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Representações sociais e decisão judicial MESTRADO EM DIREITO

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PUC SP

Melila Braga Alves e Silva

Representações sociais e decisão judicial

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

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PUC SP

Melila Braga Alves e Silva

Representações sociais e decisão judicial

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Professor Livre-Docente Márcio Pugliesi.

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

---

---

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Aos meus avós.

À minha mãe Aparecida.

Ao meu pai Rinaldo.

Aos meus irmãos Rinaldson, Monile e

Ravissan.

(5)

Agradeço

A Deus, do meu coração e da minha compreensão.

Infinitamente, à minha família.

Com imenso carinho, à Irene Madeira, Sônia C. M. F., mestre Uberto Gama,

Gustavo Mattos, Tatiana Nobre, João Ibaixe, Marcos Duarte, Simone Castro,

Nuria Lopez, Rui de Oliveira.

À professora Sônia Campaner.

Ao professor Willis Santiago Guerra Filho.

Ao professor Jonathan Hernandes Marcantonio.

Muito, ao professor e orientador Márcio Pugliesi.

(6)

Sob a perspectiva interdisciplinar entre Representações Sociais e

Direito, o trabalho busca elucidar os processos que envolvem a decisão

judicial. Nesse sentido, aborda o conceito de Representações Sociais, sua

construção a partir do conceito de Representações Coletivas, a relação

indivíduo-grupo e os processos linguísticos intrincados no processo de

representar. Apresenta, sob a perspectiva da dogmática jurídica, as

ferramentas e elementos ligados à hermenêutica jurídica de que se guia o

jurista em suas decisões para estabelecer a leitura e compreensão da vida

social. Aborda-se, nesse sentido, o senso comum teórico, seu conceito e

elementos que envolvem o conhecimento jurídico sob essa perspectiva.

(7)

Under the interdisciplinary perspective between Social Representations and

Law, this work tries to clarify the process that involves a judicial decision. This

way, it addresses the concept of Social Representations, how they are built

from the concept of Collective Representations, the individual-group relation

and the linguistic processes intricate in the representation process. It is shown,

under the perspective of legal doctrine, the tools and elements linked to the

legal hermeneutics from which the jurist relies for its decision to establish the

view and understanding of social life. In this direction, the theoretical common

sense, its concept and elements that involve the legal knowledge in this light

are approached.

(8)

INTRODUÇÃO...7

CAPÍTULO 1 - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS...8

1.1 – REPRESENTAÇÕES COLETIVAS – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: construção entre semelhanças e diferenças...11

1.2 – INDIVÍDUO/GRUPO – PROCESSO IDENTITÁRIO E PERTENCIMENTO: abordagem sob a perspectiva das representações sociais...21

1.3 – LINGUAGEM e REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: aquisição da linguagem/dialogismo/dialogicidade e representações sociais...31

CAPÍTULO 2 – DIREITO E DECISÃO JUDICIAL...45

2.1 – DOGMÁTICA JURÍDICA ...47

2.2 – HERMENÊUTICA JURÍDICA: escolas e sistemas de interpretação...55

2.2.1 – Escola da Exegese...57

2.2.2 – Escola Histórica do Direito...60

2.2.3 – Escola Teleológica...62

2.2.4 – Escola da Livre Pesquisa Científica...62

2.3 – SENSO COMUM TEÓRICO DOS JURISTAS...65

CONSIDERAÇÕES FINAIS...73

(9)

O indivíduo já nasce inserido em um meio social, fato que importará tanto nesse momento quanto por toda sua vida, marcando fortemente sua constituição enquanto ser. Aprende ainda a (inter)agir para garantir suas necessidades e como proceder para realizar suas necessidades e desejos.

O convívio social é permeado de contatos físicos, trocas afetivas, linguísticas, um infinito de gestos de atenção, cuidado, preocupação, ações e interações diversas que se ampliam gradativamente, tanto em profundidade de conteúdo e diversidade de temas, quanto em quantidade de contatos com os diferentes sujeitos. Pouco a pouco, as relações sociais consolidam-se e reafirmam-se concomitantemente com as ações e interações realizadas.

As relações com as pessoas e o ambiente oferecem informações e orientações de como se comunicar, comportar e agir. Pela interação social, mediada pela linguagem, a criança percebe as primeiras informações sobre o mundo a sua volta e interage com ele. À medida que lê, pensa e pergunta sobre tudo que a cerca, ela conhece e se reconhece naquele meio para estabelecer seu próprio mundo e compreender a realidade ao seu redor.

As trocas comunicativas são fundamentais para a constituição e o desenvolvimento do sujeito, bem como de suas relações. Desta forma, o indivíduo constitui e é constituído na e pela sociedade, num movimento de troca simbólica, leitura e releitura social e de si mesmo. Compreende, aos poucos, sua inserção, participação e construção do seu próprio mundo e daquele que o cerca, concomitantemente com seu desenvolvimento linguístico, suas decisões e ações.

Os processos que envolvem a interconexão entre relação social, comunicação, linguagem e indivíduo constituem objeto de reflexão importante quando se pensa na leitura e compreensão da realidade.

(10)

Aspectos linguísticos, psicológicos, comunicativos, individuais e sociais devem ser levados em consideração no processo decisório.

As constantes interações que constituem, organizam e sustentam as representações, crenças e ações mostram-se de ímpar importância à tomada de decisão no âmbito jurídico.

Com intuito de estudar parcialmente, dadas a extensão e complexidade do assunto, propõe-se neste trabalho uma visão interdisciplinar entre as Representações Sociais e o Direito, no sentido de compreender as implicações que subjazem a interpretação e aplicação do Direito referente às representações sociais, principalmente nas decisões judiciais.

O trabalho desenvolve-se em dois capítulos. No primeiro capítulo, apresenta-se o conceito de Repreapresenta-sentações Sociais, apresenta-seu processo construtivo por Serge Moscovici a partir das Representações Coletivas de Émile Durkheim, o processo identitário e a relação indivíduo-grupo sob a perspectiva da teoria, bem como suas relações com a aquisição e construção da linguagem. No segundo capítulo, aborda-se o processo decisório no âmbito jurídico, interpretação e aplicação do Direito, e o conceito de senso comum teórico, desenvolvido por Luis Alberto Warat.

CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A estreita ligação entre cognição, comunicação, operações mentais, linguísticas e ação nas trocas comunicativas constitui aspecto fundamental da abordagem teórica das Representações Sociais como processo de conhecimento prático voltado para a compreensão e comunicação em sociedade.

(11)

das inter-relações que constituem a ordem social e é o material que forma e transforma as culturas, no tempo e espaço.1

O conceito de representação para a teoria constitui no ato de representação correspondente a um ato de pensamento no qual um sujeito se reporta a um objeto necessário; tal ato possui características específicas como percepção, conceito, memória. Quando ausente tal objeto, a representação mental o substitui, restituindo simbolicamente junto com as características anteriormente impressas, interpretando e reconstruindo-o a partir de si mesmo.2

Denise Jodelet (2001), referência no assunto, caracteriza representação social como uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Acrescenta que, como fenômenos cognitivos, as representações sociais envolvem a pertença social dos indivíduos com as implicações afetivas e normativas, com as interiorizações de experiências, práticas, modelos de condutas e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicação social, que a ela estão ligadas.3

A representação social pode ser entendida como forma de conhecimento que possibilita um conjunto de saberes veiculados nos mais diversos ambientes, nas conversas informais, que se afirmam e são afirmados pelas trocas comunicativas nas mais amplas possibilidades de fala e diversas situações. Tais informações se desenvolvem e são desenvolvidas pelas trocas comunicativas criando e recriando conhecimento a partir de outro conhecimento, criando e recriando conceitos a partir de outros conceitos.

O processo de conhecimento se dá pelas referências, estímulos e possibilidades de desenvolvimento e, primordialmente, pela interação do indivíduo com todas as possibilidades internas e externas. Sob mútua influência, as relações

1

JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Trad. Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 33.

2

JODELET, Denise. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 22. Sobre o conceito, Moscovici expõe: “Representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da

integridade normativa do grupo”. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 216.

3

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se constroem, firmam e se reconstroem nas constantes trocas afetivas, físicas, linguísticas etc.

Os indivíduos não partilham os conhecimentos da mesma forma, mas a interação e o compartilhamento de conhecimentos e ideias comuns se realizam concomitantemente com o reconhecimento de si e do outro e constitui informações que são utilizadas praticamente.

A teoria das Representações Sociais entende que a influência de comportamentos pelas mentalidades e crenças se dá pelas interações, da mesma forma que é fundamental às representações sociais. Pois, ao interagirem, os indivíduos constroem um universo referencial para suas ações, a partir (da construção) da própria realidade manifestada por meio do discurso. Pelas trocas comunicativas cotidianas, o indivíduo elabora referências do meio e de si mesmo construindo sua identidade e a ideia do mundo a sua volta.4

Com o propósito de aproximar o indivíduo de algo desconhecido para, então, poder utilizar aquele conhecimento em suas ações e, ao mesmo tempo, ter poder sobre aquele conhecimento, agora familiarizado, além de interagir com o sistema já existente, Serge Moscovici (2011) explica que as interações têm como objetivo a constituição de mentalidades ou crenças que influenciam os comportamentos.5

Dessa forma, as representações surgem a partir da interação e comunicação, tomam corpo e vida a partir do social. Ao entender, inicialmente, sociedade como corpo constituído de inter-relações humanas e a linguagem como construção de signos carregados simbolicamente, cheios de significados que também se inter-relacionam; comunicação, sociedade e linguagem estão intimamente ligadas à construção e compreensão da realidade.

4

PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito. 2 ed. São Paulo: Saraiva: 2009. “De fato, os sujeitos em

relação, com a ausência ou especificação de modalidades, constroem [...] um universo referencial para aferição da própria realidade, aceitação e entendimento das proposições e, particularmente, da veracidade ou, mais adequadamente, verossimilhança de seus discursos. O convívio e a elaboração dessa intrincada teia de referências e autoreferências leva à constituição de um “eu” e de um mundo de relações, cuja ruptura leva às disfunções mais diversas da personalidade e à fragmentação de um esperado universo de compossíveis em que se desenrola a decisão e as consequentes ações e perspectivas humanas. As modalidades, longe de se constituírem em simples funtores modais, representam, efetivamente, estratégias retórico-argumentativas, pois pressupõem intencionalidade discursiva contextualizada na troca de referentes entre emissor/receptor, não isoláveis dos atos de

fala em que se encontram postas”. p. 51-52.

5

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1.1 – REPRESENTAÇÕES COLETIVAS – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: construção entre semelhanças e diferenças

A teoria das Representações Sociais foi desenvolvida por Serge Moscovici a partir do conceito de Representações Coletivas de Émile Durkheim. A coesão social e o aspecto coercitivo que a sociedade exerce sobre os indivíduos são pontos essenciais às duas teorias, porém, com interesses diferentes, pois enquanto a preocupação de Durkheim foi com as forças e estruturas que dão coesão à sociedade, Moscovici objetivou o estudo das próprias representações como elementos de mudança social e os processos envolvidos.

Duveen (2011), em seu comentário à edição inglesa do livro Representações

Sociais: investigações em psicologia social, de Serge Moscovici, aponta que “[...]

enquanto Durkheim vê as representações coletivas como formas estáveis de compreensão coletiva, com o poder de obrigar que pode servir para integrar a sociedade como um todo, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas nas sociedades modernas.”6

Para Durkheim, a sociedade constitui algo maior que a simples relação entre os indivíduos, ou seja, ações e sentimentos particulares juntos constituem uma força que supera e modifica até mesmo os sentimentos e ações individuais. Moscovici (2011) desenvolve esse ponto ao tratar da sociedade em seu livro A invenção da

sociedade e aborda a ideia de que a conduta dos indivíduos reunidos mostra-se

diferente daquela quando se está só. Oportunamente cita Durkheim:

Libera-se dessa reaproximação uma espécie de eletricidade que os transporta rapidamente a um extraordinário grau de exaltação. Cada sentimento expressado vem repercutir, sem resistência, em todas as consciências amplamente abertas às impressões exteriores: cada uma delas faz eco às outras e reciprocamente. O impulso inicial vai assim se amplificando à medida que se repercute, como uma

6

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avalanche cresce à medida que avança.7

Para Durkheim, a composição dos indivíduos construía uma forma superior de existência maior que àquela da individualidade, com poder de transformar as condutas individuais. O grupo passa a possuir uma mentalidade diferente daquela dos indivíduos, em que os estados de consciência coletiva são distintos dos estados de consciência individual, de modo que os fenômenos que constituem a sociedade se originam na coletividade e não em cada um dos seus participantes.8

A partir da ideia de sociedade como força superior ao indivíduo, o sociólogo francês concebeu sua definição para o fato social como toda maneira de agir capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que, em termos de sociedade possui existência própria que independe das manifestações individuais.9

A coercitividade, como fator externo social que se volta ao interno do indivíduo, é característica essencial nessa abordagem; as maneiras de agir, ou de ser10, exercem pressão e coagem os membros da sociedade a se comportar, sentir e guiar suas ações de determinada forma.11

7

MOSCOVICI, Serge. A invenção da sociedade: sociologia e psicologia. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 90. Durkheim refere-se aqui ao aspecto religioso para analisar a sociedade em sua época, ideia que Moscovici retoma à sua teoria.

8

QUINTANEIRO, Tania. Émile Durkheim. In: Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. A autora cita Durkheim: “as consciências particulares, unindo -se, agindo e reagindo umas sobre as outras, fundindo--se, dão origem a uma realidade nova que é a consciência da sociedade. [...] Uma coletividade tem as suas formas específicas de pensar e de sentir, às quais os seus membros se sujeitam, mas que diferem daquelas que eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o indivíduo, por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se assemelhasse à ideia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à ideia do

dever e da disciplina moral etc”. p. 69.

9

SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. p. 83.

10

Sobre as maneiras de ser, Quintaneiro (2009) explica: “Outros fatos têm uma forma já cristalizada na sociedade, constituem suas maneiras de ser: as regras jurídicas, morais, dogmas religiosos e sistemas financeiros, o sentido das vias de comunicação, a maneira como se constroem as casas, as vestimentas de um povo e suas inúmeras formas de expressão. Eles são, por exemplo, os modos de circulação de pessoas e de mercadorias, de comunicar-se, vestir-se, dançar, negociar, rir, cantar, conversar etc. que vão sendo estabelecidos pelas sucessivas gerações. Apesar de seu caráter cristalizado, tanto as maneiras de ser quanto de agir são igualmente imperativas, coagem os membros das sociedades a adotar determinadas condutas e formas de sentir. Por encontrar-se fora dos indivíduos e possuir ascendência sobre eles, consistem em uma realidade objetiva, são fatos

sociais.” QUINTANEIRO, Tania. Émile Durkheim. In: Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 70.

11

(15)

Moscovici, assim como seu precursor, também ressaltou como marca essencial da sociedade a coerção. Sobre sociedade, qual chama de máquina de fazer deuses, e coerção, Moscovici expõe:

Essa máquina, evidentemente, é a sociedade. Podemos afirmá-lo sem hesitação, mas em que consiste, e por que efeito a reconhecemos? Vocês poderiam dizer espontaneamente que a reconhecem pelo grande número de indivíduos que ela reúne, pelo contrato que os associa uns aos outros, pela dominação que nela o homem exerce sobre o homem, pela troca dos bens e assim por diante. E certamente terão razão. No entanto retornem às suas experiências de todos os dias e se perguntem se essas formas de vínculos não têm alguma coisa em comum. Imediatamente vocês perceberão que essa alguma coisa tão familiar e tão tangível é uma coerção. [...] Existe coerção quando vocês entram em uma sala de aula, ou quando vocês se reúnem em assembleia para tomarem conjuntamente uma decisão.12

A coerção, nesse sentido, existe em todas as relações sociais; mostra-se como influência sobre os gestos, pensamentos, sentimentos e comportamentos, cotidianamente e, muitas vezes, de forma sutil.

Para Durkheim, a coerção social relaciona-se com o processo educacional, pois a internalização dos modos de agir, pensar e sentir ocorre pelo processo educativo, é pela educação que se dá o processo de socialização do indivíduo, com objetivo de prepará-lo para viver em sociedade. Desde criança o indivíduo é ensinado, ou constrangido, a seguir horários, comportar-se de determinada forma e, mais tarde, trabalhar. Com o passar do tempo, mediante pressões e obrigações impostas, o indivíduo adquire hábitos, que passam a ser considerados comuns ou normais a ele e àqueles do grupo ao qual faz parte, deixando de sentir a coerção sutilmente imposta.13

baseia-se na proposição de que a estrutura é sempre tanto facilitadora quanto coerciva, em virtude da

relação inerente entre estrutura e agência (agência e poder).” GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. Trad. Álvaro Cabral. 3ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 199.

12

MOSCOVICI, Serge. A invenção da sociedade: sociologia e psicologia. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 46.

13

(16)

O processo educacional, nesse contexto, exerce duas funções: homogeneizadora, voltada para a formação do indivíduo como ser social; a outra, diferenciadora, voltada para a formação ao grupo a que pertence, de acordo com sua classe social, profissão14 etc. A educação, portanto, tem papel fundamental na inserção do indivíduo na sociedade e na condução do seu comportamento, crenças, valores e ações.

O conjunto das crenças, das opiniões e dos valores compartilhados entre os membros de uma sociedade traduz a própria maneira como essa sociedade vê as coisas a sua volta, com função de preservar o vínculo ao grupo ao qual pertencem e prepará-los para pensar e agir de modo uniforme. Foi a partir dessa ideia que Durkheim conceituou as Representações Coletivas.

Para ele, é pelas representações coletivas que a sociedade fixa os contornos, reconhece e explica os fenômenos sociais mais variados. Moscovici (2001) explica que Durkheim define o conceito de representações coletivas por uma dupla separação. A primeira é que as representações coletivas se distinguem das representações individuais como o conceito se distingue das percepções ou das imagens. Explica que, as imagens são próprias de cada indivíduo, são variáveis e trazidas numa sequência ininterrupta, já os conceitos são universais e impessoais.15 A segunda é que as representações individuais têm por substrato a

pelos indivíduos ao mesmo tempo em que os mesmos reproduzem as condições para que as atividades sejam continuadamente realizadas de forma habitual. Na obra, o autor desenvolve a teoria

da estruturação: “Na teoria da estruturação, considera-se “estrutura” o conjunto de regras e recursos implicados, de modo recursivo, na reprodução social; as características institucionalizadas de sistemas sociais têm propriedades estruturais no sentido de que relações estão estabilizadas através

do tempo e espaço. A “estrutura” pode ser conceituada abstratamente como dois aspectos de regras:

elementos normativos e códigos de significação. Os recursos também são de duas espécies: recursos impositivos, que derivam da coordenação da atividade dos agentes humanos, e recursos alocativos, que procedem do controle de produtos materiais ou de aspectos do mundo material.” GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. Trad. Álvaro Cabral. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. XXXV.

14

Importante salientar que, para Durkheim, a divisão social do trabalho promove a necessidade de indivíduos especializados e influencia a coesão social. “[...] sua obra Da divisão social do trabalho [...],

Durkheim busca explicar a passagem da “solidariedade mecânica” para a “solidariedade orgânica”,

isto é, duas formas de divisão social do trabalho que, em outras palavras, expressam a passagem das sociedades pré-capitalistas, tradicionais, para a sociedade capitalista. As sociedades baseadas

na “solidariedade mecânica” são mantidas coesas pelo consenso moral ao passo que as sociedades baseadas na “solidariedade orgânica” se fundamentam num sistema de troca baseado na divisão social do trabalho.” VIANA, Nildo. Introdução à sociologia. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. p. 31-32.

15

(17)

consciência particular de cada um, já as representações coletivas têm por substrato a sociedade em sua totalidade. Portanto, as representações coletivas não constituem o denominador comum das representações individuais, mas sua origem, e corresponde à maneira pela qual a sociedade, como ser especial, pensa as coisas a partir de sua própria experiência.

Dessa forma, as representações coletivas se apresentam homogêneas, compartilhadas e vividas por todos os participantes de um grupo, da mesma forma que partilham a língua, perduram por gerações e, como traço comum a todos os fatos sociais, exercem coerção sobre eles.

Durkheim estabelece diferenciação e opõe as representações coletivas às representações individuais. Para tanto, utiliza o critério da estabilidade da transmissão e da reprodução das primeiras e a variabilidade ou o caráter efêmero das segundas para diferenciá-las.16

Moscovici expõe que, em Durkheim, a representação designa, primordialmente, uma ampla classe de formas mentais relacionadas às ciências, religiões, mitos, espaço e tempo, além de opiniões e de saberes sem distinção, mas carece de características cognitivas especificadas. Porém, observa que, as representações coletivas, de caráter homogêneo e tradicional, são produzidas e caracterizadas a partir de sociedades simples, menos complexas, aspecto que as diferencia das representações sociais, voltadas ao pluralismo e mutabilidade acelerada do contexto moderno.17

O indivíduo suporta a pressão das representações dominantes na sociedade e, nesse mesmo espaço, vive, pensa e exprime seus sentimentos, observa Moscovici. Assim, as representações mudam de acordo com a sociedade a que fazem parte; a mentalidade distingue-se conforme a sociedade, cada tipo de mentalidade corresponde a um tipo de sociedade, às instituições e práticas que lhe são próprias.

16

Moscovici expõe os dizeres de Durkheim em As formas elementares da vida religiosa(1968): “Se é

comum a todos é porque é obra da comunidade. Já que não traz a marca de nenhuma inteligência particular, é porque é elaborado por uma inteligência única, onde todas as outras se reúnem e vêm, de certa forma, alimentar-se. Se ele tem mais estabilidade que as sensações ou as imagens é porque as representações coletivas são mais estáveis que as individuais, pois, enquanto o indivíduo é sensível até mesmo a pequenas mudanças que se produzem em seu meio interno ou externo, só eventos suficientemente graves conseguem afetar o equilíbrio mental da sociedade.” Ibidem, p. 48.

17

(18)

A partir desse pensamento, baseado em Lévy-Bruhl18, que minimiza o antagonismo entre individual e coletivo, Moscovici diferencia as sociedades entre primitivas e civilizadas e preocupa-se, então, com o estudo das representações que envolvem a última. Evidencia que a discussão passa do fato de não se prender às ideias preconcebidas sobre a distinção geral entre conceito e sensação ou imagem, ou às considerações sobre inteligência única ou inteligências particulares para, então, começar a resgatar as estruturas intelectuais e afetivas das representações.

Outro ponto que diferencia o estudo de Émile Durkheim do de Serge Moscovici é a motivação. Durkheim se preocupou com a noção de representação como elemento simbólico da vida social por seu interesse particular em estabelecer um método para estudo do social. Dessa forma, “um símbolo representa outra coisa diferente de si mesmo: é uma ideia sobre um objeto compartilhada por homens, independente do próprio objeto”19, e visa estabelecer componentes individuais e coletivos.

Enquanto Durkheim observou as representações coletivas como formas estáveis de compreensão coletiva, com o poder de obrigar que possa servir para integrar a sociedade como um todo, Moscovici voltou seu interesse a explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas nas sociedades modernas.

Um dos motivos que incentivou Moscovici a levar a pesquisa sobre as representações coletivas adiante foi a busca por fundamentos na mente que subjazem o fenômeno das representações em sociedade. Nesse âmbito, a partir dos estudos sobre a representação do mundo na criança desenvolvidos por Jean Piaget,

18

Moscovici apoia o desenvolvimento da sua ideia em Lévy-Bruhl (1951, p. 20) e a corrobora com a

citação deste: “É preciso deixar de reduzir, de antemão, as operações mentais a um único tipo, não

importando que sociedade esteja sendo considerada, e de explicar todas as representações coletivas pelo mesmo mecanismo psicológico e lógico. Se é verdade que há sociedades humanas que diferem entre si por sua estrutura, como os animais sem vértebras diferem dos vertebrados, o estudo comparado dos diversos tipos de mentalidade coletiva não é menos indispensável à ciência do

homem do que a Anatomia e a Fisiologia Comparada o são para a Biologia”. Ibidem, p. 49-50.

19Moscovici explicita: “

[...] Durkheim transforma o simbolismo num meio pelo qual a sociedade se torna consciente de si mesma – demarcação entre componentes individuais e componentes coletivos do vínculo entre os homens. Dentre esses, figuram as regras e a linguagem com efeitos sobre a natureza e a qualidade dos processos de pensamento. Sem nunca indicá-lo claramente, transforma práticas, sobretudo os rituais, em formas de representação; mas, no sentido de Darstellungen, encenações e atuações dos próprios grupos, da sociedade reunida ao longo das cerimônias e das

(19)

ele buscou explicação para o mecanismo psíquico da representação.20

A importante contribuição de Piaget se dá pela análise que estabelece a especificidade das representações em termos psíquicos. Explica que os estudos piagetianos esboçam as grandes formas que assumem os modos de raciocínio, como classificar ou explicar, para associar entre eles as diferentes atividades do real. E, posteriormente, busca a especificidade que, aquém do conceito e além da participação, assegura a coerência da visão de mundo na criança, determinada por meio de um modelo de pensamento que se traduz por operações concretas, formadoras de um conjunto.21

Aspecto interessante em relação à composição psíquica das representações referente às relações sociais refere-se ao comportamento cooperativo. Piaget, assim como Durkheim, considera que as representações ou julgamentos morais são relativos à natureza social. Porém, discorda da visão durkheimiana ao perceber que o traço homogêneo e coercitivo da coletividade que preserva o vínculo entre os homens corresponde especialmente ao comportamento das crianças mais novas, submetidas à disciplina dos pais.

Ao crescer, o egocentrismo da criança se atenua, ela passa a compreender melhor o ponto de vista do outro e interioriza melhor as regras; surge, então, um respeito mútuo e uma cooperação que as associam tanto em pensamento quanto em ação. Assim, a realidade muda, pois uma regra considerada sagrada e intocável pela criança de sete anos aparece para a de doze anos como válida, por consentimento mútuo.

Dessa forma, ao lado da coerção e junto a ela, a cooperação gera efeitos e contribui para a produção de representações correspondentes. A natureza das interações, então, apresenta-se assim como um fator que determina modelos de

20

Sobre Piaget, Moscovici diz: “[...] o psicólogo suíço parte do postulado de que a criança pequena

não é mais “boba”, nem se encontra alguns degraus abaixo da criança mais velha. Contudo, ela

pensa as coisas de modo essencialmente diferente. A concepção de mundo a que chega sua faculdade de raciocínio é outra: podemos nos assegurar disso fazendo-lhe perguntas precisas a respeito de objetos definidos. Do mesmo modo que o mundo primitivo e o civilizado se distinguem por suas representações, elas servem para distinguir o mundo da criança e do adulto. Sua participação na sociedade é diferente e traduz-se pela diferença entre as formas de pensamento, o conteúdo

permanecendo individual”. Ibidem, 53.

21

Com base na “verificação desses traços distintivos pelo estudo das concepções que as crianças criam a respeito de toda uma gama de fenômenos, que vão do tempo que está fazendo à origem dos

(20)

pensamento, percepção, discussões e justificativas.22

Esse aspecto da interação torna-se fundamental para Moscovici, além da diversidade de origem das representações coletivas, tanto nos indivíduos quanto nos grupos das sociedades tradicionais. Ele considerou a ênfase sobre a comunicação que permite aos sentimentos e aos indivíduos convergirem, de modo que algo individual pode tornar-se social ou ao contrário.

Observa-se, então, que a dinamicidade das representações na visão moderna distingue-se das representações concebidas pela visão clássica e, nesse ponto, a interação tem papel fundamental.

Moscovici explicita que as representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções que reproduzam o mundo de uma forma significativa.23

No sentido contemporâneo, pode-se dizer que a representação social é uma modalidade específica do conhecimento, que tem por função a elaboração dos comportamentos e da comunicação entre os indivíduos, constituindo um corpus organizado de conhecimentos e atividade psíquica pelos quais se torna inteligível a realidade social e física. Permite a inclusão em grupo ou relações cotidianas e a transformação do mundo social, passível de estranhamento, num mundo cotidiano, familiar.24

Dessa forma, observa-se que as particulares concepções de mundo são criadas a partir de relações linguisticamente constituídas, ideias construídas por meio da linguagem voltadas para a compreensão e compartilhamento das experiências vividas de acordo com as possibilidades individuais.

A constante troca linguística, afetiva, política, inerente à comunicação e à intersubjetividade, estabelece e consolida conhecimentos comuns que, por sua vez,

22

Moscovici atribui a Freud, a partir dos estudos sobre as teorias sexuais da criança, o processo de transformação dos saberes e sua interiorização.

23

MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 46.

24

(21)

aproxima ainda mais seus participantes num constante processo de construção, reconstrução, compreensão e ação.

O processo comunicativo presente nas relações sociais envolvem diversos elementos internos e externos que permeiam as construções ideológicas. A comunicação como relação de intersubjetividade pressupõe conexão de entendimentos mútuos para que se estabeleça, consolide e dissemine as informações escolhidas.25

O processo comunicativo se dá no compartilhamento de conhecimentos comuns, necessários para que haja interação proveitosa em emissão e recepção da mensagem escolhida. O maior sucesso obtido leva em consideração o compartilhamento de conhecimentos comuns prévios que emissor e receptor comungam.26

Ao tratar da língua como sistema, Pugliesi (2009) aduz que a língua constitui um metassistema, regulando e sendo regulada pela interação humana, organizando-se em níveis hierárquicos, de acordo com a complexidade, regulados por um conjunto de regras diferenciadas.27 Explica ainda que, nesse sistema sofisticado de inter-regulação, o que viabiliza o espaço para as trocas comunicativas é a interseção estabelecida no processo comunicativo, aludindo à importância do significado ao

25

Ao abordar inicialmente sobre a teoria da comunicação, Pugliesi (2009) apresenta que o paradigma da comunicação pressupõe a emissão de determinada mensagem, dotada de conteúdo, do emissor ao receptor, por meio de um sistema de codificação adequado ao canal de transmissão escolhido, levando em consideração as interferências sofridas nesse processo. Sobre o aspecto pragmático da comunicação, desenvolve a apresentação dos cinco axiomas desenvolvidos por Watzlawick (1967): 1) Refere-se à impossibilidade da não comunicação; 2) Trata-se do aspecto de conteúdo e de relação contidos em toda comunicação e sua classificação do segundo em relação ao primeiro, constituindo uma metacomunicação; 3) Estabelece que a natureza da relação está diretamente ligada à contingência da pontuação das sequências comunicacionais realizada entre os comunicantes; 4) Expõe sobre as questões sintática e semântica e sua relação, explicitando que a comunicação humana se dá digital e analogicamente, a primeira seguindo uma sintaxe lógica, complexa e poderosa e a segunda, possuindo a semântica; 5) Diz respeito à simetria e complementaridade das trocas comunicacionais, baseadas na igualdade e diferença. Ver: WATZLAWICK, P.; BEAVIN, J. H.; JACKSON, D. D. Pragmatics of human communication: a study of international patterns, Pathologies, and Paradoxes, W.W. Norton & Company, Inc., 1967. Trad. Alvaro Cabral: Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 1990. Ibidem, p. 18-44.

26

Pugliesi (2009): “O saber mútuo ou intersubjetivo depende das trocas comunicacionais anteriores e do compartilhamento de experiências comuns. Depende, portanto, do relacionamento prévio, e aumenta à medida que aumentar a intimidade e aquilo a que se pode chamar de cumplicidade. Duas pessoas cúmplices reservam para elas o seu saber mútuo, de tal modo que uma pequena troca de

sinais, verbais ou não, pode ter um enorme valor informativo com base nos pressupostos comuns”. Ibidem, p. 33.

27

(22)

contexto.28

Dessa forma, as trocas comunicativas são, ao mesmo tempo, atividade em relação a si mesmo e ao outro num processo dinâmico de interação social, com importante papel sobre a construção e compreensão da realidade.

Os indivíduos se comunicam e há entendimento, compreendem e se fazem compreender criando outros conhecimentos compartilhados, convencionados naquele meio. Esse processo conduz, aproxima e reafirma as relações à medida que há maior interação entre seus membros, possibilitando um conjunto de saberes veiculados nos mais diversos ambientes, nas conversas informais, nas mais amplas possibilidades de fala, constituindo saberes comuns.

Moscovici (2011) expressa que representações sociais são complexas e inscritas dentro de um referencial de pensamento preexistente; sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas são, sobretudo, o objeto de um permanente trabalho social, no e por meio do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode sempre ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e, consequentemente, aceitáveis. Esse processo de troca e composição de ideias se faz necessário, pois ele responde às duplas exigências dos indivíduos e das coletividades; por um lado, para construir sistemas de pensamento e compreensão e, por outro lado, para adotar visões consensuais de ação que permitem manter um vínculo social, até mesmo a continuidade da comunicação da ideia.29

A interação entre os membros de um grupo e suas trocas simbólicas por meio da comunicação exerce importante contribuição nas crenças acerca de si mesmo e seu papel como indivíduo, como pertencente a um grupo e suas relações com os demais grupos.

28

Pugliesi explica que “A comunicação é fundamentalmente de vários canais: é a associação

sinergética de unidades verbais, vocais e mimogestuais. A linguagem é um supra-sistema formado de três subsistemas: o verbal (dos modelos clássicos), o vocal e o gestual. O primeiro permite o “texto” e

os outros dois o “paratexto” ou “contexto”. E os três, em conjunto, conformam a atmosfera semântica

propiciadora das comunicações interpessoais, pois a falta de compreensão do significado ensejará a

pragmática inadequada ao contexto.” Ibidem, p. 35.

29

(23)

Os diferentes processos que contribuem para a as crenças sobre si, sobre os outros e sobre os grupos a que pertencem fazem parte da elaboração do processo identitário. A percepção que o indivíduo tem de si mesmo e sua relação dinâmica com os diferentes processos históricos influenciados subjetiva e socialmente em constante mudança está diretamente relacionado com as trocas comunicativas que realiza e influencia fortemente no seu comportamento e atitudes.

1.2 – INDIVÍDUO / GRUPO – PROCESSO IDENTITÁRIO E PERTENCIMENTO: abordagem sob a perspectiva das representações sociais

A construção da identidade pode ser entendida como um fenômeno subjetivo e dinâmico, a partir das semelhanças e diferenças estabelecidas, e se dá na articulação conflitiva e complementar entre o sociológico e o psicológico. A identidade social tem relação com o sentimento de semelhança com os outros, enquanto a identidade pessoal diz respeito à sensação de diferença em relação a esses mesmos outros.

Ao voltar-se para uma visão da identidade como fenômeno de ordem psicossocial, produzida e expressada por meio da cultura, diretamente ligada à vida cotidiana, à inserção social e política dos indivíduos, Deschamps (2009) desenvolveu um estudo sobre o questionamento da natureza das cognições a partir da concepção da identidade como sentimento dinâmico de semelhanças e diferenças, estabelecendo a existência de estruturas cognitivas relativamente estáveis.

Tais estruturas estão inseridas no sentimento de identidade ao mesmo tempo em que reforçam o mesmo sentimento, estabelecendo a ideia de representação identitária a partir da representação de si mesmo e do grupo a que está inserido.30

30

DESCHAMPS, Jean-Claude; MOLINER, Pascal. A identidade em psicologia social: dos processos identitários às representações sociais. Trad.: Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. O

autor cita Codol (1979): “[...] esta preocupação importante – objeto de debates bem antigos, tanto em matéria filosófica, religiosa ou ideológica, como em matéria de ciências humanas – é simplesmente o conflito entre a afirmação e a necessidade individual e a afirmação e a necessidade coletiva; entre a pesquisa de uma identidade pessoal e a pesquisa de uma identidade coletiva; entre o que constitui ao mesmo tempo a diferença individual e a semelhança com os outros; entre a visibilidade social e a

(24)

A identidade se constrói, afirma e se reafirma nas interações e suas trocas comunicativas; tais interações constantes são carregadas de informações sobre nós mesmos e sobre os outros. De forma dinâmica, ao confrontar as diferentes informações obtidas, confirma-se ou refuta-se as crenças sobre si e sobre os outros, analisando as semelhanças e diferenças.

Os processos identitários podem ser divididos em três: sociocentrados, egocentrados e intermediários. Os processos sociocentrados dizem respeito ao procedimento dado às informações relativas aos grupos sociais e de que forma os indivíduos elaboram e organizam essas informações sobre esses grupos. Os processos egocentrados estão ligados especificamente ao tratamento das informações relativas ao indivíduo, reforçando ou repelindo o sentimento de semelhança ou unicidade de acordo com as informações sobre si e sobre os outros. Já os processos intermediários, diretamente relacionados à atribuição social, levam em consideração a noção de pertencimento do indivíduo a diferentes grupos sociais.31

A noção de identidade e sua relação com o processo de categorização social32 relacionam-se sob as perspectivas de partida e motivacional, levando em consideração na avaliação de si mesmo, a comparação entre os indivíduos que se assemelham e seu sentimento de pertencimento, e ainda, a significação emocional e avaliativa derivada do sentimento de pertencimento a determinado grupo social.33

Deschamps conclui que o sentimento de pertencimento do indivíduo a diferentes grupos sociais constitui a percepção sobre sua identidade social, demarcando sua posição específica exercida no seio social. O caráter motivacional relaciona-se à necessidade de se estabelecer uma imagem positiva de si mesmo.

A identidade social pode sobrepor à identidade pessoal quando essa experiência se resulta em ideia de pertencimento positiva ao grupo em relação aos outros grupos, de forma que a força da identidade social se torna mais importante que a identidade pessoal ou, se mais forte for a identidade pessoal, traduzindo uma

31

Ibidem. p. 28-61.

32

Explicitada por Deschamps (2009) a partir das teorias de Festinger (1954) e de Tajfel (1972).

33

(25)

imagem positiva de si mesmo, menos necessidade o indivíduo apresenta de identidade social.34

O modelo de Tajfel (1972), segundo Deschamps, apresenta que a postura do indivíduo em relação aos grupos e a relação de um grupo a outro, tende à percepção de um universo dicotomizado. Assim estabelece dois lados: de um lado, o grupo em relação ao qual alimenta o sentimento de pertença e, do outro, os demais grupos.

A valorização do seu grupo em relação aos outros decorre da necessidade de estabelecer para si uma identidade positiva, sustentando a representação de positividade em relação a si mesmo, enquanto, ao mesmo tempo, considera uma posição discriminatória, avaliativa e comportamentalmente, em relação aos membros dos outros grupos.

A partir dos processos sociocentrados e das formas com que os indivíduos desenvolvem as informações sobre os demais grupos e seus membros, dois processos estão implícitos: a categorização e a estereotipia.

Pela perspectiva cognitiva, a categorização sintetiza o trabalho dos processos utilizados para sistematizar as informações sobre o meio e dispô-las em categorias, segundo as semelhanças ou equivalências. Dessa forma, a divisão das informações em relação a si e aos outros por categorias favorece a organização dos conhecimentos constituídos às suas ações e intenções.35

Os estereótipos são criados a partir da assimilação considerando a pertença às categorias estabelecidas, pela sistematização das informações e divisão em

34

Deschamps expõe: “De acordo com o modelo da identidade social pode-se predizer que o aumento da proeminência da pertença a um grupo aumentará a identificação de cada sujeito com o endogrupo, e por isso mesmo diminuirá a diferenciação entre si mesmo e o endogrupo, exacerbando ao mesmo tempo as diferenciações entre grupos. Em outras palavras, quando a identificação a um

grupo aumenta, temos a passagem do polo interpessoal para o intergrupos, e inversamente.” Ibidem,

p. 65.

35Deschamps: “A categorização encontra então sua função no papel que ela desempenha na

(26)

categoria; ao perceber semelhanças entre alguns indivíduos entendem que eles fazem parte da mesma categoria.36 Decorrente do processo de categorização, a estereotipia serve como maneira de simplificação, assim, um conjunto amplo de características que envolvem um determinado indivíduo, grupo ou situação termina por ser representado por um número mínimo de aspectos que o distingue.

A distinção e correlação das características, de acordo com as semelhanças e diferenças, ao avaliar um grupo em relação a outro grupo, os indivíduos tendem a favorecer as características do grupo ao qual pertencem, desmerecendo o outro grupo em relação ao seu, resultando em avaliações geralmente negativas sobre os membros do outro grupo.37

A questão da discriminação comportamental sob o aspecto da categorização é abordada por Deschamps a partir das primeiras pesquisas desenvolvidas por Tajfel (1970), expondo que o comportamento e atitudes referentes a determinado grupo e seus membros estão diretamente ligados à categorização pelas diferenças e semelhanças entre dois grupos distintos, de acordo com o favorecimento de um grupo em relação a outro. Aduz ainda que tais comportamentos geralmente ocorrem perniciosamente de forma disfarçada ou mascarada.38

Tal conceito é mais bem desenvolvido sob a perspectiva da identidade, levando em consideração a interação social. Desta forma, o processo de categorização baseia-se na interação dos indivíduos que pertencem a grupos sociais diferentes, concernindo num processo amplo que abrange as avaliações, comportamentos, cognições; estabelecendo uma forma de interação entre o indivíduo e a coletividade, relacionando o individual e o social e suas ações em comum.

A partir dessa perspectiva, seis proposições foram formuladas:

36

A definição de estereótipos: “Classicamente, os estereótipos são definidos como conjuntos de

crenças relativas às características de um grupo. Eles se referem ‘às características pessoais, geralmente traços de personalidade, mas muitas vezes também comportamentos, de um grupo de

pessoas’ (LEYENS; YZERBYT & SCHADRON, 1996, p. 24). Geralmente, as crenças constitutivas de

um estereótipo – os traços estereotípicos – fazem o objeto de um consenso no seio do grupo.” Ibidem, p. 33.

37

Acrescenta Deschamps: “De fato, os traços estereotípicos que os membros de um grupo atribuem

aos de um outro predispõem os primeiros a fazer julgamentos negativos sobre os segundos. Em outros termos, os estereótipos constituem o substrato cognitivo dos preconceitos. Eles estão à base

do que se pode chamar de discriminação avaliativa.” Ibidem, p. 35.

38

(27)

I. Diferenciações de certos aspectos da realidade social se produzem em ligação com outras diferenciações desta realidade, assim como, segundo o modelo do processo de categorização, certas diferenciações perceptivas se produzem em ligação com outras diferenciações percebidas.

II. A diferenciação categorial dá lugar a diferenciações de ordem comportamental, avaliativa e representacional.

III. A diferenciação categorial se realiza tanto no interior dos domínios dos comportamentos, avaliações e representações como entre esses domínios. Uma diferenciação num desses domínios pode, portanto, ser articulada com uma diferenciação num outro domínio.

IV. Quando há diferenciação num desses três níveis (comportamental, avaliativo ou representativo), há tendência de criar diferenciações correspondentes nos dois outros níveis.

V. A diferenciação ao nível comportamental exerce uma determinação mais forte na gênese de outras diferenciações do que as diferenciações dos dois outros níveis.

VI. As diferenciações fornecidas por inserções sociais diferentes, mas comuns a muitos indivíduos, religam as diferenciações individuais às sociais. A diferenciação categorial é, portanto, um processo psicossociológico que religa as atividades individuais às coletivas através das avaliações e representações intergrupos.39

As consequências da categorização e os processos discriminatórios influenciam as relações, avaliações e ações de indivíduos concernentes aos indivíduos de outro grupo, fortalecendo, concomitantemente, o sentimento de pertença e o comportamento em relação ao seu grupo.

Deschamps observa que Festinger (1971), a partir dos processos egocentrados, desenvolveu um modelo de comunicações sociais baseado nas interações informais e trocas comunicativas espontâneas dentro dos grupos, com objetivo de avaliar as opiniões e capacidades do indivíduo em relação a si e ao grupo – a teoria dos processos de comparação social. De acordo com a teoria, as opiniões desenvolvidas dentro do grupo nas trocas espontâneas tendem à uniformidade. Quando os desvios de opiniões entre os membros do grupo ocorrem,

39

(28)

há pressões a favor da uniformidade de opinião, pois, geralmente a validade das opiniões está relacionada ao consenso dentro do grupo.40

Pelas trocas comunicativas, nesse caso, espontâneas em situações informais, os membros do grupo tendem a se aproximar, estabelecendo semelhanças e/ou reforçando-as, de forma que opiniões contrárias sofrem processos de pressão sociocomunicativos no sentido de se uniformizar a favor do consenso dentro do grupo, reforçando mais ainda o sentimento de pertença àquele grupo, suas semelhanças e união.

Por outro lado, apresenta uma contraposição. Lemaine (1974) faz referência à necessidade de autoafirmação da própria identidade em relação aos outros membros do grupo, acentuando um processo de diferenciação em relação ao outro por sentir sua identidade ameaçada, decorrente do sentimento de inferioridade.

Uma proposta que tenta harmonizar as duas posições é o modelo de “Conformidade Superior de Si mesmo” (PIP – Primus Inter Pares).41 Trata-se da valorização de si mesmo em relação aos outros membros do grupo pela conformidade com as normas sociais operadas dentro do grupo, com objetivo de apresentar uma imagem positiva de si mesmo em relação aos outros. De acordo com esse modelo, as referências de semelhanças e diferenças são, ao mesmo tempo, complementares e contraditórias.

O processo identitário é construído a partir dos conhecimentos que o indivíduo tem de si mesmo, dos grupos aos quais pertence, das percepções de realidade que são construídas por ele em relação a si mesmo e ao grupo e das relações existentes entre eles.

40

Deschamps: “As pressões a comunicar dependerão então: ∙ do grau de divergência entre os

membros de um grupo a propósito deste ou daquele objeto (quanto mais importante é a divergência,

mais aumentam as pressões a comunicar); ∙ da pertinência do sujeito de divergência no grupo

(quanto mais importante o sujeito de divergência, tanto mais aumentam as pressões a comunicar); ∙ da coesão do grupo (quanto mais coesivo é o grupo, mais aumentam as pressões a comunicar)”.

Ibidem, p. 40.

41

Definição de Codol (1975, p. 463) apresentada por Deschamps: Para um conjunto definido de indivíduos, existe em geral uma importante tendência de cada um, de afirmar-se como sendo ele mesmo, mais conforme às normas em vigor neste conjunto (tais como essas normas são percebidas ou vividas) do que são, de modo geral, os outros participantes. Esta tendência é tanto mais forte

(29)

As representações influenciam, portanto, na construção e sentimento de identidade, pela possibilidade de evocar ideias sobre as pessoas, situações e ações, tornando-se constituintes do processo de compreensão de si mesmo, do outro e do meio. As informações, crenças e representações sobre si mesmo e sobre os outros a sua volta influenciam suas atitudes.

É pela representação que o indivíduo concebe a ideia de reconhecimento de si e diferenciação em relação ao outro, estabelecendo diferenças e semelhanças, por processos comunicativos de compartilhamento mútuo de suas experiências e percepções. Os processos de construção da sua identidade estão imbricados com suas relações sociais e identificação com as mesmas, por processos intra e inter-relacionados a sua posição social e aos conteúdos que comunga com os demais.

Os processos identitários são carregados de representações ligadas, em sua maioria, de forma compatível entre si, como serviço a uma maneira de compreender o mundo conjuntamente consigo e com aquilo que o cerca. Deschamps apresenta que o julgamento que os indivíduos realizam sobre determinado objeto social são determinados pelas representações que eles têm acerca desse objeto. Assim, as tomadas de posição estão ligadas estreitamente à coerência observada em um indivíduo ou a indivíduos de um mesmo grupo e seu meio e as representações partilhadas por eles.42

Ao organizar informações sobre si mesmo, os outros, demais grupos e suas relações entre si, os indivíduos desenvolvem processos de associações dessas mesmas informações, organizando conhecimentos apreendidos sobre aqueles a sua volta, ao mesmo tempo em que os demais o fazem. Esses conhecimentos são partilhados com todos com que se relacionam e especialmente com aqueles que se encontram em maior proximidade.

Ao tratar dos conhecimentos compartilhados sobre si, sobre seu grupo e o mundo a sua volta, bem como os demais grupos, Deschamps estabelece a noção de representações intergrupos e seu caráter coletivo.

42

(30)

O compartilhamento dos conhecimentos e crenças em ocasiões de interação social constantes condensam as representações partilhadas pelos membros daquele grupo. O compartilhamento das representações dentro de um mesmo grupo, ao contrário das representações de si mesmo, tem características de caráter coletivo, cristalizando conteúdos pelas interações realizadas no grupo. Em relação aos comportamentos entre os grupos: a natureza das relações entre grupos determina as representações partilhadas por eles ao mesmo tempo em que influenciam nas próprias relações.

Nas interações sociais, as representações partilhadas pelo grupo se constroem e se cristalizam em contextos em que o sentimento de pertencimento ao grupo se sobrepõe à noção de individualidade.

A conduta do indivíduo quando se encontra em grupo se diferencia, em muitas situações, daquela de quando se encontra sozinho; a influência dos demais membros do grupo altera seu sentimento e comportamento, influenciando também suas atitudes em relação aos demais e aos outros grupos. Torcidas esportivas, excursões, entre outros, são exemplos claros de ocasiões cotidianas em que a influência exercida pela maioria se sobrepõe às condutas individuais.

Segundo Guareschi e Jovchelovitch (2002), estudiosos das representações sociais, um ponto caro à teoria é o dualismo entre mundo individual e mundo social, estabelecendo o aspecto de redução do social às relações interpessoais ou intersubjetivas quando se refere ao mundo individual. Há redução do individual, característica de negação da especificidade do indivíduo a partir do consenso como resultado da interação que oculta as distinções entre os indivíduos.43

Os diferentes grupos sociais que formam o conjunto social em sua totalidade são formados a partir de uma vasta gama de relações sociais em constante interação, ocupando espaços sociais diferentes e hierarquizados conforme o grau de poder que ocupam. As crenças que alimentam e compartilham em relação uns aos outros levam em consideração o posicionamento social e o poder que cada um exerce, bem como os diferentes grupos entre si.

43

(31)

Dessa forma, as representações do social são determinadas pelas condições materiais de existência, como produto dos esquemas de percepção da realidade; a forma que o indivíduo percebe a realidade está imbricada na sua própria situação dentro dela.

O processo pelo qual os indivíduos elaboram suas representações está ligado a condições objetivas de existência, como posição, atividade social, status e relações. A posição social que o indivíduo ocupa segundo as classificações estabelecidas historicamente na sociedade é resultado das escolhas segundo a incorporação da estrutura social existente e valorada ao longo do tempo, e faz parte do processo de elaboração das representações sobre si mesmo e seu espaço social.

Deschamps considera que “[...] se os indivíduos incorporam as estruturas da sociedade, eles também interiorizam seus valores e suas hierarquias. De sorte que, se as representações do social são efetivamente determinadas pelas posições sociais daqueles que as elaboram, elas também são conformes ou compatíveis com a estruturação objetiva do mundo social.”44

As diferentes visões de mundo dentro da sociedade são intermediadas pelas diferentes crenças, ideias e conhecimentos construídos acerca dos indivíduos entre si e de seus grupos, bem como dos objetos, relações e práticas que os envolvem. Os conhecimentos e crenças que compartilhadas não são unânimes ou uniformes, são dinâmicas e se transformam constantemente nas diferentes possibilidades cotidianas.

As definições de posições sociais, condutas e papéis exercidos em sociedade são estabelecidos a partir de informações construídas e alimentadas pela própria sociedade, a partir de uma complexa teia de relações entre os membros de um determinado grupo e dos indivíduos de outros grupos e as interações entre si.

As representações sociais são criadas a partir dessas relações. Nesse sentido, Moscovici (2011) explica que “representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida

44

(32)

própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem.”45

O interesse pelas informações acerca de determinado objeto social, veiculadas socialmente, muda de grupo para grupo, devido às diferentes posições sociais a quais os indivíduos que se comunicam e trocam informações pertencem, bem como à diversidade de interesses e valores peculiares a cada indivíduo e a cada grupo.

As representações sociais representam o conjunto de conhecimento que traduz o pensamento do senso comum e ao mesmo tempo forma de conhecimento de um grupo. O conhecimento produzido expressa, direciona as ações e também serve de referencial para a produção de outros conhecimentos, bem como das demais ações dos indivíduos e do grupo. Formam conhecimento elaborado e partilhado socialmente utilizado para a construção da realidade comum entre um conjunto social, como são conhecimentos construídos de forma não sistematizada por se tratar de conhecimentos provenientes de trocas dispersas nas interações cotidianas, as representações sociais podem ser entendidas também como um conhecimento do senso comum.

Sá (2002) apresenta uma comparação interessante feita por Moscovici acerca das representações sociais e senso comum:

Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum.46

45

MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 41.

46

(33)

A veiculação e os processos de troca se dão nas mais variadas oportunidades de interação comunicativa na vida cotidiana, constitui conceitos, proposições e explicações; constrói as representações sociais, o senso comum contemporâneo.47

1.3 – LINGUAGEM e REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: aquisição da linguagem/dialogismo/dialogicidade e representações sociais

A linguagem tem papel fundamental nessa teia de compartilhamentos e conhecimento de mundo e de si mesmo. Constitui elo primordial entre os sujeitos, num constante processo dinâmico e mutável de conhecimento e reconhecimento de si e do outro, surgindo, mantendo ou cessando relações sociais, criando, recriando e compreendendo o mundo em/por pensamentos e conceitos.48

A linguagem constitui uma das primeiras e mais importantes formas de interação da criança, seja pelo choro que logo é atribuído a alguma necessidade básica ou pelos primeiros balbucios, ou seja, desde cedo a interação está presente, permeada pela linguagem. No começo é realizada basicamente pelos mais próximos dia a dia, por instruções, gestos e orientações, expressando valores, delimitando regras e sutilmente marcando papéis sociais e sua importância.

Tal processo ocorre de forma entrelaçada, ponderando a complexidade linguística, individual e social do indivíduo e de sua língua; leva em consideração a construção simbólica existente nos processos de inter-relação consigo e com o outro e suas concepções de mundo. Esse processo intersubjetivo proveniente das trocas simbólicas permite a construção de sentido, significação da realidade e a leitura de mundo.

47

Ibidem.

48

ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso. São Paulo: Parábola, 2004. “Sem linguagem, não há acesso à realidade. Sem linguagem, não há pensamento. [...] Poder referir-se a algo que não se encontra mais aí, nomear, designar é parte essencial do comportamento humano. A simples manipulação de um instrumento vem acompanhada de certa intenção, expressa pelo uso de signos linguísticos e não-lingüísticos. Pensamento é sempre pensamento acerca de alguma coisa e, por isso mesmo, consiste em linguagem, que não é um mero subproduto do pensamento. É na e pela linguagem que se pode não somente expressar idéias e conceitos, mas significar como um

comportamento a ser compreendido, isto é, como comportamento que provoca relações e reações”,

(34)

Com intuito de compreender melhor o processo de desenvolvimento da linguagem, representação e interação social, antes de adentrar sobre a abordagem da aquisição da linguagem sob o ponto de vista do dialogismo desenvolvido por Bakhtin, aponta-se a seguir, dentre as principais abordagens acerca da aquisição da linguagem, algumas das teorias conhecidas mais desenvolvidas no campo da Linguística. Apresenta-se, então, a aquisição da linguagem sob a perspectiva behaviorista, gerativista, e sob o enfoque da Epistemologia genética.

A aquisição da linguagem pela teoria behaviorista, baseada no estudo do comportamento49, teve como precursor o nova-iorquino John Broadus Watson a partir dos estudos desenvolvidos pelo fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov. A contribuição do psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner aproximou ainda mais o estudo do comportamento no âmbito psicológico e linguístico.

Para essa teoria, todos os tipos de aprendizagem resultam da formação de associações por estímulo e resposta, e seus reforços50, gerados na interação do organismo com o meio no qual estão inseridos. Dessa forma, a linguagem é construída a partir da interação do ser pelo estímulo fornecido pelo meio.

Assim, a linguagem é desenvolvida por meio da experiência da criança e a utilização da língua pelas pessoas próximas a ela, por imitação de sons e padrões praticados e, positiva ou negativamente, reforçados de forma contínua no seu meio. A linguagem pode ser condicionada por hábito e depende das experiências do indivíduo para com os demais indivíduos e os comportamentos, por estímulo e resposta e seus respectivos controles.

Para a teoria behaviorista, a aquisição da linguagem se pauta no fundamento de que todo conhecimento é proveniente do meio, tomando o indivíduo como ser passivo e estimulado somente a partir de impulsos externos de seus interlocutores.

49Definição de comportamento para a teoria: “

[...] a resposta dada por um determinado organismo a algum fator externo que o estimule, cuja resposta pode sempre ser observada, descrita e quantificada. [...] [bem como] observar e quantificar com rigor os fatores externos (estímulos ambientais) que dão origem a esse comportamento, ou seja, os estímulos, bem como os fatos que o

sucedem ou que advém desse comportamento.” QUADROS, Ronice Müller de. Teorias de aquisição da linguagem. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. P. 18-19.

50

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