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O PROFESSOR PESQUISADOR NO ENSINO DA GRADUAÇÃO Além de métodos de investigação que podem ser utilizados como recursos

O TRABALHO DE MARIA ISABEL DA CUNHA

3) O PROFESSOR PESQUISADOR NO ENSINO DA GRADUAÇÃO Além de métodos de investigação que podem ser utilizados como recursos

didáticos e relacionados aos conteúdos específicos, uma das idéias que estabelece possível relação entre ensino e pesquisa, no nível da graduação, sugere a investigação dos processos que envolvem as atividades de ensino e de aprendizagem. Isto quer dizer que um objeto da investigação do professor, e até, do professor e de seus alunos seriam os processos de ensino-aprendizagem em que estão envolvidos.

Considerada um tipo de pesquisa emergente no ensino superior, conta com literatura abundante e discussão frutífera no ensino básico e médio6.

Pesquisar a própria prática pedagógica constitui uma das possíveis modalidades de investigação desenvolvidas pelo “professor-pesquisador” no ensino fundamental. A este respeito, GATTI (2003) observa que na literatura prevalece a análise do professor de ensino básico que investiga sua própria prática e pouco se escreve sobre o professor desse nível que pesquisa em sua área específica ou sobre o papel que essa atividade exerce sobre a docência. Não obstante, a literatura, em geral, evidencia o despreparo do professor para a investigação em ambos os casos.

No âmbito do ensino superior, em que o interesse pela formação didática do professor é mais recente, quase nem se fala sobre essas questões. A formação na área específica, advinda da experiência profissional ou da formação em mestrados e doutorados, aliada à formação para a investigação científica é, geralmente, aceita como suficiente para o exercício da docência.

O estudo de LÜDKE (2000; 2001a; 2001b), na escola básica, fornece um dado sugestivo sobre o ensino no nível de graduação. Os professores do ensino básico, em

6 Sobre a pesquisa e o professor de ensino fundamental e médio confira: FAZENDA (1997); GERALDI,

FIORENTINI e PEREIRA (Orgs., 1998); LÜDKE (2001 b); ANDRÉ (Org., 2002); CARVALHO (2002); DEMO (2002); IMBERNÓN (2002); PIMENTA (2002); BRANDÃO (2003); entre outros. Sobre o uso das expressões professor reflexivo e professor pesquisador confira: PIMENTA e GHEDIN (Orgs., 2002).

sua maioria, não mencionaram ter formação para a pesquisa na graduação. Dos poucos que tiveram, a maioria formou-se em Biologia e participou de algum programa de Iniciação à Pesquisa. Vista sob a perspectiva da formação que o professor do ensino básico recebe nos cursos de ensino superior, a falta de preparo para a pesquisa percebida poderia, em parte, evidenciar as dificuldades decorrentes da não articulação entre ensino e pesquisa nesse nível.

Com base em GATTI (2003), podemos supor que a formação específica e para a pesquisa obtida na formação nos cursos de pós-graduação é insuficiente para enfrentar didaticamente a associação entre ensino e pesquisa, isto é, levar o aluno em formação a enfrentar o conhecimento com espírito inquiridor e investigativo e a questionar seu processo de aprendizagem, cujo corolário nos parece ser a atitude recíproca do professor em relação ao ensino.

GATTI (2003, p. 77) sugere para a formação de professores para o ensino superior “uma triangulação entre docência, pesquisa especializada e pesquisa sobre à ação docente”. Como essa autora, consideramos as diferenças entre os atos de ensinar e de pesquisar em termos de relação com o conhecimento, ou seja, ao ensinar o foco está na aprendizagem, na apropriação e na recriação do conhecimento por alunos em desenvolvimento e formação; ao pesquisar em área específica, por exemplo, o foco é o avanço e a novidade daquele conhecimento. Assim, a ponte entre essas atividades, em sala de aula, estaria na associação entre ensino e pesquisa, mediada pelas concepções de ensino e de aprendizagem que poderiam ser formuladas na reflexão sobre a prática.

Isto nos leva a compartilhar, com outros autores, a certeza de que a pesquisa associada à docência e a pesquisa associada ao avanço científico precisam de definição mais precisa.

Não obstante as diferenças existentes entre o ensino básico e o superior, a discussão sobre o que é considerado como pesquisa por professores de ensino básico, realizada por LÜDKE (2000; 2001a; 2001b), em confronto com a literatura específica, nos fornece subsídios para pensar a idéia de professor-pesquisador no ensino superior.

Já havíamos mencionado que no estudo sobre a relação entre ensino e pesquisa estabelecida na literatura acadêmica no período de 1968 a 1995, SEGENREICH (2001) sugeria que a idéia que um professor tem sobre o que é pesquisa influencia o tipo de relação que ele estabelece entre essa atividade e o ensino.

Os debates sobre professor-pesquisador no ensino básico trouxeram à tona o uso da palavra “pesquisa” com múltiplos significados (LÜDKE, 2000; 2001a; 2001b; GATTI, 2003).

LÜDKE (2000; 2001a; 2001b) alerta para a falta de consenso e de estudos sobre a definição do que é pesquisa, mesmo na área educacional, apesar de que quando se trata de considerar o trabalho do professor-pesquisador, os autores favorecem essa atividade:

(...) é muito difícil encontrar trabalhos acadêmicos dedicados a enfrentar de perto a questão da propriedade do conceito de pesquisa corrente na academia e nos meios científicos, quando se trata de localizar a atividade de pesquisa em geral realizada pelos prof. de educação básica. Há quase uma unanimidade, ou pelo menos uma posição hegemônica entre os autores, em favor da presença da pesquisa nos planos curriculares, nos projetos de escola, nos programas de desenvolvimento profissional e de formação inicial e continuada de docentes. (LÜ DKE, 2000, p. 105-6)

O que os professores de ensino básico, entrevistados por Lüdke, chamam de pesquisa inclui desde levantamentos bibliográficos, projetos, elaboração de materiais didáticos e até investigações realizadas nos moldes acadêmicos tradicionais. Frente às diversas manifestações encontradas nas escolas, conclui a autora, o conceito restrito de pesquisa acadêmica é insuficiente.

A idéia da necessidade de ampliar o conceito de pesquisa é especialmente importante quando se trata de processos de pesquisa na área educacional e o que Lüdke

afirma para a pesquisa no ensino básico poderia ser estendido para o nível da graduação, ampliando o debate necessário sobre o tema.7 É importante, ainda, levar em consideração, como ressalta LÜDKE (2001a, p. 86) com base em Shulman, o “[...] caráter fluido de uma comunidade profissional em construção como é o caso na pesquisa educacional. Padrões e critérios estão se fazendo, se construindo, na medida em que estamos experimentando novas formas de pesquisar, novos objetos de estudo e, sobretudo, novos propositores de pesquisa”.

Vista de uma perspectiva diferente, a idéia de professor-pesquisador no ensino superior, como aquele que também pesquisa sua prática pedagógica, é mencionada por ISAIA (2002) quando investiga a atividade e a formação do professor do ensino superior em enfoque que considera a pessoa do professor como centro da investigação.

Em ISAIA (2002), a relação entre ensino e pesquisa na formação do professor universitário é estudada de um ponto de vista que focaliza os sentimentos envolvidos com a profissão. Em diversos trabalhos e em entrevistas com professores de ensino superior, ISAIA (2002) constatou alguns problemas relacionados à formação do professor do ensino superior e ao contexto de trabalho.

Esses problemas podem ser considerados comuns ao sistema universitário em geral; resultado da operacionalização da atividade docente e com implicações emocionais na pessoa do professor. Podemos sintetiza-los da seguinte forma:

7 LÜDKE (2000; 2001a; 2001b), ANDRÉ (2002), GATTI (2003), entre outros autores brasileiros da área

de educação, têm utilizado como referência para a definição do que é pesquisa a discussão realizada por BEILLEROT (2002) em diversos escritos. A partir da crítica do uso taxativo que se faz no âmbito universitário da palavra pesquisa busca esclarecer os diferentes sentidos, equívocos e conivências, e as dimensões afetivas e sociais presentes na situação real e no debate em voga. Beillerot propõe três condições ou critérios mínimos para reconhecer um procedimento como de pesquisa: o primeiro é produção de conhecimento novo; o segundo é produção rigorosa de encaminhamento; o terceiro é comunicação dos resultados. O nível da pesquisa pode ser elevado pelo cumprimento de três outros critérios: o primeiro introduz reflexão e crítica sobre suas fontes, métodos e modos de trabalho; o segundo refere-se à sistematização na coleta de dados e o último à presença de interpretações com base em teorias reconhecidas e atuais.

a) Ausência de compreensão da necessidade de preparação específica para atuar no ensino superior e ausência de espaço específico para essa formação: a licenciatura direciona-se para a educação básica e o bacharelado para a profissão específica. Ao mesmo tempo, não há uma política institucional, local e nacional, voltada para a formação docente nesse nível de ensino. Em função disso, os professores de ensino superior vivenciam uma condição paradoxal: são responsáveis pela formação de profissionais liberais e para a docência na rede escolar, no entanto, sua própria formação docente tem sido pouco valorizada. b) De modo geral, as instituições de ensino superior, carecem de espaços voltados

para o debate coletivo das questões inerentes à docência. O clima institucional geralmente não está envolvido na partilha de experiências e de conhecimentos voltados para o exercício da docência e não há espaço para construção compartilhada.

c) Há pouco comprometimento com o crescimento de professores e alunos como grupo que partilha a academia. A ênfase está na valorização da produção científica em detrimento da pedagógica.

d) Em função do exercício solitário do ensino, e da frágil ou inexistente articulação entre professores e entre disciplinas, os professores experimentam um sentimento de solidão pedagógica.

A respeito dos professores estudados em pesquisa realizada na Universidade de Santa Maria, ISAIA (2002, p. 4) comenta que é em contexto como o acima mencionado que professores “... ingressam na universidade, passando a exercer a docência respaldada apenas em pendores naturais, saberes e fazeres advindos do senso comum e, na experiência passada como alunos universitários. Assumem, desde o início, inteira responsabilidade de cátedra, sem contar com o apoio de professores mais experientes.”

Mesmo que a comunidade universitária venha acordando para esse problema, prevalece o modelo comum de separação entre as atividades de ensinar e de produzir conhecimento:

(...) a cultura acadêmica continua valorizando atividades voltadas para a formação dos professores como pesquisadores, tanto que em termos de progressão funcional, a tônica está na titulação e na produção, consideradas como garantia para a qualificação docente como um todo. (..) Sinalizando para a dificuldade dos professores perceberem-se ao mesmo tempo, como especialistas em seu domínio e como profissionais da educação, a produção dos mesmos é majoritariamente na área de conhecimento específico. (ISAIA, 2002, p. 4 -5)

ISAIA (2002, p. 5) sugere que a separação entre as atividades de ensino e pesquisa tanto “em termos de ênfase e valorização” quanto “em compreensão equivocada sobre o papel de cada um na educação superior”, é o que levaria a considerar o ensino como “uma simples transmissão de conhecimentos elaborados nos diferentes domínios e, portanto, uma atividade secundária”. No entanto, os docentes poderiam produzir conhecimento tanto sobre sua área específica quanto sobre sua prática pedagógica:

A dicotomia entre ensino e pesquisa pode levar a uma ruptura entre ser professor e ser pesquisador, fragmentando a identidade profissional dos docentes, impedindo, muitas vezes, que se conscientizem de que são responsáveis pelo preparo de futuros profissionais. Não se trata, contudo, de optar por uma função em detrimento da outra e sim de integrá-las na prática pedagógica universitária. (...). Devido a esta cultura de dissociação e de desvalorização do ensino em relação à pesquisa, na produtividade do professor, é pouco considerada a atividade propriamente educativa. Compactuando com este clima, constata-se que os docentes, em pauta, só enquadram como produção àquela de caráter acadêmico – científico estrito, desconsiderando as atividades relacionadas diretamente com a docência (aulas, orientação de alunos, etc.) como uma produção que pode ser designada de pedagógica. Na dinâmica entre produção acadêmica e pedagógica os docentes poderiam não só produzir em suas áreas específicas, mas também em como serem professores. (ISAIA, 2002, p. 5-6)

Alguns dos resultados das investigações dessa autora com professores de ensino superior se referem à forma como vivenciam a relação entre o ensinar e o pesquisar. ISAIA (2002, p. 7) distinguiu dois grupos de professores diferenciados pelos sentimentos em relação à atividade docente: ela classificou um grupo como professores com “empolgação pela docência em si” e o outro, como professores com “empolgação

pelo conhecimento”. Um mesmo professor pode vincular-se aos dois grupos “sendo que o diferencial está na dinâmica figura/fundo em que se apresentam para cada docente.”

No primeiro grupo os professores sentem prazer em “conduzir os alunos em seus processos de formação” e, ao mesmo tempo, sentem-se responsáveis por isso. No segundo, o sentimento de prazer está centrado na exploração dos conhecimentos relativos a sua área e na mediação entre esses conhecimentos e seus alunos. A integração entre esses sentimentos parece levar à valorização de ambas atividades na prática do professor. Em alguns casos porém, predomina o sentimento relacionado à pesquisa e os professores podem:

(...) incutir nos alunos gosto pela investigação, criando clima e condições para busca e descoberta, mas a docência no que tange ao ensino, pode ficar restrita a uma atividade de importância secundária. Esta última possibilidade aliada à falta de formação pedagógic a pode levar a que os professores d i s s o c i e m e n s i n o e p e s q u i s a e m s u a a t i v i d a d e a c a d ê m i c a . ( I S A I A , 2 0 0 2 , p . 9 )

Esses resultados sugerem que tanto a formação para ser pesquisador quanto a formação para a docência são alguns dos determinantes do tipo de relação entre ensino e pesquisa que um professor estabelece em sua prática pedagógica na graduação.