pesquisa

Revisão bibliográfica:

Utilizamos a revisão bibliográfica sobre o Yoga como forma de contextualizar e complementar a compreensão dos dados coletados em campo. Realizamos um levantamento da bibliografia sobre a temática da espiritualidade, especialmente relacionada com a velhice. Isto nos auxiliou a ilustrar teoricamente nossos dados: “... o etnógrafo deve ser inspirado pelo conhecimento dos mais recentes resultados do estudo científico...” (Malinowski, 1975: 44). Com relação à temática do corpo, procuramos nos ater a uma base bibliográfica que nos permitisse entender as representações do corpo ao longo da história e principalmente explorar a condição do corpo na modernidade.

Observação participante:

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contato mais próximo. A observação participante é uma técnica que está inserida dentro do trabalho de campo. A Antropologia foi quem inicialmente desenvolveu este tipo de metodologia para estudar as culturas não ocidentais, sendo um tipo de metodologia qualitativa, que tem a capacidade de colocar o pesquisador em contato com um dado que somente é possível quando se está imerso no contexto da pesquisa. Por isso se diz em Antropologia que o trabalho de campo tem como função principal coletar os dados: “A coleta de dados concretos sobre uma grande variedade de fatos constitui, portanto um dos principais pontos do método de campo” (Malinowski, 1975: 50). No contexto desta pesquisa, o trabalho de campo e a observação participante nos permitiram estabelecer o contato para realizar as entrevistas.

Entrevista:

A entrevista foi o principal instrumento utilizado para acessar as informações dos indivíduos idosos numa dimensão pessoal possibilitando conhecer a relação destes com o Yoga. Optamos metodologicamente por permanecer inicialmente em campo para, a partir desta experiência, elaborar um roteiro de condução das entrevistas (ver Anexo 1). Seguindo assim alguns cuidados metodológicos importantes porque “... é preciso aprender o momento apropriado para perguntar, assim como, o que perguntar” (Foote-Whyte, 1975: 81). As entrevistas foram realizadas na casa dos indivíduos e utilizamos um gravador de fita cassete para registrá-las. As gravações duraram em torno de uma hora e trinta minutos a duas horas, sendo realizadas com o consentimento prévio dos sujeitos.

Procedimento de pesquisa.

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praticantes, e a partir dessa relação, realizar entrevistas com os mesmos. Paralelamente as aulas na Sociedade Teosófica, freqüentamos outras turmas já indicadas anteriormente.

Dos grupos que participamos, não havia nenhum que somente tivessem idosos. Os grupos não eram homogêneos em relação a questão de gênero e nem de idade, havendo uma característica intergeracional entre os membros do grupo. Junto com os idosos participavam das aulas pessoas mais jovens de ambos os sexos. Os grupos não eram fechados e não havia nenhum pré-requisito a priori para a entrada de novos indivíduos. Em todos os grupos que freqüentamos as aulas eram pagas e o valor variava de uma escola a outra. Conforme podemos presenciar, estes grupos têm uma dinâmica muito grande em relação a seus integrantes. Muitas pessoas saem e outras entram nos grupos. De acordo com as professoras e professores desses grupos os idosos são o público menos inconstante. Isso pode ser comprovado nas aulas que seguimos na Sociedade Teosófica de Brasília.

As aulas de Yoga serviam como um local de encontro para os idosos. Nas aulas que freqüentamos com maior continuidade foi possível observar que no momento antes de iniciar a aula, assim como, no seu término, eram espaços de encontros e trocas de experiências relativas à prática ou às outras necessidades trazidas pelos indivíduos. Nesse sentido, as idas e voltas das aulas também eram momentos de encontros. Seja nos encontros pré-combinados no momento da saída de casa para ir andando para o local da prática, seja na volta para casa, quando em algumas situações havia um momento de um lanche na tarde.

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que tiveram uma maior proximidade conosco, seja por estarem sempre presentes nas aulas, seja pela relação de empatia desenvolvida ao longo do trabalho de campo. Ao analisar os dados foi-nos possível constatar que, de forma não intencional, acabamos por realizar as entrevistas com indivíduos que tinham diferentes vivências em relação ao tempo de prática do Yoga.

Outro importante fator para o desenvolvimento da pesquisa foi o contato do pesquisador com o universo do Yoga. Optamos por não realizar a pesquisa com turmas nas quais realizávamos o papel de professor. Acreditamos que seria mais enriquecedor se pudéssemos estar na condição de praticantes para a coleta dos dados. Assim, nossa inserção nas aulas aconteceu na forma de aluno. Contudo, por meio de um olhar disciplinado nessa área, foi possível estabelecermos uma série de relações importantes para o trabalho. Nosso conhecimento do universo do Yoga foi utilizado como uma alternativa metodológica que facilitou na compreensão das dinâmicas das aulas, das técnicas utilizadas e dos conceitos apresentados pelos professores (as).

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CAPITULO 1: O UNIVERSO DO YOGA

1. O YOGA NO CONTEXTO INDIANO.

Para entrar no universo do Yoga, além da pesquisa empírica, optamos por utilizar três tipos de base bibliográfica. A primeira diz respeito aos trabalhos realizados por pesquisadores acadêmicos que tem um envolvimento com a temática a partir de um ponto de vista científico. Utilizamos os trabalhos de Feuerstein (2003 e 2005), Eliade (2004) e Almeida (2004 e 2006). A segunda fonte são os textos escritos por yoguis4, estudiosos do Yoga. Optamos por utilizar os livros de Vivekanada (1977), Moran (2002), Desikachar (1998 e 2007) e Iyengar (2007). A última fonte são os livros que tratam especificamente de Yoga e envelhecimento. Nessa linha buscamos trazer os trabalhos de Andrade (1978 e 2001) e Francina (2005).

Inicialmente é bom compreender o que se entende por Yoga. Como apontam os autores acima citados, a primeira atenção deve ser dada a etimologia da palavra. A língua oficial das escrituras védicas é o sânscrito (Feuerstein, 2003). Assim o vocábulo yoga é derivado da raiz sânscrita yuj que pode ser traduzido como “ligar”, “manter unido” e “atrelar”. Tem seu sentido designado quando se refere às técnicas de ascese e métodos de meditação (Eliade, 2004: 20). Pode ser entendido também como a união entre “o eu individual (jîvan-âtmam) com o Supremo Si Mesmo (parama-âtmam)5 (Feuerstein, 2003:36). Para entender melhor a definição desse termo optamos por apresentar a contextualização de alguns conceitos da filosofia indiana, assim como, os pontos de vistas sobre a realidade (darsanas) que foram propostos a partir desses conceitos.

Podemos ser introduzidos ao universo espiritual indiano por meio de quatro conceitos: karman, mãyã, nirvana e yoga (Eliade, 2004). O problema que impulsiona

4 Termo utilizado para se referir a indivíduos praticantes das técnicas do yoga.

5 Na literatura hindu o jivan-âtmam possui significados com sentidos complementares, como “o ser vivo

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toda a filosofia indiana6 é a procura da verdade ou a busca pela libertação. Desse

interesse foram desenvolvidos conceitos, como a lei da causalidade universal, que mostra uma relação direta entre a ação e os seus efeitos reativos (karman); o mistério sobre o processo gerador do cosmo, que é a causa da ilusão nos seres não despertos (mãyã), uma espécie de realidade absoluta que está além do ciclo de morte e renascimento (nirvana) e o método (Yoga) para chegar à liberação (moksha). Esses quatro conceitos refletem a visão hindu sobre a realidade.

Outro ponto relevante é a relação entre existência e sofrimento. O motor propulsor para a busca e o desenvolvimento do Yoga enquanto caminho espiritual é a condição de sofrimento do ser. Existir implica em dor. O Yoga foi criado para superar o sofrimento humano. Este tipo de sofrimento na visão yoguica é resultado da ignorância que o ser humano tem. Esta ignorância(avidya) se dá em várias dimensões desde o reconhecimento errôneo de uma ação cotidiana na vida do indivíduo, até a incapacidade de uma percepção correta do processo do cosmo (mãyã). O conceito de

avidya7 é fundamental, pois, é devido a esta ignorância que o sofrimento nasce e se

perpetua. Para os yoguis, uma vez desfeita a condição de avidya o ser está liberto do sofrimento podendo reconhecer as coisas como elas são. Conforme mostra Desikachar (2007:132):

“Há muitas definições de yoga: yoga como o movimento de um ponto a outro, mais elevado; yoga como ato de unificar reunir duas coisas; yoga como ação com atenção inteira e ininterrupta. Essas definições de yoga têm uma coisa em comum: a idéia de que algo muda. Essa mudança deve nos levar a um ponto que nunca estivemos antes. Isso significa que aquilo que era impossível se torna possível; que o que era inatingível se torna accessível; que o que era invisível se torna visto. Uma das razões básicas pelas quais muitas pessoas assumem uma pratica de yoga é mudar algo nelas mesmas: conseguir pensar mais claramente, sentir-se melhor e ter condições para agir hoje melhor do que ontem, em todas áreas de sua vida.”

O Yoga está presente nas escrituras sagradas hindus, os Vedas. Os Vedas são uma coleção de quatro livros escritos em sânscrito na forma de hinos sobre o

6 Um dos elementos que diferencia a filosofia indiana da ocidental é a base metafísica utilizada para

analisar a realidade a que se refere. Enquanto a filosofia ocidental conseguiu romper com a especulação metafísica e daí nascer a ciência, a filosofia indiana não teve preocupação em alcançar a verdade por métodos fora da realidade metafísica (Jung, 1980).

7 A palavra em sanscrito avidya é formada pelo radical “vidya” que significa conhecimento e pela silaba

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conhecimento revelado sobre a civilização arcaica da Índia (Feuerstein, 2003). A natureza desse conhecimento é sobre-humana, ou seja, uma dimensão do entendimento que foi alcançada através da experiência contemplativa da natureza. Os darsanas são sistemas dentro da filosofia indiana que estudam os Vedas8 . O Purva-Mimasa, Vedanta,

Sankhya, Vaisheshika, Nyâya e o Yoga formam os seis sistemas da filosofia hindu. Para

ser um darsana esse conhecimento deve expressar um ponto de vista particular sobre a realidade a partir da interpretação dos textos sagrados.

2. O UNIVERSO DO YOGA.

O Yoga é marcado pela sua heterogeneidade. Essa diversidade está ligada às diferentes escolas que adotam doutrinas e práticas em contextos próprios. Quando comparadas entre si essas diferentes linhas, muitas vezes, não possuem nada em comum. Dentro da estrutura do Hinduismo9 cinco formas de Yoga são as mais conhecidas: Raja-Yoga, Jnâna-Yoga, Bakti-Yoga, Karma-Yoga e o Hatha-Yoga (Feuerstein, 2003). Essas cinco formas de Yoga estão relacionadas a elementos específicos da cultura hindu.

O Yoga somente se tornou um darsana com os escritos de Patanjali (Eliade, 2004). A escola de Patanjali10 foi importante por realizar uma leitura, compilação e

sistematização dos Veda buscando o conhecimento relacionado com as técnicas ascéticas e contemplativas. O resultado dessa sistematização culminou nos Yoga Sutra11de Patanjali . Esses escritos são a base do Yoga Clássico:

8 No Hinduísmo a distinção entre filosofia e religião não é nítida. A filosofia é uma metafísica que tem

conseqüências morais e não um conhecimento puramente abstrato. Sua aplicabilidade está no cotidiano criando um modo de vida que transcende um exercício de pensamento racional. Outra importante característica é que esses sistemas são perspectivas particulares a respeito de uma mesma verdade (Feuerstein, 2003).

9 O Hinduismo juntamente com o Islamismos são as religiões oficiais da Índia.

10 Há uma série de controvérsias sobre quem foi Patanjali. Alguns autores afirmam que ele foi um

gramático que viveu no séc. II a.C. e que escreveu um tratado sobre sânscrito chamado Mahâ-Bhâshya. Outros autores afirmam que Pantjali não era um homem específico. O nome Patanjali é um título clã do sacerdote védico Âsurâyana. Feuerstein (2003), não é possível exatamente dizer nada sobre Patanjali

somente é possível deduzir que foi uma grande autoridade em Yoga .

11 Um sutra é uma composição de afirmações aforísticas, que unidos permitem que o leitor interprete

aquelas idéias. O Yoga Sutra é uma compilação de quatro livros. O primeiro livro é o Samadhi Pada onde

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“ ... porque a exposição de Patanjali é um sistema de filosofia, porque ela condensa um número considerável de indicações práticas relativas à técnica ascética e ao método contemplativo; porque os yoga-sutra são o resultado de um enorme esforço, não só para reunir e classificar uma série de práticas ascéticas e de método contemplativos que a Índia conhecia desde tempos imemoriais, mas também para valorizá-los do ponto de vistas teórico, fundamentando-os, justificando-os, integrando-os em uma filosofia”(ELIADE, 2004:21).

O Raja-Yoga ou o “Yoga real” foi estabelecido no séc. XVI d.C. com base no

sistema de Yoga de Patanjali criado no séc. II. A sua prática consiste no estudo e entendimento dos textos escritos por Patanjali e na meditação. O Hatha-Yoga é uma ramificação que tem como objetivo a transcendência da consciência egóica e a realização do “Si-Mesmo” partindo do corpo. Para tanto os hatha-yoguin12 desenvolveram uma complexa “tecnologia psicoespiritual” para dar ao corpo a capacidade de suportar essa realização transcendente. Baseado em ideais do Tantra, os

hatha-yogin buscam a via de libertação por meio da construção de um “corpo divino”

(divya-sharîra), o que permite ao aspirante alcançar a sua meta a partir da realidade somática (Feuerstein, 2003:66). Como foi expresso nos próprios textos de hatha-yoga13 não há uma diferença conceitual entre esse e o Raja-Yoga, e sim, uma relação de complementariedade em que o primeiro conduz ao segundo (Kupfer, 2002: 7). O Jnâna-Yoga é uma outra forma de Yoga que se caracteriza pelo aspecto do conhecimento. A realização dentro dessa linha vem por meio do estudo das escrituras védicas. Esse estudo capacita ao indivíduo desenvolver um exercício de compreensão gnóstica sobre o real, possibilitando a realização do “Si-Mesmo” (Feuerstein, 2003:69).

O Bhakti-yoga é o ramo que busca realizar o ser por meio da devoção. Diferente

do Jnâna-Yoga, não se busca uma identificação total com a realidade transcendente,

mas sim uma comunhão e uma fusão parcial (Feuerstein, 2003:69). O Bhakti-yoga é o yoga da dedicação amorosa a essa realidade transcendente que se expressa por meio de uma pessoa divina. As práticas dentro desta linha vão desde os rituais para as deidades hindus, até o canto de canções de louvor e glória às deidades. O ideal expresso nesse caminho é que o bakta14 desenvolva uma paixão por essa pessoa divina15 que se torna

12 Nome dado aos indivíduos que seguem os preceitos do Hatha-Yoga. 13 Ver Hatha Yoga Pradipika na referência.

14 Nome dado aos indivíduos que seguem os preceitos do Bhakti-Yoga.

15 O Bhakti-Yoga desenvolveu o culto religioso ao deus Vishnu e ao deus e Shiva que juntamente com

Bramam formam a trindade hindu (Feuerstein, 2003). Essa visão monoteísta se desenvolveu em grande medida dentro de duas esferas religiosas: o Vaishnavismo e o Shaivismo. Os vaishnavas adoram o deus

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cada vez maior. Por meio desse sentimento é possível ao aspirante derrubar as barreiras que o separam da realidade transcendente. O Karma-yoga é uma ramificação do Yoga voltada para a ação desinteressada. Esse tipo de ação é específica e se caracteriza por uma atitude interior perante o ato da ação. O objetivo dos karma-yogui16 é a liberdade na ação. Essa liberdade acontece na medida que o aspirante transcende as motivações pessoais e reconhece que todas as ações ocorrem espontaneamente. Para os karma-yogui a ação se transforma em um sacrifício que tem como vítima o próprio ego. Isso faz sentido uma vez que, para esses aspirantes o ego17 tem o condicionamento de perceber que é ele o agente único das ações. Isso faz com que a cada ação seja uma forma de prisão, pois a “noção de eu” é reforçada e essas ações geram karma negativo ao indivíduo (Feuerstein, 2003: 88).

Há várias diferenças entre estes tipos de Yoga, mas nós gostaríamos de destacar uma característica relevante para a pesquisa, por permitir conectar a tradição yoguica a tradição religiosa cristã. Para o Jnâna-Yoga a realidade transcendente é concebida como um absoluto impessoal, isso se expressa em uma visão não-dualista do universo

(advaita), ou seja, o homem e Deus têm a mesma essência. No Bhakti-yoga, assim como

no Raja-Yoga, a realidade transcendente é concebida na forma de uma pessoa suprema,

ou seja, se baseia em uma visão dualista (dvaita). Essa concepção dualista presente no

Raja-Yoga e compartilhada pelo Hatha-Yoga é emprestada do Sankya. Esse é um ponto

importante para um estudo no Brasil sobre idosos que praticam o Hatha-Yoga, pois a definição que essa vertente traz da realidade transcendente é muito semelhante à expressão cristã, no que se refere a presença de uma figura central de adoração. Este elemento facilita a naturalização dos conceitos do Hatha-Yoga para a lógica cristã.

personagem do épico hindu Bhagavad-Gîtâ . Essa encarnação é a figura de adoração dos Hare-krishna, uma conhecida vertente do Bhakti-Yoga.

16 Nome dado aos indivíduos que seguem os preceitos do Karma-Yoga.

17 Na filosofia indiana a uma complexa categorização para a mente. Essa é classificada conforme o tipo de

pensamento. Dependendo do tipo de pensamento a mente pode ser: chitta (memória de tudo que está ali),

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3. O TANTRA E O HATHA-YOGA.

Para compreender melhor o Hatha-Yoga é preciso primeiro se familiarizar com alguns conceitos de uma outra escola indiana. O Tantra é um corpo de doutrinas e práticas multimilenares presente na cultura hindu (Liysebeth, 1994). Conhecido inicialmente como o culto dos Sidhas18, o Tantra surgiu no início do século do primeiro milênio, mas sua expressão se deu no séc. XVIII. O tantrismo se desenvolveu na fronteira da Índia com o Afeganistão e na porção oriental de Bengala, sobretudo, nas províncias onde o Hinduísmo era mesclado com as religiões aborígines (Eliade, 2004). Os seus ensinamentos estão contidos nos Tantras19. Um fator importante trazido por essa escola é a incorporação da visão dinâmica do universo e uma nova atitude perante o corpo. Modificando a perspectiva védica em relação ao corpo, antes encarado como fonte de corrupção e inimigo do espírito, o corpo humano passa a adquirir uma importância nunca antes vista na história espiritual da Índia:

Os mestres tântricos aspiravam a criação de um corpo transubstanciado, que chamavam de ‘adamantino’ (vajra) ou divino (daiva). Em vez do corpo como um tubo alimentar fadado a doença e à morte, eles o viam como a morada de Deus e como caminho alquímico em que se haveria de realizar a perfeição espiritual, essa linhagem tinha como meta a criação de um corpo divino (FEUERSTEIN, 2003: 462).

O tantrismo tem como característica uma atitude antiascética e antiespeculativa

que prioriza a ação, em detrimento ao conhecimento especulativo. Por meio do sadhana

tântrico20 o corpo é construído lentamente com a intenção de se chegar a realização do

espírito. Nesse ideal, o corpo é percebido como uma representação do cosmos e dos deuses hindus, e por isso é necessário um esforço para mantê-lo sadio e forte. Ao realizar técnicas de movimentação corporal, visualizações de imagens, a construção de mandalas etc, o adepto dessa linha está criando dentro do seu corpo as condições para a

18 O significado da palavra sidha é “realizado” ou “perfeito” e se refere ao adepto do Tantra que alcançou

a liberação, a perfeição suprema, ou seja, aquele que se realizou por meio do caminho tântrico

(Feuerstein, 2003: 463).

19 São os textos onde estão todo o conhecimento dessa escola e que são apresentados na forma de

diálogos, tendo sua autoria atribuída à própria divindade. Na tradição hindu há 64 Tantras que versam sobre a criação do mundo, os nomes e as funções das divindades masculinas e femininas, rituais de adoração, magias e oráculos, fisiologia esotérica, técnicas de purificação corporal (Feuerstein, 2003).

20 O sadhana tântrico refere-se a um grupo de técnicas e conhecimentos utilizados pelo adepto para a

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aproximação com o universo mítico. O corpo é representado como um microcosmo que deve se aproximar do universo que é o macrocosmo. Ter qualidades no corpo como saúde e força, a aproximação de uma fisiologia assemelhada ao cosmos, fazem parte das metas a serem alcançadas pelo praticante em seu sadhana. Eliade (2004:192) observou que há no Tantra duas importantes orientações em relação ao corpo que estão presentes

no Hatha-Yoga: “a importância dada a ‘experiência total da vida” como parte integrante

do sadhana, e a “vontade de dominar o corpo para transforma-lo em corpo divino” A segunda orientação é a base do qual foi desenvolvido o Hatha-Yoga.

O Hatha-Yoga é uma das vertentes do Yoga que tem suas raízes na Índia antiga,

contudo foi no período medieval (séc. IX a XVI) que ganhou maior notoriedade. O surgimento do Hatha-Yoga está associado ao nome do asceta Gorakhnath que viveu no séc. XII e que teve contatos com a vertente tantrica budista.Há indicações de que tenha escrito um tratado chamado “Hatha-Yoga” que está desaparecido. O sistema que dá a base do Hatha-Yoga está escrito em quatro importantes livros: “Hatha Yoga

Pradipika”, “Gheranda Samhita”, “Yoga Yajnavalkya” e o “Shiva Samhita”. Este

sistema tem como objetivo transcender a consciência cotidiana21 criando condições para a realização do indivíduo. Como nas demais formas de yoga, essa liberação somente acontece quando o adepto consegue realizar o “Si mesmo”22. No hatha-yoga há uma

extensa e refinada “tecnologia psicoespiritual” para tal realização. As descrições e as instruções para a utilização dessas técnicas estão presentes nos textos. Todo o princípio que norteia a prática dessas técnicas, desde a sua concepção até o seu ensino está amparada na experiência de mestres hatha-yoguis. O caráter experimental é condição para o desenvolvimento do adepto. O hatha yogin é um pesquisador empírico do seu próprio processo, que amparado por um mestre, busca decifrar a sua existência a partir de suas experiências com o seu corpo.

21 Para as diferentes formas de yoga a ignorância da verdadeira natureza do “Si Mesmo” (purusa) é a base

de toda a experiência psicológica. Isso implica em entender que, do ponto de vista metafísico do qual parte o Yoga, os fatos psíquicos cotidianos reais psicologicamente e legitimados logicamente são falsos de uma perspectiva metafísica devido ao fato de não levarem em conta a natureza do Si Mesmo (Eliade, 1996).

22 Para compreender o termo “Si Mesmo” é importante ter uma pequena idéia dos conceitos purusa e

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O “Hatha Yoga Pradipika” é uma espécie de manual que foi escrito por

Swatmarama Yogendra. Como foi escrito na forma de um manual, cada passo deve ser

estabelecido de acordo com a ordem prescrita. Inicialmente o autor explica para quem serve o hatha-yoga:

O Hatha-Yoga é um refúgio para aqueles que sofrem os três tipos de dor (dor física ou sofrimento psíquico, sofrimentos provocados por influencias planetárias e sofrimentos produzidos por fenômenos naturais: chuva, seca, terremoto e etc.). Para todos aqueles que se dedicam ao Yoga, o Hatha-Yoga é a tartaruga que sustenta o mundo (é a base que sustenta a prática) (KUPFER, 2002:19).

Para tanto há uma dieta que o indivíduo deve seguir, assim como, a prática das posturas corporais (asanas) que deve fazer e o controle dos sentidos23 que deve buscar. As técnicas de purificações físicas (satkarma)24 e os exercícios respiratórios

(pranayama) são ferramentas importantes para a construção desse “corpo divino”. O

adepto deve ter conhecimento das experiências sobre as sensações do despertar da energia sutil (kundalini)25 no corpo como também dos gestos corporais (mudras)

utilizados para o despertar dessa energia. Não há nenhuma restrição para que qualquer pessoa siga o Hatha-Yoga enquanto caminho: “Qualquer pessoa que pratique ativamente o Yoga, seja ela jovem, velha ou mesmo muito velha, enfermiça ou débil, pode converter-se a um siddha” (Kupfer, 2002:30).

Finalizando essa contextualização gostaríamos de ressaltar que, o Yoga e o universo simbólico a que está ligado tem uma função normatizadora na vida do adepto, no caso do Hatha-Yoga se expressa nos cuidados corporais como uma forma de olhar a realidade. Apresenta ao praticante uma visão totalizante da vida entendendo-a enquanto um processo dentro de uma estrutura mística que orienta ações e cria disposições. Este fator normatizador e totalizante que envolve o praticante estabelece aquilo que Geertz

23 Há por parte do adepto toda uma conduta ética a ser vivenciada: evitar as relações sexuais em demasia,

as companhias não apropriadas, o esforço físico exagerado, as viagens longas, assim como seguir princípios como: não-violência (ahimsa), veracidade (satya), não roubar (asteya), castidade (bramacharya), purificação (saucha), contentamento (santosa), esforço sobre si mesmo (tapas), estudo de si mesmo (swadhyaya), entrega a Deus (isvarpranidana).

24 São técnicas corporais indicadas para pessoas com uma constituição fraca. Ao todo são seis ações:

purificação do trato digestivo (dhauti), lavagem intestinal (vasti), purificação dos seios nasais (neti), purificação dos olhos (tatraka), auto-massagem abdominal (nauli), purificação dos pulmões (kapalabhati).

25 A realização do “Si Mesmo” é explicada de diferentes formas de acordo com cada via. No hatha-yoga a

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(1989) chama de uma “garantia cósmica” para estar no mundo26. Esta garantia,

estabelecida por meio dos símbolos, instrumentaliza o indivíduo a tornar o sofrimento da existência algo suportável, possível de ser vivido.

4. O YOGA E O OCIDENTE.

A data que marca oficialmente a apresentação do Yoga no Ocidente, mais especificamente nos Estados Unidos, foi o ano de 1893 no Parlamento das Religiões do Mundo em Chicago (EUA). Após esse evento houve uma difusão por toda Europa e América do Yoga (Almeida, 2006). A figura importante nesse momento de apresentação foi o monge indiano Swami Vivekananda ligado à corrente neo-hinduista27. Utilizando argumentos científicos para explicar doutrinas hindus como a imortalidade da alma, a lei do karma e a reencarnação, Vivekananda atribuiu ao Yoga e aos demais conceitos hindus uma base científica. Nesse momento o Yoga foi apresentado enquanto um conjunto racional de técnicas visando a resolução dos problemas presentes na vida moderna. Uma forma de aperfeiçoamento e controle pessoal desvinculado da esfera do sagrado, estando mais ligado ao um “conhecimento prático” e “corporalizado” (Almeida, 2006: 167). A proposta era a de disponibilizar o conhecimento do Yoga para um diálogo com a “liberdade individual” e a “saúde”, dois temas centrais na modernidade.

Nas cartas escritas ao rei de Mysore28 enquanto estava nos Estados Unidos, Vivekananda descreve a sociedade americana como um local desenvolvido tecnologicamente com um sistema de leis complexas, um sistema educacional bem organizado, além de uma grande abertura para aquilo que é estranho à sua cultura, contudo uma sociedade com falência de valores em que as pessoas não respeitavam as

26 Na visão desse antropólogo há uma necessidade humana de atribuir sentido a eventos aos quais o

indivíduo é submetido: “[ O homem] pode adaptar-se, de alguma forma, a qualquer coisa que sua imaginação possa enfrentar, mas ele não pode confrontar-se com o Caos. Uma vez que a concepção é sua função característica e seu predicado mais importante, seu maior medo é encontrar algo que não possa construir” (Geertz,1989: 114).

27 Esse movimento que tem sua grande expressão na figura de Rammohun Roy (“pai da Índia moderna”)

propunha uma reinterpretação do Hinduismo com base em argumentos racionais e científicos e evitando as explicações místicas e liturgias, o que de uma certa forma era uma espécie de ocidentalização da Índia (Almeida, 2006).

28 Mysore é uma cidade ao sul da Índia governada por um rei que foi um dos principais colaboradores de

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leis e uma ausência do Sagrado. ele relata o processo de introdução dos conceitos ligados aos Vedas:

Alteza no puede imaginar, sin verla, el ânsia que recibem cualquier fragmento de lãs grandes ideas de los santos Vedas. Las nobles ideas de los Vedas sobre la eternidad, tanto Del alma como de la creación, y en un Dios que no es sino nuestra naturaleza superior y perfecta, según se ensena en nuestros santos Vedas. Dentro de cincuenta anos la gente culta del mundo llegará a creer en la eternidad, tanto de la alma como de la creación

(VIVEKANADA, 1977: 311)

É possível observar nas cartas de Vivekananda um projeto de colonização do ocidente por meio dos conceitos religiosos do oriente. Vivekananda aconselha29 ao rei

de Mysore que envie os sanyases30 por toda Índia disseminando o conhecimento védico,

as técnicas de yoga e da medicina tradicional indiana (ayurveda). A idéia era trazer esse conhecimento para fora dos templos, chegando à população das outras castas. Uma proposta de popularização de um conhecimento de natureza secreta e iniciática31, restrito às castas dos brâmanes.

Há hoje na Índia uma série de iniciativas por parte dos mestres e professores de

hatha-yoga de promoverem um trabalho de introdução dessas técnicas com a finalidade

de manutenção ou recuperação da saúde física da população em geral. Optamos por citar como exemplo a experiência de um professor de yoga32 do Rio Grande do Sul com quem fizemos contato no ano de 2006 e que estuda anualmente em uma escola voltada para essa orientação na Índia. Existe em Chennai (Índia) Krishnamacharya Healing and

Yoga Foundation33 um centro que faz atendimento a população em geral utilizando o

conhecimento do Yoga e Ayurveda. O trabalho consiste em uma entrevista prévia com a pessoa onde é realizado um levantamento dos problemas físicos e emocionais que impossibilitam o desenvolvimento das tarefas cotidianas. São utilizados programas de reabilitação física e emocional por meio da utilização de técnicas de posturas (asanas), exercícios respiratórios (pranayama) e meditação (dharana). O indivíduo recebe um

29 Os swamis na sociedade hindu tinha o papel de aconselhar e orientar o rei de acordo com as leis divinas

presentes nos Vedas.

30 São os retirantes, ascetas, guardiões do conhecimento védico.

31 O que caracteriza o Yoga, além do seu lado prático é a sua estrutura iniciática. Assim, é um pressuposto

desse caminho, que haja a figura de um iniciado ou de um mestre que já tenha experienciado algum tipo de realização pelo Yoga (Eliade, 2004).

32 O nome do professor é Jorge Luís Knak que tem uma escola de Yoga em Porto Alegre, cujo o endereço

eletrônico da escola éhttp://www.anjali.com

33 É uma instituição dirigida por T.K.V. Desikachar, filho de um grande mestre de hatha-yoga na Índia, o

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programa com instruções do que deve ser feito diariamente em casa. Geralmente após um mês o indivíduo volta ao centro para dar um retorno de como estão indo as atividades. Uma vez administrada a mazela física e com uma capacidade de concentração maior, o indivíduo é orientado a participar dos estudos dos textos sagrados hindus e a comparecer aos rituais védicos, aprendendo e participando das atividades de natureza religiosa.

A orientação da utilização do Yoga voltada para alcançar idéias de saúde e de liberdade individual está presente no que se conhece como “yoga moderno” (Feuerstein, 2005), especificamente na vertente do hatha-yoga:

O hatha-yoga é um produto relativamente novo da evolução do Yoga e surgiu a pouco mais de mil anos. Hoje é o mais praticado de todos os ramos do Yoga hindu, com dezenas de milhões de praticantes que se interessam em primeiro lugar pela saúde e pela boa forma física e pouco sabem acerca dos objetivos tradicionais desse caminho: a autotranscendência, a autotransformação e a realização do Si-Mesmo (FEUERSTEIN,

2005:53).

A perspectiva apresentada por Feuerstein é relevante ao tratar da adesão do

Hatha-Yoga por grande parte das pessoas.34 Contudo, é possível observar que, apesar de

não haver uma aplicação direta dos conceitos hindus de “autotranscendência”, “autotransformação” e a “realização do Si-Mesmo”, há por parte dos professores e praticantes de Hatha-Yoga no Ocidente uma reformulação sobre a experiência do corpo. Talvez diferente da proposta hindu tradicional, mas coerente com a matriz do sistema social e cultural onde estão envolvidos. Esta idéia será melhor desenvolvida no terceiro capítulo quando abordarmos o corpo na modernidade.

5.HATHA-YOGAE O ENVELHECIMENTO.

Por meio da análise de publicações sobre Yoga e envelhecimento é possível constatar uma abordagem direcionada para a busca da saúde, assim como, uma proposta de resignificação do processo de envelhecimento utilizando o instrumental teórico dos textos antigos do Hatha-Yoga. Especificamente a esse respeito há um trabalho

34 Lembrando que quando o autor faz esse tipo de comentário ele tem como referência a população de

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interessante sobre Yoga e pós-menopausa desenvolvido nos Estados Unidos (Francina, 2005). Neste trabalho a autora coleta uma série de relatos sobre a experiência de mulheres praticantes de Yoga que passaram pelo período da menopausa. A partir desses relatos é possível observar as resignificações sobre os processos biológicos e fisiológicos do corpo após o período da menopausa realizadas com base no universo conceitual do Yoga. Um interessante exemplo é o de Susun Weed que menciona ter percebido corporalmente uma grande relação entre as “ondas de calor” vivenciada na menopausa e o fenômeno da kundalini35. De acordo com a praticante, as ondas de calor são uma espécie de “treinamento” da kundalini. Diferente de um estado patológico, essas sensações são vivenciadas como um importante rito de passagem proporcionando uma transformação na vida da mulher: “... as ondas de calor são ‘ondas de poder’ e a ‘mudança’ é a intensa jornada espiritual da velhice” (Francina, 2005:99). A autora apresenta formas de como lidar com essas sensações. Utilizando inspirações e exalações lentas e profundas (pranayama) no momento em que surgem as ondas de calor, assim como, um programa de técnicas de posturas (asanas) para “aliviar as ondas de calor” (Francina, 2005: 101).

Outro exemplo interessante é o de Elizabeth Memel. Aos 61 anos Elizabeth, após 10 anos de esforços contra a osteoporose, se deparou com um câncer de mama. Praticante de hatha-yoga, Elizabeth afirma ter conseguido ao longo de 10 anos de prática de posturas (asanas), respiração (pranayama) e meditação (dharana), parar o processo de perda de densidade óssea que havia sofrido36. Ao se defrontar com o câncer optou por fazer uma cirurgia e depois passou pela radioterapia. Elizabeth relata que não foi nada fácil aderir ao tratamento com a radiação. Devido a uma orientação pessoal, voltada para a busca de terapias alternativas para o tratamento de suas doenças, ficava muito difícil assumir um tipo de tratamento como a radioterapia. Elizabeth conta que os conselhos de sua professora, o compartilhamento de experiências com colegas que

35 Dentro da perspectiva desenvolvida sobre os efeitos da menopausa com base na anatomia esotérica do

Yoga as ondas de calor são: “um sinal de sabedoria do corpo, um processo físico, psicológico e espiritual que visa nos levar em direção da saúde e da totalidade. ... uma onda de calor representa a liberação da energia kundalini (força vital cósmica) que religa o sistema nervoso. Nesse sentido a onda de calor é uma espécie de mecanismo de liberação do stress que descarrega os traumas o outras energias aprisionadas no corpo no decorrer de uma existência” (Francina, 2005:93).

36 Gostaríamos de lembrar ao leitor que o nosso interesse enquanto pesquisadores da temática da

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vivenciaram essa mesma experiência e as motivações desenvolvidas na sua prática de yoga foram elementos importantes para a adesão ao tratamento radioterápico (Francina, 2005: 125).

No caso do Hatha-Yoga no contexto brasileiro um trabalho interessante é o do Professor Hermógenes37 (Andrade, 1978) que publica uma série de cartas que recebera das pessoas que leram seus livros sobre Yoga. A partir da leitura destas cartas é possível observar que as pessoas que buscam a orientação do Professor Hermógenes estão procurando algum tipo de atividade (física, mental e espiritual) que as instrumentalize a passarem por uma série de dificuldades existências, entre elas estão aquelas ligadas ao processo de envelhecimento.

A partir da análise dos dois matérias bibliográficos sobre o envelhecimento podemos constatar que a adesão ao Hatha-Yoga traz consigo o transito do adepto pelo universo simbólico que envolve a prática das técnicas corporais desse sistema. A forma como essa experiência é elaborada varia de acordo com as referências prévias que os mesmos tem do Yoga e os objetivos pelo qual buscam a pratica, além da pratica que eles realizam. Para ilustra a forma como essa pratica é realizada direcionemos nosso olhar para como se estrutura uma aula de hatha-yoga.

5.1. Descrição de uma aula de hatha-yoga praticada por idosos de Brasília.

Como participamos de diferentes aulas, optamos por descrever a aula da turma que freqüentamos com maior continuidade. Essas aulas tinham uma hora de duração. Ao longo desse período eram trabalhadas em grupo um série de técnicas que fazem parte do universo do hatha-yoga. No início da aula todos em conjunto faziam a vocalização sonora do mantra OM, após este momento é realizado um exercício de relaxamento consciente, onde os indivíduos ficam sentados ou deitados e são conduzidos pelo professor a tomarem consciência de seus corpos e de suas respirações, através da percepção das sensações. Logo após esse momento são trabalhados exercícios de purificação e técnicas de energização, utilizando a respiração e alguns procedimentos corporais. Segue um momento de concentração, onde é apresentada a

37No segundo capítulo falaremos um pouco mais da figura do professor Hermógenes, por hora é

(30)

temática da aula38. Então inicia o trabalho de realização das posturas (asanas) que

podem ser feita com o corpo na posição em pé, sentado e deitada. Depois disso é realizado um relaxamento onde o corpo do praticante é disposto na posição deitada. Neste momento a professora conduz a atenção dos alunos pelo corpo físico até que cheguem na respiração. Essa condução varia com o objetivo do relaxamento. Neste momento é lido um texto de autores da área do Yoga o de áreas afins sobre o tema da aula. Ao término da leitura, os indivíduos são conduzidos a se movimentarem para que saiam do estado de relaxamento. A aula é finalizada com a vocalização conjunta do mantra OM.

Dessa descrição é possível perceber que a estrutura da aula é formada por elementos técnicos que permitem aos adeptos trabalhar diferentes necessidades no contexto do grupo. Se a demanda é por um momento de quietude e silêncio, há na aula um momento para este trabalho. Caso a necessidade seja a de se movimentar, o praticante poderá ter a possibilidade de satisfazer essa demanda com a prática de posturas (asanas). Assim, para melhor visualização da relação entre os adeptos e a prática do hatha-yoga é importante entender o que buscam estas pessoas quando vão as aulas.

5.2. Idosos praticantes de Hatha-Yoga em Brasília.

Apresentaremos alguns elementos que surgiram ao longo das entrevistas com os idosos e que têm relação direta com a questão do Hatha-Yoga e a saúde. Esses dados serão melhor trabalhados no terceiro capítulo, por hora achamos importante ressaltar determinados pontos em que se relacionam demanda pessoal e a prática de yoga. Procuramos também entender como se dá a inserção desses indivíduos no universo do Yoga buscando constatar que tipo de conhecimento possuem da atividade que optaram por fazer.

38 Como exemplo podemos citar a aula que teve como tema a não-violência (ahimsa). A professora fala

um pouco do conceito enquanto os indivíduos estão posicionados numa postura em que os quadris ficam apoiados sobre os calcanhares, a testa fica em contato com o chão e com a coluna curvada em flexão para frente. De acordo com a professora esta é uma posição de receptividade do corpo e da mente. Geralmente é lido um pequeno texto que ilustra na prática o que é ser não-violento de acordo com a perspectiva

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Quatro das cinco pessoas do grupo que entrevistamos tinham a questão da saúde física entre suas motivações para buscar o Yoga. Quando perguntadas sobre os motivos que os levaram a praticar o Yoga, esses indivíduos apresentavam um resumo de sua condição física e então explicavam porque escolheram essa prática. Luiz afirma ter procurado o Yoga, pois estava com problema de circulação nas pernas que o impediam de andar. Tomava diariamente ansiolítico desde os 26 anos de idade e há 15 anos toma remédio para dormir, além de estar com problemas de postura. Norma de 63 anos disse que estava ficando com o corpo muito rígido e precisava fazer alongamentos. Comentou também que é muito agitada e tem dificuldade de se concentrar e que achava que a prática de yoga auxiliaria a ela se tornar uma pessoa mais calma com menos ansiedade. Betina de 66 anos acabara de se recuperar de uma cirurgia para a retirada do câncer de mama e a menos de dois meses finalizara o tratamento radioterápico. Procurou o Yoga porque, segundo ela, estava muito ansiosa com a possibilidade de retornar o câncer e seu médico homeopata lhe disse que deveria fazer atividades para desenvolver o alongamento de seus músculos e aprender a respirar para poder ficar menos ansiosa. Maria de Lourdes afirma ter optado pelo Yoga por estar precisando de exercícios e não queria ir à academia de ginástica. Comentou que a prática das técnicas de posturas, respiração e relaxamento ajudam a conviver com o diabetes e o problema de visão que está começando a se desenvolver. A única entrevistada que comentou ter escolhido o Yoga, por uma opção diferente das acima citadas, foi Neuza de 62 anos. Quando procurou pela prática de hatha-yoga, foi com a intenção de integrar o trabalho de seus estudos sobre a disciplina e a filosofia do Yoga ao corpo:

“Nos estudos acabamos por trabalhar muito pouco a questão corporal”.

No grupo estudado, somente Neuza tinha uma idéia prévia de que existem diferentes tipos de Yoga. Quando perguntamos aos demais entrevistados sobre o que elas achavam da prática do hatha-yoga responderam:

“... não sei, acho que não existe muita diferença, tudo é Yoga” (Maria de Lourdes).

“... eu gosto de fazer os alongamentos e respirar, me sinto melhor. Acho que isso é o yoga que todos fazem” (Luiz).

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Meu médico me recomendou esse yoga que mexe com o corpo e a respiração (Betina)”.

Destes trechos é possível observar que, até o momento da entrevista, não fazia muito sentido para essas pessoas distinguir entre uma ou outra linha de Yoga. Esse elemento não era mobilizador para a relação que tinham com a prática. O que fazia sentido para elas é a busca por uma atividade que propiciasse uma vida mais saudável em relação às suas mazelas físicas.

Dos exemplos acima citados e também nos trechos das entrevistas apresentados, é possível inferir que, a busca pela prática do hatha-yoga está voltada para a criação de hábitos cotidianos que impliquem numa vida com menor sofrimento físico. O Hatha-Yoga é tido como: “... o refúgio para as pessoas que sofrem dos três tipos de dor” (Kupfer, 2002:19) e sua aplicação terapêutica é uma das finalidades presentes nos textos clássicos. Assim, fica possível estabelecer uma relação entre a aplicabilidade dessas técnicas corporais com a saúde, que como coloca Almeida (2006) é uma importante temática na modernidade.

Uma vez que a maioria das pessoas entrevistadas colocaram que o principal elemento que as levaram a se inscrever nas aulas de yoga foi a busca por uma melhor condição física e uma baixa no nível de estresse mental, achamos interessante trazer para discussão a idéia de qualidade de vida. O conceito de qualidade de vida foi e é amplamente debatida nos estudos sobre o envelhecimento. Nesse sentido um dos significados para “envelhecer bem” é:

“... estar satisfeito com a vida atual e ter expectativas positivas em relação ao futuro. A satisfação na velhice dependeria da capacidade de manter ou restaurar o bem-estar subjetivo justamente numa época de vida que a pessoa está mais exposta a riscos e crises de natureza biológica, psicológica e social” (NERI, 1993:11).

A qualidade de vida como apresentada por Neri engloba dimensões que vão desde o indivíduo até a sociedade que ele pertence.39 A idéia de adaptação é central nesse contexto teórico, pois, somente a partir desse movimento de adaptação do indivíduo é que as condições restritivas causadas pelo processo biológico do

39 Assim a qualidade de vida é compreendida enquanto: “...um construto sociopsicológico e processual,

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CAPITULO 2: ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NA VELHICE.

No presente capítulo, veremos inicialmente a questão da velhice, para depois abordar o conceito de espiritualidade na velhice. Ao fazer a revisão bibliográfica percebemos que não é possível falar da espiritualidade sem tocar na questão da religiosidade e da religião. Estes conceitos estão intimamente ligados. Os teóricos que trabalham essa questão buscam apresentá-los juntos. Por isso, mesmo não sendo o foco de nosso trabalho, vamos tecer uma série de comentários sobre a religiosidade com a intenção de chegar à espiritualidade.

1. A VELHICE

O envelhecimento da população é um fenômeno que acontece em nível mundial. Por meio do desenvolvimento de tecnologias de saúde e controle de qualidade da vida, os técnicos da saúde conseguiram prolongar o tempo de vida do indivíduo e melhorar sua qualidade. Uma dentre várias características que acompanharam aumento desta população é a “feminização da velhice” (Camarano, Kanso e Mello, 2004: 29). O envelhecimento brasileiro é um fenômeno que, para ser entendido numa dimensão mais complexa, tem de ser visto pela questão de gênero, pois, como sugere as pesquisas demográficas, quanto mais velho o segmento, maior é o número de mulheres. Essa característica é mais forte nos centros urbanos, onde 55% da população de idosos são de mulheres, e na grande maioria, são viúvas. No caso das áreas rurais os homens são a maioria. Alguns dados sobre a longevidade desses segmentos populacionais apresentam uma diferença considerável, uma vez que a esperança de vida da população idosa masculina teve um aumento de 58,5 para 67,5 anos (dados de 1980 a 2000). No caso das mulheres idosas, a esperança de vida é de 76 anos (Camarano, Kanso e Mello, 2004: 37).

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raramente ela acarreta a morte sem que intervenha um elemento patológico” (Beauvoir, 1990:46).

A Gerontologia e a Geriatria são as disciplinas que foram criadas no século XX para estudar especificamente o envelhecimento. A Geriatria teve, enquanto especialidade da Medicina, seu nome formalizado em 1909, pelo médico Ignaz L. Nascher, fundador da Sociedade de Geriatria de Nova York. A Geriatria atua num campo delimitado pela área médica onde são feitos o manejo e a prevenção das doenças ligadas ao envelhecimento (Jeckel-Neto, 2000). No caso da Gerontologia, foi Elie Metchnicoff, o primeiro a nomear essa disciplina em 1903, ressaltando sua importância para o século XX (Neri, 2001). Caracterizado a priori como um campo multidisciplinar, a Gerontologia produz o conhecimento sobre o envelhecimento a partir da interdisciplinaridade das áreas que a compõem. A Biologia, a Psicologia e as Ciências Sociais são as matrizes teóricas que geram o saber para essa interseção disciplinar, visando explicar as modificações presentes no processo do envelhecimento a partir de seus determinantes genético-biológicos, psicológicos, sociais e culturais.

A vida do ser humano pode ser pensada teoricamente por meio de várias perspectivas, assim perceber a velhice é uma questão de “ponto de vista”, o que implica em assumir que ela não é um dado da natureza (Debert, 1998). Para compreender melhor essa afirmação é necessário entrar na discussão sobre a relação entre natureza e cultura. Por hora, é suficiente compreender que olhamos para o envelhecimento como o produto de uma cultura que constrói através da fronteira entre natureza e cultura, uma relação entre o caráter biológico e a lógica cultural. Nesta perspectiva o processo biológico de envelhecimento do corpo é um fenômeno percebido na sociedade ocidental como universal, ou seja, um dado da natureza que se apresenta ao homem sendo significado conforme sua lógica cultural.

Referências

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