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GABRIELA JUNQUEIRA CALAZANS O DISCURSO ACADÊMICO SOBRE GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:

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Academic year: 2019

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O DISCURSO ACADÊMICO SOBRE GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:

UMA PRODUÇÃO IDEOLÓGICA?

Mestrado em Psicologia Social

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O DISCURSO ACADÊMICO SOBRE GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: UMA PRODUÇÃO IDEOLÓGICA?

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social, sob a orientação da Professora Doutora Fúlvia Rosemberg.

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Para contatar a autora, utilize o e-mail: gajuca@usp.br Ficha catalográfica elaborada pela Bib. Nadir Gouvêa Kfouri - PUCSP

DM

302 Calazans, Gabriela Junqueira

C O discurso acadêmico sobre gravidez na adolescência: uma produção ideológica?.

Dissertação (Mestrado) - PUCSP Programa: Psicologia Social Orientador: Rosemberg, Fulvia

1. Gravidez na adolescência.

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BANCA EXAMINADORA

______________________________

______________________________

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AUTORIZAÇÃO PARA REPRODUÇÃO DO TRABALHO

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde que citada a fonte.

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Aos meus avós

Dr. Calazans, pelo exemplo sempre vivo de

dedicação à pesquisa, à vida acadêmica e à

Saúde Pública, e

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Este é um momento privilegiado de reconhecimento do esforço coletivo de que é produto uma dissertação de mestrado. Mais ainda, possibilidade de reconhecer que o que somos e nos tornamos em nossos percursos é produto dos felizes encontros que compartilhamos.

Esta dissertação acompanha e realiza a minha transição à vida adulta. Gostaria de agradecer às pessoas tão especiais que possibilitaram, de uma forma ou de outra, a produção deste trabalho e o meu amadurecimento com ele.

Aos meus pais que sustentaram, em todos os sentidos possíveis, com incrível confiança e admiração este e todos os meus vários projetos.

A Fúlvia, minha orientadora, pela imensa paciência e confiança com que acompanhou meu processo.

Às Prof.as. Dr.as. Marília Sposito e Bader Sawaia pelas contribuições valiosas ao desenvolvimento deste trabalho.

A José Ricardo Ayres pelo convite, irrecusável, de tomar os adolescentes como desafio e a Saúde Coletiva como horizonte a ser perseguido e compartilhado, pela maestria e pela amizade, com a esperança de um dia poder retribuir tudo o que recebo.

A Ivan França Júnior, o irmão mais velho que não tive, pelas orientações diversas, pelos ensinamentos e pelo companheirismo.

Aos amigos e colegas do Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa e do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo, em especial a Profª. Dra. Lilia Blima Schraiber pela enorme receptividade com que me acolheu.

Aos queridos companheiros de minha equipe de pesquisa sobre Vulnerabilidade dos Jovens ao HIV/AIDS, em particular, a Cesar, Iara, Ângela, Marco, Lígia, Luiz Fernando e Gustavo, pelo estímulo e pela compreensão de minhas ausências.

A Margareth Arilha pela generosidade nas diversas oportunidades que me ofereceu, pelas portas que abriu e pela oferta especial de sua amizade.

A Therezinha e aos colegas da PUC, nas pessoas de Jorge, Benedito e Vera. E, em especial aos colegas do NEGRI: Leandro, Rosângela, Dione, Cláudia, Célia, Maria Aparecida, Chirley, Bernadete, André, Marcelo, Dayse e Leila; pelas proveitosas trocas e aprendizagens.

A Cristina Alessandrini pela gigantesca generosidade com que me acolheu e me ajudou a re-descobrir o prazer e a felicidade de escrever.

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de dúvidas nos diversos momentos da finalização desta pesquisa. A Reinaldo pelo cuidado e rapidez na apresentação das tabelas.

A Sandra Arantes pela revisão do texto e pelo estímulo na reta final deste processo.

Aos funcionários da Gráfica da PUC, pela paciência e o empenho. Ao CNPq, que apoiou o desenvolvimento desta pesquisa.

A Tica, que foi muito mais que uma irmã, pela solidariedade com que se empenhou em me ajudar.

Aos meus irmãos Gustavo e Fernanda pela ajuda, pela torcida e por podermos ser amigos e compartilhar nossos sonhos, tão próximos e tão distantes. Ao Sérgio, parte especial de minha família, por sua exclusiva capacidade de cuidar.

A Vó Nena e a meus tios e tias pela torcida e pelas orações.

A Márcia e Falcão, amigos especiais que me adotam constantemente, pelas pizzas, pelos recreios, pelas broncas e pelos elefantes...

Às minhas mães da rua: minha madrinha Uxa, pelo incentivo e o suporte, e minha sogra honorária Ana, pelo apoio incondicional e pelas empanadas.

Aos amigos Sammy e Táta por sua amizade perseverante e pela compreensão de meus sumiços e de meus estranhos caminhos. Ao Iraí, um novo amigo, pelo cuidado com que me nutriu nos últimos dias.

Ao Gui pela permanência e pela constância nos momentos difíceis, pelas palavras e pelas torcidas virtuais, nas nossas várias transformações dos afetos.

Ao Carlos pela presença companheira no início deste trajeto e pelo olhar distante e cuidadoso que ficou.

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LISTA DE QUADROS ... 5

LISTA DE TABELAS ... 5

Resumo ... 6

Abstract ... 7

INTRODUÇÃO ... 8

I. A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: PROBLEMATIZANDO ENFOQUES .. 16

1.1 Adolescência e juventude como fases de transição ... 23

1.2 A tematização do discurso acadêmico sobre a gravidez na adolescência... 37

1.2.1 Década de 1930 ... 41

1.2.2 Década de 1940 ... 43

1.2.3 Década de 1950 ... 44

1.2.4 Década de 1960 ... 44

1.2.5 Década de 1970 ... 45

1.2.6 Década de 1980 ... 46

1.2.7 As tendências para a década de 1990 ... 48

II. TEORIA E MÉTODO:A IDEOLOGIA E A HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE ... 58

2.1 O conceito de Ideologia em Thompson ... 59

2.2 Hermenêutica de profundidade: método de análise da ideologia ... 61

2.2.1 Legado teórico-metodológico da hermenêutica de profundidade ... 61

2.2.2 Interpretação da ideologia: explicitando os planos de análise da hermenêutica de profundidade ... 64

2.3 Concepção estrutural de cultura ... 69

2.3.1 Sentido e formas simbólicas ... 70

2.3.2 Contextualização social das formas simbólicas ... 76

2.3.3 Poder e dominação ... 81

2.3.4 Modos de operação da ideologia ... 85

III. ANÁLISE DISCURSIVA... 90

3.1 A primeira coleta de dados: seleção e reunião dos artigos ... 95

3.2 A seleção da amostra estudada ... 102

3.3 A segunda coleta de dados... 106

3.3.1 Os contextos de produção: periódicos e autores ... 107

3.3.2 O artigo como unidade de contexto e de análise ... 112

3.3.3 Os temas em pesquisa ... 117

3.4 Resultados obtidos por meio da Análise de Conteúdo ... 118

3.4.1 Contexto de produção dos artigos: os periódicos ... 119

3.4.2 Condição de produção dos artigos: os autores... 124

3.4.3 Contexto de abordagem dos temas: os artigos ... 127

3.4.4 A abordagem dos temas ... 135

IV. INTERPRETAÇÃO E REINTERPRETAÇÃO ... 141

4.1 Sentidos da gravidez na adolescência nos discursos acadêmicos ... 142

4.2 Interpretação da Ideologia ... 172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 181

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Quadro 1 - Modos de operação da ideologia ... 87 Quadro 2 - Bases eletrônicas de dados bibliográficos e documentos

consultados para a constituição do corpus e as formas de

acesso utilizado ... 97 Quadro 3 - Comparação entre a distribuição dos artigos do universo

e da amostra nos periódicos estudados, segundo

o ano de publicação dos artigos ... 104 Quadro 4 - Atributos utilizados para a descrição dos periódicos

enquanto contexto de produção dos artigos analisados ... 108 Quadro 5 - Atributos utilizados para a descrição dos autores enquanto

contexto de produção dos artigos analisados ... 112 Quadro 6 - Fontes de informação utilizadas na Análise Discursiva... 115 Quadro 7 - Atributos utilizados para a descrição dos artigos enquanto

unidade de contexto e de análise dos temas abordados ... 116 Quadro 8 - Características contextuais predominantes dos 47

periódicos acadêmicos de onde provêm os artigos do

universo e da amostra ... 121 Quadro 9 - Características formais predominantes dos 47

periódicos acadêmicos de onde provêm os artigos do

universo e da amostra ... 123 Quadro 10 - Características predominantes dos 443 autores

dos artigos publicados em periódicos acadêmicos do

universo (n=129) ... 126 Quadro 11 ± Características predominantes dos autores de mais de um artigo

publicado em periódico acadêmico do universo ... 127 Quadro 12 ± Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes ... 129 Quadro 13 - Características predominantes dos 37 artigos da amostra

referentes a pesquisas relativas à gravidez entre

adolescentes ... 133 Quadro 14 - Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes quanto ao seu

conteúdo ... 134 Quadro 15 - Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes quanto à

abordagem do tema da gravidez na adolescência ... 136 Quadro 16 - Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes quanto à

abordagem do tema da adolescência ... 137 Quadro 17 - Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes quanto à abordagem dos temas das causas e conseqüências da

gravidez na adolescência ... 138 Quadro 18 - Características predominantes dos 49 artigos da amostra

referentes à gravidez entre adolescentes quanto à abordagem do tema das estratégias de ação para lidar

com a gravidez na adolescência ... 139

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 ± Distribuição dos 49 artigos da amostra referentes à gravidez

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RESUMO

Este trabalho integra à produção do Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade ²

NEGRI ± PUC/SP ² o estudo do discurso acadêmico sobre a gravidez entre adolescentes e soma-se ao esforço dos integrantes do NEGRI de estudar a construção social da infância e da adolescência no Brasil. Enfocou-se o estudo das relações de idade, num contexto social, no qual se desenrolam conflitos de valores entre os diferentes grupos etários na negociação de modelos culturais e de estilos de vida. Nesse sentido, o estudo do discurso acadêmico empreendido nesta pesquisa não procurou desenvolver a crítica interna com vistas à identificação de seu caráter de cientificidade, mas se propôs a interpretar as formas como esse discurso incorpora à sua conformação representações valorativas dominantes sobre as relações de idade.

Com esse propósito foram analisados artigos acadêmicos publicados em periódicos científicos brasileiros, entre 1990 e 1999. O trabalho focalizou o exame das tendências contemporâneas sugeridas pela literatura que aborda o tema e objetivou reinterpretar as interpretações que os textos oferecem sobre a gravidez adolescente, à luz do conceito de ideologia proposto por Thompson. No plano metodológico, buscou-se integrar as técnicas da Análise de Conteúdo, apresentadas por Bardin e empregadas por Rosemberg, ao referencial teórico-metodológico da Hermenêutica de Profundidade desenvolvido por Thompson.

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This work integrates to the production by NEGRI - PUC-SP [Centre for the Studies on Gender, Race and Age] an study about the academic discourse on pregnancy among

DGROHVFHQWV DQG LV DGGHG WR WKH HIIRUWV E\ 1(*5,¶V PHPEHUV WR VWXG\ WKH 6RFLDO

Construction about child and adolescent in Brazil. We focused the study of age relations in a social context where conflicts of values among different ages are held in the negotiation of cultural models and life styles. Thus, the study of the academic discourse undertaken by this

UHVHDUFKGLGQ¶WLQWHQGWRGHYHORSLQWHUQDOFULWLTXHDERXWLWVscientific validation but instead, it intended to interpret the ways such a discourse embodies to its shape the dominant values representations about age relations.

In order to do so, we analysed the academic articles published in Brazilian scientific periodicals from 1990 to 1999. This work focused the examination of contemporary trends as indicated in thematic literature and aimed to reinterpret the interpretations given by the texts about adolescent pregnancy enlightened by the concept of ideology as proposed by Thompson. In the methodological sphere we searched for integrating the techniques given by Content Analysis as presented by Bardin and undertaken by Rosemberg, to the theoretical-methodological reference given by Depth Hermeneutics as developed by Thompson.

:H REVHUYHG WKH +HDOWK 6FLHQFHV¶ GLVFLSOLQDU\ ILHOG DV WKH PDLQ FRQWH[W IRU WKH

production and circulation of discourses about pregnancy among adolescents. We confirmed the trend of their comprehension in the sphere of a social problem as previously pointed out by critical literature on pregnancy during adolescence. As one of the linguistic resources for the expression of this problem we identified the statement of negative consequences to the young girls related to the spheres of health, psycho-emotional life and social-economical disadvantages. We corroborated the notion of transition as a dominant conception about adolescence. The use of this notion usually engaged an individual sphere which involves several fields of life (psychic, biological, sexual and social), and a social sphere, regarded to the transformations in the cultural models for adolescence which embody sexual behaviour and values related to the morality and sexual-emotional life. In the articles analysed we also observed a close relation established between the occurring of pregnancy and the

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No intento de estudar a construção do problema social da gravidez na adolescência em artigos publicados em periódicos científicos brasileiros, proponho-me a utilizar, como instruproponho-mental teórico-proponho-metodológico, o conceito de ideologia tal como apresentado por John Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (1998). Minha opção pelo uso desse conceito relaciona-se à sua proposição de dar conta das inter-relações entre sentido, ou significado, e poder, na perspectiva da produção simbólica em contextos estruturados.

Para Thompson (1998), o conceito de ideologia refere-VH³jVPDQHLUDVFRPR o sentido (significado) serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas ± [isto é] µUHODo}HV GH GRPLQDomR¶´ S 3ULYLOHJLDU D DERUGDJHP GD LGHRORJLD ILOLD HVWD pesquisa aos estudos sobre a construção social da infância e da adolescência a partir de uma ótica de poder e conflito entre grupos etários e geracionais, gênero e estratos sociais.

Interessa-me, em particular, a proposição de Thompson de compreender como o sentido das formas simbólicas pode criar, alimentar, apoiar e reproduzir relações assimétricas de poder nos particulares contextos sociais estruturados em que essas são produzidas, transmitidas e recebidas. É nesse sentido que pretendo investigar o papel da produção acadêmica, por meio do estudo de artigos publicados em periódicos científicos, na configuração de um discurso sobre a adolescência e, em particular, sobre a temática da gravidez na adolescência.

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Mais especificamente, este projeto vincula-se a projetos desenvolvidos no NEGRI voltados para o estudo de discursos sobre e para crianças e adolescentes construídos e veiculados por adultos. Muitos têm sido os instrumentos de pesquisa utilizados por esse grupo para apreender o espaço social construído pelos adultos para as jovens gerações, entre eles a literatura infanto-juvenil, a mídia e a literatura acadêmico-científica.

Uma parcela significativa desses projetos tem se dedicado particularmente aos discursos sobre crianças e adolescentes pobres. Tais projetos articulam-se às reflexões de Fúlvia Rosemberg (1993) sobre o discurso construído ao longo da GpFDGDGHVREUHDVFKDPDGDV³FULDQoDVGHUXD´(PVHXWUDEDOKR5RVHPEHUJ (1993; 1994) mostra-nos como, na tentativa de sensibilizar a opinião pública quanto às condições de vida degradantes a que estão submetidas crianças e adolescentes, principalmente de países subdesenvolvidos, gerou-se uma retórica própria que em seu esforço de convencimento incorporou "diagnósticos catastróficos, inverossímeis, distantes da realidade, estigmatizadores de famílias, crianças e adolescentes pobres e inadequados enquanto balizas para a ação" (Rosemberg, 1993, p. 71).

Tal discurso, que é produzido e reproduzido por organizações governamentais, não-governamentais, nacionais, internacionais e intergovernamentais, tem gerado temas para investigações, estimativas superestimadas, metas para o desenvolvimento de políticas sociais, estímulos à solidariedade da chamada sociedade civil, além de motes para campanhas de mídia, ancorados em uma concepção de crianças vivendo nas ruas do mundo subdesenvolvido. A estimativa, nesse sentido, articula-se a, ou é parte de, uma construção argumentativa que, fragmentando a infância e a adolescência pobres (em meninos de rua, prostitutas, usuários de drogas, grávidas, etc.), generaliza e atribui à família pobre lassidão moral, produzindo frutos ² crianças e adolescentes ² desviantes.

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psicossociais, ao se considerar a pobreza como causa direta e inevitável de que crianças e adolescentes se encontrem em situação de rua.

Interessa-nos, particularmente, a estigmatização de famílias, crianças e adolescentes pobres. Os trabalhos de Rosemberg (1993, p. 73) e de outros autores (Alvim & Valladares, 1988) indicam, como um dos recursos lingüísticos dessa retórica, o usR LQGLVFULPLQDGR GH GHVFULWRUHV WDLV FRPR ³FDUHQWHV´ ³GH UXD´ ³DEDQGRQDGDV´ ³WUDEDOKDGRUDV´ SDUD GHVLJQDU FULDQoDV H DGROHVFHQWHV SREUHV Assim, por um lado, observa-se o que chamamos anteriormente de fragmentação da infância pobre na caracterização de grupos de desvio: os que vivem nas ruas, os que trabalham, as que se prostituem, as que engravidam, etc; por outro, esse discurso unifica sob rótulos simplificadores diversas situações de vida de crianças e adolescentes, estabelecendo relação linear entrH SREUH]D VREUHYLYrQFLD ³QD´ RX ³GD´ UXD 5RVHPEHUJ S H RXWUDV VLWXDo}HV GH YLGD QmR GHVHMDGDV socialmente às crianças e aos adolescentes.

Isso porque, ao alimentar o imaginário social sobre a pobreza, tal discurso indica a incapacidade das famílias pobres de dar conta de seus filhos, estabelecendo uma associação discursiva linear entre esses fenômenos, como nos mostra a análise de Rosemberg:

"Os pressupostos básicos [das estimativas desencontradas sobre crianças vivendo nas ruas das metrópoles do Terceiro Mundo] eram: que a família pobre gera inevitavelmente o abandono, a expulsão e o desligamento de seus filhos; que sua exclusão do acesso a bens e instituições sociais (em especial à escola) gera, também inexoravelmente, a busca de sobrevivência na rua." (1994, p. 31).

Tais pressupostos constroem descrições anedóticas em sua simplicidade argumentativa, como ilustra Rosemberg, sobre a inexorabilidade do destino dos filhos das famílias pobres: "A família pobre não é continente para seus filhos, produzindo meninos de rua hoje, criminosos de amanhã; meninas de rua, prostitutas hoje e mães dos meninos de rua de amanhã" (Rosemberg, 1994, p. 31).

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outros temas associados à violência contra crianças e adolescentes que, entrando nas agendas políticas, mostravam-se capazes de ter os mesmos efeitos, como aponta-nos Rosemberg (1993, p. 79): o uso de drogas, o trabalho infantil, o mau trato físico, o abuso sexual, a prostituição infantil e a gravidez entre adolescentes.

Provocada pelo desejo de compreender e problematizar a construção social da infância e da adolescência pobres no Brasil e, levando em consideração minha inserção profissional na área da saúde e interesse pela área da saúde reprodutiva e da sexualidade de adolescentes, decidi dedicar-me ao estudo da temática da gravidez na adolescência nessa perspectiva adotada pelo NEGRI.

Parto do pressuposto de que há grande dificuldade de questionar o discurso da inadequação irrestrita quanto à gestação e à maternidade entre adolescentes, mesmo por parte das produções acadêmicas. Nelas, o caráter indesejável da gravidez na adolescência tem se revestido de dois componentes principais: o discurso dos riscos obstétrico-pediátricos e dos riscos psicossociais para as DGROHVFHQWHV JUiYLGDV H PmHV H VHXV ILOKRV H GD ³GHV-UHVSRQVDELOL]DomR´ RX esvaziamento da responsabilidade, de meninos, pais ou parceiros sexuais das adolescentes, quanto à vida reprodutiva e à paternidade (Arilha-Silva, 1999; Lyra da Fonseca, 1997).

Neste ponto, considero prudente explicitar a terminologia utilizada, ou seja, a opção pela utilização do termo acadêmico em contraste à utilização anterior1 do termo científico como descritor dos trabalhos analisados. Isso se dá inicialmente pois não cabe aos interesses deste trabalho a avaliação do caráter de cientificidade dos textos analisados, ao que se soma a inadequação da pesquisadora, ainda em formação, para objetivo tão ambicioso. A análise empreendida não está focada na lógica da construção argumentativa interna aos trabalhos analisados, mas nos conteúdos sobre os temas abordados, expressos na sua conformação como produção simbólica.

Tomando por base as definições desses termos presentes no dicionário Aurélio2, a escolha do termo acadêmico pretende explicitar a compreensão de que

1No texto apresentado à Banca de Qualificação.

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tal produção simbólica ocorre em determinados contextos sociais e institucionais de intersubjetividade. Não pretendo com isso desconsiderar as concepções contemporâneas de ciência (Demo, 1995; Thompson, 1998; Ayres, 1997; Rosemberg, 2000) que, da mesma forma, destacam seu caráter de conhecimento fundamentado e acordado intersubjetivamente, mas destacar a existência de concepções bastante diversas do que seja a ciência, ou do que possa ser tido como científico, na contemporaneidade. Nesse sentido, pressuponho que a academia seja o espaço institucional privilegiado de construção do conhecimento científico em nossa sociedade, mas não pretendo entrar na discussão sobre os diferentes regimes de validação dos discursos científicos imbuídos na produção acadêmica. Com isso também não pretendo negar que ao priorizar a investigação sobre um tema não restrito à abordagem de uma única matriz disciplinar, os discursos acadêmicos analisados, provenientes de diversas matrizes disciplinares, respondem a distintas exigências de validade.

Sendo assim, e tomando a academia como um ator privilegiado na construção de discursos e na arena de negociação de políticas sociais para a infância e a adolescência (Lauglo, 1997), proponho-me a analisar artigos publicados em periódicos acadêmicos sobre a temática da gravidez na adolescência com vistas a examinar, à luz da compreensão das relações de subordinação dos adolescentes,

Adj. 1. Pertencente ou relativo a, ou próprio de academia (3 e 5) ou de acadêmico (6 e 7): tradições acadêmicas; procedimento acadêmico. 2. Art. Plást. Relativo ao, ou próprio do academismo (1): proporções acadêmicas; composição S. m. 6. Membro de uma academia (5). 7. Aluno de academia (3).

Verbete: academia [Do gr. akademía, pelo lat. academia, pelo it. accademia e pelo fr. académie.] S. f. 2. P. ext. Escola de qualquer filósofo. 3. Estabelecimento de ensino superior de ciência ou arte; faculdade, escola: academia de direito, de medicina, de engenharia; a Academia Militar das Agulhas Negras. 5. Sociedade ou agremiação, particular ou oficial, com caráter científico, literário ou artístico. 6. O conjunto dos membros de uma academia (5). 7. Local onde se reúnem os acadêmicos [v. acadêmico (6 e 7)]

Verbete: ciência [Do lat. scientia.]

S. f. 1. Conhecimento (3). 3. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio: ciências históricas; ciências físicas. 5. A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto: os progressos da ciência em nossos dias. 6. Filos. Processo pelo qual o homem se relaciona com a natureza visando à dominação dela em seu próprio benefício. [Atualmente este processo se configura na determinação segundo um método e na expressão em linguagem matemática de leis em que se podem ordenar os fenômenos naturais, do que resulta a possibilidade de, com rigor, classificá-los e controlá-los.]

Verbete: científico [Do lat. cientificu.]

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algumas tendências sugeridas por pesquisadores que têm refletido criticamente sobre esse tema. Pretendo, com isso, contribuir para a compreensão do papel da academia na construção social da infância e da adolescência pobres no Brasil.

Para realizar tal empreendimento, disponho de forma instrumental do conceito de ideologia, em Thompson (1998), e de suas proposições teórico-metodológicas da hermenêutica de profundidade, na tentativa de identificar e articular as dimensões do significado e do poder no tratamento do tema da gravidez na adolescência, em artigos publicados em periódicos acadêmicos.

Nessa tentativa de dar conta das inter-relações entre significado e poder nas formas simbólicas, a metodologia da hermenêutica de profundidade sugere um enfoque tríplice às produções simbólicas, com três momentos distintos de análise: a análise sócio-histórica; a análise formal ou discursiva, e a interpretação e reinterpretação. A organização deste texto busca, em parte, seguir a proposição de Thompson, quanto às diferentes dimensões analíticas de um processo interpretativo complexo, englobadas nessas fases. Uma exposição detalhada da metodologia utilizada é feita no Capítulo 2, desta dissertação. Considerou-se, no entanto, a pertinência de apresentar, brevemente, a estruturação deste trabalho, visando um maior entendimento por parte do leitor.

À análise sócio-histórica cabe a reconstrução de condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas. Nesse sentido, procurou-se responder a essa demanda em distintos momentos do texto: em alguns deles de forma mediata, ou seja, por meio da construção dos panos de fundo nos quais a cena se delineia e da identificação dos condicionantes dos discursos analisados; em outro momento, procedeu-se de forma imediata, identificando, nos artigos e periódicos, os contextos de produção desses discursos. Efetiva-se a abordagem mediata dos condicionantes dos discursos analisados nos seguintes tópicos deste texto:

‰ no Capítulo 1, por meio de uma apresentação panorâmica dos discursos

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apontadas por essas literaturas, que possam auxiliar na interpretação dos discursos analisados;

‰ no Capítulo 2, por meio de uma breve exposição sobre a questão da

demarcação científica dos discursos acadêmicos, ao se apresentar o quadro teórico-metodológico que embasa este estudo e ao se fundamentar a consideração da produção acadêmica enquanto produção simbólica, no âmbito desta pesquisa;

‰ no Capítulo 3, por meio de uma exibição sucinta dos contextos de

avaliação de periódicos científicos, no Brasil, quando se apresentam os procedimentos adotados e os resultados obtidos na fase de análise discursiva.

A identificação dos contextos imediatos de produção e difusão dos artigos acadêmicos publicados em periódicos, por sua vez, busca extrair do material analisado respostas às perguntas: quem fala o quê e por meio de que canais. Desse modo, esse procedimento, articulado à análise sócio-histórica pelo intenção de contextualizar os discursos analisados, é enfocado no momento da análise discursiva, no Capítulo 3.

No intento de proceder à análise discursiva, optou-se pelo emprego das técnicas de análise de conteúdo (Bardin, 1977), como forma de descrição organizada e sistemática dos conteúdos dos textos analisados, procurando identificar suas características estruturais, seus padrões e suas interpretações à temática analisada. O Capítulo 3 é dedicado à exposição dos procedimentos empregados e dos resultados obtidos na fase de análise discursiva dos artigos.

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GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:

PROBLEMATIZANDO ENFOQUES ACADÊMICOS

O discurso acadêmico, em acordo com o discurso adulto do senso comum, tem se caracterizado por uma apreciação negativa da gravidez na adolescência. Ela é descrita, usualmente, como precoce, indesejada e não-planejada, entre diversas outras adjetivações negativas.

Em tal concepção, a gravidez na adolescência acarretaria sempre conseqüências negativas para a vida das jovens e a sociedade em geral. Henriques e colaboradores (1989), em estudo, financiado pelo Instituto Alan Guttmacher ² IAG3, sobre os padrões de formação de família entre os adolescentes, utilizaram uma compilação de dados nacionais provenientes de censos demográficos, pesquisas de campo, relatórios governamentais e outros estudos sobre a temática da gravidez e da reprodução na adolescência; bem como dedicam um capítulo a "algumas conseqüências da maternidade na adolescência" (p. 60). Esses autores indicam algumas razões para a preocupação em relação à gestação e à maternidade na adolescência:

"(...) especialistas médicos apontam maiores riscos de saúde para a mãe muito jovem e para o seu bebê. Alguns economistas enfatizam a forte conexão entre pobreza feminina (e desvantagem social em geral) e maternidade precoce, particularmente quando a mãe também é solteira. Os sociólogos estão bastante conscientes da relação bidirecional que existe entre um baixo nível de escolaridade e o casamento e a maternidade precoces. (As jovens que se casam ou engravidam enquanto são ainda adolescentes apresentam uma probabilidade menor de concluir sua escolaridade, enquanto as jovens que abandonam a escola cedo apresentam uma probabilidade maior de se casar e de começar a ter filhos.) As preocupações de demógrafos e

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planejadores são alimentadas por projeções a longo prazo da maior demanda potencial de escolas, de serviços de saúde e, de empregos, advindos de um crescimento populacional mais rápido inerente à fecundidade elevada e à maternidade precoce." (Henriques e cols., 1989)

Percebe-se a configuração de um discurso acadêmico, produzido e veiculado por pesquisadores das Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, que concebe a gravidez na adolescência como um evento, em si, necessariamente indesejável e prejudicial aos jovens envolvidos e à sociedade em geral. Tal discurso é consumido e reproduzido por outros atores sociais, tais como profissionais de saúde, educadores, formuladores de políticas públicas e os meios de comunicação de massa, como um discurso privilegiado, a voz dos especialistas.

Paula (1992), entre outros, apreende em nossa sociedade uma premissa, comum a leigos e a especialistas, sobre a experiência da gravidez no período da adolescência. Nesse discurso, a gravidez na adolescência conforma-se como um GUDPDVRFLDO´3DXOD,VVo porque seria um fenômeno precoce na vida dos jovens, sendo caracterizado como indesejado e inadequado, acarretando conseqüências socio-econômicas e psicológicas "desastrosas" às jovens, a seus filhos e à sociedade. A gravidez é tratada, nesse sentido, como um problema social e biológico a ser prevenido.

Segundo essa autora, o mundo adulto problematiza a adolescência ao considerá-la um momento do ciclo vital de profunda crise existencial, caracterizada por instabilidade emocional diante da vida social e individual. Dessa forma, toma como inadequadas as ações e reações dos adolescentes diante do mundo e alvo, portanto, de ações preventivas que visem a minorar os efeitos de tal crise e de suas respostas tidas como desajustadas e irresponsáveis.

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Essa compreensão está de acordo com a conclusão da dissertação de Arilha-Silva (1999) que indica a existência de uma dissonância entre os discursos adultos e os de jovens quanto à responsabilidade na vida reprodutiva. A autora analisou o

Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento

(realizada no Cairo em 1994, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas ± ONU) quanto aos conteúdos sobre responsabilidade referidos à vida reprodutiva e os contrapôs aos discursos de jovens adultos, de ambos os sexos, proferidos em sessões de grupos focais, aludindo à responsabilidade.

O documento da Conferência do Cairo, em consonância com outros discursos oficiais e adultos, ressalta a ausência de responsabilidade jovem e masculina diante da vida reprodutiva e propõe ações que estimulem a participação e a responsabilização desses grupos populacionais com vistas à prevenção da gravidez e das doenças sexualmente transmissíveis e aids. Os jovens, por sua vez, compreendem gestação, maternidade e paternidade como experiências por meio das quais tornam-se responsáveis. Essas experiências seriam compreendidas por eles como propiciadoras da transição para a vida adulta. Dessa forma, a responsabilidade adquirida com a experiência da reprodução teria repercussões em outras dimensões de suas vidas (Arilha-Silva, 1999).

Há uma pressuposição de um momento de passagem para a vida adulta e responsável em ambos os discursos, de jovens e adultos. Sabe-se, ainda, que a adolescência é considerada, em nossa sociedade, como esse momento de transição entre a infância e a maturidade. No entanto, enquanto os jovens acreditam que algumas experiências concretas, tais como a da reprodução, levam-nos a realizar tal passagem, os discursos adultos enfatizam que se deveria garantir a efetivação dessa transição para que, somente então, ocorram as experiências da reprodução.

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Compreendo tais discursos como inseridos em um contexto social em que se configuram relações sociais de conflito entre os grupos etários, conformando uma luta de idades, como indica Chamboredon (1985), em analogia às idéias de luta de classes e luta dos sexos. Esse conflito está organizado na forma de uma relação de subordinação das idades não-adultas, ou seja, da infância, da adolescência e da velhice. Entretanto, diferentemente das hierarquias de classe ou gênero, em que dificilmente os sujeitos experimentam outros posicionamentos, na subordinação dos grupos etários, os sujeitos, individualmente, adquirem novas posições ao envelhecer (crianças tornam-se adolescentes que, por sua vez, tornam-se adultos e, depois, velhos).

Tais relações sociais de conflito não expressam necessariamente a disputa por interesses materiais propriamente ditos, mas podem exprimir a contradição entre distintos modelos culturais e estilos de vida4 internalizados por meio de um conjunto de símbolos socializador (Velho, 1997).

Nesse quadro de conflito, a categoria social adolescente é dotada de conteúdos de grande negatividade, definida por contraposição às figuras da criança e do adulto. Confrontam-se, assim, sentidos afirmativos da maturidade e da infância, tais como autonomia/heteronomia, independência/dependência, responsabilidade/ irresponsabilidade, colocando o adolescente em um espaço indeterminado entre esses pólos. Compreendido como, eventualmente, responsável, usualmente, irresponsável.

Tendo em vista uma organização social baseada em valores adultos orientados para a manutenção de privilégios decorrentes de seu estágio na trajetória de vida, essa atribuição de sentidos se dá, tradicionalmente, dos adultos em relação aos jovens. Cabe aos adultos definir se, em cada caso ou situação, a ação adolescente é dotada de conteúdos maduros ou imaturos, delimitando sua pertinência ao mundo adulto ou ao mundo infantil.

É nesse sentido que discursos e instituições adultos e acadêmicos circunscrevem a experiência da reprodução como pertinente ao universo adulto e

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descartam os adolescentes para o âmbito das vivências infantis, de irresponsabilidades, de dependências e de cuidados. Em nossa forma tradicional de compreender a configuração familiar, cabe aos adolescentes o lugar de filho, identificado com o universo infantil, nunca o de mãe/pai, que é, necessariamente, inserido no mundo adulto.

As reflexões de Diana Pearce (1993) em muito contribuem para a compreensão dessa perspectiva técnica e acadêmica ² adulta, portanto ² que exclui a dimensão da reprodução da vida de adolescentes ao fixá-los no universo social da infância. Essa autora analisa a abordagem de técnicos, planejadores e implementadores de políticas públicas que lidam com a gravidez na adolescência na perspectiva de "crianças tendo crianças" ("children having children"5) e as formas como tal perspectiva afeta o debate público e as políticas públicas sobre gravidez na adolescência nos Estados Unidos da América (EUA). Segundo ela, ao enfatizar-se, nessa perspectiva, a afirmação da inserção dos adolescentes no universo infantil, retratam-se as mães adolescentes como vítimas infantis ou como faltosas. Excluem-se, assim, as possibilidades de considerar grávidas, mães e pais adolescentes como inseridos no mundo adulto e, portanto, capazes de controlar suas próprias vidas e superar barreiras.

De acordo com Pearce (1993), tornar-se grávida depende de duas ações relacionadas e, no entanto, independentes: ter prática sexual genital e penetrativa e não praticar (efetivamente) a contracepção. A autora observa, porém, que ações e programas derivados da perspectiva em questão ² crianças tendo crianças ² quase sempre focam no primeiro comportamento ² se tornar sexualmente ativo em idade "muito precoce" ² até a virtual exclusão da ênfase no segundo, de tornar-se sexualmente responsável.

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Pearce (1993) indica que o impacto de tal perspectiva nos próprios adolescentes causa reações de perturbação e propicia seu afastamento de serviços e programas sociais e de saúde. Isso porque, para os jovens, o início da vida sexual e a gravidez "precoce" seriam o resultado de um processo de afirmação e confirmação de seu status de adultos, conforme indicam vários pesquisadores6. Levando-se em consideração essa perspectiva adolescente de busca do status adulto, tratá-los como crianças é, no mínimo, alienante.

Particularmente para os jovens pobres e de grupos minoritários, os programas de prevenção não reconhecem impulso positivo que pode estar subjacente ao início da vida sexual e reprodutiva: seu desejo de adquirir ou ganhar reconhecimento do status de adulto. Não levam em conta que, em determinados contextos sociais minoritários (no sentido do poder social), tornar-se mãe/pai pode ser uma opção racional e, usualmente, uma opção adulta aceitável, seja para a comunidade imediata ou para a família dos adolescentes (Pearce, 1993).

Nesse sentido, essa autora mostra que tal perspectiva preventivista da gravidez na adolescência reproduz relações de dominação para além da "luta das idades". Constroem-se, também, sentidos de dominação de classe, étnica/racial e de gênero. Ela parte da constatação de que tais programas são elaborados por técnicos oriundos da classe média e/ou brancos tentando impor modelos de comportamento estranhos e alheios à cultura dos próprios adolescentes.

Consideramos, portanto, que há uma complexa intersecção entre as diversas hierarquias de nossa organização social ² classe, idade, gênero e raça ² na conformação dos discursos sobre a gravidez na adolescência. Pearce (1993), em sua análise, nota os seguintes aspectos influindo na conformação da perspectiva de "children having children": as preocupações com os gastos públicos nas áreas de saúde, seguridade social, etc. (hierarquias de classe e raça); a consideração dos jovens como crianças na esfera da sexualidade e da reprodução, retirando-os do contexto dos direitos sexuais e reprodutivos e de seu direito a escolhas livres de constrangimentos (subordinação de idade); o controle da sexualidade das meninas (hierarquia de gênero).

5 No original em inglês.

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Com relação à hierarquização de gênero, Pearce (1993) assinala que as estratégias de prevenção da gravidez na adolescência costumam ser diferenciadas pelos gêneros. Nas poucas vezes em que os meninos são considerados nos programas de prevenção, a eles são direcionadas mensagens que os consideram sexualmente ativos, mas focam o incremento de seus comportamentos "responsáveis"7. Jovens de sexo masculino, portanto, são implicitamente aceitos em seu status de adulto no que tange à prática sexual, apesar de irresponsáveis, e portanto imaturos, para a reprodução (Pearce, 1993; Arilha-Silva, 1999). Em contraste, as imagens e mensagens dirigidas às adolescentes mulheres usualmente combinam uma ênfase na falha e na vitimização, com sugestões de que mulheres adolescentes estão mais associadas a assuntos infantis (Pearce, 1993).

Para Pearce (1993), a tônica da discriminação das meninas nas ações voltadas para a prevenção da gravidez na adolescência estaria vinculada à maior falta de aceitação da atividade sexual feminina. Tal discriminação resulta em uma mensagem que, embora encoberta, enfatiza o adiamento do início da atividade sexual por meio de recursos como "diga não" e abordagens similares que não são utilizadas para os homens adolescentes. Mesmo entre profissionais e programas de ação tidos como liberais, em alguns momentos observa-se a incerteza quanto às estratégias de encorajamento da responsabilidade sexual para as mulheres jovens. Tal incerteza reflete a ambivalência diante das escolhas femininas, o que raramente é expresso para os homens jovens.

Ao indicar que os discursos sobre a gravidez na adolescência inserem-se em um espaço social estruturado sobre desigualdades em diversas dimensões (classe, idade, raça e gênero), Pearce (1993) considera que esses discursos revelam aspectos da construção moral sobre tal fenômeno.

Seguindo essa linha de análise, examinei, nesta dissertação, as tendências contemporâneas do discurso acadêmico brasileiro sobre a gravidez na adolescência ² tendências que vêm sendo sugeridas por diversos autores nos últimos anos. Este exame foi focado, prioritariamente, no estudo das relações de idade e nas formas

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particulares de compreender a adolescência como fase de transição, num contexto social no qual se desenrolam conflitos de valores entre os diferentes grupos etários na negociação de modelos culturais e estilos de vida. O enfoque adotado de estudo da gravidez na adolescência na perspectiva das relações de idade não se deve a uma interpretação de que essa hierarquia seria prioritária em relação às demais hierarquias8 no que se refere ao tema abordado, mas aos interesses que motivaram a pesquisadora.

Para guiar-me, foi dedicada especial atenção à literatura originária de duas fontes: a) literatura sociológica consagrada à compreensão da adolescência e da juventude como fases de transição, e b) literatura dedicada ao estudo crítico dos discursos sobre a gravidez na adolescência.

1.1 Adolescência e juventude como fases de transição

A abordagem do tema da adolescência foi feita na perspectiva dos estudos sobre juventude, desenvolvidos pela Sociologia da Juventude e áreas afins. Essa opção foi adotada por privilegiar a abordagem dos significados culturais dessa categoria social. Pressuponho, também, uma certa justaposição entre adolescência e juventude na sociedade brasileira, como fases do ciclo vital cujos significados vinculam-se à passagem de uma experiência infantil para a inserção na vida adulta, estando a adolescência, por vezes, inserida na categoria mais ampla da juventude.

Rosemberg e Freitas (1999) apontam para a ambigüidade entre as categorias etárias ao analisar a pertinência da faixa etária de 10 a 14 anos nos estudos relativos ao mundo do trabalho. Segundo essas autoras, a faixa etária em questão é incorporada à categoria infância nas análises sobre trabalho infantil (Veiga, 1998,

apud Rosemberg & Freitas, 1999); no entanto esse mesmo grupo etário integra a categoria juventude quando os estudos referem-se ao desemprego juvenil (Pochmann, 1998, apud Rosemberg & Freitas, 1999).

8 Hierarquias de classe, gênero e raça que também influiriam na problematização da gravidez na adolescência tal como identificado por outros autores na literatura estudada e mencionado anteriormente no texto.

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Observo uma associação entre a utilização dessas categorias e a adoção de diferentes matrizes disciplinares. Como indicado por Sposito (1997), estudos vinculados às matrizes disciplinares da Psicologia costumam adotar a categoria adolescência, enquanto os provenientes do campo da Sociologia privilegiam a categoria juventude. Essa associação está presente desde o início do desenvolvimento de tais campos de produção de conhecimento, ao longo do século XX, tal como mostram os estudos de Stanley Hall (1904, apud Coates, 1993), no campo da Psicologia, e os de Eisenstadt (1976, apud Abramo, 1994), entre outros, no da Sociologia Funcionalista (Calazans, 1999).

Essa associação também indica aspectos privilegiados por cada uma das áreas do conhecimento na compreensão dos processos de transição implicados nesse momento do ciclo vital. Enquanto a Sociologia tende a privilegiar questões como a configuração da juventude como categoria social, a transmissão da herança cultural, a normatização e o desvio nas relações entre jovens e adultos, a Psicologia tende a estudar a adolescência considerando-a como um momento privilegiado de formação da identidade individual.

Como neste estudo estou enfatizando os significados sociais atribuídos à categoria adolescência implicados nas interpretações sobre a gravidez na adolescência presente nos artigos acadêmicos dedicados ao tema estabeleci o privilégio das abordagens sociológicas. Esse posicionamento teórico-temático vincula esta pesquisa às abordagens da Psicologia Social de cunho sociológico tal como indicado por Robert Farr (1996), em seu instigante trabalho sobre as raízes da moderna Psicologia Social.

Abramo (1994) fez a compilação crítica de várias idéias norteadoras dos estudos sobre o tema da juventude, baseando-se em diversos autores, originários de enquadramentos teóricos bastante distintos. Com isso, a autora pôde estabelecer alguns traços gerais na tentativa de caracterizar tal condição social.

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para uma situação de autonomia e responsabilidade, de quem cuida. Compreende-se que essa transição abrange grande diversidade de dimensões da vida, como a formação de uma família, a inserção no mercado de trabalho, a circulação mais ampla no universo público, entre várias outras.

Abramo (1994) indica, ainda, que ao se compreender a juventude como uma passagem, uma fase preparatória para a inserção na "vida social plena" (p. 11), atribui-se a ela uma condição de relatividade. Direitos, deveres e responsabilidades dos jovens são definidos relativamente às condições de crianças e adultos: mais amplos que os das crianças, mas não tão extensos quanto os dos adultos.

Os atributos da juventude, no entanto, são dotados socialmente de imensa ambigüidade, negatividade e indeterminação. Não há o estabelecimento claro de limites de início e término da adolescência ou da juventude. Sua caracterização é usualmente realizada a partir da negação das experiências dos grupos etários limítrofes (adultos e crianças) ² ³QmRHVWDQGROiQHPFipGHILQLGRSHORTXHQmRp como se vivesse, aos olhos da comunidade, uma espécie de hiato ou de exclusão VRFLDO´ 6DOHP S R TXH QmR VH p PDLV H DLQGD QmR VH FKHJRX D VHU (Abramo, 1994, p. 11) ² e da indeterminação de referências ² "esse estado incerto que vem da coexistência, da imbricação e também da distância entre o universo infantil e o universo adulto" (Morin, 1986, apud Abramo, 1994, p. 11).

Uma das principais características distintivas da juventude é a sua consideração como um momento de preparação e de treinamento para a vida social futura. São encontradas aqui concepções de alguns autores de que os jovens vivem uma experiência de exterioridade da vida social, já que estão excluídos do sistema produtivo e da ordem econômica e espiritual de interesses adquiridos (Mannheim, 1968, pp. 70-77). Em sociedades caracterizadas cada vez mais pela divisão funcional do trabalho, eles viveriam em uma condição pré-funcional ou, ainda mais, o termo jovem seria equivalente ao termo pré-funcional, como indicado por Agnes Heller (1987/88, p. 22).

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valores e normas, como no das experiências concretas da vida (Salem, 1986). É nesse sentido que as definições sobre a adolescência reforçam a importância da ampliação das experiências de socialidade e do papel do grupo como principal referência para os jovens nesse momento. Ao perder ou abandonar a família como principal referência, caberia aos jovens unirem-se nesse processo de construção de novas referências. Decorrem daí, também, os relatos de experiências de conflito e transgressão referidos aos jovens em seus contatos com as instituições responsáveis por sua socialização, prioritariamente a família e a escola (Salem, 1986).

Assim, coloca-se uma outra concepção estruturante sobre a condição juvenil: a de crise potencial (Abramo, 1994, p. 13). Baseados nesse atributo, adultos tendem a considerar a adolescência como um período de grande turbulência, tensão e agitação, o que leva a sua caracterização como uma idade difícil de se lidar. Postulam-se três esferas de crise contidas nessa fase do ciclo vital: a crise da puberdade, associada às transformações corporais, principalmente ao desenvolvimento das caraterísticas sexuais secundárias; a crise da adolescência, vinculada ao processo de elaboração da identidade, e a crise da juventude, fundada nas dificuldades de adequação ao mundo adulto e no questionamento de normas e instituições sociais.

Tais crises imputadas socialmente às experiências juvenis, configuram-se como elementos simbólicos socializadores aos próprios jovens, assim como traduzem o temor social (e adulto) diante da possibilidade de ruptura social aberta pelo questionamento juvenil de normas e instituições sociais como se vê a seguir.

Segundo Abramo (1994), os conflitos sociais decorrentes da crise juvenil trazem consigo a potencialidade de ruptura da integração social do jovem, do processo de transmissão da herança cultural e da própria ordem social vigente. A compreensão dessa potencialidade de ruptura configura a preocupação básica da Sociologia quanto ao tema da juventude: sua relação com o problema da continuidade e da mudança social.

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na vida social, pela temática dos conflitos geracionais e movimentos juvenis." (Abramo, 1994, pp. 14-5)

É também essa potencialidade de crise e ruptura ² com suas conseqüentes vivências de temor e insegurança9 diante das possibilidades de desorganização social trazidas pelos jovens ² que conforma a juventude como um problema para a sociedade.

Ao identificar o caráter de transitoriedade atribuído à condição juvenil, cabe explicitar algumas das críticas que vêm sendo dirigidas a tal concepção. Salem (1986) argumenta que todas as fases da vida implicam em transições e passagens, envolvendo novos desafios, ambigüidades e contradições. Nesse sentido, a autora considera como atribuição do enfoque sociológico sobre a temática da juventude a qualificação dessa passagem e a apreensão desse momento vital em sua positividade e não por lacunas ou ausências.

Hermano Vianna (1997), por sua vez, na Introdução do livro Galeras Cariocas, tece sua crítica às concepções de juventude calcadas nas noções de transitoriedade e de mudança por considerá-las atadas a uma compreensão de ³RUGHP VRFLDO´ HVWiWLFD H Utgida a qual a condição juvenil se contrastaria. Segundo esse autor, diante das tentativas contemporâneas de pensar a sociedade sem entidades estáticas e rígidas:

³Dtotalidade da vida social poderia então ser definida com muitas das palavras que um dia identificavam a juventude: transitoriedade, turbulência, agitação, tensão, possibilidade de ruptura, crise, conflito, instabilidade, ambigüidade,

OLPLQDULGDGH IOH[LELOLGDGH LQTXLHWXGH D RUGHP H D LGHQWLGDGH µPDLV UtJLGD¶ p

uma exceção, também transitória, e não uma regra). Acima de tudo essa vida social deve ser caracterizada por sua diversidade e não pela busca daquilo

TXHpXQLIRUPH´9LDQQDS

Neste estudo, buscou-se apreender, nos textos analisados, as formas como têm sido abordada essa fase da vida pelos autores que tratavam do tema da

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gravidez na adolescência. Vale, no entanto, explicitar como foram concebidas as noções de transição e de idades da vida. Partiu-se do pressuposto de que a transição, assim como as idades, ainda que esteja fundamentada no desenvolvimento biopsíquico, configura-se, também, como fenômeno social e histórico e, portanto, não puramente natural. Nessa perspectiva, recentemente alguns autores têm oferecido importantes contribuições para o estudo da organização social das idades em nossa sociedade, enriquecendo a compreensão sobre a juventude ao apontar aspectos contemporâneos desse processo de transição.

Peralva (1997) lembra-nos da importância do trabalho de Ariès (1981) quanto à afirmação da particularidade do vínculo social estabelecido entre adultos e jovens na era moderna. Segundo esse autor, é característico da modernidade o estabelecimento de relações de socialização entre os adultos e as jovens gerações, relações imbuídas de intencionalidade na transmissão de valores e saberes.

Ao longo do processo de ordenamento e racionalização da sociedade, próprio da racionalidade moderna, Peralva (1997) indica a ocorrência de um processo de cristalização das idades da vida. Esse processo implica a separação social entre as idades e a delimitação simbólica de seus atributos específicos. Segundo a autora, vários são os processos que convergem para a cristalização das idades na modernidade. Entre eles: as transformações no âmbito da família, de estabelecimento de uma separação entre os espaços público e privado e de estreitamento dos vínculos afetivos em seu interior; a progressiva exclusão da criança do mundo do trabalho, restringindo as experiências do aprendizado e reforçando o caráter pré-funcional da infância e juventude (Heller, 1987/88), e a consolidação do processo de escolarização, por meio de sua expansão para as crianças das camadas populares e as meninas, no decurso de uma ação socializadora do Estado no século XX.

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adulta e velhice; a idade obrigatória da escolaridade; a idade permitida para o casamento, etc.

As idades da vida, sendo demarcadas nos planos simbólico e administrativo, não se configuram como cortes ou especificidades autônomas, mas mantêm-se interdependentes e hierarquizadas. Desse modo, compreendo que há um processo de subordinação entre as idades, em que a perspectiva adulta é privilegiada de forma sistemática.

Peralva (1997), baseando-se em Hannah Arendt (1972, apud Peralva, 1997), afirma que a hierarquização das idades fundamenta-se em uma tensão entre passado e futuro. Essa tensão, intrínseca à modernidade, ocorre entre a direção colocada pela ótica da modernização (na busca da inovação prometida pelo futuro) e a normatividade da ordem moderna, que afirma a tradição do passado como elemento de significação do presente e do futuro.

Nesse sentido, Peralva (1997) ressalta o caráter intrinsecamente conservador da relação entre adultos e jovens em nossa sociedade por meio das noções de educação e socialização. Ao se instituir a relação entre esses dois grupos geracionais, estabelecem-se lugares particulares para cada uma dessas idades e formas de relação também particulares. Nesse caso, cabe aos adultos, mediante a afirmação da tradição e de seus valores socioculturais, a responsabilidade pela preparação e o cuidado com as jovens gerações. Paralelamente, estabelece-se, também como atribuição dos adultos, a responsabilidade pela continuidade do mundo e de sua ordem, protegendo-o da "chegada" das novas gerações (Arendt, 1972, apud Peralva, 1997). Coloca-se aqui uma contradição fundamental na relação entre jovens e adultos que explica, de certa forma, as tensões presentes na relação entre esses dois grupos e a percepção adulta de ameaça diante das jovens gerações, configurando-as como problemáticas. Essa contradição é derivada da atribuição aos adultos de duas ações que podem, eventualmente, ser contraditórias: a garantia do cuidado com o desenvolvimento das jovens gerações e a garantia da existência de um mundo organizado em que os jovens possam inserir-se.

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social do ciclo da vida. Diante da rapidez dessas mudanças não haveria mais tempo para a consolidação de identidades geracionais, assim como as experiências do passado não serviriam mais para iluminar o caminho em direção ao futuro (Mead, 1973, apud Peralva, 1997). Jovens e adultos são postos juntamente em uma situação nova, na qual nenhum dos grupos tem instrumentos já conhecidos com que lidar. Diferenciando-se do modelo de ordenamento cultural da modernidade ocidental, caracterizado por Mead (1979, apud Peralva, 1997) como pós-figurativo (pois se teria pautado na transmissão da experiência passada como elemento de ordenação e domesticação do futuro), o modelo atual seria caracterizado por ser co-figurativo "no sentido de um aprendizado comum realizado pelos diferentes grupos etários em face das injunções de um mundo que lhes parece fundamentalmente novo." (Peralva, 1997, pp. 22-3)

Peralva (1997), no entanto, atribui aos jovens maior capacidade de adequação a esse mundo aceleradamente transformado. Essa capacidade diferencial de adequação dos jovens em relação aos adultos associa-se ao fato de a experiência adulta ter sido pautada por um modelo de sociedade em decomposição, enquanto os jovens estariam conformando suas vivências já inseridos nesse novo modelo social em formação.

Nesse contexto, essas importantes transformações sociais e culturais estariam se refletindo nas compreensões relativas às especificidades das fases do ciclo de vida da atualidade. Tais transformações estariam levando a uma alteração do modelo do ciclo de vida ternário. Esse modelo concebe a organização do trajeto etário em três momentos sucessivos e bastante distintos quanto a suas especificidades: a juventude como momento pré-funcional, de formação; a vida adulta como momento de ação social e trabalho e a velhice como momento pós-funcional (Heller, 1987/88), de desligamento da vida social e repouso. As transformações, destacadas por Peralva (1997), ocorreriam, por exemplo, na entrada mais tardia de jovens no mercado de trabalho e na saída de adultos desse mesmo mercado por meio de outras modalidades que não a aposentadoria.

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configurou-se a concepção de um trajeto que associaria o término da escolaridade à entrada na vida profissional e só posteriormente às experiências da sexualidade e à reprodução, possibilitando a formação de um novo núcleo familiar10. Atualmente, no entanto, com o aumento da escolaridade, a maior liberalização dos costumes em relação à sexualidade e à disponibilidade de métodos contraceptivos, passamos a assistir a novos percursos na transição pressuposta na fase da juventude.

Na contemporaneidade, jovens mantêm-se por mais tempo vinculados a suas famílias de origem para completar sua escolarização e, também, em virtude das dificuldades de inserção profissional. Junto a isso, passam a exercer sua sexualidade, muitas vezes independentemente da reprodução e da possibilidade de formação de um novo núcleo familiar. Em outras situações, ainda, apesar de terem filhos, mantêm-se junto a suas famílias de origem, configurando núcleos familiares, em que se observa uma dupla hierarquia parental: jovens pais vivem sob o mesmo teto que seus pais, onde têm de submeter-se, ainda, a suas normas, apesar de impor a seus filhos novas normas. Esse processo de transformação sociocultural das especificidades das idades da vida, Chamboredon (1985) dá o nome de descristalização.

Segundo esse autor, ao comentar a imagem clássica dos almanaques e das gravuras representando os graus de idade (numa espécie de pirâmide com as linhas quebradas tendo em cada degrau um personagem que é uma representação alegórica de uma idade), seria possível observar na sociedade uma concepção de transição etária por ele denominada utópica. Esse modelo de transição se caracterizaria pela sucessão regrada das idades e pela ascensão aos status etários como um conjunto de atributos que não poderia ser decomposto. Nessa situação, os diversos atributos característicos da vida adulta ² saída dos processos formativos, inserção no mercado de trabalho, exercício da sexualidade adulta, formação de uma família de procriação, etc. ² seriam alcançados concomitantemente, no momento GH ³HQWUDGD´ QHVVD IDVH (VVD FRQFHSomR GH WUDQVLomR FDUDFWHUL]D-se pela coincidência e sincronicidade dos processos envolvidos no acesso aos atributos da maturidade.

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No entanto, Chamboredon (1985) aponta que as transformações que vêm ocorrendo na sociedade permitem entrever que tal passagem para a maturidade não se dá de forma simultânea. Pelo contrário, o acesso aos atributos da maturidade ocorre de maneira desconexa e dissociada. Assim, o exercício da sexualidade adulta, por exemplo, não implica necessariamente a reprodução; nem ela, a formação de uma nova família, dentro dos padrões tradicionais; o que não significa obrigatoriamente a ausência de responsabilidade na experiência do acesso a tais atributos.

As transformações indicadas por Chamboredon dão-se em dois sentidos. Inicialmente, no prolongamento da experiência de alguns atributos transitórios da juventude, tais como o alongamento do período de escolarização, ou o estágio prolongado da posição dentro da família. Nessa modificação da relação entre os jovens e a família, Chamboredon destaca a manutenção dos jovens dentro de estatutos pré-matrimoniais e pré-parentais, ou seja, de retardamento das idades de casamento e reprodução. Essas experiências de prorrogação implicariam um retardamento do que Chamboredon chamou de "estabelecimento"11. A vida de jovens como solteiros e sem filhos permitiria maior flexibilidade em seus planos.

A essas experiências de retardamento e adiamento ao acesso a determinados atributos da maturidade, Chamboredon (1985) contrapõe experiências de ascensão mais precoce a determinados atributos, entre eles o avanço da puberdade, o avanço da idade da maioridade civil e da responsabilidade penal e, podemos dizer, o avanço da idade de início da sexualidade adulta. Nesse sentido, ele indica que há uma certa autonomia entre os diversos campos institucionais em que se desenrolam as trajetórias biográficas, entre eles os sistemas escolar, produtivo e familiar.

Para Chamboredon (1985), não se pode considerar que tais processos simplesmente prolonguem a fase da adolescência ou da juventude. Não se trata de um simples alongamento. O autor refere-se, mais precisamente, a um processo de reestruturação e recomposição dos atributos sociais da juventude e das formas de

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inserção na maturidade nas sociedades modernas. Ele inclui nesse processo a transformação dos significados simbólicos de alguns desses atributos e a alteração de alguns marcadores cronológicos ² tais como a diminuição das idades para o acesso ao voto, ao exercício da sexualidade adulta e à obtenção de autorização para dirigir (Chamboredon, 1985).

Para Chamboredon (1985), é essencial, ainda, que se atente para a existência desse período moratório da juventude em um contexto de luta entre as gerações pelo poder social. É assim que ele propõe que se considerem alguns discursos adultos sobre a imaturidade juvenil para o exercício de determinados atributos (aqui, em nosso caso, a gravidez na adolescência) como estratégias de afastamento do acesso à maturidade. Segundo esse autor, o discurso adulto utiliza-se de uma estratégia de "desclassificação por imaturidade proclamada". Dessa forma, o discurso adulto desqualifica o adolescente em suas capacidades de ter acesso a determinados atributos ou responsabilidades da maturidade. Em nosso caso, esse discurso desqualifica a jovem grávida em suas possibilidades de exercício bem-sucedido da gestação e da maternidade (Paula, 1999), assim como o pai adolescente (Lyra da Fonseca, 1997).

Peralva (1997) adverte, no entanto, que tal descristalização não ocorre de maneira homogênea na sociedade. Ao se referir a isso indica que a separação entre sexualidade e reprodução nas camadas populares se daria de forma nem sempre ³DGHTXDGD12´ HP XP momento em que a definição moral da honra feminina não seria mais um freio eficiente para o exercício da sexualidade.

É preciso ressaltar que tais processos sofrem grande influência das configurações nacionais particulares, não sendo as reflexões de Chamboredon (1985) imediatamente incorporáveis à realidade nacional brasileira, a não ser como modelos para uma reflexão particularizada. Vale atentar, por exemplo, para o caráter moratório da juventude tal como concebida por Chamboredon, entre outros autores. Esse caráter atribui à juventude uma fase especial de formação e preparação. Observa-se, entretanto, forte crítica a tal concepção dentre os estudos dedicados ao tema da juventude na América Latina (CEPAL, 1985). Tais críticas relacionam-se à

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exigência de uma condição social privilegiada, associada à pertinência a determinados estratos sociais, para que seja possível um grau de dedicação à formação e a suspensão da inserção profissional ou funcional pelos jovens. Essa não seria uma condição comum à totalidade, nem mesmo à maioria, dos jovens latino-americanos. Nesse sentido, o seminário realizado em meados da década de oitenta sobre as mulheres jovens da América Latina reforçava a convicção da coexistência de uma variedade de situações juvenis nessa região.

Nesse sentido, cabe lembrar que, mesmo no Brasil, não podemos afirmar uma homogeneidade nacional. Se para os jovens urbanos das camadas médias, as transformações vividas nesse processo de construção social de tal transição parecem em muito se assemelhar àquelas apontadas por Chamboredon para os jovens franceses, sabemos que o mesmo não se dá com os jovens originários do contexto rural e talvez, até mesmo, com os jovens urbanos provenientes das camadas populares.

Dessa forma, considero ser legítimo aventar a hipótese de que jovens brasileiros pobres, em alguns momentos, antecipem (em relação ao padrão, tido como dominante, ou seja, da classe média) o acesso a um dos atributos da maturidade, o da reprodução e da formação da família de procriação. Essa hipótese está em conformidade com o argumento, proposto por vários pesquisadores e explicitado por Pearce (1993), da busca do status de adulto presente na decisão de engravidar durante a adolescência entre grupos sociais minoritários (tal como explicitado anteriormente).

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Tabela 1  ±  Distribuição dos 49 artigos da amostra referentes à gravidez entre  adolescentes, segundo grupo de anos de publicação

Referências

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