PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da
Educação
A GRADUAÇÃO NOS TRABALHOS DA ANPEd
(1996-2003)
CLARA BRENER MINDAL
Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Psicologia da Educação junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profª. Drª. Marli Eliza D. A. de André
AGRADECIMENTOS
À Professora Marli E. D. A. de André pelo modelo de competência e seriedade e pelas orientações que me fizeram quebrar a cabeça.
Aos professores e funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Educação – Psicologia da Educação, da PUCSP, pela atenção e colaboração.
À professora Bernardete A. Gatti, pelo incentivo.
Aos meus colegas do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação da UFPR, pela colaboração e compreensão.
Aos secretários do DTFE, Leandro e Maria Tereza, pela ajuda e atenção.
Aos amigos: Marcus, Renata, Beatriz, Claudia, Daniel, Cid, Eliane, Lourdes, Catarina, Marynelma, Romilda, Bernardete, Dena e Risomar, pelo carinho, incentivo e amizade.
À Mara e Mássimo, pelo carinho, incentivo, apoio, jantares, Fernando de Noronha, cinema, pipoca...
À Yara, pelo apreço, valorização, carinho, amizade, aulas de Português, corrigir os meus textos, as conversas ...
Aos meus filhos Ronnie e Liliane, pelo que são - isso já é incentivo - e aos meus pais que valorizaram meus estudos.
À Psicóloga Hauseli Hauer que com competência e carinho “segurou minha barra” e à professora Ana G. Smolka, quem fez o “link”.
A todos agradeço do fundo do meu coração.
Esta tese não teria chegado ao fim sem os seguintes apoios logísticos:
Da CAPES através da bolsa de estudos.
Da Nelly que auxiliou na digitação e da Ângela que cuidou da minha casa.
Daquilo que sabes conhecer e medir, é preciso que te despeças, pelo menos por um tempo. Somente depois de teres deixado a cidade verás a que altura suas torres se elevam acima das casas.
SUMÁRIO
Lista de tabelas... VII Lista de quadros... IX Lista de gráficos... X Siglas ... XI Resumo ... XIII Abstract ... XIV Résumé ... XV
CAPÍTULO 1 ... 1
Introdução ... 1
Graduação: da relação com o saber à formação profissional ... 1
Problema ... 9
Objetivos ... 10
Resumo capítulo 1 ... 11
CAPÍTULO 2 ... 12
Ensinar, aprender, pesquisar: a relação entre ensino e pesquisa na graduação ... 12
A relação entre ensino de graduação e pesquisa ... 15
Ensino com pesquisa: o trabalho de Maria Isabel da Cunha ... 21
O professor pesquisador no ensino de graduação ... 33
Resumo capítulo 2 ... 40
CAPÍTULO 3 ... 41
Metodologia ... 41
Os trabalhos da anped ... 41
Procedimentos de seleção do corpus de análise ... 43
Os dados sobre graduação nas produções da ANPEd ... 45
Descrição e análise dos aspectos abordados nos textos ... 45
Distribuição de textos no período de 1996 a 2003 e nos GTS e GES da ANPEd ... 45
Instituições de origem dos trabalhos e instâncias do ensino superior e da graduação .. 54
As instituições ... 54
As instâncias de ensino superior e a graduação ...56
Aspectos da graduação ressaltados nas temáticas dos textos: introdução ... 59
CATEGORIA UM: textos que contêm investigações sobre experiências e práticas de ensino – aprendizagem ... 63
CATEGORIA DOIS: textos que contêm análises e discussões teóricas sobre cursos, estrutura curricular, disciplinas, áreas de conhecimento, etc... 73
CATEGORIA TRES: textos que salientam aspectos relacionados aos alunos de graduação... 80
CATEGORIA QUATRO: textos que relacionam aspectos que envolvem alunos e professores... 80
CATEGORIA CINCO: textos que focalizam os professores que atuam na graduação ... 80
Alunos ... 81
Alunos e professores ... 81
Professores ... 85
SÍNTESE CONCLUSIVA ... 97 O QUE APRENDI AO REALIZAR ESTE TRABALHO? ... 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 111
ANEXOS
...
CD ROM que acompanha esta Tese:1) Categorias temáticas do Banco de Dados Universitas/ Br 2) Relação dos trabalhos analisados
3) Resumos dos trabalhos analisados (retirados dos Anais das Reuniões da ANPED - 1996 a 2003)
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: total de trabalhos apresentados na ANPEd, total de textos selecionados
e distribuição por grupo de trabalho no período de 1996 a 2003 ... 47
Tabela 2: número de trabalhos apresentados na ANPEd e de textos selecionados por ano... 49
Tabela 3: textos analisados por ano, porcentagens em relação ao total de textos selecionados e ao de trabalhos apresentados na ANPEd... 50
Tabela 4: número e percentagem de textos analisados por grupo de trabalho... 53
Tabela 5: distribuição de textos analisados por instituição em cada ano do período 1996-2003... 54
Tabela 6: número total textos por instituições... 56
Tabela 7: distribuição dos textos analisados por instâncias e por ano... 57
Tabela 8: número de textos por categoria no período de 1996 – 2003... 59
Tabela 9: número de textos por Grupo de Trabalho em cada categoria... 61
Tabela 10: distribuição de textos na categoria pesquisa sobre práticas de ensino-aprendizagem no período de 1996 – 2003 ... 71
Tabela 11: distribuição dos textos de investigações sobre práticas de ensino-aprendizagem por Grupo de Trabalho da ANPEd ... 71
Tabela 12: distribuição de textos teóricos sobre cursos e disciplinas no período de 1996 – 2003 ... 78
Tabela 13: distribuição dos textos teóricos sobre cursos e disciplinas por Grupo de Trabalho da ANPEd ... 79
Tabela 14: distribuição de textos na categoria de alunos de graduação período de 1996 – 2003 ... 81
Tabela 15: distribuição dos textos sobre alunos por Grupo de Trabalho da ANPEd ... 83
Tabela 16: distribuição dos textos sobre alunos e professores por Grupo de Trabalho da ANPEd ... 85
Tabela 17: número de textos na categoria professores que atuam na graduação, no período de 1996 – 2003 ... 87
da ANPEd ... 88
Tabela 19: número de textos da categoria relação entre ensino, pesquisa e
extensão no período de 1996 – 2003 ... 94
Tabela 20: distribuição dos textos sobre relação entre ensino, pesquisa e
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: ensino superior - dimensões definidas por GAMBOA (1994) ... 5
Quadro 2: comparação entre aspectos do ensino tradicional e do ensino com
pesquisa conforme Cunha (1996) ... 27
Quadro 3: relação dos Grupos de Trabalho e de Estudo da ANPEd ... 42
Quadro 4: investigação sobre práticas de ensino - aprendizagem nas
licenciaturas – cursos e disciplinas ... 64
Quadro 5: investigações sobre práticas no ensino-aprendizagem nos
bacharelados – cursos e disciplinas ... 65
Quadro 6: investigações sobre experiências práticas de ensino-aprendizagem –
aspectos salientados nas licenciaturas: métodos e recursos ... 69
Quadro 7: investigações sobre experiências práticas de ensino-aprendizagem –
aspectos salientados no bacharelado: métodos e recursos ... 70
Quadro 8: cursos, disciplinas e campos de ensino nas licenciaturas.
Constituição histórica, estrutura e organização - análises teóricas ... 76
Quadro 9: cursos, disciplinas e campos de ensino no bacharelado.
Constituição histórica, estrutura e organização - análises teóricas ... 77
Quadro 10: alunos na graduação – aspectos salientados ... 82
LISTA DE GRAFICOS
Gráfico 1: trabalhos apresentados na ANPEd e analisados por ano
(período 1996-2003) ... 48
Gráfico 2: proporção de textos selecionados por ano (total:163) ... 49
Gráfico 3: quantidade textos analisados por ano no período entre 1996-2003 ... 50
Gráfico 4: textos por instância e por ano ... 56
Gráfico 5: distribuição de textos de investigações sobre práticas de ensino-prendizagem no período 1996-2003 ... 69
Gráfico 6: distribuição de textos teóricos sobre cursos e disciplinas, no período 1996-2003 ... 78
Gráfico 7 distribuição de textos sobre alunos da graduação no período 1996-2003 ... 82
Gráfico 8: distribuição de textos sobre alunos e professores no período 1996-2003 ... 83
Gráfico 9: distribuição, no período 1996-2003, de textos sobre professores que Atuam na graduação ... 86
SIGLAS
CEFET/ PR - Centro Federal de Ensino Tecnológico do Paraná
ENSFD - Escuela Nacional Superior de Formación Docente (Argentina)
FAENQUIL - Fundação de Engenharia Química de Lorena FURB - Universidade Regional de Blumenau
FURG - Fundação Universidade Federal do Rio Grande IELUSC - Instituto Superior e Centro Educacional Luterano
IMI -
PUC - Minas - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC - PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
PUC - RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUC- SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUCCAMP - Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUC - Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
UBA - Universidad de Buenos Aires (Argentina) UCDB - Universidade Católica Dom Bosco UCMG - União Colegial de Minas Gerais
UCSal - Universidade Católica de Salvador UEL - Universidade Estadual de Londrina UEM - Universidade Estadual de Maringá
UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo UFF - Universidade Federal Fluminense UFG - Universidade Federal de Goiás UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMT - Universidade Federal do Mato Grosso
UFPA - Universidade Federal do Pará
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco UFPel - Universidade Federal de Pelotas UFPR - Universidade Federal do Paraná
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UFSM - Universidade Federal Santa Maria
UFU - Universidade Federal de Uberlândia ULBRA - Universidade Luterana do Brasil UMESP - Universidade Metodista de São Paulo
UnB - Universidade de Brasília
UNICAMP - Universidade de Campinas UNIFAI - Centro Universitário Assunção UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba UNIPAM - Centro Universitário de Patos de Minas UNIPLAC - Universidade do Planalto Catarinense UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNIT - Universidade Tiradentes UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí UNIVERSO - Universidade Salgado de Oliveira
UNLP - Universidad Nacional de La Plata (Agentina) USC - Universidade do Sagrado Coração
USP - Universidade de São Paulo UTP - Universidade Tuiuti do Paraná UNITAU - Universidade de Taubaté
RESUMO
ABSTRACT
RÉSUMÉ
Cette investigation de type documentée bibliographique, vise construire un panorame des aspects détachés sur la graduation, presentés aux réunions de l’Association National de Pós-Graduation et Recherche en Éducation (ANPED), dans le période entre 1996 et 2003. Pour cela, nous analysons 163 textes de 1985 qui font partie du CD Rom historique de la ANPED, qui réuni documents jusqu’à 2001- et dans les CDs Rom des réunions annuels de 2002 et 2003. On a selectionné dentre eux ceux-là qui traitent de l’éducation supérieure et qui approche des aspects de la graduation. On a dédié spécial attention aux aspects du rapport entre enseignement et recherche. On commence avec une révision bibliographique que situe la graduation dans l’enseignement supérieure. Tout de suite on analyse les fonctions de l’enseignement et de la recherche dans le contexte historique et éducationnel de l’enseignement universitaire brésilien et ses expectatives pour le XXIème siècle. Dans l’analyse des donnés on s’est basé sur les études
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
GRADUAÇÃO: DA RELAÇÃO COM O SABER À FORMAÇÃO PROFISSIONAL
O tema deste estudo originou-se da reflexão sobre a formação, o trabalho e o
contexto profissional do professor de ensino superior derivada do questionamento da
minha própria prática.
Como professora nos cursos de licenciatura de universidade pública sabia que
haveria de cumprir funções administrativas e de ensino, pesquisa e extensão –
indissociáveis em princípio. Mas, o que significava esse princípio, o que implicava ou
como poderia efetivar-se? Na correria das diversas atividades que desempenhava na
Universidade, ensino e pesquisa eram atividades não necessariamente interligadas. O
que havia realizado como pesquisa no mestrado e o que pesquisava naquela época
(pesquisa voltada para avaliação de projeto de extensão), não entravam em sala de aula.
As funções de ensino e pesquisa eram exercidas em diferentes espaços, em outros
tempos e com outros temas.
Afastada para cursar doutorado e influenciada pelo debate sobre formação de
professores do qual participava como aluna no curso de pós-graduação direcionei meu
interesse para as questões do ensino e da aprendizagem e da inter-relação com a
pesquisa nos cursos de graduação.
Dois livros suscitaram curiosidade e dúvidas nessa primeira fase de elaboração
da tese. O primeiro, “O bom professor e sua prática” de CUNHA (2001b), discute os
resultados da investigação realizada para sua tese de doutoramento em 1988. A pesquisa
universitários e investiga, por meio de entrevistas e observação de sala de aula, a prática
pedagógica desses professores escolhidos pelos alunos. Entre as características da
prática pedagógica observada evidenciava-se a utilização de diversas atividades que
incluíam métodos de pesquisa e investigação da realidade. No entanto, essa autora
conclui que, mesmo valendo-se desse tipo de recursos, esses bons professores
trabalhavam em uma perspectiva centrada na transmissão de conhecimento do professor
para os alunos e não na construção ou produção de conhecimento em sala de aula –
proposta que a autora considera como inovadora.
O segundo livro questiona a idéia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa.
Em “A face oculta da universidade” KOURGANOFF (1990) discute, com base na
estrutura da universidade francesa e nos modelos de reformas propostas desde as
revoltas de maio de 1968, a idéia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa,
principalmente a repercussão na qualidade do ensino e da pesquisa e nos papéis de
professor e de pesquisador. O autor adota uma postura que sugere a diferenciação entre
ensino e pesquisa – se não necessariamente como atividades desempenhadas por
diferentes atores, pelo menos como atividades separadas no espaço e no tempo. Isto é,
ao exigir habilidades diferentes na prática, ensino e pesquisa não seriam compatíveis e,
ao contrário, poderiam prejudicar a atividade do professor e do pesquisador, ao tentar o
exercício conjugado do ensino e da pesquisa.
Por um lado, o livro de Cunha levava-me a interrogar a prática pedagógica, isto
é, desde as perspectivas de transmissão ou de produção de conhecimento: como se
ensina e como se aprende na graduação? Por outro lado, o livro de Kourganoff
levava-me a interrogar as funções de ensino e pesquisa no contexto da universidade como
Cada um desses livros conduzia por diferentes caminhos de investigação que
evidenciavam aspectos das micro e macro estruturas que envolvem as situações de
ensino-aprendizagem e de pesquisa numa instituição.
Essas, entre outras leituras posteriores, sugeriam que pesquisar a graduação
poderia implicar em desvelar uma série de aspectos interligados de maneira complexa.
Para ilustrar esta afirmação, tomo como exemplo uma consulta às categorias temáticas
construídas para o Banco de Dados Universitas/ Br (anexo 1).
O Banco de Dados Universitas/ Br localiza, resume e categoriza a produção científica sobre Educação Superior no Brasil, no período entre 1968 e 19951. Diversas
publicações analisam essa produção focalizando algumas categorias temáticas
(SGUISSARDI e SILVA Jr., 2001; MOROSINI, 2001a).
A categoria “ensino” inclui as sub-categorias graduação, pós-graduação, relações
pedagógicas, currículo, licenciatura e graduação e pós-graduação. A graduação está
incluída como sub-categoria também nas categorias de pesquisa e de avaliação do
ensino superior. Com apoio nessa base de dados, poder-se-ia obter informação sobre o
ensino na graduação, a pesquisa na graduação ou a avaliação da graduação, mas
também poderiam ser realizadas interfaces com questões relativas à administração, à
organização, à gestão do ensino de graduação bem como ao corpo docente e discente
nos cursos de graduação. Currículos, cursos ou disciplinas, entre outros, poderiam ser
também aspectos a considerar ao estudar a graduação bem como a repercussão que
sobre eles têm políticas educacionais e diretrizes curriculares. Assim, por exemplo,
SEGENREICH (in: SGUISSARDI e SILVA Jr., 2001) realiza um estudo sobre a relação entre ensino de graduação e pesquisa com apoio nos resumos do Banco de
Dados Universitas/BR, utilizando as sub-categorias temáticas de pesquisa, graduação,
1 O projeto inicial do Banco de Dados Universitas /Br categorizou a produção científica sobre Educação
concepção de pesquisa e ensino e pesquisa e, em outro estudo, FRANCO et al. (2001), abordam as funções universitárias de ensino, pesquisa e extensão.
Mencionamos a Base de Dados Universitas/Br por constituir um balanço do conhecimento sobre Educação Superior que nos serve de referencia para estudos sobre a
produção científica nessa área.
Ao buscar especificamente informação sobre graduação na literatura científica
atual, para efeito de nosso estudo, enfrentamos algumas dificuldades. A primeira que
constatamos, foi a necessidade de “garimpar” a informação, por assim dizer, na
literatura sobre educação e sobre ensino superior como categorias mais amplas. A
segunda foi que o termo graduação na literatura não aparece, muitas vezes, distinto da
expressão ensino superior. Por isso, achamos necessário delimitar e definir os termos
que utilizamos. GAMBOA (1994) nos auxilia nessa tarefa.
Esse autor define Ensino Superior a partir das áreas mais amplas da educação e
do ensino e entende a expressão primeiro como o lugar, em termos da dimensão
espacial, em que acontece o ensino: faculdade, universidade, instituto ou outro. Como
dimensão temporal, a expressão pode indicar, também, um nível de seriação escolar e
equivale em muitos países a um 3º grau. Por último, na dimensão dos processos e ações
é que se entende a expressão como processos de formação e capacitação profissional, de
desenvolvimento científico e tecnológico, de produção de conhecimento e de ações
sócio-educativas:
Em resumo, a expressão Ensino Superior refere -s e à a ç ã o e d u c a t i v a d e formar, ensinar, produzir e socializar conhecimentos, nas circunstâncias de u m a s e q ü ê n c ia de escolarização (3º grau) em lugares ou instituições de educação superior (IES). Essas circunstâncias determinam a especificidade dessa ação educativa e desses processos de ensino. É a educação e o ensino a c o n t e c e n d o n e s s a s c i r c u n s t â n c i a s . ( G A M B O A , 1 9 9 4, p. 24)
O quadro 1 reúne as três dimensões mencionadas por Gamboa sintetizadas em
entanto, essas três dimensões não se materializam de maneira conjunta ao longo do
tempo e nem há correspondência entre nível, espaço e funções.
Quadro 1: Ensino Superior: dimensões definidas por GAMBOA (1994).
DIMENSÃO ESPACIAL
(LUGAR)
DIMENSÃO TEMPORAL
(NÍVEL)
DIMENSÃO DE AÇÕES
E PROCESSOS
Faculdade
Universidade
Institutos
Outros
3º Grau da seriação escolar Formação e capacitação
profissional.
Desenvolvimento científico
e tecnológico.
Produção de conhecimento.
Ações sócio-educativas.
Se tomarmos a universidade2 como exemplo, BARBIERI (in TEXEIRA, 1998,
p.7) salienta que desde os primórdios da Idade Média até hoje “a universidade é a
instituição acadêmica que desde sua origem se dedicou à formação intelectual e moral
dos jovens através do estudo, do cultivo do saber e da busca da verdade”. A
universidade acaba, segundo TEIXEIRA (1998), contribuindo para a distinção entre as
funções da sociedade relativas à família, ao estado, à igreja e à escola, funções que até
o Século XI se confundiam:
D a t a r e a l m e n t e d a s u n i v e r s i d a d e s a d i s t i n ç ã o p r o f u n d a d a s f u n ç õ e s d a sociedade. Até esse remoto undécimo século de nossa época, o interesse pelo estudo, pela cultura e pela inteligência, se confundia dentro das instituições existentes, sobretudo a igreja, não sendo a conservação e o desenvolvimento
2 Nos referimos aqui à universidade em sentido geral. Aspectos do ensino superior e da universidade no
do saber humano objeto de nenhuma instituiç ã o e s p e c i a l i z a d a e a u t ô n o m a . (TEIXEIRA, 1998, P. 84)
As funções iniciais da universidade relacionadas ao “interesse pelo estudo,
pela cultura e pela inteligência”, isto é, a relação estabelecida com o saber
expande-se e se modifica ao longo do tempo, mas mantém uma especificidade que, em
1935, em palestra proferida na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito
Federal – UDF, Teixeira definia como única e exclusiva:
Não se trata, somente, de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. N ã o se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais de ofícios e artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas m a i s s i n g e l a s d o q u e a s u n i v e r s i d a d e s .
Trata– s e d e m a n t e r u m a a t m o s f e r a d e s a b e r , p a r a s e p r e p a r a r o h o m e m q u e o serve e o desenvolve. Trata -s e d e c o n s e r v a r o s a b e r v i v o e n ã o m o r t o , n o s livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata -se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a m e s m a s e t o r n e c o n s c i e n t e e p r o g r e s s i v a . ( T E I X E I R A , 1 9 9 8 , p . 8 7 - 8 )
Ou seja, nessa visão, além dos objetivos práticos e de formação profissional, a
universidade primordialmente almejava objetivos de formação cultural desinteressada e
de preparo para a carreira intelectual. Parece-nos que estes objetivos ganham nova
versão no final do século XX.
No Relatório da Comissão Internacional sobre educação para o Século XXI,
elaborado (no período entre março de 1993 e setembro de 1996) para a UNESCO, por
especialistas de vários países, DELORS (2003) e colaboradores, definem as funções das
instituições de ensino superior num contexto de demanda massificada por esse nível de
ensino e de diversificação dos espaços.
A ampliação do ensino superior acarreta desafios para a solução dos problemas
trazidos pela massificação. Ao mesmo tempo, torna necessário rever, segundo os
autores, as funções do ensino superior, em especial diferenciar o papel das
universidades. Às funções clássicas da universidade são acrescentadas outras em
a formação permanente e o fornecimento de enriquecimento pessoal via ampliação do
saber cultural:
São as universidades , antes de mais nada, que reúnem um conjunto de funções tradicionais associadas ao progresso e a transmissão do saber: pesquisa e inovação, ensino e formação, educação permanente. A estas podemos acrescentar uma outra que tem cada vez mais importância: a cooperação internacional.
Além da tarefa de preparar numerosos jovens para a pesquisa ou para empregos qualificados a universidade deve continuar a ser a fonte capaz de matar a sede de saber dos que, cada vez em maior número, encontram na sua própria curiosidade de espírito o meio de dar sentido à vida. A cultura, tal como a entendemos inclui todos os domínios do espírito e da imaginação, das ciências exatas à poesia. (DELORS, 2003, p. 141 e p.144)
A exigência de novas funções ocorre em contexto social, político e econômico
mercantilizado e fortemente influenciado pelos avanços tecnológicos na comunicação e
na informação, entre outros. Esse contexto, além dos desafios quantitativos postos pela
massificação, cria outros relacionados à identidade das instituições, ao desempenho das
funções e à formação no âmbito do ensino superior.
SANTOS (2001) recupera as funções atribuídas à universidade por Jaspers que,
fiel ao idealismo alemão, derivara da busca e do amor pela verdade, as funções de
investigação, de formação cultural e de ensino das aptidões profissionais. Mesmo
criticando Jaspers, afirma SANTOS (2001, P. 188), também Ortega y Gasset enumerava
funções similares para a universidade: “transmissão de cultura; ensino das profissões;
investigação científica e educação dos novos homens de ciência.”
Essa perenidade de objetivos, como diz Santos, foi abalada na década de sessenta
do Século XX, quando a universidade passa por pressões e transformações. Embora as
atividades fim principais das universidades continuem a ser o ensino, a pesquisa e a
prestação de serviços – com detrimento da dimensão cultural e privilegiamento do
caráter utilitário, as funções multiplicam-se. Essa multiplicidade de funções apresenta
contradições que se somam àquelas decorrentes da idéia desinteressada de busca do
Para Santos, em decorrência dessas pressões e transformações, a universidade
das três últimas décadas do século XX acumulou contradições – colisões - que ele assim
define:
A função da investigação colide freqüentemente com a função de ensino, uma vez que a criação do conhecimento implica a mobilização de recursos financeiros, humanos e institucionais dificilmente transferíveis para as tarefas de transmissão e utilização do conhecimento. No domínio da investigação, os interesses científicos dos investigadores podem ser insensíveis ao interesse em fortalecer a competitividade da economia. No domínio do ensino, os objetivos da educação geral e da preparação cultural colidem, no interior da mesma instituição, com os da formação profissional ou da educação especializada, uma contradição detectável na formulação dos planos de estudos da graduação e na tensão entre esta e a pós-graduação. O accionamento de mecanismos de seleção socialmente legítimos tende a colidir com a mobilidade social dos filhos e filhas das famílias operárias tal como a formação de dirigentes nacionais pode colidir com a ênfase na prestação de serviços à comunidade local. (SANTOS, 2001, p. 189)
Colisões que colocam a universidade contemporânea frente a uma situação de
crise decorrente das contradições e da tarefa de buscar-lhes solução. Isto é, a
contradição entre as funções cria pontos de tensão, que as diferentes reformas propostas
em lugares e tempos diferentes têm por objetivo manter sob controle. A gestão dessas
tensões, não deixa por sua vez de ter outras contradições que representam para as
universidades situações de crise: de hegemonia, de legitimidade e institucional.
Questiona-se a universidade em sua possibilidade de ser o local de formação de elites
intelectuais e de profissionais competentes; questiona-se a possibilidade de ser via
legítima de democratização e de transformação social e questiona-se o modelo
organizacional que não condiz com reivindicações de autonomia.
De modo geral, conforme afirma SEVERINO (2004), em parte as universidades
sofrem o impacto negativo das expectativas frustradas de progresso social com base na
ciência, da desvalorização da cultura elaborada e da banalização dos referenciais. A
esses, no Brasil - o que constitui desafios adicionais - aliam-se restrição de empregos e
Este breve histórico que levantamos sobre as funções no ensino superior na
universidade constitui, parte do contexto no qual se insere nossa investigação.
Acreditamos que os elementos de crise mencionados por SANTOS (2001) e
SEVERINO (2004) manifestam-se no nível da graduação e de que as angústias que nos
levaram a empreender investigação focalizando esse nível de ensino sejam também
preocupação de outros professores e pesquisadores.
Como espaço e como ação de formação, de produção e socialização de
conhecimento - e até como seqüência de escolarização -, o ensino superior divide-se,
classicamente, em ensino de graduação (bacharelado e licenciatura) e de pós-graduação
(especialização, mestrado e doutorado).
O trabalho de investigação realizado nesta tese focaliza a graduação como
espaço de ações de ensino e de produção de conhecimento relacionadas à formação
inicial em diversas profissões, inclusive à formação de professores.Nesse sentido, nos
interessa desvelar no âmbito educacional os múltiplos fatores que possam estar
interligados a esse espaço de ação e nele interferir. Para tanto, levantamos o seguinte
problema:
Que aspectos da graduação - enquanto instância educacional - são
enfocados pela produção acadêmica apresentada na ANPEd?
Foi com essa pergunta em mente e tendo em vista que nosso interesse abrangia
um universo muito amplo de produção e investigação científica, que fomos buscar nos
trabalhos apresentados nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd) informações, indícios, pistas para compor um
panorama do que se escreve e se pesquisa sobre a realidade concreta da graduação. A
escolha da ANPED foi motivada, em parte, pela amplitude do problema que colocamos:
campo educacional. Outro motivo deriva do prestígio que essa Associação tem na área
da Educação.
As reuniões anuais da ANPEd são os encontros educacionais mais prestigiados
nacionalmente tanto pela seleção rigorosa dos trabalhos apresentados - cada proposta
passa pela avaliação de pareceristas ad hoc escolhidos pelos Grupos de Trabalho (GTs) e pelos Grupos de Estudo (GEs) bem como pelo Comitê Científico - quanto pelo
histórico de defesa da qualidade da educação no país; em conseqüência, os trabalhos,
debates e discussões que são nelas realizados, em geral, tornam-se referência para o
pensamento na área da Educação.
Com a finalidade de encontrar resposta a nossa indagação sobre quais os
aspectos destacados sobre a graduação na produção acadêmica apresentada definimos os
seguintes objetivos:
1) Levantar, na produção acadêmica apresentada na ANPEd, no período de 1996
a 2003, os trabalhos relacionados à graduação.
2) Evidenciar nesses trabalhos, quais são os aspectos da graduação que se
destacam.
3) Analisar esses aspectos para compor um panorama do que se escreve e se
pesquisa na ANPEd sobre a realidade concreta da graduação.
4) Destacar, da análise dos diversos aspectos aqueles que se referem à relação entre
RESUMO DO CAPÍTULO 1
Neste capítulo realizamos uma breve incursão histórica sobre as funções da
universidade e nela inserimos o ensino de graduação e a relação com a pesquisa. Nesse
contexto, colocamos o objetivo desta tese: mapear os aspectos discutidos sobre a
graduação na produção acadêmica veiculada nas reuniões da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd - de 1996 a 2003. Esse tema se
justifica pela demanda por esse nível de ensino, ainda bastante represada no Brasil,
pelas características da expansão e pelos desafios que se colocam atualmente para o
professor: ensinar com qualidade em um meio paradoxalmente desejado e ao mesmo
CAPÍTULO 2
ENSINAR, APRENDER, PESQUISAR :
A RELAÇÃO ENTRE ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO
Neste capítulo apresentamos algumas maneiras como a relação entre ensino e
pesquisa é discutida na literatura acadêmica, como é relacionada à aprendizagem e
como é relacionada à atuação do professor na graduação.
A relação entre ensino e pesquisa na literatura acadêmica aparece em termos de
associação ou de dissociação, de uma combinação de ambos ou de indissociabilidade.
Longe de demonstrar consenso nas definições, a literatura nos mostra que a relação
entre o ensino e a pesquisa na universidade pode ser estabelecida na teoria, de acordo
com as concepções que se tem de ensino, de pesquisa, de universidade, de
conhecimento, de aprendizagem, do papel social da universidade, de formação, entre
muitos outros elementos que podem ser considerados.
Mas pode também ser analisada sob as condições para sua viabilização em
função das situações concretas que envolvem as questões de organização do trabalho, de
financiamento, de poder e de prestígio inerentes à instituição universitária e, em nível
macro, das políticas nacionais em diversos campos. Esses elementos todos aparecem
mais ou menos interligados nas diferentes posições dos autores que se manifestaram
sobre o tema desde que a Reforma Universitária de 1968 introduziu como característica
da universidade a indissociabilidade entre as funções de ensino, pesquisa e extensão.
No Brasil, refletir sobre a relação entre ensino e pesquisa no final do século XX,
segundo SANTOS (2001), torna-se mais freqüente quando se percebe que a
revelara resultados que nitidamente implicassem melhoria dos cursos de graduação. O
que se manifestava, em geral, era baixa integração entre o ensino de graduação e a
pesquisa realizada nos cursos de pós-graduação, situação que decorreria de fatores que
se inter-relacionam de maneira complexa: “(...) da forma como está estruturado o campo
acadêmico no interior das universidades e das complexas relações que este mantém com
as diferentes áreas de conhecimento, com os órgãos de fomento à pesquisa, com o
campo editorial e com o setor produtivo, dentre outros.” (SANTOS, 2001, p. 19).
Fora essas dificuldades de estabelecer relação entre graduação e pós-graduação
- ou melhor, entre as atividades de ensino numa e de pesquisa noutra - a autora ressalta
dificuldades, relacionadas por um lado à participação restrita de alunos em programas
de integração entre graduação e pós-graduação e em programas de iniciação à pesquisa
e, por outro, relacionadas aos meios de avaliação e incentivo ao trabalho acadêmico dos
professores.
Afirma ainda que do professor pesquisador espera-se ensino atualizado e
aproximação dos alunos ao campo de conhecimento. O que se percebe é que programas
e atividades de cursos estão desconectados das atividades de pesquisa. Professores
podem ter dificuldade em estabelecer relações entre seus campos de investigação e as
disciplinas ministradas e podem ter maior dedicação às atividades da pós-graduação
provavelmente muito em função da exigência e burocratização daquelas em relação às
de graduação e em parte em função da assimetria de valorização e prestígio entre essas
atividades.
A qualidade do ensino de graduação e o papel que na formação dos alunos
desempenham atividades de investigação são salientados por GATTI (1998) quando
ressalta que na graduação forma-se precariamente profissionais e alunos frente às
As graduações têm se tornado cada vez mais adestrantes profissionais (e más adestrantes) do que formadoras em áreas específicas do saber, no sentido amplo da palavra. Dificilmente os alunos lêem livros inteiros e folheiam revistas científicas de suas áreas. O usual é a utilização de fragmentos de textos, xérox e apostilas mal organizadas. Pequenos projetos de investigação, nem se fala para os alunos de graduação! E assim, habilidades e qualidades indispensáveis para a era da informação que adentramos não são desenvolvidas nesses cursos (e às vezes mesmo na pós-graduação): o saber informar-se em fontes fidedignas e compreender a informação; o saber manter espírito atento e crítico em relação à informação para fundamentar e/ou criar conhecimentos; ter iniciativa de procurar informação e tira-la; estabelecer relacionamentos válidos entre informações. (GATTI, 1998, p. 9-10)
Com o objetivo de aprofundar alguns desses aspectos salientados acima sobre a
associação entre ensino e pesquisa na graduação apresentamos a seguir estudos que
mostram as relações complexas que se estabelecem entre eles.
Na primeira parte, sintetizamos um balanço de interpretações sobre a relação
entre ensino de graduação e pesquisa realizado por SEGENREICH (2001) com base no
Banco de Dados Universitas/ Br e em literatura sobre os projetos da LDB/ 96 e sobre as Diretrizes Curriculares para os cursos de ensino superior.
A segunda parte apresenta a relação entre ensino e pesquisa na graduação vista
como proposta de ensino com pesquisa. A partir de estudos de Maria Isabel da Cunha e
de outros autores, realizados em parte na Universidade Federal de Pelotas, procuramos
ilustrar a complexidade de aspectos envolvidos e as dificuldades de implantação de
propostas desse tipo na universidade brasileira.
Por último, a relação entre ensino e pesquisa na graduação é abordada do ponto
de vista da pessoa do professor de ensino superior, sua atividade docente e sua formação
1) A RELAÇÃO ENTRE ENSINO DE GRADUAÇÃO E PESQUISA
SEGENREICH (2001) analisa alguns dos múltiplos aspectos que envolvem a
relação entre o ensino e a pesquisa na graduação. Em trabalho intitulado “Relação
ensino de graduação e pesquisa: políticas públicas e realidade institucional”, essa
autora utiliza o Banco de Dados Universitas/Br para analisar a temática “ensino de graduação e pesquisa” na produção acadêmica do período entre 1968 e 1995. Esse
Banco de Dados resume e categoriza a produção sobre educação superior em
periódicos, livros, teses e dissertações entre outros documentos científicos produzidos
no Brasil naquele período delimitado.
Analisa, também, a literatura acadêmica produzida em torno do debate sobre à
promulgação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/ 96)
em dezembro de 1996 e a produção que aborda as propostas de Diretrizes Curriculares
para os cursos de ensino superior.
Em seu estudo, essa autora identifica e discute: a interpretação que diversos
autores fazem da idéia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa; a relação que
estabelecem entre o ensino de graduação e a pesquisa; as concepções e modelos de
pesquisa. Ao mesmo tempo, aborda a relação entre ensino e pesquisa vista da
perspectiva das políticas públicas e das definições institucionais e, os modos em que
aparece nos textos essa relação na realidade institucional.
A primeira constatação que tira da literatura é que embora presente em toda a
trajetória da universidade brasileira, o debate sobre a relação ensino e pesquisa ganha
força quando surge a preocupação com a melhoria da graduação; torna-se mais visível
em meados da década de 80 na produção que avalia os resultados da Reforma
Universitária de 68 e nos estudos e publicações das mais de 20 universidades que
de 80, a relação entre ensino e pesquisa aparece nas polêmicas em torno da nova Lei de
Diretrizes e Bases da educação Nacional de 1996.
Na literatura acadêmica produzida no período entre 1968 e 1995, que toma por
base o balanço do conhecimento sobre Educação Superior efetuado para o Banco de
Dados Universitas/Br, SEGENREICH (2001) aponta três tendências que englobam diversos pontos de vista e diferentes interpretações da relação entre ensino e pesquisa:
a) Na primeira tendência encontram-se autores que defendem a associação
entre ensino e pesquisa com base em um princípio que define a natureza do
ensino como intrinsecamente interligada à atividade de investigação. Em
oposição, encontram-se autores que definem as atividades de ensino como de
natureza diferente e oposta às de pesquisa e, portanto, não necessariamente
há compatibilidade entre elas na prática. Segenreic h menciona autores que
criticam essas duas posições extremas por considera-las esvaziadas de seu
conteúdo histórico. Isto é, o que se depreende da análise histórica do debate
sobre a associação entre ensino e pesquisa é que essa convivência varia em
uma mesma sociedade, e ao longo do tempo, e depende freqüentemente de
vontade política.
b) A segunda tendência, encontrada na produção científica de 68 a 95, reúne as
interpretações que dependem da definição de pesquisa que cada autor utiliza.
Se a definição de pesquisa está restrita à atividade no campo científico,
outras atividades fora desse campo não são “pesquisa”. Se a definição do
autor é de investigação em sentido amplo, ela pode, também, ser inerente às
atividades de ensino e uma condição para a qualidade deste. Nesta última
alunos atitudes científicas, produção de conhecimento e não apenas sua
repetição e reprodução.
c) A terceira tendência engloba estudos que consideram o nível institucional em
que se desenvolve a pesquisa. Para alguns autores, a atividade de
investigação exercida individualmente pelo professor contribui para
melhorar seu desempenho no ensino; assim, todos os professores deveriam,
em princípio, realizar atividades de ensino e de pesquisa. Outros autores,
entretanto, hesitam em assumir essa posição e consideram que as
universidades, em nível institucional, desenvolvem atividades de pesquisa ao
lado das de ensino; portanto, nem todos os professores envolver-se-iam nas
duas atividades ao mesmo tempo ou com a mesma intensidade. Esta última
visão materializar-se-ia, muitas vezes, na restrição da pesquisa aos
programas de pós-graduação e do ensino à graduação; alguns autores ainda
questionam a separação que existe nos próprios programas de pós-graduação
em que a pesquisa se restringiria à elaboração de teses e dissertações e
ensino é apenas ensino no sentido tradicional de transmissão de
conhecimento!
Ainda nesta tendência, outra perspectiva, mais radical, localiza a relação
entre ensino e pesquisa como característica do sistema de ensino superior
nacional como um todo. Assim, diversificam-se os espaços de pesquisa –
algumas universidades e institutos, por exemplo – e os espaços de ensino –
faculdades, centros universitários, escolas, etc. Na atividade de ensino,
caberia um mínimo de investigação com finalidade didática. As idéias de
e tradução nas políticas públicas para o ensino superior implantadas no final
da década de 90.
As três tendências descritas acima abordam a relação entre ensino e pesquisa de
modo geral na literatura científica do período entre 1968 e 1995. Em relação à
materialização na graduação, especificamente, SEGENRECH (2001) identifica duas
práticas mais comuns: a socialização para a pesquisa e a pesquisa como prática
pedagógica.
A socialização para a pesquisa é considerada uma forma de levar alunos a entrar
em contato com pesquisa científica. Inclui os programas de Iniciação Científica (IC) e
de integração entre graduação e pós-graduação (PROIN), entre outros. Atinge apenas
5% dos alunos de graduação e envolve 20% dos professores. Embora esse tipo de
programa implique em benefício para o desempenho acadêmico do aluno participante,
volta-se para a formação de possíveis futuros pesquisadores o que leva alguns autores a
questionar sua eficácia para a melhoria da qualidade do ensino de graduação.
Os autores que escrevem, no período entre 68 a 95, desde a perspectiva de
pesquisa como prática pedagógica e de ensino com pesquisa são responsáveis pela
produção de relatos de experiências concretamente desenvolvidas em sala de aula e
pelas descrições e análises teóricas sobre esse tipo de propostas.
Encontram-se, por exemplo, relatos de seminários, de aulas práticas e
experimentais, de uso de metodologia de pesquisa e de laboratórios. As análises teóricas
versam sobre utilização com sentido didático de método científico, de metodologia
experimental, de pesquisa-ação ou pesquisa aplicada e de desenvolvimento de atitudes
Uma indagação que SEGENREICH (2001) faz é: até que ponto as experiências
relatadas conseguem realmente aliar ensino de graduação e pesquisa e promover
mudanças qualitativas? O que a autora constata na produção examinada desse período é
que as situações variam por área de conhecimento, em função da trajetória histórica de
cada área e dentro do contexto de cada instituição e que, a visão de sociedade que o
professor imprime no seu trabalho pedagógico também influencia: o professor pode, por
exemplo, trabalhar desde uma perspectiva de construção ou de reprodução de
conhecimento.
Após analisar a produção científica sobre educação superior produzida no
período entre 1968 e 1995, a Segenreich passa a analisar a produção que focaliza o
processo de tramitação da nova LDB (promulgada em dezembro de 1996), as políticas
públicas de diversificação das estruturas organizacionais de ensino superior e as
discussões sobre as Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação no período
entre 1996 e 1999.
A literatura científica que debate a tramitação e os projetos para a nova LDB,
conforme percebe a autora, centra-se na diferença e nas conseqüências dos requisitos
mínimos para constituição da universidade: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão da Reforma Universitária de 1968 dá lugar à institucionalização da pesquisa
pura e aplicada e à produção científica comprovada sem necessidade estabelecida de
relação direta com o ensino.
A diversificação de instituições e as Diretrizes Curriculares são tema de alguns
documentos que focalizam políticas públicas para o ensino superior. Neles, escreve-se
sobre a relação entre ensino e pesquisa ao tratar da diferenciação entre universidades,
centros universitários e institutos de educação superior entre outros. Cabe às
instituição desenvolveriam algum tipo de investigação como prática dos alunos. A
questão dependeria das políticas públicas de financiamento do ensino e da pesquisa:
O que se pode também depreender do discurso oficial é que não se pretende investir (com recursos) no sentido de transformar uma boa parte das atuais universidades, inclusive públicas, em “universidades de pesquisa”, mas consolidar critérios diferenciados de distribuição de recursos que já vêm sendo implantados há anos (bolsas de pós-graduação e recursos para pesquisa, por exemplo).
(...) distinção entre tipos de instituição – Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas ou Escolas isoladas - é parte da política do MEC, no sentido de diversificar o sistema de ensino superior brasileiro.
Esta política admite que instituições que associam ensino e pesquisa constituem um segmento importante do sistema, mas não podem ser consideradas nem como modelo nem como paradigma das demais instituições de ensino (...). (SEGENREICH, 2001, p. 203-4)
Salienta ainda, a discrepância presente nas políticas direcionadas à área de
formação de professores para a educação infantil e o ensino fundamental. Ali, as
propostas situavam essa formação em instituições isoladas de ensino: os Institutos
Superiores de Educação. Conclui que, sem compromisso com pesquisa e com
exigências contraditórias, essas propostas de formação navegariam na contracorrente da
área acadêmica:
Enquanto na área acadêmica, os especialistas cada vez mais reconhecem a necessidade da presença da pesquisa na formação do professor, que é problemática até nas universidades ditas consolidadas , a política governamental passa a privilegiar um espaço institucional para formação de professores que não tem nenhum compromisso com a pesquisa, mesmo vista como princípio educativo. Entretanto, esta mesma política passa a exigir, n o s p a r â m e t r o s c u r r i c u la r e s d o e n s i n o f u n d a m e n t a l e m é d i o , h a b i l i d a d e s e competências de pesquisa. Esta mesma tendência pode ser observada nos cursos superiores. (SEGENREICH, 2001, P. 204- 5 )
A pesquisa como prática pedagógica (instrumento didático) está, segundo
(SEGENREICH, 2001, p. 205), “(...) entre as habilidades e competências exigidas para
apenas como uma disciplina de metodologia da pesquisa, deve permear o currículo em
sua totalidade.
Parece que a definição de pesquisa utilizada nessas propostas é bastante ampla
para incluir, entre outros,
a iniciação científica, a apresentação de trabalhos em seminários e os estágios em laboratórios, (...), a socialização para a pesquisa científica pas s a a ocupar posição destacada. (...), pesquisa bibliográfica, estudo de caso, pequenos trabalhos de campo sob orientação de docentes, trabalho em escritórios (...) O que não ficou claro é (...) como compatibilizar essas exigências com a diferenciação de estruturas e funções (...). (SEGENREICH, 2001, p. 205)
Ou seja, as propostas políticas apresentam, contraditoriamente, a exigência de
pesquisa definida, por vezes, de maneira muito ampla e difusa, ao mesmo tempo em que
criam a possibilidade de existênc ia de cursos de graduação em instituições que não
incluem essa atividade entre suas funções.
Segenreich alerta ainda sobre diferenças na interpretação da proposta de inserção
curricular da atividade de pesquisa quando considerada a discussão dos paradigmas
educacionais. Aparentemente, o modelo proposto por alguns autores refere-se a um tipo
de pesquisa descritiva e explicativa, voltada para exigências do mercado. Um outro
movimento aborda o tema com mais cautela e, com base em autores como Bourdieu,
Bernstein e Freire, defende uma pesquisa que promova formação crítica e
emancipatória.
2) ENSINO COM PESQUISA
O TRABALHO DE MARIA ISABEL DA CUNHA
Para expor a idéia de ensino com pesquisa tomamos por base, principalmente,
parte da obra de Maria Isabel da Cunha. No conjunto de seus trabalhos, a atividade de
aprender na universidade que aparece comprometida com a produção de conhecimento
por professores e alunos e que demanda condições específicas para sua concretização.
Aprofundar o conhecimento da produção desta autora justifica-se por ser ela referência
nesse tema e por abordar a questão do ensino superior com pesquisa, tanto do ponto de
vista da aprendizagem e formação dos alunos, quanto do ponto de vista dos projetos
político-pedagógicos das instituições, ou seja, sem perder de vista a complexidade
sócio-política imbricada nas escolhas educacionais.
Em diversas pesquisas e muitas publicações realizadas ao longo de mais de 16
anos, essa autora estuda e analisa as concepções, as condições concretas, políticas e
epistemológicas, as implicações, entre outros, que permeiam uma prática docente aliada
à pesquisa.
No artigo “Ensino com pesquisa: a prática do professor universitário” (CUNHA,
1996) e no livro “O professor universitário na transição de paradigmas” (CUNHA,
1998), essa autora menciona uma situação que considera freqüente nos estudos sobre a
universidade: há uma concentração de trabalhos acadêmicos em dois tipos de
abordagens, os que enfocam a instituição desde uma perspectiva histórico/ política e os
que se limitam a discutir questões estritamente didáticas. Afirma buscar, então, nesses e
em seus diversos trabalhos, avançar nas discussões do estatuto político-epistemológico
do ensino superior ao discutir as concepções de ciência e de conhecimento, do papel
docente e as experiências de professores que procuram romper com o modelo
tradicionalmente vigente na prática pedagógica, inserindo-as na compreensão mais
ampla do contexto histórico, político e social da Universidade no Brasil.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no âmbito dos cursos de
graduação é, para CUNHA (1996, 1998), um princípio sobre o qual não há reflexão
ensino-pesquisa na universidade desde a década de oitenta e interpreta a idéia de
indissociabilidade – tomada como algo indivisível - ao ensino com pesquisa. Isto porque
define ensino e aprendizagem como processos interligados nos quais a curiosidade, a
reflexão crítica, a construção e reconstrução de conhecimentos necessariamente estão
aliadas à ação investigativa.
Para essa autora, uma idéia bastante comum no contexto universitário e presente
nas discussões decorrentes da Constituição de 1988 - que no artigo 207 proclama a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nas universidades – é aquela que
entende a palavra “indissociabilidade” como significando atividades de ensino, pesquisa
e extensão realizadas por um professor em tempos e espaços específicos não
interligados. Geralmente, nessa visão: “A idéia de indissociabilidade se concretizaria
pelo trânsito de experiências e conhecimentos que o professor leva aos alunos, como
resultado de suas vivências acadêmicas”. (CUNHA, 1996 , p. 32).
Em diversos trabalhos, CUNHA (1996, 1998) critica essa forma de entender a
indissociabilidade principalmente porque, mesmo centradas no professor, as três
atividades seriam realizadas separadamente. Para ela, a indissociabilidade quando
pensada à luz da teoria pedagógica que considera o aluno participante ativo no processo
de ensino-aprendizagem recebe outra interpretação: está relacionada de maneira
indivisível ao processo de construção do conhecimento em uma cultura na qual
professor e alunos interagem e participam ativamente através de uma relação de
envolvimento em processos de investigação.
CUNHA (1996, p. 32) salienta que na realidade, o “panorama usual dos cursos
de graduação nega, quase sempre, a idéia do ensino com pesquisa”. Nos cursos de
graduação, predomina o que ela chama de ensino tradicional, fundamentado em uma
considerada atividade para iniciados. É nesta perspectiva que aparece a idéia
questionável de indissociabilidade entre ensino e pesquisa vistos como duas atividades
realizadas de modo paralelo.
Podemos inferir dessas análises que o modelo de ensino superior vigente no
Brasil separa o ensino da pesquisa de diversas maneiras enraizadas na história
educacional. É o que sugerem autores que analisam essa questão do ponto de vista
histórico.
No Brasil Imperial, segundo BROILO e CUNHA (2002), CUNHA (2001a),
CUNHA (2003) a proposta de faculdades isoladas voltadas para a formação profissional
- já calcadas na idéia de quem sabe fazer, sabe ensinar - pouco considerava a dimensão
pedagógica e pouco buscava a produção de novos conhecimentos.
O predomínio de cursos e faculdades isoladas e o ensino voltado principalmente
para a formação profissional (CUNHA, 2003; ROMANELLI, 1993), com modelo de
reprodução de conhecimento calcado na educação jesuíta (ROMANELLI, 1993;
ANASTASIOU, 1997) afastavam a produção de conhecimento do ensino superior tanto
no Brasil Império quanto no início do Brasil República. É provável que as diferenças
ideológicas sobre o ensino entre liberais e positivistas, mencionadas por CUNHA
(2003), vigentes nos primórdios da República - e que dificultaram a criação das
primeiras universidades brasileiras - agravassem essa situação.
A investigação científica foi uma das finalidades do decreto que instituiu o
regime universitário em 1931. No entanto é a formação profissional que concretamente
predomina na graduação. A esse respeito, comenta Romanelli:
A preocupação com a qualificação docente, evidente na articulação das políticas
nacionais preocupadas com o ensino superior, quando na década de 50 foi criada a
CAPES é, por um lado fortalecida na década de 60 com a criação dos cursos de
pós-graduação strictu e latu sensu mas, por outro, é enfraquecida pelo Estado Autoritário, não sem contradições. Segundo Cunha, nas décadas de 60 e 703:
(...) acompanhando o modelo desenvolvimentista que permeou as políticas públicas, a universidade foi vista como um possível espaço privilegiado para produção de um conhecimento necessário para o fortalecimento do Estado nacional. Por outro lado, a mesma concepção de Estado, vivida num período autoritário, usou essa estratégia para diminuir e até anular a idéia clássica de universidade, onde o pensamento crítico e universal era a tônica, possibilitando a liberdade e a contestação. (CUNHA, 2001a, p. 79-80)
Em conseqüência dessa situação, o entendimento do espaço de produção de
conhecimento fica restrito à pós-graduação. Em relação à graduação, principalmente, o
modelo tradicional de ensino calcado na transmissão do conhecimento do professor para
os alunos, é substituído pelo modelo tecnicista. Este modelo intensifica, nos cursos de
formação profissional, a visão reprodutora de conhecimento, mas retira do professor o
poder de decidir. Isto marca, profundamente, o modelo de formação de professores –
com repercussão até os dias de hoje no ensino superior como um todo e, especialmente,
nas licenciaturas. Refletindo sobre essa tendência político-pedagógica, afirma CUNHA:
(...) enfraqueceu-se a função tradicional do professor de ser transmissor e interpretador do conhecimento. Havia outras instâncias pensando e decidindo sobre o que ele deveria executar e novos materiais sendo testados para, em grandes números, substituir a tradicional relação discente-docente, até então legitimada. (...) Os cursos de licenciatura ainda têm profundas marcas deste período político-cultural que afetou intensamente a universidade no Brasil, especialmente pela perspectiva de organização estrutural. A divisão do conhecimento em especialidades já estava construída pela compreensão positivista da ciência. O projeto político completou esta dimensão com a divisão da estrutura de poder, fracionando o que até hoje temos sido pouco capazes de unir: teoria e prática; conhecimento pedagógico e conhecimento específico; ensino e pesquisa; bacharel e licenciado (...). (CUNHA in :CANDAU, 2000, p. 137-8)
3 Um relato mais detalhado sobre a implantação e o desenvolvimento dos programas de pós-graduação
Na década de 80, conforme relatam LEITE e RAMOS (2003, p. 98-9), no clima
de abertura política que vivia o país, o movimento docente se organiza “passando a ter
voz no país e desempenhando um importante papel nos processos de democratização
interna das instituições de ensino superior públicas brasileiras”.4
A esse respeito comenta CUNHA:
No bojo da democratização do país, o Processo Constituinte de 1988 representou um avanço para a universidade brasileira. Ao explicitar, em seu artigo 14, que a universidade se define pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, rompeu com a tradicional concepção de universidade ligada, principalmente, à função de formação profissional. A Constituição sinalizou a necessidade de as IES se organizarem tendo a produção do conhecimento como eixo. (...).Havia um marco de liberdade não aprisionado pela norma e uma disponibilidade das estruturas, a partir de uma configuração institucional crítica. As Pró-Reitorias de Graduação consolidavam a percepção da importância dos processos pedagógicos e investiam em assessorias que lhes dessem sustentação. (...) As ações principais que envolveram as atividades pedagógicas que tinham a universidade como objeto variavam, naturalmente, segundo a Instituição e o contexto em que se inseriam. A maior parte delas estava ligada, enquanto estrutura, às Pró-Reitorias de Pós-Graduação. (BROILO e CUNHA, 2003, p. 6-7; CUNHA, 2003, P. 29-30)
Esse clima se reflete na Universidade Federal de Pelotas, onde as iniciativas de
democratização interna contribuíram para “a construção de um novo discurso
pedagógico”. Cunha, então professora nessa instituição, compõe, como Pró-Reitora de
Graduação, a administração do período 1988- 1992. O projeto pedagógico da UFPel,
segundo LEITE e RAMOS (2003, p. 100) tinha como princípios “(...) a) Compromisso
da universidade pública com os interesses coletivos; b) Indissociabilidade entre ensino
pesquisa e extensão; e, c) Formação de um aluno crítico, criativo, capaz de transformar
a realidade”.
Nessa época, CUNHA (1996, p. 32) já defendia a idéia de que ensino e pesquisa
serão indissociáveis na medida em que se construa um novo modelo de ensino: “(...) o
ensino só será indissociado da pesquisa quando for construído um novo paradigma de
ensinar e de aprender na universidade”. Esse ensino incorpora procedimentos
4 Este clima contrasta com a crise econômica e a escalada crescente da política neoliberal. Conferir em
metodológicos de investigação e uma nova relação de professores e alunos com o
conhecimento, concebido de maneira dinâmica.
No quadro 2, comparamos os diferentes aspectos dos modelos do ensino
tradicional e do ensino com pesquisa, conforme a distinção realizada por CUNHA
(1996, p. 32).
Quadro 2: comparação entre aspectos do ensino tradicional e do ensino com pesquisa conforme Cunha (1996)
Tipo de ensino Aspectos
ENSINO TRADICIONAL
Reprodução de conhecimento
ENSINO COM PESQUISA
Produção de conhecimento
Ciência Marcada pela prescrição e
pelas certezas Dinâmica, em construção
Conhecimento Acabado, descontextualizado
historicamente, especializado Provisório, relativo, localizado historicamente; interdisciplinar
Disciplina intelectual Reprodução das palavras,
textos e experiências do professor
Análise, composição e recomposição de dados, informações, argumentos e idéias
Funcionamento intelectual Privilégio da memória, da
precisão e da segurança Valoriza a curiosidade, o questionamento exigente e a incerteza
Pensamento Convergente; resposta única e
verdadeira Dúvida como referencia
Currículo Disciplinas especializadas com
domínio de conhecimento próprio; competição pelo espaço e pela quantidade de aulas
Estímulo à inter- disciplinaridade, ao estabelecimento de pontes entre os conhecimentos e à atribuição de significados aos conteúdos, em função dos objetivos acadêmicos
Objetivo Ter toda a matéria dada Elaborar conhecimento
Professor Principal fonte de informação;
deve dominar os conteúdos e ter todas as respostas
Trabalho cooperativo; professor e alunos produzem conhecimentos
Pesquisa Atividade para iniciados, fora
do alcance dos alunos de graduação que não dominam o aparato metodológico e conceitual
Instrumento de ensino que toma a realidade como ponto de partida e como ponto de chegada (via pesquisa e extensão)
Indissociabilidade ensino,
pesquisa e extensão Atividades paralelas, geralmente do professor Ensino com pesquisa fundada na extensão (fonte de realidade)
Aluno Receptor passivo das
experiências e conhecimentos trazidos pelo professor
Em síntese, observamos nesse quadro, que os aspectos salientados em ambos os
modelos referem-se às concepções de mundo e de ciência e aos papéis definidos e
desempenhados por professores e alunos no contexto do processo de
ensino-aprendizagem da graduação, papéis que, como ressalta CUNHA (1996, p. 32),
envolvem “todo um estatuto político-epistemológico que dá suporte ao processo”. As
formas de organizar e de distribuir o conhecimento, presentes na sociedade precedem as
decisões que “poderiam parecer estritamente pedagógicas”. No entanto, e infelizmente,
ressalta a autora, professores no âmbito do ensino universitário não parecem apresentar
essa compreensão nem têm ela sido alvo de investigação sistemática.
Ao interrogar-se sobre o modelo de ciência e o papel da universidade, CUNHA
(1996, p. 33) chega ao modelo de ensino com pesquisa. A autora questiona um modelo
de ciência que ao mesmo tempo em que desqualifica “saberes não científicos e não
técnicos” representa para a sociedade contemporânea a “expectativa de melhores
condições de vida”. A universidade nesse contexto torna-se a principal “instituição de
produção e distribuição da ciência”, mas também de “reprodução dos modos de fazer
ciência”. As repercussões da crítica desse modelo sentem-se nas ciências humanas e
refletem na prática pedagógica evidenciando a relação que existe entre as formas de
organização da ciência e os processos de aprendizagem.
Com base em Bourdieu, a autora chama a atenção para os mecanismos de
privilégio e poder que derivam do domínio e controle da produção e distribuição do
conhecimento. CUNHA (1996, p. 33) salienta a fragilidade da idéia de um
conhecimento “livre de interesses e despojado de vaidades”, isto é, “se em tese o capital
cultural é um patrimônio acumulado pela humanidade, na prática ele é influenciado pelo
Nesse contexto, a universidade está regulada por aquela lógica como produtora,
distribuidora e legitimadora de conhecimento. A compreensão das relações entre
conhecimento e estrutura do poder socia l têm por base os estudos sociológicos de
Bourdieu e de Bernstein que lhe permitiram pensar a prática pedagógica desde uma
perspectiva epistemológica e para além do âmbito pedagógico:
Foi possível compreender, então, a partir dessas teorias, que os processos de ensinar e aprender na universidade, que envolvem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, ainda que se revelem como um problema pedagógico, estão referenciados num mapeamento epistemológico que, por sua vez, é decorrente de um arcabouço político, isto é, da estrutura de poder presente na sociedade. Estes três elos – pedagogia, epistemologia e estruturas de poder – possibilitam melhor análise e maior compreensão da prática pedagógica do ensino superior. (CUNHA, 1996, p. 34)
Embora ciente dos diversos fatores que “interferem na possibilidade de mudança
na universidade”, CUNHA (1996, p. 35) enfoca seu estudo no professor, pois considera
que é ele quem na atividade de ensino “concretiza a definição pedagógica (...) pode
favorecer a mudança pela sua condição de dar direção à prática pedagógica que
desenvolve, mesmo reconhecendo nesta os condicionantes históricos, sociais e
culturais”.
Isto é relevante, quando se quer entender o papel do professor na produção de
conhecimento, pois como ressalta a autora (CUNHA, 1996; 2001b), os resultados de
pesquisa anterior5 já haviam evidenciado que mesmo professores, considerados bons
pelos alunos, paradoxalmente “trabalham na perspectiva da reprodução do
conhecimento” e não estão:
[...] especialmente voltados para desenvolver habilidades intelectuais nos estudantes [...] os professores são capazes de apresentar o melhor esquema do conteúdo a ser desenvolvido em aula, mas não conhecem procedimentos sobre como fazer o aluno chegar ao mapeamento próprio da aprendizagem que está realizando. O bom professor relata e referencia resultados de suas pesquisas, mas pouco estimula o aluno a fazer as suas próprias, mesmo que de forma simples; ele não torna vivo e relativo o conhecimento. (CUNHA, 1996, p. 36)
5 As observações aqui se referem à pesquisa realizada para a tese de Doutorado defendida por Cunha em