O SENTIDO DO PSICODRAMA NA CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
Mestrado em Fonoaudiologia
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
O SENTIDO DO PSICODRAMA NA CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Fonoaudiologia, sob a
orientação da Profª. Drª. Silvia Friedman.
Lima, Priscila Saraiva Lima
O sentido do Psicodrama na clínica fonoaudiológica/
Priscila
Saraiva Lima - -São Paulo, 2005.
ix, 130 f.
Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Programa de Pós–graduação em Fonoaudiologia.
O SENTIDO DO PSICODRAMA NA CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
Aprovada em: _____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof
a. Dr
a. Silvia Friedman
________________________________________________________________
Prof
a. Dr
a. Lilia Ancona-Lopez
A DEUS, por iluminar todos os dias o meu caminho.
À minha admirável orientadora Prof
a.
Dr
a. Silvia Friedman por sua competência,
comprometimento, disponibilidade, paciência, encorajamento, dedicação e carinho oferecidos
muito além do que o dever lhe conferia, durante todo o nosso percurso, e por ter me
proporcionado, juntamente com suas valiosas orientações, uma nova maneira de ver a vida.
Às minhas queridas irmãs, Pat e Cilha, pelo amor, carinho e amizade demonstrados em todos
os momentos dessa caminhada e por encherem minha vida de alegria ao me darem sobrinhos
maravilhosos como o Thiago e a Ana Carolina.
À minha segunda mãe, Dinha, por sua inigualável dedicação à minha vida; ao Gilson e ao
Rafa (
in memoriam
) por todo o apoio dado quando estivemos juntos durante este processo.
À Tia Francisca e minha amiga Vanessa pelas orações em meu nome.
À Silvia, Nete e Kárita, por fazerem parte da minha família e por terem me oferecido sempre
a atenção necessária para minha realização profissional.
À minha amiga de todos os dias, Paula, por me incentivar sempre a correr atrás dos meus
sonhos.
À minha amiga Valéria Reis (Val) , por toda sua disponibilidade em me conduzir até a PUC e
por ter estado ao meu lado, desde o primeiro dia de aula até o dia da defesa com todo seu
carinho.
À minha amiga Fátima, por todas as nossas conversas durante o mestrado e por ter
demonstrado tanta amizade desde o dia em que me conheceu.
À minha amiga Karina Leitão, por saber que posso contar com seus conselhos sempre que
precisar.
Paula, Fabi, Raquel, José, Carla, Karla, Taís, Alê, Renata, Aline, Maristela, Andréa, Tia
Márcia, Tio Newton, Érica e Catau.
À professora e amiga Cleusa Sakamoto, por sua atenção, carinho e preciosa amizade
oferecidos nos momentos que mais precisei.
Aos professores do PEPG em Fonoaudiologia pelos ensinamentos oferecidos, em especial
Prof
a. Dr
a. Maria Consuêlo Passos e Prof
a. Dr
a. Teresa Momensohn.
À Polyana Oliveira, por sua disponibilidade e contribuições oferecidas durante a pesquisa.
Às minhas entrevistadas, por se mostrarem tão dispostas e interessadas em participar.
À Banca Examinadora, representada pela Prof
a. Dr
a. Lília Ancona-Lopez e Prof
a. Dr
a. Maria
Inês Bacelar, que aceitaram o convite para a apreciação desta dissertação.
À Marli, por sua atenção e disponibilidade nos assuntos burocráticos.
Ao Roberto, por seu empenho na correção dos textos.
Vou falar da palavra
pessoa,
que
persona
lembra. Acho que aprendi o que vou contar com
meu pai. Quando elogiavam demais alguém, ele resumia sóbrio e calmo: é, ele é uma pessoa
[...].
Persona
. Tenho pouca memória, por isso já não sei se era no antigo teatro grego, que os
atores, antes de entrar em cena, pregavam ao rosto uma máscara que representava pela
expressão o que o papel de cada um deles iria exprimir.
Bem sei que uma das qualidades de um ator está nas mutações sensíveis de seu rosto, e que a
máscara as esconde. Por que então me agrada tanto a idéia de atores entrarem no palco sem
rosto próprio? Quem sabe, eu acho que a máscara é um
dar-se
tão importante quanto um
dar-se
pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, estes que são puro rosto, à medida que vão
vivendo fabricam a própria máscara. E com muita dor. Porque saber que de então em diante
se vai passar a representar um papel é uma surpresa amedrontadora. É a liberdade horrível de
não ser. É a hora da escolha.
Mesmo sem ser atriz nem ter pertencido ao teatro grego - uso uma máscara. Aquela mesma
que nos partos de adolescência se escolhe para não ficar desnudo para o resto da luta. Não,
não é que se faça mal em deixar o próprio rosto exposto à sensibilidade. Mas é que esse rosto
que estava nu poderia, ao ferir-se, fechar-se sozinho em súbita máscara involuntária e terrível.
É, pois, menos perigoso escolher sozinho ser uma
pessoa
. Escolher a própria máscara é o
primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivela a máscara daquilo
que se escolheu para representar-se e representar o mundo, o corpo ganha uma nova firmeza,
a cabeça ergue-se altiva como a de quem superou um obstáculo. A pessoa é.
Se bem que pode acontecer uma coisa que me humilha contar.
É que depois de anos de verdadeiro sucesso com a máscara, de repente -ah, menos que de
repente, por causa de um olhar passageiro ou uma palavra ouvida, de repente a máscara de
guerra de vida cresta-se toda no rosto como lama seca, e os pedaços irregulares caem como
um ruído oco no chão. Eis o rosto agora nu, maduro, sensível quando já não era mais para ser.
E ele chora em silêncio para não morrer. Pois nessa certeza sou implacável: este ser morrerá.
A menos que renasça até que dele se possa dizer “esta é uma pessoa”. Como pessoa teve que
passar pelo caminho de Cristo.
Esta pesquisa, de natureza exploratória, teve como objetivo compreender o sentido do
Psicodrama na clínica fonoaudiológica para, a partir disso, refletir sobre as possibilidades da
abordagem psicodramática e suas técnicas, no contexto do trabalho clínico-terapêutico em
Fonoaudiologia. Para isso, realizamos quatro entrevistas semi-estruturadas com
fonoaudiólogas que atuam na clínica há pelo menos três anos, utilizando o Psicodrama. O
método que adotamos para a análise do discurso está apoiado na proposta de Bardin (1994),
que se refere à análise de conteúdo, e a técnica utilizada foi a análise categorial. A partir da
apresentação e análise das entrevistas, buscamos selecionar, nas categorias encontradas, dados
que revelassem o sentido que a abordagem psicodramática ganha na clínica fonoaudiológica.
Dos discursos analisados, um primeiro aspecto que observamos é que a abordagem
psicodramática aparece como um meio de promover maior aproximação do sujeito ao
trabalho fonoaudiológico, favorecendo o vínculo terapeuta-paciente e gerando mudanças na
subjetividade. Outro aspecto observado foi que no seu discurso, as entrevistadas dividiram o
Psicodrama em Psicoterápico e Pedagógico ou Educacional. Assim, ao longo da pesquisa e
pelas falas de nossas entrevistadas, pudemos colher dados que revelam que a abordagem do
Psicodrama que se alinha à clínica fonoaudiológica é a psicoterápica, e que esse tipo de
trabalho terapêutico se alinha com a vertente contextualizada da clínica.
The goal of this research is to understand the role of Psychodrama in a speech therapy clinic
in order to reflect on the possibilities of the psychodramatic approach and its techniques in the
context of the clinical-therapeutical work in Speech Therapy. In order to do that, we
conducted four semi-structured interviews with speech therapists working in the clinic for at
least three years and using Psychodrama. The method we adopted for the discourse analysis is
based on Bardin’s proposal (1994), which refers to content analysis, and the technique used
was the category analysis. Based on the interview presentation and analysis, we tried to select,
among the categories found, discourse that had information about the psychodramatic
approach and its techniques being used in the speech therapy clinic. The first aspect noticed in
the discourse analyzed is that the psychodramatic approach serves as a means to bring the
subject closer to the speech therapy work, promoting therapist-patient bond and generating
changes in the subjectivity. A second aspect noticed in the discourse was that the interviewees
divided Psychodrama into Psychotherapic and Pedagogical or Educational. Thus, throughout
the research and based on our interviewees’ discourse, it was clear that the speech therapy
clinic supported by psychodramatic techniques is in line with the psychotherapic approach of
Psychodrama, making for speech therapy work within the clinic contextualized approach.
INTRODUÇÃO 10
1.
CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
11
2. A HISTÓRIA DO PSICODRAMA
15
3. MATERIAL E MÉTODO
25
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
31
Categoria Concepções, Técnicas e Materiais
31
Categoria Afetividade
43
Categoria Formação Pessoal
47
Categoria Com quem
48
5. DISCUSSÃO
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
55
ANEXO 1 – PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA
56
ANEXO 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO
57
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta dissertação por processos de foto copiadores ou eletrônicos.
INTRODUÇÃO
A partir dos cursos de dramatização feitos paralelamente à graduação em
Fonoaudiologia, pude perceber o quanto o teatro contribui para o desenvolvimento do
potencial criativo, da comunicação e expressão de uma pessoa.
No último ano da graduação, em 2000, surgiu um interesse da minha parte em utilizar
as técnicas dramáticas nos atendimentos fonoaudiológicos. Assim, a partir do estágio
supervisionado na área clínica, a dramatização começou a aparecer nos meus atendimentos
com crianças, através de histórias infantis, com a finalidade de tornar a terapia um caminho
mais criativo e estimulante para a superação de dificuldades e o desenvolvimento da
linguagem.
Para aprofundar-me nesse assunto, procurei literatura sobre terapia fonoaudiológica
que mencionasse a utilização de técnicas dramáticas ou que trouxesse o contexto do teatro
para a abordagem terapêutica. Não tendo encontrado na pesquisa bibliográfica nenhum estudo
que mencionasse o uso de recursos teatrais na clínica fonoaudiológica, busquei esse
conhecimento na clínica psicológica, por se tratar também de um espaço terapêutico. Nessa
área vizinha, encontrei o trabalho de Moreno (1993) criador do Psicodrama, um método
desenvolvido a partir de um envolvimento com o teatro. Para o autor, o Psicodrama pode ser
considerado um método terapêutico que, por meio da dramatização, procura criar condições
para o autoconhecimento e para o inter-relacionamento, assim como para a recuperação da
espontaneidade e da criatividade do ser humano. Moreno considera a dramatização o caminho
mais apropriado para o indivíduo entrar em contato com seus conflitos inconscientes e, a
partir desse contato, poder abrir novas possibilidades existenciais. Para isso desenvolveu a
abordagem psicodramática e alguns procedimentos técnicos comentados no segundo capítulo.
Para explorar as possibilidades da abordagem psicodramática e suas técnicas no
contexto do trabalho clínico-terapêutico em Fonoaudiologia, considerando que a literatura da
área é insuficiente para tal, optei por entrevistar fonoaudiólogos com experiência reconhecida
nesse tipo de trabalho, para que, através de seus relatos, pudesse compreender o sentido do
Psicodrama na clínica fonoaudiológica, o que apresento no quarto capítulo.
No primeiro capítulo, para contextualizar os dados da pesquisa, desenvolvo
considerações sobre a clínica fonoaudiológica e os modelos teóricos que lhe servem de
inspiração, para poder considerar que modelo de clínica faz sentido com a abordagem
psicodramática.
1.
CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
Neste capítulo
1, apoiadas em Oliveira e Friedman (no prelo), apresentamos algumas
reflexões sobre aspectos relacionados aos modelos teóricos que sustentam a clínica
fonoaudiológica. Para isso, abordamos a questão dos paradigmas que embasam essa clínica e
os tipos de abordagem terapêutica que inspiram, para poder considerar que modelo de clínica
faz sentido com a abordagem psicodramática. Nessa direção, desenvolvemos a reflexão a
partir dos elementos que fazem parte da estrutura clínica, que são: a semiologia, a diagnóstica,
a etiologia e a terapêutica, conforme proposto na constituição da clínica clássica, por Dunker
(2000, apud OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo).
Por paradigma, de acordo com Kuhn (2001, apud OLIVEIRA E FRIEDMAN, no
prelo) entendemos o conjunto de princípios, teorias, conceitos, instrumentos e metodologias
que orientam toda uma prática científica.
A clínica fonoaudiológica é ainda uma clínica recente. Nesse sentido não tem ela uma
tradição de longa data que permitida definir com clareza seus contornos, sendo uma clínica
em constituição. Nessa sua constituição, conforme a literatura na área tem analisado, existem
dois tipos de vertentes. A primeira, que, com base nas autoras citadas, chamaremos de
descontextualizada, segue o paradigma cartesiano-positivista, o mais antigo e tradicional. A
segunda, que chamaremos de contextualizada, segue o paradigma histórico-dialético e se
apóia em vários campos de saber como a Lingüística, a Psicologia, a Psicanálise e também a
Medicina.
Na vertente clínica descontextualizada, o pressuposto enunciado pelo paradigma
cartesiano-positivista
“
determina uma relação sujeito-objeto que apóia sua objetivação na
possibilidade de mensuração do sintoma
”
(OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo, p.2), vendo
uma relação linear entre a determinação orgânica e manifestação do sintoma. Nessa vertente,
o sintoma, e não o sujeito, é considerado o foco principal no trabalho com o paciente e a
superação do seu problema está centrada na eliminação da manifestação externa. Nesse
sentido, essa clínica se caracteriza por excluir o sujeito e a subjetividade, sendo que o trabalho
se caracteriza como corretivo normatizador.
_______________________________
1Na Introdução empreguei a primeira pessoa do singular para elaborar o texto, uma vez que expus
Na vertente clínica contextualizada o enunciado pelo paradigma histórico dialético
considera a relação sujeito-objeto complexa e não linear, na medida em que entende que o
sujeito se constitui na relação com o outro (OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo). Por isso
não considera apenas a mensuração como maneira de abordar os sintomas de linguagem, mas
busca entendê-los no contexto de vida do sujeito em função das relações que vivencia e que
marcam sua singularidade. Na clínica contextualizada portanto, o sintoma é visto para além de
sua manifestação externa e a superação do problema pode ser alcançada na medida em que o
sujeito experimenta novas situações que lhe permitem desconstruir o seu sintoma dando-lhe
novos sentidos. Desse modo, essa clínica caracteriza-se por levar em conta o sujeito, sua
singularidade e o contexto, as relações com os outros e os sentidos ali gerados.
A escolha de um desses paradigmas traz conseqüências na forma como é conduzido o
trabalho clínico terapêutico; mas, seja qual for esse paradigma, o trabalho deve envolver
sempre os quatro elementos estruturais da clínica acima referidos.
Para Dunker (2000 apud OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo), os quatro elementos
mantêm, fundamentalmente, uma relação de covariância entre si. Sendo assim, sempre que
houver uma mudança em um dos elementos, os outros acompanharão o movimento. Porém,
para que essa articulação exista, é necessário também que haja homogeneidade entre os
elementos em relação à natureza do objeto tomado pela clínica. Assim, na vertente
descontextualizada, todos os elementos da clínica devem girar em torno do sintoma e da
doença, enquanto que, na clínica contextualizada, todos os elementos girarão em torno de uma
compreensão do sintoma a partir de um sujeito que se constitui na relação com os outros.
Tomando isso em consideração, temos que a
semiologia
é o estudo dos sinais e
sintomas das doenças. Na vertente positivista isso se dá “por meio da observação e da
experimentação, com a finalidade de descobrir os mecanismos que produzem as doenças”
(OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo, p.2). Nessa vertente, somente os sintomas
materialmente visíveis são levados em conta. Esta é uma visão inspirada numa determinada
tradição da Medicina, que deu origem a um certo modo de pensar sobre os sinais e sintomas,
caracterizando a concepção de clínica fonoaudiológica que aqui chamamos de
descontextualizada.
Já na clínica fonoaudiológica contextualizada, a investigação do sintoma é feita por
meio da história de vida e do contexto do sujeito, o que não exclui a observação. Desse modo,
o estudo dos sintomas não se reduz às manifestações externas, mas se estende para além do
visível por levar em conta as condições sócio-culturais, afetivo-subjetiva e discursiva do
sujeito.
A
etiologia
supõe uma teoria de causalidade. Na clínica fonoaudiológica
descontextualizada, a etiologia, por influência da visão médico-positivista, se baseia no
funcionamento corporal e configura um modelo clínico em que, por exemplo, o aspecto
genético, isto é, a hereditariedade, pode assumir grande importância no estudo da causa dos
problemas fonoaudiológicos. E para esclarecer e confirmar essa origem biológica é
fundamental a utilização do instrumental tecnológico da medicina, que é representado por
diversos exames, os quais possibilitam a visualização das estruturas anatômicas e suas
possíveis alterações.
Na clínica contextualizada, a etiologia dos problemas fonoaudiológicos, assim como a
semiologia, não exclui os sinais corporais visíveis, porém leva em conta também as condições
sócio-culturais e as condições intersubjetivas (inconscientes) do sujeito, que co-determinam a
manifestação do sintoma. Assim, nessa clínica a causa do problema não está numa visão das
estruturas orgânicas isoladas de outros aspectos que também constituem o sujeito, mas na sua
história de vida. Mais do que falar em causas, nesse tipo de clínica fala-se no conjunto de
determinações que concorrem para gerar um sintoma.
A
diagnóstica “
vai identificar as doenças depositadas no corpo, o que implica tomar
uma decisão probabilística em relação a um certo conjunto de sinais e sintomas como
representantes de uma dada doença” (OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo, p.2).
planejamento da terapia. A partir dessa avaliação são identificadas as áreas deficitárias que se
tornam o foco da terapia.
Na clínica contextualizada, a diagnóstica se dá a partir da escuta durante as entrevistas
preliminares com o sujeito e a família, caso seja necessário, e posteriormente, a partir da
avaliação de linguagem. Na avaliação, o diagnóstico é a investigação do que está por trás do
sintoma manifesto, a partir de uma compreensão voltada para o sujeito da linguagem. O que
determina o diagnóstico nessa clínica é o modo de funcionamento de linguagem do sujeito,
considerando uma dimensão mais lingüística, bem como o sentido que o sintoma assume para
o sujeito numa dimensão mais psicológica, buscando entender a articulação entre ambas.
A
terapêutica
se baseia em uma concepção de cura que está “associada à introdução
ou retirada de um elemento ou condição, considerada relevante do ponto de vista etiológico”
(OLIVEIRA E FRIEDMAN, no prelo, p.3).
Na clínica descontextualizada, a terapêutica é estruturada a partir de técnicas e
instrumentos que trazem resultados passíveis de comparação estatística com uma norma
considerada padrão.
Considerando que para essa vertente o agente etiológico dos problemas
fonoaudiológicos é de origem orgânica, o tratamento dos problemas deverá estar direcionado
a atingir a estrutura orgânica deficitária em questão. Assim, técnicas de treinamento e
condicionamento têm prioridade nesse modelo clínico.
Na clínica contextualizada, a terapêutica é estruturada sobre uma escuta e
interpretação voltada para o discurso do sujeito. O discurso do terapeuta permite que o sujeito
entre em contato com seus conflitos e possa ressignificar sua história, seus sintomas, abrindo
novas possibilidades existenciais. Assim, nas palavras de Oliveira e Friedman (no prelo, p.9),
“trata-se a linguagem pela via da linguagem”. Conforme o problema do sujeito, pode haver
um trabalho fonoarticulatório que se conecte com um trabalho voltado para a interpretação de
seu discurso.
2. A HISTÓRIA DO PSICODRAMA
Em razão do texto de Moreno nos oferecer relativa dificuldade para sua compreensão,
optamos por apresentar as suas idéias a partir de outros autores, quais sejam: Fonseca (1940),
Naffah (1997) e Marineau (1992).
Segundo Marineau (1992), o Psicodrama, como técnica terapêutica, não se
desenvolveu de forma linear. Seu desenvolvimento ocorreu a partir de algumas experiências
significativas vividas por Moreno, como, por exemplo, a encenação de peças teatrais no porão
de sua casa, quando ainda era criança. Para Marineau (1992), essa experiência, a qual Moreno
se refere com muito humor, foi a encenação em que ele, ao representar ser Deus, foi
solicitado por um amigo a voar. Ao tentar voar, Moreno caiu no chão. Este episódio, de
acordo com o próprio Moreno, configurou-se como embrião da idéia sobre espontaneidade no
Psicodrama.
Marineau (1992) relata, ainda, que Moreno estudou Filosofia e Medicina na
Universidade de Viena, de 1909 até 1917, e que durante a faculdade também vivenciou
experiências significativas, as quais forneceram subsídios para o desenvolvimento do
Psicodrama como abordagem terapêutica. Um exemplo disto eram as brincadeiras informais
com as crianças, em praças públicas, nos jardins de Augarten, Viena, quando então propunha
jogos de improviso, os quais favoreciam-lhes espontaneidade, sendo este um fato que auxiliou
Moreno a desenvolver suas idéias sobre espontaneidade e dramatização.
Outra experiência significativa vivida por Moreno em 1922 e citada por Marineau
(1992) foi o trabalho com os atores no Teatro da Espontaneidade (Stegreiftheater). Nesse
trabalho, Moreno intervinha nas apresentações, modificava-as de acordo com a
espontaneidade dos atores e fazia a platéia participar. Ele trabalhava com um teatro sem texto
e sem papéis fixos, sendo que os participantes dramatizavam cenas correspondentes àquele
momento, ao aqui e agora.
culturais, pois eles eram barreiras para a criatividade e para isso, segundo o autor, Moreno
utilizou o teatro e os atores profissionais.
Naffah (1997) relata, ainda, que com as dramatizações no espaço do teatro, Moreno
comprovou o conflito que existe entre o papel dramático e a pessoa privada do ator. Para o
teatro tradicional, esse conflito é inerente a sua própria forma, na medida em que os atores
sempre personificavam papéis criados e não seus próprios dramas de vida. Para acabar com
esse conflito, a dramatização proposta por Moreno, conhecida como Teatro Espontâneo, está
pautada na improvisação. Esta é algo essencial e isso permitiria às pessoas desenvolverem
papéis inteiramente espontâneos e criativos no momento de sua execução. Nesse sentido, o
autor afirma que o Teatro Espontâneo consegue “deslocar o produto da criação para o
processo da criação” (NAFFAH, 1997, p. 191).
Dentro desse contexto, Marineau (1992, p. 167) afirma serem a espontaneidade e a
criatividade os conceitos fundamentais da teoria moreniana, e relata que o conceito de
espontaneidade, segundo Moreno, “é a capacidade do indivíduo de dar uma resposta adequada
a situações novas ou uma nova resposta a uma situação antiga”. Marineau (1992) relata ainda
que Moreno estava mais interessado nos processos conscientes, no aqui-agora, na
espontaneidade e na criatividade da pessoa, do que nos seus processos inconscientes.
Naffah (1997) conta que, para desenvolver o Teatro Espontâneo, Moreno buscava nos
jornais e nas notícias cotidianas uma fonte para as representações das pessoas com quem
trabalhava, criando, assim, uma técnica chamada de Jornal Vivo. Através dessa técnica, um
grupo de atores profissionais, liderado por Moreno, improvisava acontecimentos do dia, como
por exemplo, prisões de prostitutas, movimentos sociais, escândalos, etc., conforme era
proposto pelo grupo.
A vida cotidiana começava a tomar conta dessa forma de teatro.
O autor conta, ainda, que somente a partir do momento que o teatro, como cultura, foi
buscar suas raízes na vida coletiva cotidiana é que os papéis sociais puderam ser revelados; e
acrescenta que o sujeito espontâneo e criador só pôde emergir, pelo teatro, no momento em
que este reassumiu, conscientemente, a dimensão de espaço simbólico da própria sociedade.
Ainda segundo o mesmo autor, os papéis sociais representavam para Moreno “os nós
cristalizados de uma rede no interior da qual se camufla o drama coletivo” (Naffah, 1997,
p.186) e, assim como o ator, cada indivíduo se apreende no decorrer de sua vida, assumindo
um papel ou condutas determinadas ou prefiguradas pela sociedade.
Nesse sentido o autor cita que:
a dramatização é como um imenso rolo de lã bastante emaranhado, que cumpre desenrolar. Este rolo representa as amarras nas quis o sujeito se encontra envolvido e cada um dos seus nós representa um papel. Todo nó, entretanto, deixa transparecer a forma como foi amarrado, e se estivermos atentos, acompanhando as voltas e reviravoltas do fio condutor, conseguiremos perceber o caminho que ele nos aponta. Assim, desamarrando nó por nó e nos aproximando do eixo das amarras, poderemos finalmente chegar ao desenlace fundamental: a catarse de integração, a liberação da espontaneidade. (Naffah, 1997, p.186)
O autor conta também que Moreno se propôs a acabar com o conflito vivido pelo ator
profissional e a mudar a estrutura básica do teatro tradicional em que o protagonista é
escolhido sempre em função da estória prescrita pelo drama e os atores secundários
complementam a performance do protagonista, sendo que a platéia não participa da
encenação. Na proposta moreniana, o protagonista é sempre o porta-voz do drama grupal, que
é escolhido pelo próprio grupo. Nessa proposta há a participação da platéia, sendo que um de
seus membros pode a qualquer momento se tornar ator e vice-versa.
A partir do momento em que, no mesmo espaço dramático, as pessoas começaram a
representar, junto com os temas sociais, as suas experiências particulares, o Teatro
Espontâneo se transformava em Teatro Terapêutico (Naffah, 1997).
Marineau (1992) relata que o início do Teatro Terapêutico ocorreu em 1923, durante
dramatizações de conflitos pessoais, ocorridos diariamente em casa, entre a atriz profissional
Bárbara e seu marido Georg. Essas dramatizações eram feitas a partir das notícias cotidianas
pertencentes à vida particular do casal, sendo que, aos poucos, “foram representadas as
famílias de ambos, cenas da infância dela, seus sonhos e planos para o futuro”, como cita
Marineau (1992, p.82-85).
O trabalho terapêutico, realizado com Bárbara e Georg, proporcionou ao casal o
autoconhecimento e a compreensão da relação entre eles.
Marineau relata ainda que Moreno,
ao analisar e escrever a estória desse casal, sessão por sessão, transformou o que chamava de
Teatro Espontâneo em Teatro Terapêutico. No Teatro Terapêutico, os papéis e as tramas não
seriam mais improvisados a partir dos acontecimentos públicos; as pessoas seriam atores e
autores do texto de suas próprias vivências.
O autor comenta que, a partir dessa experiência, Moreno desenvolveu um grande
interesse pelo trabalho em grupo, uma vez que acreditava que os indivíduos eram
essencialmente parte de um grupo e que, através da exploração da situação individual num
grupo, era possível encontrar respostas para os problemas psicológicos.
Segundo Marineau (1992), a concepção de homem para Moreno encontrava-se numa
dimensão basicamente social, ou seja, a do ser em relação, que nasce e vive em grupo, e cujas
relações são passíveis de enfermidade; e foi nessa medida que Moreno iniciou suas buscas
para o trabalho em grupo
.
O autor relata como uma importante experiência vivida por Moreno, que contribuiu
para a elaboração de sua teoria sobre Psicoterapia de Grupo, ocorrida em 1931, o trabalho
realizado na prisão de Sing Sing, em Nova York. Nessa prisão, Moreno conclui um estudo
qualitativo e quantitativo das relações interindividuais com um grupo de prisioneiros. As
conclusões do experimento foram levadas à Associação Psiquiátrica Americana e propiciaram
a aprovação em relação à abordagem psicoterápica de grupo em 1932. O instrumento da
Psicoterapia de Grupo proposto por Moreno nessa ocasião foi a Sociometria.
Naffah (1997) relata que a Sociometria é o estudo das forças atrativas e repulsivas
dentro dos grupos sociais. Refere que através desse estudo é possível determinar a situação de
cada pessoa dentro do grupo a que pertence, vive ou trabalha.
No período entre 1932 e 1934, Marineau (1992) conta que Moreno inicia sua nova
pesquisa de Psicoterapia de Grupo voltada para o trabalho de reeducação das jovens da Escola
Hudson, em Nova York. Nesse trabalho, para mudar as atitudes e comportamento das moças,
Moreno aplica os princípios de espontaneidade nas relações entre elas e utiliza como técnica o
desempenho de papéis (Role Playing). Essa técnica se desenvolvia à medida que as moças
eram solicitadas a representar papéis em situações reais ou imaginárias. Posteriormente
dava-lhes um retorno e analisava aquilo que percebia para ajudá-las a refletir sobre suas
representações.
Essa experiência, segundo o autor, pode ser considerada como um dos momentos mais
importantes da Psicoterapia de Grupo, uma vez que o aprendizado através do desempenho de
papéis (Role Playing) começou a atingir outras áreas e instituições.
de Psicodrama Pedagógico ou Educacional
conforme proposto pela
psicodramatista e
educadora argentina Maria Alicia Romaña.
Retomando a história do Teatro Terapêutico, Marineau (1992) mostra um trabalho
mais específico e bem sucedido, realizado por Moreno, com psicóticos. Esse trabalho se
iniciou com um jovem de uma família rica, por volta de 1936, e culminou com a abertura do
Beacon Hill Sanatorium, um hospital para pacientes psiquiátricos, o qual se tornou o
laboratório das idéias de Moreno. Naquela época o regulamento das instituições de tratamento
de doentes mentais não permitia que se tratassem as fantasias ou conteúdos alucinatórios dos
pacientes; entretanto, as técnicas do Psicodrama permitiam a entrada nesse mundo imaginário,
constituindo-se numa alternativa de liberdade ao tratamento tradicional dado a esse paciente.
Naffah (1997) relata que essa experiência do projeto moreniano nos muros de um
hospital psiquiátrico possibilitou a expansão do Psicodrama também na clínica psicoterápica,
e que mais tarde foi definido por Bustos (1979) como Psicoterapia Psicodramática.
Segundo Marineau (1992), o Beacon Hill Sanatorium começou a funcionar como uma
comunidade terapêutica, lembrando a Casa do Encontro, um grupo fundado por Moreno e
seus amigos no período universitário. O Beacon Hill Sanatorium era como uma comunidade
terapêutica onde tanto a equipe profissional quanto os pacientes viviam no local, podendo
circular com toda liberdade e discutir suas vidas. A família dos pacientes também podia
participar do processo terapêutico.
O Beacon Hill Sanatorium
foi o lugar em que o Psicodrama começou a ter vida
própria. Tornou-se um lugar onde as pessoas podiam explorar suas vidas ou, como Moreno
afirmava, sua “verdade”. Gradualmente o termo Psicodrama adquiriu uso mais geral e os
papéis de diretor, ego-auxiliar e protagonista foram sendo esclarecidos.
Em relação às dramatizações ocorridas em Beacon Hill Sanatorium, de acordo com as
técnicas psicodramáticas, Marineau (1992) relata que quando as pessoas entravam no teatro
ou para o palco estavam sabendo que as regras da realidade tinham mudado: estavam no
mundo do “como se” e lhes era permitido explorar suas vidas de diferentes e novas
perspectivas. Posteriormente haveria um tempo para compartilhar as experiências feitas.
modelo que funcionou durante muitos anos. Esse Hospital foi considerado pelo autor como
lugar de descoberta, um laboratório que cumpriu seu papel no desenvolvimento das técnicas
psicodramáticas, sendo considerado, também, grande fonte de conhecimento para os alunos.
Marineau (1992) conta que, ao elaborar a técnica psicodramática, Moreno usou
vocabulário de teatro e é por isso que os integrantes de uma sessão psicodramática têm sido
denominados como diretor, ego-auxiliar e protagonista.
O diretor é o líder ou o terapeuta que se encarrega do grupo, conduz a sessão
psicoterápica de acordo com regras e técnicas de psicodrama. Ele tem a responsabilidade de
garantir um adequado acompanhamento da sessão psicodramática.
O ego-auxiliar corresponde a uma pessoa do grupo, co-terapeuta ou participante, que
desempenha o papel de um outro participante durante a sessão. O ego-auxiliar contribui para a
representação de uma cena, desempenhando um papel ativo. Por exemplo:
numa cena em que é necessária a mãe do protagonista, alguém, sob a direção do protagonista e do diretor irá desempenhar o papel dela. O ego-auxiliar tem que seguir as indicações do diretor, uma vez que por meio delas é que será desempenhado um papel a serviço das necessidades terapêuticas do protagonista (MARINEAU, 1992, p. 167).
O protagonista corresponde:
à pessoa cuja vida, ou aspecto dela, está sendo investigada através de uma sessão de psicodrama. A pessoa está desempenhando o principal papel do ponto de vista psicoterápico, mesmo se o papel desempenhado pela pessoa for secundário em relação aos outros participantes da cena (MARINEAU, 1992, p. 168).
Marineau (1992) relata, ainda, que Moreno utilizava em seu trabalho alguns
instrumentos para dar apoio ao trabalho terapêutico. O palco era um deles:
era o lugar designado e reservadopara sessões de psicodrama [...] Num sentido mais restrito, o palco é a porção do teatro em que o protagonista fica e dramatiza uma situação particular. Houve diferentes modelos de palco, mas os que foram usados por Moreno tinham normalmente níveis diferentes [degraus, plataforma] representando vários graus de envolvimento. No psicodrama ‘in situ’ o lugar real da
dramatização se transforma em palco (MARINEAU, 1992, p. 168 ).
toda sua volta, sendo o nível mais superior chamado de balcão
.
Esse palco, projetado por
Moreno, foi imitado nos Estados Unidos e no mundo todo, em função da disseminação de seu
trabalho em Psicodrama.
Marineau (1992) relata que o processo de
aquecimento
corresponde à primeira etapa
de uma sessão psicodramática e afirma que o aquecimento é o momento em que se dá a
escolha do protagonista e a preparação para a dramatização. Esse processo tem lugar entre o
público ou no primeiro nível ou degrau do palco. A
dramatização,
segunda etapa de uma
sessão, é feita no balcão e visa levar à catarse. De acordo com as definições de Moreno,
Marineau (1992, p. 166 ) afirma que a dramatização corresponde a:
parte do psicodrama em que a situação ou conflito é representada efetivamente no palco. As pessoas são estimuladas a apresentar suas situações vitais sob a forma dramática, a representar fisicamente encontros e conflitos que existem somente em suas lembranças e fantasias. Assim, a pessoa cuja situação é o foco do grupo, o protagonista, é ajudado a experimentar a realização e a atuação através de atitudes e sentimentos envolvidos na situação, encontrem-se elas no passado, no presente ou no futuro.
A terceira etapa da sessão de psicodrama corresponde ao
compartilhamento
, que,
com base nas definições de Moreno, Marineau (1992, p. 85) assim o explica:
inclui desde o protagonista até os membros do público. Cada pessoa é convidada a compartilhar a experiência da recém-terminada dramatização. O que se compartilha são os sentimentos e pensamentos de cada um, não as interpretações e explicações. Através do compartilhamento, as pessoas podem reconhecer sua identificação com certos papéis e outras pessoas dentro do grupo. Com freqüência conduz ao insight, é um processo de experimentação e reexperimentação do comportamento com a subseqüente reflexão sobre ele.
Marineau (1992) conta que esse modelo de palco também foi usado por pessoas que
não estavam na situação de pacientes, como lugar para explorar seus conflitos; e relata que
esses conflitos eram vivenciados através do uso de técnicas do psicodrama. O autor cita como
as técnicas mais importantes a do espelho, a de inversão de papéis e a técnica do duplo.
Segundo Fonseca (1940, p.17), citando Moreno, essas técnicas psicodramáticas se
desenvolveram de acordo com as fases da matriz de identidade que “é a placenta social da
criança, o
locus
no qual ela se prende”. Nesse sentido, explica Fonseca (1940),
o grupo social
ao qual a criança pertence e do qual depende é constituinte da sua matriz de identidade. O
autor relata ainda que o desenvolvimento dessa matriz está diretamente relacionado às
primeiras vivências da criança e passa por três fases de grande importância: fase da
identidade, fase do reconhecimento do “Eu” e fase do conhecimento do “Outro”.
de que o meio que a cerca procure atender suas necessidades. É uma fase em que a criança
ainda não consegue sobreviver sozinha; necessita de uma pessoa que capte o que ela deseja.
Essa pessoa (mãe, babá) serve de mediadora entre a criança e o meio ambiente, realizando
tudo aquilo que a criança não consegue fazer sozinha. Por esse motivo, essa pessoa é
considerada um ego-auxiliar da criança.
Fonseca (1940) relata que, baseado teoricamente na fase da identidade existencial,
Moreno desenvolveu, no método psicodramático, a técnica do duplo, que é executada pelo
ego-auxiliar. Assim como a criança ao desejar algo precisa da ajuda de alguém para alcançar
o que deseja, o paciente,
chamado no método psicodramático de protagonista
,
pode se
beneficiar de um ego auxiliar para expressar os pensamentos e sentimentos que ele não
percebe ou não consegue expressar. Desse modo, o ego auxiliar é representado por um
terapeuta ou por uma pessoa que supostamente estaria em condições de poder sentir a situação
do paciente e representar suas ações, sentimentos e pensamentos. Segundo Marineu (1992, p.
166), citando Moreno, o duplo:
é a pessoa que desempenha um papel ou um aspecto do papel do protagonista. O protagonista às vezes necessita de uma pessoa que o substitua, que desempenhe por ele, que ‘duble’ por ele. Essa pessoa, ego auxiliar, pode ser tanto um terapeuta treinado, quanto um participante do grupo.
Conforme Fonseca (1940), a segunda fase corresponde ao reconhecimento do “Eu”.
Nessa fase a criança gosta de brincar diante do espelho, de se conhecer e de ver seus
movimentos. O desenvolvimento no sentido do reconhecimento de si mesmo se dá a partir do
momento em que a criança começa a tomar consciência de que a imagem no espelho
é ela
mesma. A criança percebe que seu corpo está separado da mãe, das pessoas e dos objetos.
Essa fase de reconhecimento do “Eu” serve de embasamento teórico para a técnica
psicodramática do espelho. Essa técnica propicia um distanciamento do protagonista em
relação à situação que ele vive no momento. Nessa técnica, o ego auxiliar desempenha o papel
do protagonista para que ele possa se ver, favorecendo um reconhecimento do “Eu”. Para
Marineau (1992, p.167), a técnica do espelho, segundo Moreno, “consiste essencialmente em
o protagonista ser solicitado a ficar sentado e a observar um ego auxiliar representá-lo por
meio de palavras e de dramatização”.
embasamento teórico para a técnica psicodramática de inversão de papéis. Através dessa
técnica, o paciente tem a possibilidade de vivenciar situações antigas num contexto
diferenciado, e, assim, transformar a sua experiência e a si mesmo. Dessa forma, o paciente
resgata sua espontaneidade e descobre novas formas de relacionamento; portanto,
a
inversão
de papéis, segundo Marineau (1992, p.167), citando Moreno, é uma técnica através da qual:
um participante de um psicodrama, especialmente o protagonista, troca papéis com alguém para adquirir perspectiva e olhar para a situação do ponto de vista do outro. A inversão de papéis é a mais importante técnica do psicodrama, aquela que permite a cada um entender o mundo interno do outro.
Importante ressaltar que, em relação à fase de Identidade, Fonseca (1940) relata que à
medida que a criança vai se desenvolvendo, tornando-se independente e autônoma, a matriz
de identidade deixa de ser útil e vai desaparecendo lentamente. Porém, todo o processo pelo
qual a criança passa nos diferentes estágios de seu desenvolvimento favorece a internalização
das características, das peculiaridades e da forma das relações afetivas ocorridas durante o
processo. As experiências da criança, até uns dois ou três anos de idade, tanto nas relações
humanas quanto nas relações pessoais, são registradas, guardadas tanto na sua mente como no
seu corpo e no seu coração. Como diz o autor, “o registro se localiza na globalidade do ser”
(FONSECA, 1940, p.105). Sendo asssim, a maneira como o ser humano se relaciona com o
mundo, e o vínculo que estabelece com a sua família e com amigos, nas primeiras fases da
vida, será fundamental na formação de sua personalidade.
A partir das fases descritas anteriormente, Fonseca (1940, p. 112) considera a família
“berço genético-psicológico-social inicial” ou vivência primária da criança, a qual
é
fundamental na formação da personalidade do ser humano e do processo de internalização.
Dessas primeiras vivências resultarão as características únicas e pessoais do ser humano.
De acordo com Fonseca (1940, p.112
),
citando Quintana, os primeiros vínculos
afetivos “deixam marcas sobre as quais se inscreverão todos os registros afetivos posteriores”.
As características primárias
adquiridas podem sofrer influências de outras vivências
específicas que também são internalizadas no decorrer de sua vida, como, por exemplo, as
experiências em colégios internos, colégios religiosos, experiências profissionais, religiosas,
militares ou até mesmo a convivência com pessoas que compartilhem as mesmas idéias.
Nessa medida, o autor (FONSECA, 1940, p. 113) compara a vivência psicodramática
com uma vivência que
oferece a
possibilidade do surgimento de novas marcas, uma vez que,
para ele, a psicoterapia:
de liberar a marca anterior de tal maneira que, quando um novo registro é estabelecido, evita que antigos registros se repitam. Desse modo, a vivência psicodramática é considerada uma neo-matriz, ou uma re-matriz no sentido de revivências corretivas sobre a primeira matriz, a original.
Marineau (1992) conta que em 1942 os princípios de uma sessão psicodramática
estavam consideravelmente estabelecidos e que Moreno começou, então, a ministrar aulas em
vários estabelecimentos nos Estados Unidos. Nessa mesma época,
também publicou com
Zerka, sua parceira, o primeiro ensaio sobre sua teoria.
Em 1950, segundo Marineau (1992), Moreno já ministrava aulas em vários países e,
por esse motivo, em 1967, fechou o Beacon Hill Sanatorium, dedicando-se exclusivamente ao
ensino e às publicações.
3. MATERIAL E MÉTODO
Este estudo teve natureza exploratória, uma vez que não existem investigações
anteriores que tenham buscado compreender o sentido do Psicodrama na clínica
fonoaudiológica.
Por se tratar de pesquisa a partir de entrevistas, para iniciar a etapa de campo,
primeiro obtivemos o parecer favorável da Comissão de Ética para o desenvolvimento dessa
pesquisa no Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da PUC-SP número 0013/2004
(Anexo 1).
Para escolher os participantes das entrevistas fizemos contato com uma fonoaudióloga
de nossas relações de conhecimento, que nos indicou uma primeira colega com formação em
Psicodrama. A partir do contato com essa primeira fonoaudióloga procuramos estabelecer
uma rede de outras fonoaudiólogas que também tinham formação psicodramática. Por esse
caminho, só conseguimos acessar quatro fonoaudiólogas que atuam na
clínica há pelo menos
três anos utilizando o Psicodrama, sendo duas delas com experiência reconhecida na área.
Entendemos que o número de fonoaudiólogos é pequeno porque, de fato, como já observamos
no capítulo anterior, a articulação da Fonoaudiologia com a abordagem psicodramática é
tímida.
Para realizar a entrevista, primeiramente foi feito um contato telefônico com as
participantes, quando foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e agendados horário e local
conveniente a elas.
No primeiro momento do encontro para a realização da entrevista, foi explicitado
novamente o objetivo da pesquisa e respondidas todas as dúvidas sobre ela. Após aceitar
conceder a entrevista, foi solicitado ao participante que lesse atenciosamente o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 2), que foi por ele assinado. O participante ficou
com uma via e a outra permaneceu com o pesquisador. A partir de então, foi iniciada a
entrevista.
As entrevistas, realizadas individualmente com as fonoaudiólogas, foram registradas
em aparelho gravador de fita cassete e tiveram duração de aproximadamente uma hora, por se
considerar tempo suficiente para se obter um ponto de vista do entrevistado
.
Foram feitas
sempre as mesmas perguntas e da mesma maneira para todos os participantes.
A presente pesquisa trabalha com os dados obtidos por meio de entrevista
semi-estruturada “que combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem condições prefixadas pelo pesquisador”
(MINAYO,1996, p.108).
Segue abaixo o roteiro de perguntas.
Perguntas iniciais:
1-
Qual a sua visão da abordagem psicodramática?
2-
Fale da sua experiência com essa abordagem.
Perguntas complementares:
1-
Na sua opinião, quais os limites e as vantagens das técnicas psicodramáticas?
2-
Você pode relatar algum caso bem sucedido? Qual?
3-
Você pode relatar algum caso mal sucedido? Qual?
4-
Como você vê a receptividade do paciente em relação às técnicas
psicodramáticas?
5-
Você acredita que há maior adequação dessa abordagem para casos específicos
ou não verifica diferenças?
6-
Como você chegou ao uso dessa abordagem?
7-
Na sua opinião, qual a contribuição do Psicodrama para a Fonoaudiologia?
A partir do desenrolar do discurso do entrevistado, foram feitas, quando necessário, as
perguntas complementares, na medida em que o entrevistado não se referia espontaneamente
aos aspectos que elas abordavam.
Lembra-nos ainda a mesma autora (Bardin,1994, p.105), que:
o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto, analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. O texto pode ser recortado em idéias constituintes, em enunciados e em proposições portadores de significações isoláveis. [...] Fazer uma análise temática, consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição, pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido.
Um nome então é criado pelo pesquisador para definir cada tema encontrado e isto
corresponde a uma categoria. Esse é o modo de criar categorias “a posteriori” como diz
Bardin (1994, p.117-119).
Outros pesquisadores, ao lerem esse mesmo discurso, poderiam encontrar categorias
diferentes de acordo com os seus objetivos. Nesse sentido, as categorias aqui apresentadas,
evidentemente, refletem os objetivos desta pesquisa e norteiam o modo de apresentação e
análise do material.
As categorias a que chegamos foram:
•
Concepções, técnicas e materiais:
nessa categoria estão agrupados discursos
que se referem à concepção do Psicodrama, às técnicas psicodramáticas e aos
materiais utilizados na aplicação da técnica.
Exemplos: “
É... a gente tem duas linhas básicas do Psicodrama, o Psicodrama
psicoterápico, que eles chamam, né? O Psicodrama que é da linha do
psico
terapêutico
só faz quem é psicólogo e psiquiatra; então, é bem pra fazer [psico] terapia mesmo,
essa coisa mais profunda.E aí, o Psicodrama educacional que é aberto pra todas as
áreas... fono, fisioterapia... tem até pessoas que fazem engenharia e vão fazer
psicodrama. Então é uma abordagem mais educacional...”
•
Afetividade:
nessa categoria estão agrupados discursos que se referem aos
sentimentos dos entrevistados.
•
Formação pessoal:
nessa categoria estão agrupados discursos referentes à
formação acadêmica e à experiência profissional.
Exemplos: “
Fiz a formação, a especialização, pela PUC, de dois anos e meio, mas no
Sedes, são dois anos. Me formei em 98 e fiz o psicodrama em 99; desde então, você
acaba tendo uma outra visão, né? Ele te dá uma visão bem diferente...Eu acho que é
uma outra visão do mundo, sabe?...tem o significado de ter possibilidades de não ficar
engessada naquela coisa já conhecida, né, porque quando você usa o Psicodrama, você
cria, né?”
•
Com quem:
nessa categoria estão agrupados discursos referentes aos pacientes
trabalhados dentro das técnicas psicodramáticas.
Exemplos:
“Tô usando em grupos de mães de crianças deficientes”.
“Essa segunda-feira, eu trabalhei com um grupo de estagiários... Mas até um distúrbio
articulátório, por exemplo... dá pra trabalhar”.
“... e eu já participei de um Psicodrama com surdos, né?”.
A partir da definição das categorias, elaboramos quadros (Anexo 3) contendo as
categorias encontradas, as perguntas do entrevistador, e os discursos dos entrevistados, de
forma a facilitar a visualização e, conseqüentemente, nossa análise e interpretação do
material. No quadro, as categorias são colocadas na linha horizontal, permitindo a criação de
colunas relacionadas a cada categoria; e na vertical, temos a primeira coluna contendo as
perguntas do entrevistador e as outras colunas contendo os discursos dos entrevistados,
segmentados de acordo com a categoria que lhes corresponde. Dessa forma, a transcrição
pode ser mantida intacta, sendo que, na vertical, podemos apreciar o conteúdo de cada
categoria e, na horizontal, podemos ler o discurso na íntegra, uma vez que o discurso
subseqüente sempre está uma linha abaixo do anterior e, a partir dessa leitura, podemos
compreender a relação dos sentidos entre as categorias.
Entrevistador Concepções/Técnicas/Materiais Afetividade Formação pessoal Com quem
Fale de sua experiência com o Psicodrama
Então... assim...pra um trabalho mesmo de Psicodrama
educacional [com grupos]
principalmente, é...existe o que eles chamam de unidade funcional; então você tem que ter duas pessoas trabalhando com o grupo: o diretor e o ego auxiliar.
No começo você fica meio tímida... assim... pra fazer... pra atuar como psicodramatista, né?
Então, eu sempre fui ego, sabe? Porque aí eu tava sempre
emendada nas pessoas.Pra mim, é muito mais fácil tá ali pro que a pessoa precisar. A pessoa olha, e você já sabe que tem que fazer alguma coisa.
Mas aí, eu tive que fazer a minha monografia, né? E você tem que dirigir um grupo pra poder fazer a monografia. E aí, bem nessa época eu comecei a trabalhar na instituição que eu trabalho hoje com deficiente mental. Aí eu pensei assim: ah, quer saber... eu vou aproveitar que eu tenho que fazer a monografia e
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Categoria Concepções, Técnicas e Materiais
As entrevistadas se referem aos tipos de abordagens do Psicodrama e aos profissionais
que deles possam beneficiar-se.
Entrevistada 1 “É, a gente tem duas linhas básicas do Psicodrama, o psicoterápico, que eles
chamam, né?”
“... o Psicodrama que é da linha do terapêutico, só faz quem é psicólogo e psiquiatra; então, é bem pra fazer [psico] terapia mesmo, essa coisa mais profunda”.
“... e aí, o Psicodrama educacional que é aberto pra todas as áreas... fono, fisioterapia... tem até pessoas que fazem engenharia e vão fazer psicodrama. Então é uma abordagem mais educacional...”
Entrevistada 2 “...tem o psicoterápico e o educacional, e a minha linha é o
sócio-educacional, porque só pode fazer o psicoterapêutico, os psicólogos e os psiquiatras”.
Entrevistada 3 “Dentro dessa especialização há o foco psicoterapêutico e o foco educacional.
Por quê? Porque realmente existe uma formação específica pra psicoterapia de aprofundamento nas questões psicológicas que os outros profissionais não têm formação para entrar na especificidade do trabalho do psicólogo e do psiquiatra. No foco educacional, trabalha-se com os papéis de uma maneira ampla e profunda. Trabalha-se como as pessoas vivenciam os papéis...” “Qualquer pessoa pode ser psicodramatista, desde que tenha uma formação básica... Você pode ser fonoaudiólogo psicodramatista, psicólogo psicodramatista, pedagogo psicodramatista... o Psicodrama seria uma especialização”.
Entrevistada 4 “No nosso curso de formação, a gente tem pessoal de teatro, filósofo,
engenheiro, médicos, advogadas, tem pessoal de todas as áreas”.
Entrevistada 1 “A gente sempre faz o Psicodrama tentando buscar algo...claro que o produto
vai surgir da demanda do grupo, mas você tem um objetivo com aquele grupo, né?”
“... então, eu tinha um objetivo, aí... como foi isso? O grupo que vai tá mandando... mas eu tenho o objetivo e tenho os recursos pra tá atingindo esse objetivo... eu acho que a gente tem que ter bem claro o objetivo do que a gente quer...”.
Quatro técnicas do Psicodrama foram referidas pelas entrevistadas: Inversão de
Papéis, Duplo, Espelho e Role-Playing (Jogo de papéis).
Esclarecendo a Inversão de Papéis, a entrevistada E1 cita um exemplo vivido com a
mãe de uma criança autista de sete anos de idade.
Entrevistada 1 “... a gente tem um recurso muito legal que chama inversão de papéis...então
a pessoa acaba se colocando no lugar do outro...e olhar com os olhos do outro”.
“... a gente tava no atendimento e eu falamos assim pra ela: -você tem que conversar com a Bruna. –Ah, mas eu converso com ela. Aí eu peguei... e falei assim: -Então me dá um exemplo de que você conversa com ela. –Ah! Quando eu tô na cozinha fazendo comida... eu sempre converso com ela. – Então tá bom... como é que é sua cozinha?... Onde tá a Bruna?”.
“... então faz de conta que eu sou a Bruna e você ta fazendo a comida. Então a gente encena mesmo”.
“... então agora você vai sentar aqui, você é a Bruna e eu sou você. Então agora eu vou fazer exatamente o que você fez. Aí, eu comecei a reproduzir exatamente sem olhar pra ela, porque ela não olhava pra criança...”.
“... e na hora ela começou a chorar... E ela disse: eu só dou ordens pra minha filha! Eu não converso com ela...”.
“o legal do Psicodrama é assim, a gente não pára por ali. Tá vendo??? Você não fala com a sua filha!!! A gente fala assim: -Então tá, o que a gente pode fazer diferente?”
“... então agora, eu sou a Bruna de novo. Vamos tentar uma situação onde você faz diferente. A gente trocou o papel de novo”.
A entrevistada E3 também nos mostra um exemplo da potencialidade da técnica de
Inversão de papéis vivido com os pais de uma criança disfluente.
Entrevistada 3 “Quando você quer despertar nos pais uma visão que eles têm da criança, ou
até do próprio uso que eles fazem do sintoma fonoaudiológico, como... digamos... um meio de trazer a criança para terapia, às vezes é isso que eles fazem, então para os pais se darem conta daquelas coisas, eu acho que usar a inversão de papéis, coisas assim, eu acho excelente”.
“Até me lembrei desse caso que eu te contei, que foi assim uma coisa incrível: uma menininha que tinha uma disfluência, mas os pais tinham uma preocupação enorme com relação a essa disfluência e era mais aquela questão dos pais ficarem muito tensos e preocupados e a dificuldade... naquilo, que a (...) chama, de desenvolver o seu papel de falante, daí, eu me lembro que eu usei o Psicodrama, a técnica de inversão de papéis, pra eles falarem como se fossem a criança, enfim....assim, imediatamente eles sacam, percebem como eles estão limitados na sua maneira de perceber e tratar a criança, de ver a criança, então eu acho que na relação com os pais, ou na percepção do outro, que a teoria de papéis possibilita, tudo isso é muito rico...e dá para ver resultados incríveis”.
“Também com relação ao sintoma dá pra trabalhar algumas coisas... tipo de inversão do sujeito com um sintoma dele, das percepções que ele tem do sintoma, como se fosse o sintoma... isso é muito rico e traz muitos dados riquíssimos para o próprio paciente, ele mesmo se dá conta”.
Um outro exemplo de inversão de papéis, agora com uma criança de sete anos, que
apresentava distúrbio articulatório, é citado pela entrevistada E2.
Entrevistada 2 “... Ele era muito resistente, ele tinha sete anos... ele queria dar um de
poderoso... que ele conseguia... que ele não precisava e daí... tem uma técnica no Psicodrama que se chama inversão de papéis. Eu invertia de papel com ele algumas vezes...”.
Referindo-se ainda ao caso desse paciente com distúrbio articulatório, a entrevistada
E2 nos mostra a técnica do Duplo sendo utilizada em um outro momento da terapia.
Entrevistada 2 “... Ou então, tem outra técnica também que é a técnica do Duplo... então é
assim... por exemplo: a pessoa tá com dificuldade de fazer exercício...aí eu insistia...”.
“... Duplo é você fazer um duplo do ego da própria pessoa, então do que ele tá pensando... então eu falava: nós dois, a gente é o Leo agora... e daí eu falava pra ele: ai que saco essa fono que vem com exercício.... não quero fazer...eu tô bem .... eu tô super bem na escola...daí...ele se ouvia um pouco...você falar pra pessoa do que você intui...do que você acha que ela tá pensando...você faz um desdobramento dela mesma... pra ela poder se enxergar...de repente, uma dificuldade que ele tem de falar, daí eu peguei e coloquei em palavras...”
Uma outra técnica é citada pela entrevistada E1: a técnica do Espelho.
Entrevistada 1 “... tem uma técnica que se chama Espelho que a pessoa se vê de longe...
enquanto o ego auxiliar tá fazendo o papel dela, então ela se identifica... Nossa! Tô fazendo assim? Imagina!”.
A técnica do Role-Playing (jogo de papéis) propõe à pessoa representar um certo papel
esperado dela.
Entrevistada 1 “... eu tenho usado umas... eles chamam de dinâmicas, né? Mas a gente acaba
falando que é um ato sócio-econômico pra tá introduzindo aquelas pessoas naquele ambiente de trabalho”.
“. Então, a gente trabalhou um pouco assim: é... qual o papel profissional?... como é... o que é... tá nesse novo papel, né? Então eu busquei um pouco dos papéis que eles têm na vida deles, até chegar no papel profissional: filho, papel de namorado, todos os papéis que eles têm, né?”.
Entrevistada 2 “... a gente usava muito o Psicodrama nas aulas de fono educacional... então
eu achava muito útil para o aprendizado na Fonoaudiologia...”.
Entrevistada 4 “Então, eu e essa minha colega trabalhávamos juntas e a gente criou uma
disciplina que se chamava A estruturação do Papel Profissional do
Fonoaudiólogo e com essa disciplina a gente passou a desenvolver o papel profissional do fonoaudiólogo usando o Psicodrama”.
“É um instrumento... tanto pra você tá desenvolvendo um papel, seja ele qual for, pode ser um papel profissional, pode ser um papel de escritora, pode ser um papel de falante”.
A entrevistada E1 nos relata sobre os integrantes de uma sessão psicodramática com
grupos.
Entrevistada 1 “Então... assim... pra um trabalho mesmo de Psicodrama educacional [com
grupos] principalmente, é... existe o que eles chamam de unidade funcional,
então você tem que ter duas pessoas trabalhando com o grupo: o diretor e o ego auxiliar”.
Um outro aspecto abordado, pela entrevistada E1, referiu-se à presença de objetos
intermediários.
Entrevistada 1 “... podemos fazer uso de fantoches como objetos intermediários...”.
“... eu uso muito objetos intermediários, por exemplo; bonecas... Não só dramatização corporal pode ser uma boneca falando com outra boneca...”. “... já usei vídeos como objetos intermediários para chegar no objetivo...”.
As entrevistadas E1, E2 e E3 abordam a questão dos limites das técnicas do
Psicodrama:
Entrevistada 1 “... eu acho que os limites... eles acabam entrando muito quando a gente tem
que usar algum recurso técnico fonoaudiológico...”.
Entrevistada 2 “... quando é uma coisa muito específica de OFA [órgão fonoarticulatório],
ou muito específica de alimentação... é... disfagia... alguma coisa que precisa mais desse conhecimento... eu encaminho para uma fono que vai trabalhar essa parte clínica no consultório”.
“... paciente que tem uma super hipotonia, que vai precisar de muito exercício... ou paciente com sonda... Essa é uma limitação”.
“... se é um problema muito de musculatura... não cabe no meu trabalho que tô levando o pessoal para um contexto mais social”.
Entrevistada 3 “Eu também acho que não dá pra usar técnicas do Psicodrama quando se trata
de OFA [órgão fonoarticulatório]...”.
Uma modalidade apontada como nova no Psicodrama foi descrita pela entrevistada
E2.
Entrevistada 2 “... Agora o que eu uso não é um psicoterápico. É um terapêutico, mas, num
enfoque social... então ele chama de sócio-psico-educacional”.
“... Mas, assim... , como eu tô fazendo um trabalho junto com acompanhamento terapêutico, que é, eu acompanho o paciente, pego ele na
casa dele e o acompanho no social. Desde fazer uma re-inserção social até
colocação no mercado de trabalho. Dá um sentido na vida, uma rotina, um cotidiano, e essa pessoa poder se desenvolver em relação a isso”.
“... eu abordo essa parte de habilidade social, comunicação e linguagem nesse contexto da rua...”.
“... [com uma paciente portadora de deficiência mental] eu trabalhei desenvolveu muito a linguagem... Toda semana a gente vai ainda, há três anos, no Frans Café, e no começo a garçonete não falava com ela, porque se assustava. Então, no começo eu ficava ali mediando. Depois de um tempo, a garçonete me perguntava e eu dizia: não sei, pergunta pra ela. Daí a garçonete perguntava o que ela queria, mas olhando pra mim... e ela também não respondia no começo... daí ela respondia rápido:- bolo, e virava... aí, depois elas começaram uma relação assim...”.
eles...”.
“... Então eu vi esse menino, se eu não me relacionasse com ele como um todo, e ele tinha ‘n’ dificuldades, por exemplo, desde dormir no quarto dos pais numa cama ao lado...Então, na verdade ele tava tendo um sintoma na fala. Então, se eu não trabalhasse com todas essas questões...Então...eu comecei a tirá-lo de casa....e junto com o acompanhamento terapêutico a gente saía de casa e ia comprar figurinha na banca e aí ele também precisava se comunicar com as pessoas. E aí ele também, com o dono da banca...falava rápido: -uma figurinha..., pra dentro sabe? Quase não falava....daí ele foi fazendo...foi fazendo...vivendo... vivendo... vivendo...e daí ele foi conseguindo.. ...e também foi bom ele poder sair da casa...sair daquele momento só ele e a mãe...que era uma relação muito simbiótica. Depois de pouquíssimo tempo com exercício, ele já sabia muito bem o ponto articulatório do L. Mas assim, a dificuldade pra ele era de ter um desejo mesmo pela comunicação, de querer falar, de querer falar com os outros... mas ele foi percebendo que falar pra ele é legal....que ele pode se comunicar com as pessoas”.
Em relação ao acompanhamento terapêutico, a entrevistada E2 relata que a técnica
psicodramática, pela sua experiência, facilita levar para a vida diária o que foi trabalhado no
consultório.
Entrevistada 2 “Então, uma coisa que eu acho que você acaba trabalhando no consultório,
mas que acaba sendo difícil do paciente levar isso pra vida, fica difícil pra alguns pacientes... e eu comecei a achar que o Psicodrama me ajudava muito... então eu comecei a achar que o Psicodrama tinha tudo a ver”. “Daí eu comecei achar que também era uma terapia de fono porque eu tava junto com ela ali, pra poder fazer junto comigo”.