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Cad. CEDES vol.33 número91

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Academic year: 2018

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Karen L. Kritzer**

Claudia M. Pagliaro***

H

á estudos que indicam que a vasta maioria de estudantes surdos tem desempenho signifi cativamente abaixo da media de sua série e de seus pares ouvintes em matemática (MITCHELL, 2008; TRAXLER, 2000). Essa defasagem tem sido encontrada em di-ferentes países (LEYBAERT; VAN CUTSEM, 2002; TRAXLER, 2000) e em diferentes conceitos e áreas matemáticas, incluindo o conceito de número, cálculo (TRAXLER, 2000), resolução de problemas e raciocínio (ANSELL; PAGLIARO, 2006; KRITZER, 2009b; NUNES; MORENO, 2002). Além disso, há pesquisas que indicam que esta defasagem começa cedo, antes mesmo do início da escolaridade formal (KRITZER, 2009a; KRITZER; PAGLIARO, 2013) e amplia-se com o passar do tempo (TRAXLER, 2000).

Estas evidências convincentes têm levado os pesquisadores a questio-narem as bases do desempenho de tais crianças para defi nir o detalhamento de tais diferenças e desenvolver intervenções que atinjam e diminuam a

* Traduzido por Beatriz Vargas Dorneles.

N. do T.: Optou-se por traduzir “deaf and hard-of-hearing students”, do original, como “estudan-tes surdos”, para manter a nomenclatura utilizada no Brasil.

** School of Lifespan Development and Educational Sciences, Kent State University. Kent (Ohio) – Estados Unidos.

*** Dept. of Counseling, Educational Psychology & Special Education, Michigan State University. East Lansing (Michigan) – Estados Unidos.

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defasagem. Neste breve panorama nós descrevemos as pesquisas relacionadas a áreas específi cas favoráveis e os desafi os que as crianças surdas parecem enfrentar, para então discutirmos os fatores potenciais que têm impacto sobre tal desempenho e, fi nalmente, descrevemos programas de intervenção que começam a aparecer nesta área de grande carência.

Áreas específi cas favoráveis e desafi os

Frente às evidências de que crianças surdas começam o ensino for-mal já atrás de crianças ouvintes em conceitos matemáticos fundamentais (KRITZER, 2009a; NUNES; MORENO, 1998), Pagliaro e Kritzer (2013) tentaram descrever especifi camente como a compreensão matemática se apresenta para pequenas crianças surdas. Vinte crianças com idades entre 3 e 5 anos foram solicitadas a completar um teste padronizado, bem como uma série de tarefas não padronizadas que refl etiam o desenvolvimento típico nas áreas de número, geometria, medidas, resolução de problemas, padrões, raciocínio e álgebra, defi nidos para crianças ouvintes (DEVE-LOPMENTAL TRACKER, 2001; SARAMA; CLEMENTS, 2009). Os resultados mostraram subconceitos dentro de cada área, com diferentes níveis de desempenho das crianças (médio, acima ou abaixo do esperado para sua faixa etária), dado certo nível de ajuda. Os resultados apresentaram áreas de desempenho relativamente superior (geometria) e de desempenho inferior (medidas e resolução de problemas) ao de crianças ouvintes. Vários conceitos mostraram-se particularmente desafi adores para crianças surdas de diferentes idades, tais como estimativa, tempo e sequenciamento, áreas nas quais já haviam sido encontradas difi culdades em estudos com adultos e crianças mais velhas (BULL et al., 2011; NUNES; MORENO, 2002). Então, é possível dizer que as fragilidades apresentadas pelas crianças surdas em conhecimentos e habilidades matemáticas básicas formam a base para as difi culdades encontradas entre estudantes mais velhos e adultos. Entre-tanto, pode ser, também, que crianças surdas não desenvolvam conceitos matemáticos da mesma forma que as crianças ouvintes e, dessa forma, não deveriam ser medidas com o mesmo padrão usado para crianças ouvintes (ANSELL; PAGLIARO, 2006).

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dos problemas, ou seja, pela modalidade de linguagem: escrita (HYDE; ZEVENBERGEN; POWER, 2003; KELLY; MOUSLEY, 2001) ou de sinais (ANSELL; PAGLIARO, 2006; PAGLIARO; ANSELL, 2012), e pela forma e série/idade: equações numéricas (FROSTAD, 1999) ou resolu-ção de problemas com histórias (ANSELL; PAGLIARO, 2006; KELLY; MOUSLEY, 2001). Independentemente da apresentação, os achados têm sido semelhantes e indicam que: a) estudantes surdos têm desempenho inferior a crianças ouvintes na resolução de problemas; b) tanto o nível de leitura como o nível de “adivinhação” no problema afetam o sucesso (isto é, quanto melhor o nível de leitura, maior o sucesso; quanto maior a “adivinhação”, menor o sucesso); c) existem semelhanças com as crianças ouvintes quanto às estratégias de solução, apesar de existirem diferenças no desenvolvimento das estratégias.

Fatores que contribuem para o desempenho

Estudos mostram que o desempenho na matemática não é inerente à surdez ou a sua capacidade de entender conceitos matemáticos, mas parece estar mais ligado a fatores externos tais como a formação de professores, bem como a oportunidades educacionais e a fatores externos à sala de aula (PAGLIARO; ANSELL, 2002; KRITZER, 2008; PAGLIARO; KRITZER, 2010; PAGLIARO, 2010).

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formação em matemática, na memorização de conceitos geométricos e va-riáveis preditoras. Um estudo, entretanto, apresentou resultados contrários. No trabalho de Pagliaro e Kritzer (2005), nenhuma diferença signifi cativa foi encontrada na prática instrucional entre aqueles professores com e sem formação formal em matemática/educação matemática. Entretanto, os autores do estudo ressaltam que estes resultados exigem mais investigação, já que poucos professores na amostra tinham formação anterior em ensino matemático.

Professores mal preparados em matemática podem conduzir ao de-sen volvimento de poucas oportunidades para o ensino de matemática de qualidade na sala de aula. Tanto Kelly, Lang e Pagliaro (2003) como Pagliaro e Ansell (2002) encontraram evidências de que os professores de surdos prove-em relativamente poucas oportunidades para a solução de problprove-emas durante o ensino de matemática. Mais ainda, Pagliaro e Kritzer (2005) mostraram que professores de crianças surdas falham não só em prover ensino matemático signifi cativo e centrado nos estudantes como recomendado na área, mas também não o fazem devido à baixa expectativa que têm quanto aos seus alunos. Não são somente as oportunidades de aprendizagem (presentes ou ausentes) dentro da sala de aula que afetam a compreensão dos estudantes, mas também as oportunidades fora da sala de aula, incluindo o meio familiar, que podem contribuir para o conhecimento de conceitos fundamentais.

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apresentados para facilitar a aprendizagem (FEUERSTEIN; RAND, 1997). Os resultados não só mostraram uma diferença entre os dois grupos (com altas e baixas habilidades numéricas) quanto à frequência na qual os pais e a criança exibiam comportamentos de aprendizagem, mas também na qualidade de tais comportamentos. Os pais e seus fi lhos com relativamente altas habilidades em matemática tendiam a estender o discurso através de explicações e questionamentos adicionais. Estas crianças eram também mais aptas a coordenar dois ou mais comportamentos de aprendizagem, tais como iniciar a comunicação, comparar e referenciar o tempo. Então, os resulta-dos sugerem uma possível relação entre comportamentos de aprendizagem precoces, mediação no lar e habilidades matemáticas precoces.

Programas de intervenção

Uma formação melhor para professores que ensinarão crianças sur-das inclui conhecimento de como apresentar matemática conceitualmente embasada em resolução de problemas, fundamentais em salas de aula com estudantes surdos. Estas salas de aula deveriam priorizar a integração de oportunidades signifi cativas do mundo real mais do que aprendizagem procedural que não benefi cia estudantes a longo prazo. Também é im-portante que intervenções comecem muito cedo na família para ajudar as crianças a desenvolverem os conceitos iniciais antes da escola. Um programa de intervenção (KRITZER; PAGLIARO, 2012) está fazendo justamente isto: trabalhando com famílias para tirar as crianças de um início difícil na compreensão matemática, mostrando aos pais como interagir com suas crianças surdas, de forma que estimulem o desenvolvimento cognitivo e promovam o uso natural e signifi cativo da matemática em casa. Resultados deste estudo indicam mudanças produtivas nos comportamentos paternos que apontam um efeito positivo no conhecimento, no reconhecimento e na mediação dos pais em conceitos matemáticos iniciais com seus fi lhos surdos (idem, ibid.).

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endereçados às necessidades de estudantes mais velhos (MOUSLEY; KELLY, 1998), mostram que a intervenção é necessária e é um elemento que poten-cialmente contribui para o sucesso dos estudantes.

Olhando para o futuro

Embora os itens anteriores provenham informação valiosa quanto à compreensão matemática em pessoas surdas, existe muito ainda que é desconhecido. Entre os tópicos que necessitam de mais investigação estão os seguintes:

• Necessidade de determinar se as crianças surdas seguem a mesma trajetória de desenvolvimento dos conceitos matemáticos e habi-lidades já estabelecidas para crianças ouvintes e, se não, qual é o padrão normal de desenvolvimento para esta população;

• Avaliação contínua de crianças surdas, jovens e adultos que tiveram sucesso na matemática e na resolução de problemas para determi-nar os fatores que contribuíram para tal;

• Desenvolvimento e testagem de intervenções para determinar as melhores práticas para a educação matemática de crianças surdas; • Avaliação de possível impacto do desempenho e compreensão

matemática em outras disciplinas, incluindo Leitura e Ciências. Nossa intenção aqui não foi prover uma visão abrangente de toda a pesquisa que está sendo desenvolvida em educação matemática e surdez – outros estudiosos têm feito isso e remetemos os leitores a eles (GOTTARDIS; NUNES; LUNT, 2011; PAGLIARO, 2010) –, mas sim iluminar algumas áreas e prover algum contexto para pesquisas futuras. Nós esperamos que esse número temático possa desencadear um interesse mais amplo pela área.

Referências

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