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transtornos alimentares. Ver dentre outros Pinzon e Nogueira (2004), Fernandes (2006).

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A presença e a clínica de mães: considerações preliminares a partir do atendimento no Projeto de investigação e intervenção da clínica das anorexias e bulimias 1

“O fato de a mãe poder atender às necessidades tanto biológicas quanto amorosa da criança constitui um dos motivos pelos quais a mãe é levada à categoria de Outro. O que impera é seu poder: suas respostas constituem lei ou regulamentos, suas demandas são mandamentos, seus desejos são desígnios. Quanto mais uma criança viver sua mãe sob a chancela de seu poder de doação, mais ela é vivida como potência de dar a vida e, paralelamente, maior é sua potência de dar a morte, além de amor.” (Zalcberg, 2003, p. 60)

As patologias conhecidas como “transtornos alimentares” apesar de não constituirem uma construção própria da contemporaneidade encontram-se por ela capturadas, verificando nos últimos anos um número expressivo de casos principalmente em mulheres 2. Na esteira deste dado, proliferam produções científicas em diferentes áreas do conhecimento, sendo que às de referencial psicanálitico 3 são ricas em ressaltar a correlação entre a sintomatologia alimentar e o primeiro objeto de amor, a mãe. Apesar da complexidade e da multiplidade de fatores que se interagem para que se configure um quadro desta natureza, esta vinculação constitui um espaço privilegiado de análise, mas principalmente, um desafio clínico.

O Projeto de investigação e intervenção da clínica das anorexias e bulimias abre espaço para a presença e a escuta destas mulheres-mães a partir das “primeiras entrevistas” e, posteriormente nas modalidades de atendimento “vincular”, “atendimento de família”, dentre outros espaços que promovem a sua inserção no tratamento, conforme a necessidade e singularidade de cada processo/

paciente.

Caso estas mulheres-mães demandem, ou se reconheça a necessidade de um atendimento individual, o projeto viabiliza o encaminhamento. As mães dos pacientes podem ser encaminhadas

! Projeto desenvolvido no Instituto Sedes Sapientiae visando o trabalho, o estudo e a pesquisa na área dos conhecidos como 1

transtornos alimentares.

! Ver dentre outros Pinzon e Nogueira (2004), Fernandes (2006).

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! Produções tanto nacionais quanto estrangeiras que, a título de exemplo, citamos algumas lançadas no início do século XXI, tais 3

como: Fernandes, 2006; Urribari (org), 2008; Gonzaga e Winberg (org), 2010; Bruno (org), 2011, dentre diversos artigos presentes em produções que tratam da psicopatologia contemporânea, por exemplo Fuks (2000), (2002) (2003). Vale ressaltar também o crescente número de dissertações e teses que privilegiam o tema.

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tanto para outros profissionais e instituições, quanto são recebidas para o tratamento individual psicoterápico e psiquiátrico na clínica do Instituto Sedes, sendo atendidas, também individualmente, pelos membros do projeto.

A partir da leitura e análise de relatos de supervisões 4, voltamos o nosso olhar para a presença e atendimento das mães no interior do projeto. Privilegiamos, para este trabalho, as supervisões de atendimentos vinculares, bem como aquelas que tratam dos atendimentos individuais das mães 5. Tendo como premissa o fato de nas supervisões tratarmos de casos e de questões que nos inquietam, acreditamos que estes dados possam contribuir para pensarmos a importância, os impactos e desafios da presença e da clínica destas mulheres.

A presença das mães no projeto: “portas abertas” e desafios em diferentes direções

Pela via da “função materna” estas mulheres chegam ao Projeto, - são mães de pacientes com problemática alimentar - podendo se tornar também pacientes por se encontrarem fragilizadas e mesmo impossibilitadas de serem convocadas a partir deste lugar. O que se testemunha, muitas vezes, é uma disfunção materna configurada em um circuito pulsional pautado pelo horror, pelo mortífero, reveladores da complexa e delicada relação mãe e filha, potencializadas nos quadros bulímicos e de anorexias. Nas palavras de Ribeiro (2010)

“por meio dos excessos, da desmesura – a anorexia e a bulimia -, que afiamos o olhar para aquilo que, de forma comum também acontece. As fronteiras entre mãe e filha são construídas por um intenso trabalho psíquico. No entanto, são sempre parciais e momentâneas, feitas e refeitas ao longo da vida de uma mulher. Sabemos que há momentos críticos: o adolescer de menina em mulher, a sexualidade e a maternidade primigesta – situações em que as fronteiras se delineiam, ou não.

Podem, também, sofrer desmoronamento, ou não terem adquirido contorno, como acontece nos Transtornos Alimentares” (p. 157)

Na medida em que introduzimos as mães na proposta de atendimento do projeto, presenciamos as dificuldades destas mulheres, reconhecidas também, no âmbito deste “intenso trabalho psíquico”, delineador de limites entre mãe e filha. Sabemos que as “condições psiquicas das mães, suas próprias representações da maternidade, sua possiblidade de acolher as necessidades fusionais de

! As supervisões são realizadas pelos psicanalistas Mário Fucks e Magdalena Ramos e para este trabalho foram analisadas, a partir

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dos registros realizados entre 2008 a 2014 por Waleska Martins de Oliveira, dezesseis supervisões referentes a nove casos.

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seu filho tanto quanto seus anseios de diferenciação” (Fernandes, 2006, p. 222) são partes importantes da constituição dos processos subjetivação. Neste sentido, os descompassos entre as necessidades da filha e as condições da mãe frente a elas, - produtor de vínculos marcados pelas

“ciladas narcísicas”-, delineiam demandas de encaminhamento.

Na vinheta abaixo, retirada do registro das supervisões 6, é ressaltado pela supervisora a dificuldade da paciente com transtorno alimentar entrar em contato com o discurso da mãe. Um discurso denso, sem brechas e espaço para a filha se posicionar trazia de forma intensa as perdas recentes da mãe, da filha, a descrição e visão nada acolhedora do comportamento da filha, evidenciando o desespero da mãe frente a realidade.

“A supervisora fala da dificuldade inicial de Silvia de ouvir o discurso da mãe, de entrar em contato com a história que a mãe vinha trazendo. O olhar de Sílvia para a fechadura parece querer dizer como ela estava se sentido, trancada naquela situação. (...) A terapeuta comenta a relação da mãe e Sílvia, algo que é exclusivo da dupla, pois a mãe não tem essa relação com nenhum dos outros filhos.” (Caso 8: Sílvia – 18/02/2013)

Ressalta-se também nesta vinheta o reconhecimento da terapeuta de uma dinâmica própria da relação da mãe com aquela filha. Mesmo com indicações claras para se trabalhar aspectos referentes aos vínculos podemos constatar, a partir das supervisões, que nem sempre o “atendimento vincular”

é da ordem da possibilidade, sugerindo para a mãe, pelo menos em um primeiro momento, o trabalho individual.

Dentre os argumentos visando o enquadre individual alguns são mais recorrentes, e se referem ao fato da mãe de se apresentar "muito perturbada", "desorganizada", "comprometida", não podendo contribuir de maneira mais efetiva para o tratamento da filha, conforme trecho extraído da supervisão:

“A terapeuta inicia o relato lembrando que inicialmente convocamos a mãe em função da gravidade do caso da filha e com o intuito de realizar uma terapia vincular mãe/filha. No entanto, ao fazer as entrevistas, a terapeuta constata que a mãe se encontra muito perturbada e que uma terapia vincular neste momento poderia ser contra-produtivo para o atendimento da filha. A terapeuta sugere então que se iniciasse o atendimento com uma terapia individual com a mãe e que posteriormente poderíamos pensar numa terapia vincular.” (Caso 5: Helena – 08/02/10)

! Os nomes de pacientes com transtorno alimentar e de suas mães foram alterados.

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Seguem a estes argumentos e ganhando um espaço sensível, a história de vida destas mulheres-

mães sempre portadoras de “dramas e tramas” que clamam por uma narrativa.

As indicações para um ou outro encaminhamento é uma construção que requer movimentações no enquadre e o enquadre das movimentações. Mais do que um trocadilho é o que vem sendo amplamente discutido nas supervisões, ou seja, a flexibilização e movimentos necessários, principalmente na fase inicial, visando viabilizar e melhor conduzir o tratamento, como também circunscrever e marcar o enquadre frente às movimentações dos pacientes. Fato que, por vezes, se assemelha a um jogo difícil de xadrez. No breve extrato de uma supervisão, podemos observar uma movimentação no enquadre vinda dos pacientes e que reflete a indiscriminação, a pouca visualização dos limites entre os membros da família presentificada na configuração do setting e a necessidade de se trabalhar esta realidade:

“A supervisora aponta que a forma como elas vão se relacionando com a terapia (uma hora vem a mãe, outra a avó, outra a irmã), (...) é como se fossem "coringas". Elas decidem, como se houvesse equivalência entre elas. Uma não pode vir, a outra vem. A supervisora aponta a necessidade da terapeuta estabelecer os limites do setting. (…). É preciso entender a necessidade da dinâmica ter se estabelecido desta forma.” (Caso 9: Sílvia – 18/02/2013)

Uma vez reconhecida e interpretada esta dinâmica da família, de parecerem "coringas", se propõe

estabelecer os limites do setting visando viabilizar o processo terapêutico.

A amplitude e possibilidade de movimentações no enquadre, da qual a abertura para o trabalho com as mães é parte, marca uma proposta de trabalho do Projeto, que vem sendo construída ao longo de quatorze anos. Neste trabalho nos propomos a pensar nos desdobramentos desta abertura, nas movimentações dos pacientes a partir do movimento de lançar a peça que insere, de forma efetiva, as mães na proposta de trabalho do Projeto. Os dados da supervisão não apontam para uma inserção simples, ao contrário nos apresentam desafios em diferentes direções.

Neste sentido, constata-se uma nítida dificuldade das mães se fazerem presentes, seja frente a um pedido de comparecimento à sessão, ou no que diz respeito a sua inserção pela via do “atendimento vincular” e/ou “atendimento individual”:

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“A terapeuta conta que a mãe não tem comparecido à terapia pois está trabalhando muito. Ela diz para Maria: ‘...vai indo você que você vai ficar menos louquinha...’ (Caso 1: Maria -28/07/08)

“A mãe é ambivalente e sempre diz: ‘este atendimento é um presente, tanta gente precisando e eu não consigo vir” (Caso 2: Paulo – 28/07/08)

Quando se fazem presentes, a qualidade desta presença passa a ser outro desafio, há mães que tomam para si o espaço - pela necessidade de narrar seu próprio drama e/ou para falar em nome da filha -, invadindo o “cenário”, buscando protagonizar a “cena”.

Uma postura que presentifica a “mãe dos extremos”, marcadas pela “ausência” e a “intrusão”, sendo a “mãe intrusiva tão nociva quanto a ausente, denotando assim os efeitos nefastos da mãe dos extremos” (Fernandes, 2006: p. 222). Ambas, “ausentes” e/ou “invasivas”, se sustentam numa relação de aprissionamento com suas filhas, num desejo fusional. Neste quadro, a presença de agressões verbais e físicas fora de controle não é incomum, e nos torna testemunhas do que podemos definir como um “deslocamento do risco”. Frente a uma melhora do sintoma, mas não apenas nestes momentos, o risco de morte passa a ser a violência, e por vezes a negligência materna.

Na perspectiva da dinâmica fusional e de aprissionamento mãe e filha, e os possíveis impactos no enquadre do trabalho, destacamos a seguir uma vinheta, na qual chama atenção os movimentos da filha e da mãe, movimentos que apesar de não serem comuns entre os pacientes atendidos no projeto, merece nossa atenção e instiga questionamentos. Vejamos o extrato abaixo:

“A terapeuta conta que Ana voltou à terapia. Ana é mãe de Aline (quando foi proposto o atendimento à mãe, Aline não volta mais). Algum tempo depois Ana reaparece solicitando ajuda e trazendo questões principalmente quanto à sua maternagem. Ela então pede à terapeuta que Aline possa vir; quando a terapeuta consente que a filha venha, ela some novamente. Depois de um mês, Ana volta e conta que fugiu de casa e não sabe o que aconteceu com ela. (Caso 4: Aline - 22/11/10)

Este pequeno trecho pode nos lançar para diferentes questionamentos e aprofundamentos – medos, desejos, fantasias, jogos de responsabilidades, etc – da relação mãe e filha. Neste trabalho, ele vem corroborar a importante e delicada inserção materna.

Mesmo que para algumas pacientes o fato da mãe está sendo cuidada, num espaço que ela também tem acesso, seja visto como tranquilizadora, estamos diante de inquietações e desafios desta

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inserção em diferentes níveis, tais como: as dificuldades das mães se fazerem presentes, a qualidade desta presença, a presença/ausência vista aos olhos da filha, os aspectos interativos da “qualidade” e da “percepção da filha” em relação à presença/ausência da mãe.

O Desamparo Materno: em busca de um lugar

No enredo das movimentações – ausências significativas, presenças excessivas, movimentos bruscos, deslocamentos indesejáveis – gostaria de destacar a passagem do último trecho retirado da supervisão de 22/11/2010 “Algum tempo depois Ana reaparece solicitando ajuda e trazendo questões principalmente quanto à sua maternagem”. 7

Esta demanda, acolhida pela equipe de terapeutas, evidencia o desamparo destas mulheres frente a posição que “oficialmente” ocupam. Desamparo ao qual estamos submetidos e que a psicanálise contribuiu para explicitar, também pela via da diferença sexual, apontando que somente o visível e concreto não define o estatuto das coisas. Nesta perspectiva, muitas vezes, não se consegue “ver uma mãe ali”.

“A terapeuta diz que está trabalhando com Ana mas que Alice está sempre nas sessões. Ana está sempre se questionando com relação á filha. A supervisora diz que ela parece estar muito esvaziada, que ela está numa posição anterior a maternidade, ela é que ainda precisa de maternagem(...)” (Caso 4: Gisele – 22/11/2010)

“Carla parece não ter tido maternagem, não se constituiu tem um grau de cisão enorme. (...)Ela parece não viver a maternidade, não entra em contato, é um modo de se afastar, se colocando como observadora. É preciso questionar o que é ser mãe para ela, pois parece que sua mãe lhe roubou sua filha e seu direito à maternidade. (...) É preciso investigar até onde a mãe lhe roubou a maternidade, esta mãe que não a preparou para ser mãe e ainda lhe rouba a filha" . (Caso 5: Helena – 18/10/10)

Estamos diante de “mães dos extremos” e/ou filhas que não tiveram como fazer a travessia do vir a ser mãe? Esta travessia nos remete a sua relação com a própria mãe, somada a diferentes enredos – registro da filha pelo pai, deixar a criação da filha para a mãe, avó que “rouba” para si a neta, escolhas de objeto sob o domínio da compulsão a repetição, dentre outros - que ao final resulta na permanência destas mulheres no lugar de filha. Os desdobrando são conhecidos, suas filhas viram mães, ou irmãs mais velhas “confidentes para assuntos de trabalho e amorosos”:

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“O pai registrou a filha no seu nome (ela é irmã da filha). (...) A supervisora diz que dentre as fantasias reinantes na família, é como se Ana tivesse tido um filho com o pai. (...)E ressalta que estamos privilegiando o atendimento de Alice, para que ela possa entender o que está acontecendo no relacionamento com essa mãe, que ela algumas vezes diz que parece uma irmã”. (Caso 4: Alice - 18/05/09)

Nas supervisões analisadas há diversas menções sobre as mães e os seus “lugares” - “lugares

intercambiáveis”, “lugares como fuga”, “lugar frágil”, “sem lugar”-, se reconhece, portanto, a questão e a busca destas mulheres por um lugar que rompendo a condição psíquica desta busca se materializa no cotidiano, conforme exemplificado na vinheta abaixo:

“A mãe diz que saiu com a roupa do corpo e foi para a casa do “namorado”, pessoa que ela abomina, não tem relação sexual, mas que a acolhe. (...) Ana justifica que saiu de casa para se estruturar e tentar tirar a filha de lá. Ela não avisou a filha quando sumiu (...). Ela diz que não quer dar satisfação para os pais; com relação a filha tem medo de sua reação. (...) A terapeuta comenta que Ana diz que hoje trabalha muito, para juntar dinheiro e arrumar um espaço para ela e a filha.” (Caso 4: Gisele – 22/11/10)

Frente a insistente e relevante questão dos lugares um aspecto se destaca, sendo comum aos casos analisados: o fato destas mulheres estarem muito próximas, fisicamente, de suas mães algumas morando na mesma casa, no mesmo quintal, ou bem perto onde a presença física da mãe é intensa, mas nem por isso continente e “sufientemente boa”.

Estas mulheres, mãe de filhas com transtorno alimentar, no lugar do entre suas mães e suas filhas,

nos aproximam de um trabalho que coloca em perspectiva a transgeracionalidade. Ribeiro (2010) ressaltando a possibilidade da transmissão dos fracassos no processo de separação entre mães e filhas, nos diz que com “um bebê do sexo feminino, a mãe revive mais intensamente sua própria trajetória feminina. O par mãe-filha, que estava no palco na geração anterior, é novamente atualizado; as violentas ambivalências podem durar gerações, ou seja, não há história, apenas a reprodução do mesmo.” (p. 159) Neste sentido, destacamos um pequeno trecho no final do relato da supervisão de 18/02/13:

“Algumas coisas são colocadas pela terapeuta: a ambivalência materna que elogia os filhos, mas os agride tanto fisicamente quanto com palavras cruéis. E ainda, que este mesmo ódio sempre foi recorrente entre a Mãe e a própria mãe”. (Caso 9: Sílvia)

A presença da mãe da mãe: uma escuta importante

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Nos desafios que permeiam a clínica dos transtornos alimentares, a escuta das mães tem muito a contribuir. Neste sentido, faço um recorte de um caso de uma jovem hospitalizada com o diagnóstico de anorexia que foi conduzido e descrito por Lima (1995, 2011). Rico em exemplificar a importância desta escuta, este caso traz a presença da uma mãe que "compunha o cenário de um leito de quase morte" e nos diz da transgeracionalidade na composição da sintomatologia alimentar.

Quando o analista é chamado a intervir duas frases insistentes lhe chamaram a atenção, uma dita

pelos familiares e pela equipe hospitalar: "o problema dela é a mãe, não permita que a mãe fique muito com ela". A outra oriunda da paciente, que dizia não suportar “o corte na barriga e que iria morrer".

A escuta da mãe desta paciente foi viabilizadora de elaborações e transformações importantes, só ocorrendo, segundo relata o autor, quando o analista se deslocar de um lugar de "impotência" - familiar aos profissionais que trabalham com esta problemática -, marcado pela dualidade, por posições imaginárias e identificatórias. Lima (1995, 2011) diz que uma vez desalojado deste lugar passa escutar a mãe "de uma outra maneira", aparecendo o não-saber desta mãe sobre sua filha e com ele o desejo de saber a razão pela qual a filha perseguia a morte. Segundo o autor:

"Enquanto a vivência ali comigo ocorria, essa 'revivência" acontecia e algo de muito novo se produzia. Num momento, ela me disse que sabia o que acontecia com a filha, que ela própria havia deslocado tudo para ela. Essa frase extremamente condensada, de uma força incrível, depois de ter sido articulada provocou um choro convulsivo. Percebi aí que alguma modificação radical estava acontecendo nela. Era como se algo marcado pudesse começar a tomar expressão, uma abertura para as possibilidades de mudança nas marcações inconscientes da mãe estaria sendo instaurado.

Após a narração desses fatos, a mãe altera rapidamente os lugares de extrema possessividade e proteção que ocupava em relação à filha.” (Lima, 2011: 6

Este enquadre, em que pese importante, cumpre, neste caso, uma parte do desmantelamento do sintoma não sendo suficiente para reverter todo o quadro, desta forma nos remetendo à complexa composição do sintoma nas interfaces do inter e intra-psiquíco.

A mãe e o sintoma

Nas inquietações não poderia deixar de aparecer aspectos referentes à sintomatologia. A exuberância e a dimensão muitas vezes trágica do sintoma, próprias das afecções alimentares,

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colocam os envolvidos com estes pacientes, sejam familiares e/ou profissionais, em situações extrema. O sintoma tem um apelo que acaba por propiciar, convocar e até mesmo exigir que desloquemos dos lugares inicialmente, “designados”. Aspecto este que aparece em destaque nas discussões e nas supervisões. No que se refere às mães o que vemos muitas vezes é um aprissionamento que às colocam na condição de reféns, com reações que vão da alienação/negação ao desespero/atuações.

Volto ao caso Lima (1995, 2011) para chamar a atenção para a sintomatologia, dos conhecidos como transtornos alimentares, e sua possibilidade de abertura para o pensamento versus sua paralização. A pergunta que abre a possibilidade de uma narrativa, neste caso “porque minha filha persegue a morte?”, encontra-se muitas vezes silenciada pelo horror que pode vir da resposta.

Estamos muitas vezes diante de mulheres-mães impossibilitadas de se perguntarem “por que isto acontece”:

“ Joana faz como um bebê, que não se controla. É como se ela quisesse mostrar suas “merdinhas”, e o faz através do vômito. A mãe vê isto como se fosse contra ela, como uma agressão. A mãe não consegue nem se perguntar por que isto acontece." (Caso 7: Joana 15/10/12)

Pergunta sem dúvida dificil, mas poderosa, no âmbito das construções teóricas proporcionou ricas e importantes elaborações em diversas direções – corpo, narcisismo, relações objetais, transgeracionalidade, contemporaneidade, dentre outros. Clinicamente sabemos que estas mulheres-mães têm muito a dizer sobre si mesmas antes de poderem se perguntar sobre suas filhas.

Mas a possibilidade de ser construida/formulada é quem sabe tornar possível para as mães vir a recuperar um saber sobre si e sobre suas filhas e assim possibilitar que a história possa ressurgir e prosseguir. Como Castoriadis (1986) belamente nos lembra, o “nosso destinos não é o da servidão, há uma ação que pode apoiar-se sobre o que existe para fazer existir o que queremos ser”.

A presença destas mulheres na proposta do Projeto é da ordem das intensidades - ausências significativas, presenças intensas - mobilizadoras de sentimentos transferências que constitui um aspecto relevante das inquietações. Somos convocados à todo momento a pensar e repensar nosso trabalho clínico, e neste sentido o percurso deste trabalho nos leva a busca de uma sistematização de um referencial de análise e intervenção que sustente a prática clínica destas mulheres-mães.

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Luciano Elia no prefácio do livro “Relação mãe e filha” de Zalcberg (2003) apresenta o percurso da autora dizendo que a maneira como trabalha a relação a relação mãe e filha,“não é entre uma pessoa que é mãe e outra que é filha, mas entre duas posições do sujeito mulher, tanto no lugar de filha, em face a sua mãe, quanto no lugar de mãe que poderá vir a ser, o que inclui necessária e estruturalmente as vicissitudes de sua experiência de filha”. Conclui dizendo que o “fio condutor desta relação é, portanto, a mulher” 8 Um fio condutor frutífero que nos direciona no sentido da complexidade do tema. Podemos dizer que para a psicanálise a mulher é o seu próprio fio condutor, pois seu criador abre a sua obra com a mulher e a fecha com a questão da feminilidade. Assim temos um bom caminho a percorrer.

Referência Bibliograficas

Elia, L. Prefácio In: Zalcberg, M. A relação mãe e filha. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

Lima, A. Pulsões: uma orquestração psicanalítica no compasso entre o corpo e o objeto. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995

Lima, A. Acontecimento e Linguagem: ensaio de psicanálise e complexidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011

Pinzon, V. & Nogueira, F. Epidemiologia, curso e evolução dos transtornos alimentares. In: Revista de Psiquiatria Clínica 31(4) 158 – 160, USP, 2004

Ribeiro, M. A ilusão simbiótica e a cilada narcísica entre mãe e filha: um caso de bulimia. In:

Gonzaga e Weinberg (org) Psicanálise de transtornos alimentares. São Paulo: Primavera Editorial, 2010. p. 157-165

Zalcberg, M. A relação mãe e filha. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

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