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APONTAMENTOS SOBRE A CATEGORIA DO TEMPO EM TEXTOS NARRATIVOS

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 APONTAMENTOS SOBRE A CATEGORIA DO TEMPO EM TEXTOS

NARRATIVOS

CAMPATO JR, João Adalberto 1

Resumo: Este artigo objetiva dar conhecimento das potencialidades significativas do tempo na análise de narrativas.

Palavras-chave: Narratologia – Tempo Narrativo – Análise de Narrativas.

Abstract: This article aims to summarize the significant potential of time in narrative analysis.

Key-words: Narratology – Narrative Time – Narrative Analysis.

Pretende-se com este artigo oferecer ao aluno universitário, principalmente do curso superior de Letras, uma ferramenta por meio da qual ele possa refletir de forma sistemática e, tanto quanto possível, científica sobre uma das categorias mais relevantes e significativas do texto narrativo literário, a saber: o tempo.

Quase que invariavelmente, quando o crítico literário principiante lida com o tempo da narrativa, limita-se a expor considerações relativas ao binômio tempo cronológico e tempo psicológico. Longe de esgotar com semelhante postura o assunto em pauta, tal tratamento – que tem, evidentemente, sua importância particular e suas vantagens inequívocas - não é mais do que um passo efetuado em direção a uma descrição que poderia ser mais completa e tanto mais frutífera. Acentua-se que este artigo não objetiva constituir um documento exaustivo sobre o tempo. Conforme salientado, quer ele apenas suscitar reflexões no aluno, sugerindo-lhe a leitura de algumas obras teóricas em que a modalidade do tempo recebe um tratamento, por assim dizer, mais cabal e aprofundado. Como se observará mais adiante, dentre todos os signos temporais existentes, o que receberá mais atenção, no presente artigo, é o do sumário.

Feita essa observação de ordem preliminar, refira-se a um breve fato ilustrativo

da natureza essencialmente intrincada do tempo. Pertencem, com efeito, ao filósofo e

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 doutor da Igreja Católica Santo Agostinho as famosas palavras que dão conta de tal complexidade: “Que é, portanto, o tempo? Se ninguém me coloca a questão, eu sei; se alguém coloca a questão e se eu quero explicar, eu já não sei” (Les Confessions, Livres XI et XIV, 17. apud Molino; Lafhail-Molino, 2003, p.249).

Embora a categoria tempo esteja presente, igualmente, nos modos dramático e lírico, o artigo que ora se dá a lume, ainda que em termos um tanto quanto concentrados, cuida de sua manifestação apenas no modo narrativo. Levar isso em consideração comporta deixar explícito que a temporalidade é o eixo estrutural, sobretudo, da narrativa.

Ressalva feita, a análise do tempo de uma narrativa basear-se-á, antes de qualquer outro procedimento, na consideração de dois dos três planos em que a narrativa pode ser abordada: o plano da história e o plano do discurso. O primeiro deles refere-se ao plano dos conteúdos narrados, e o segundo reporta-se ao plano da expressão desses mesmos conteúdos. Em outros termos, significado e significante respectivamente. O tratamento em separado dos dois tempos paga tributo à comodidade expositiva, como bem salientaram Carlos Reis e Ana Cristina Macário Lopes (2000, p.406), já que os tempos estão, de forma íntima, relacionados entre si.

A prevalência, até o momento, de exegeses que privilegiam tão somente a

temporalidade da história pode ser compreendida pelo fato de o tempo ser um

constituinte bem manifesto e visível nessa camada de análise. Com efeito, pode-se, por

exemplo, averiguar com um rigor mais ou menos alto o tempo de uma história relatada

pelo narrador. Isso se realiza apresentando-se os marcos temporais que enquadram a

narrativa. Assim, haverá casos de histórias que duram horas, dias, semanas, meses,

anos e até duram séculos. É, outrossim, respeitante ao tempo da história, que é habitual

distinguir, consoante foi aludido no início deste texto, o tempo em cronológico e em

psicológico. O tempo cronológico não é outro senão o tempo que o relógio assinala, o

tempo matemático; já o tempo psicológico, por seu turno, é a maneira pela qual o

tempo é subjetivamente vivenciado e “filtrado” pelas personagens que povoam

determinado mundo possível.

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 Se, em boa parte dos casos, mormente naqueles em que sobejam os marcos temporais, não oferece maiores dificuldades a aferição do tempo da história, o mesmo já não ocorre com o tempo do discurso: a metodologia para sua mensuração não é, de pronto, evidente. Seguindo a melhor tradição, contudo, mede-se o tempo do discurso pela sua extensão, quer dizer, pelo número de linhas e de páginas, o que dá uma ideia aproximada do tempo que seria gasto para ler determinado fragmento de um texto. Por isso mesmo, o tempo do discurso é, na verdade e com exatidão rigorosa, um pseudotempo.

A riqueza e a consequente complexidade que o tempo do discurso confere à análise da narrativa é avaliada pela consideração dos três domínios com ele relacionados: a ordem, a velocidade e a frequência. Doravante, procurar-se-á tratar de cada um desses elementos, conforme os sistematizou, com muito acerto e indiscutível perspicácia, o teórico francês Gérard Genette e os seus principais comentadores.

Em Discurso da Narrativa (1995, p.33), assevera Genette que estudar “a ordem temporal de uma narrativa é confrontar a ordem de disposição dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos ou segmentos temporais na história”. Se se atentar para o fato de que, na reconstituição do plano da história, os eventos articulam-se necessariamente em ordem linear, um fenômeno verificado com acentuada frequência nas narrativas será o da anacronia, quer dizer, o da “discordância entre a ordem da história e a da narrativa”

(Genette, 1995, p.34). Numa formulação mais acessível, segundo salientam Molino e

Lafhail-Molino (2003, p.267), “eu posso relatar os acontecimentos numa ordem

diferente daquela em que eles ocorreram”. De duas espécies são as anacronias de que

se fala: a analepse e a prolepse. A primeira delas corresponde ao flash-back e a

segunda ao flashforward ou à antecipação. A analepse é, sem margem para dúvidas,

bem mais habitual nos textos narrativos do que a prolepse, e remonta às primeiras

obras literárias de que se tem notícia. Vale rememorar, nessa linha de considerações,

os inícios in medias res das epopeias, como em Os Lusíadas (1572), que obrigavam o

narrador a fazer retrospecções para que o leitor compreendesse o seguimento da

história.

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 No que atende à velocidade da narrativa, Gerard Genette (1995, p.87) salienta que ela configura-se “pela relação entre uma duração, a da história, medida em segundos, minutos, horas, dias, meses e anos, e uma extensão: a do texto, medido em linhas e em páginas”. Provém daí uma primeira grande distinção que se deve ter em foco: a isocronia e a anisocronia.

Quando se está diante de um processo cujo objetivo precípuo é conferir ao discurso da narrativa duração idêntica à da história relatada, então, estar-se-á diante de um procedimento isócrono. O procedimento será o da anisocronia quando houver

“alteração, no discurso, da duração da história, aferindo-se essa alteração em função do tempo da leitura” (Reis; Lopes, 2000, p.34). A cena (a representação de um diálogo de personagens numa situação qualquer, por exemplo), que, em geral, corresponde aos momentos mais dramáticos de uma narrativa, é um signo da isocronia. Os signos da anisocronia, por sua vez, são mais numerosos: a pausa (o tempo da história para e continua o tempo do discurso, como, por exemplo, nos trechos descritivos ou nas digressões), o sumário (o tempo da história é maior que o tempo do discurso) e a elipse (supressão de períodos de tempo; ou ainda, é anulado o tempo do discurso ao passo que prossegue o da história. As elipses são assinaladas por fragmentos do discurso como estes: “Dez anos depois” e “um ano mais tarde”). Embora Genette não a julgue como um signo autenticamente realizado pela tradição literária, é necessário considerar a extensão – assim a denominam Carlos Reis e Ana Cristina Macário Lopes (2000, p.154) -, que consiste no fato de o tempo do discurso ser mais longo que o tempo da história. Num exemplo forjado para fins meramente didáticos e para ser aplicado nos breves limites deste artigo, estaríamos ante uma extensão, por exemplo, se, numa determinada história qualquer, o narrador descrevesse o piscar de olhos de uma personagem ao longo de três páginas ou de quatro páginas.

Visto que o sumário é um signo temporal de grande valor e interesse, raro se

verificando narrativas que não o desenvolvam em sua economia interna, dele tratar-se-

á com mais vagar neste artigo. Assim, integrando o âmbito da velocidade narrativa e

sendo uma manifestação anisocrônica, o sumário é um signo temporal ou movimento

narrativo em que o tempo do discurso é menor que o tempo da história. Em termos

mais funcionais, é possível afirmar que há sumário numa obra literária todas as vezes

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 que o narrador resume, em poucas linhas ou em poucas páginas, acontecimentos diegéticos que se desenvolveram durante um período de tempo considerável, de tal forma que se percebe uma nítida desproporção entre a duração da história e a extensão do texto que a veicula. Pelo sumário, portanto, vários anos de vida de uma personagem qualquer podem ser contados em, por exemplo, um parágrafo de algumas escassas linhas.

No passo abaixo, o narrador heterodiegético (narrador que relata uma história da qual não tomou parte como personagem) de A cartomante (Obra Completa, 2004, v.2), de Machado de Assis, vale-se de um sumário para indicar que a explicação do triângulo amoroso que enreda as personagens do conto remonta ao passado distante:

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo (p.478).

É de concluir, à vista disso, que os eventos apresentados em forma de sumário gozam, em tese, de importância secundária na estrutura da intriga, representando momentos menos dramáticos, menos centrais ou, ainda, menos intensos. Observe-se, para confirmação disso, o excerto seguinte, extraído do romance Cinco Minutos (Obra Completa, 1959, v.1), do romancista cearense José de Alencar: “Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estúpida quanto pode ser: dormindo, caçando e jogando o bilhar” (p.192).

No que respeita a suas funções mais destacadas, o sumário assegura a transição

ou conexão entre duas cenas, prepara, de forma rápida, ações relevantes e sintetiza

acontecimentos secundários ou subalternos em relação à ação principal. Quanto ao

grau de condensação dos sumários, ele pode variar. Dessa maneira, aqueles mais

sintéticos aproximam-se de elipses.

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 Em matéria de ritmo, o sumário, acelerando a narrativa, confere-lhe velocidade rápida, contrariamente aos momentos em que predomina a cena (o tempo do discurso procura ser igual ao tempo da história, instaurando uma isocronia), com a qual o sumário geralmente se alterna ao longo dos relatos, principalmente naqueles de feição tradicional.

É por um efeito de combinação de todos esses signos que uma narrativa tem elaborados o seu ritmo, a sua velocidade ou o seu andamento. Destarte, não é difícil supor que um relato no qual preponderem os sumários e as elipses e pouco espaço haja para cenas, pausas e extensões, seja uma narrativa inegavelmente veloz.

Considerar a freqüência de uma narrativa é ter em mira uma “relação quantitativa estabelecida entre o número de eventos da história e o número de vezes que são mencionados no discurso” (Reis; Lopes, 2000, p.182). Como consequência, podem aparecer o discurso singulativo (a narrativa conta uma única vez o que aconteceu uma vez na história), o repetitivo (reporta o discurso em momentos distintos um acontecimento da história) e o iterativo (uma única emissão da narrativa representa várias ocorrências do mesmo evento).

Por meio do esboço concluído, julga-se que o aluno de Letras, doravante, terá, se já não o tiver, ciência da amplitude da categoria narrativa do tempo. Com efeito, saberá, entre outras coisas, que a análise do tempo de um romance, de um conto, de uma novela, por exemplo, passará por considerações outras que a de, simplesmente, distinguir tempo psicológico e tempo cronológico. De mais a mais, com a leitura da bibliografia abaixo listada, tem-se certeza de que tal aluno terá o embasamento teórico suficiente para realizar análises literárias mais rigorosas e eficientes, pelo menos no que respeita à categoria temporal.

REFERÊNCIAS

GENETTE, Gerard. Discurso da narrativa. 3.ed. Lisboa: Vega, 1995.

MOLINO, Jean; LAFHAIL-MOLINO, R. Homo fabulator: théorie et analyse du récit.

Montreal: Leméac, 2003.

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950 REIS, Carlos; LOPES, Ana C. M. Dicionário de narratologia. 7.ed. Coimbra:

Almedina, 2000.

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Pós-Doutor – UNICAMP. Professor Doutor I – UNIESP/Birigui.

Texto Recebido em 26 de abril de 2010.

Aprovado em 10 de junho de 2010.

Referências

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