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Parâmetros para a desconsideração insa da personalidade jurídica

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

NATÁLIA ESTHER BENEVIDES DE ABREU

PARÂMETROS PARA A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

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NATÁLIA ESTHER BENEVIDES DE ABREU

PARÂMETROS PARA A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PESSOA JURÍDICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela em Direito.

Orientador: Prof. M.Sc. William Paiva Marques Júnior.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

A162p Abreu, Natália Esther Benevides de.

Parâmetros para a desconsideração inversa da personalidade jurídica / Natália Esther Benevides de Abreu. – 2013.

56 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Empresarial e Direito Civil. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Desconsideração da personalidade jurídica - Brasil. 2. Direito empresarial. 3. Sociedades comerciais - Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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NATÁLIA ESTHER BENEVIDES DE ABREU

PARÂMETROS PARA A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. M.Sc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Professor Francisco de Araújo Macedo Filho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestrando Álisson José Maia Melo

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AGRADECIMENTO

Primeiramente, agradeço a Deus por ter me dado forças o tempo inteiro para carregar tudo aquilo que eu já nem acreditava mais conseguir, por ter chegado aqui.

Agradeço à minha mãe, Fernanda, primeiramente, que nunca deixou de acreditar em mim, e que, juntamente com meus pai e irmão, José e Victor, sempre que necessário, fizeram colossais esforços para me possibilitar prosseguir neste e nos demais projetos da minha vida.

Agradeço a Marília, irmã, pela presença, apoio, amor e amizade constantes, mesmo à distância, e pelo maior presente que ganhei na vida: a Isabella.

À minha família Abreu pelo amor e torcida tão sinceros.

Aos amigos de uma vida, que estiveram ao meu lado em tantas fases distintas, sempre apoiando.

Aos colegas da turma de graduação, que fizeram dos meus cinco anos de faculdade tão felizes.

A Ana Beatriz, Caroline, Danielle, Renata e Diego, pela amizade tão especial, de conversas, desabafos, ombros amigos e conquistas coletivas, os maiores presentes que a Faculdade de Direito me propiciou.

Ao Professor William, pela competência, compromisso e excelente orientação, que muito me ensinou e que fez nascer em mim o gosto pela pesquisa.

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RESUMO

Esta monografia discorre acerca da desconsideração da personalidade jurídica inversa. Investiga como se aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica inversa no Brasil. Para tanto, apresenta a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica pode ser episodicamente afastado nos casos de abuso da personalidade jurídica. Apresenta a evolução histórica da

disregard doctrine. Examina a aplicação da teoria da desconsideração no ordenamento jurídico brasileiro e da desconsideração inversa (não prevista em lei), face ao princípio da autonomia patrimonial. Apresenta o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da aplicação da desconsideração inversa.

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ABSTRACT

This monograph discusses about the reverse piercing the corporate veil. It presents the theory of piercing the corporate veil, according to which the principle of patrimonial autonomy of firm can be episodically kept away in cases of abuse of legal personality. This task presents the historical evolution of disregard doctrine. It also examines the application of the disregard doctrine according to Brazilian legal system, and the reverse piercing the corporate veil (which isn’t prescribed by law), against the principle of patrimonial autonomy. It presents the positioning doctrinal and jurisprudential about the application of reverse pirce doctrine.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA... 10

1.1 Escorço histórico... 11

1.2 Direito comparado... 14

1.3 Conceituação jurídica da disregard doctrine... 16

1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.4 2 Princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica... A Teoria da desconsideração: conceito... A teoriaultra vires societatis... Correntes doutrinárias:a teoria maior vs.a teoria menor... A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO... 16 20 23 25 29 2.1 A desconsideração do Direito Tributário…...……….. 32

2.2

2.3 2.4 3 3.1

A desconsideração do Direito do Consumidor, no Direito Econômico e no Direito Ambiental... A desconsideração do Direito do Trabalho...

A desconsideração do Direito Civil...

A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA...

A aplicação no Direito de Família...

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...

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INTRODUÇÃO

No plano do Direito Societário, desde muito cedo percebeu-se a possibilidade de utilizar-se da personalidade jurídica para a prática de atos ilícitos ou fraudatórios, lesando terceiros em benefício próprio. Todavia, a utilização ilícita ou fraudatória da personalidade jurídica não poderia jamais merecer a acolhida do Direito, razão pela qual se desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica é de interesse contemporâneo não só para os operadores do Direito, mas para a comunidade empresarial, com seus interesses voltados para a questão da responsabilidade societária, em particular, com enfoque para as quebras da autonomia absoluta do patrimônio da sociedade em relação ao patrimônio particular dos sócios.

Também se pode aplicar a desconsideração de maneira invertida, apesar de não positivada, afastando o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.

A presente monografia tem como desígnio discorrer acerca da desconsideração da personalidade jurídica inversa e sua aplicação.

O capítulo primeiro busca traçar aspectos importantes da desconsideração da personalidade jurídica, discorrendo, inicialmente, acerca do histórico da disregard doctrine, chegando à elaboração do seu conceito, levando em conta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, por ser elemento imprescindível para a aplicação da teoria da desconsideração, observando a incidência da teoria maior e da teoria menor.

O capítulo segundo tem como objetivo primordial elencar os pressupostos necessários à desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, considerando possibilidades de aplicação no Direito Tributário, no Direito do Consumidor, no Direito Econômico, no Direito Ambiental e no Direito do Trabalho, chegando ao Direito Civil.

O capítulo terceiro toma como base os conceitos dos capítulos anteriores para abordar o cerne da presente monografia, qual seja: a desconsideração inversa, analisando-se os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais quanto à sua aplicabilidade. Nesse tópico, apresentam-se as hipóteses de aplicação no Direito de Família.

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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

No plano do Direito Societário, muito cedo alguns perceberam que poderiam utilizar-se da personalidade jurídica para a prática de atos ilícitos ou fraudatórios, lesando terceiros em benefício próprio. Tal percepção foi aguçada quando o Estado, para promover o desenvolvimento público, estimulou o investimento em atividades lucrativas, por meio da criação de hipóteses de limite de responsabilidade entre as obrigações da sociedade e as obrigações dos sócios, possibilitando a preservação do patrimônio deles, que, em determinadas circunstâncias, não mais seriam chamados a responder, subsidiária ou solidariamente, pelas obrigações sociais.1

“A utilização ilícita ou fraudatória da personalidade jurídica não poderia jamais merecer a acolhida do Direito, razão pela qual se desenvolveu na doutrina estrangeira a chamada Doctrine of disregard of legal entity”. 2

Sobre o instituto, Rubens Requião3 assevera:

[...] a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos.

O objetivo da doutrina é adentrar na essência da sociedade, afastar a personalidade jurídica, para alcançar a responsabilidade do sócio. Há de se esclarecer, contudo, que não se trata de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos. 4

1 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias.

4. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2010, p. 234.

2 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias.

4. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2010, p. 234.

3 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais.

São Paulo. v. 410. ano 58, dez. 1969, p. 14.

4 A aplicação da teoria da desconsideração não implica a anulação ou o desfazimento do ato constitutivo da

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1.1Escorço histórico

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve sua origem delineada no âmbito da common Law 5, principalmente a partir de precedentes jurisprudenciais ingleses e norte-americanos.6

A sistematização da teoria, formulada no âmbito do direito anglo-saxão7, trata-se de uma elaboração recente da dogmática jurídica; ocorreu, pela primeira vez, com Rolf Serick, em monografia com a qual conquistou o título de Privat Dozent pela Universidade de Tübigen, no semestre letivo de 1952-1953, e as primeiras referências ao assunto podem ser encontradas na obra Piercing the Veil of Corporate Entity, datada de 1912, de autoria do jurista norte-americano Maurice Wormser.8

Conforme aponta Rubens Requião9, a doutrina foi profundamente estudada pelo Professor Rolf Serick, da Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg, cuja tese repercutiu intensamente na Itália e na Espanha:

Mesmo nos países em que se reconhece a personalidade jurídica apenas às sociedades de capitais surgiu, não há muito, uma doutrina que visa, em certos casos, a desconsiderar a personalidade jurídica, isto é, não considerar os efeitos da personificação, para atingir a responsabilidade dos sócios. Por isso também é conhecida como Doutrina da Penetração. Esboçada nas jurisprudências inglesa e norte-americana, é conhecida no direito comercial como a doutrina do Disregard of Legal Entity. Na Alemanha surgiu uma tese apresentada pelo Prof. Rolf Serick, da Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg, que estuda profundamente a doutrina, tese essa que adquiriu notoriedade causando forte influência na Itália e na Espanha. Seu título, traduzido pelo Prof. Antonio Polo, de Barcelona, é bem significativo: “Aparencia y Realidad em las Sociedades Mercantiles – El abuso de derecho por meio de La persona jurídica”. Pretende a doutrina penetrar no âmago da sociedade, superando ou desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e vincular a responsabilidade do sócio.

Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos. [grifos no original]

5 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os

grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 67.

6 O instituto da penetração da pessoa jurídica foi concebido a partir da Common Law, sistema jurídico que tem

na jurisprudência a principal fonte do Direito, onde o juiz faz a lei (judge made law), adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Difere da nossa tradição jurídica, influenciada pelo sistema romano-germânico, mais baseado no direito positivo, em que o juiz julga basicamente com respaldo nas leis. Por essa razão nosso sistema tem dificuldade em assimilar esta doutrina. Afinal, a lei prescreve a autonomia da pessoa jurídica e lhe limita responsabilidades, não avançando no patrimônio particular dos sócios.”(KOCH, Deonísio. Desconsideração da personalidade jurídica nas organizações, p. 64-65)

7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 30. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011, p 447.

8 COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

p. 9.

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No que diz respeito a precisar, exatamente, qual a decisão mais antiga sobre a matéria, não se pode afirmar que há unanimidade entre os doutrinadores10. Enquanto Suzy Koury11 defende que a decisão mais antiga tenha sido aquela relatada no caso Bank of United States vs. Deveaux, proferida pelo juiz Marshall nos Estados Unidos da América, Rubens Requião 12 alude ao julgado Salomon vs. Salomon & Co. Ltd., referente ao direito inglês - posicionamento também adotado por André Ramos13, o qual afirma ser este o caso pioneiro acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Assevera Suzy Koury14 que, em 1809, na decisão do caso Bank of United States vs. Deveaux, as cortes levantaram o véu da personalidade jurídica e consideraram as características individuais dos sócios. No entanto, a decisão foi repudiada por toda a doutrina à época.

Goza de maior notoriedade o caso inglês Salomon vs. Salomon & Co. Ltd., julgado em Londres em 1897, cuja sentença de primeiro grau é considerada pela doutrina comercialista a grande precursora da disregard doctrine:15 16

A disregard doctrine é fruto de construção jurisprudencial, notadamente a jurisprudência inglesa e a norte-americana. Com efeito, a doutrina comercialista aponta que o caso pioneiro acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ocorreu na Inglaterra, em 1897. Trata-se do caso Salomon vs Salomon & Co. Ltd., [...]

No caso em referência, a sentença de 1º grau entendeu pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da Salomon & Co. Ltd., após reconhecer que o Mr. Salomon tinha, na verdade, o total controle societário sobre a sociedade, não se justificando a separação patrimonial entre ele e a pessoa jurídica. Essa

10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010. p 42.

11 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e

os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 67.

12 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 30. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011. p 448.

13 Com efeito, a doutrina comercialista aponta que o caso pioneiro acerca da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica ocorreu na Inglaterra, em 1897. Trata-se do caso Salomon vs Salomon & Co. Ltd.[...]”. (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 324).

14 Com efeito, no ano de 1809, no caso Bank of United States vs. Deveaux, o juiz Marshall, com a intenção de

preservar a jurisdição das cortes federais sobre as corporations, já que a Constituição Federal americana, no seu artigo 3º, seção 2ª, limita-a às controvérsias entre cidadãos de diferentes estados, conheceu da causa.

Como bem assinala WORMSER, não cabe aqui discutir a decisão em si, a qual foi, na verdade, repudiada por toda a doutrina, e sim ressaltar o fato de que, já em 1809 ‘... as cortes levantaram o véu e consideraram as características dos sócios individuais’.” (KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 67-68).

15 Koury diverge acerca da qualificação, por vários autores, do caso inglês Salomon vs. Salomon & Co. Ltd.

como o verdadeiro e leading case da Disregard Doctrine: “Na realidade, o caso em questão foi julgado em 1897, portanto, oitenta e oito anos após a primeira manifestação da jurisprudência americana, só sendo possível, assim, considerá-lo leading case no Direito Inglês.” (KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 68).

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decisão é considerada, pois, a grande precursora da teoria da desconsideração, não obstante tenha sido posteriormente reformada pela Casa dos Lords, a qual entendeu pela impossibilidade de desconsideração, fazendo prevalecer a separação entre os patrimônios do Mr. Salomon e de sua sociedade e, consequentemente, a sua irresponsabilidade pessoal pelas dívidas sociais.17 [grifos no original]

Rubens Requião18 relata que a o Professor Piero Verrucoli, da Universidade de Pisa, em sua monografia Il Superamento della Personalità Giuridica delle Società di Capitali,

oferece-nos a origem dessa doutrina, que teria surgido na jurisprudência inglesa, nos fins do século XIX, em decorrência do caso Salomon vs. Salomon & Co, julgado em 1897.

Nesse caso, o comerciante Aaron Salomon constituiu uma company, em conjunto com outros seis membros de sua família, e, como modo de contribuir para a formação do capital da sociedade recém-formada, cedeu seu fundo de comércio. Em retribuição, Salomon recebeu vinte mil ações representativas do capital social, além de obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas, enquanto a cada um dos demais membros foi distribuída apenas uma ação para a integração do valor da incorporação do fundo de comércio da nova sociedade. Em momento posterior, a company começou a enfrentar dificuldades e, após um ano de funcionamento, entrou em liquidação, período em que se verificou que os bens sociais eram insuficientes para satisfazer as obrigações anteriormente assumidas – ativo insuficiente para satisfazer o passivo –, nada sobrando para os credores quirografários. O liquidante, em nome e no interesse dos credores quirografários, alegou que Salomon teria constituído a sociedade como artifício para limitar sua responsabilidade, devendo este ser condenado ao pagamento dos débitos da company, sendo a soma investida na liquidação de seu crédito privilegiado destinada à satisfação dos credores da sociedade. Tanto no julgamento em primeira instância quanto na Corte de Apelação, tais argumentos foram considerados, concluindo-se que a sociedade fora utilizada por Salomon como uma entidade fiduciária, ou melhor, um seu agent ou trustee, para dar continuidade aos seus negócios particulares – quando ele, na verdade, permanecera como real proprietário do fundo de comércio. Apesar da aplicação desse novo entendimento, que desconsiderou a personalidade jurídica de que se revestia a Salomon & Co., a House of Lords reformou a decisão anterior, sustentando que a

company havia sido validamente constituída:19

A Casa dos Lordes reformou, unanimemente, esse entendimento, julgando que a

company havia sido validamente constituída, no momento em que a lei

17 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 324 -325. 18 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 30. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011, p 448.

19REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais.

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simplesmente requeria a participação de sete pessoas, que haviam criado uma pessoa diversa de si mesmas. Não existia, enfim, responsabilidade pessoal de Aaron Salomon para com os credores da Salomon & Co., e era válido o seu crédito privilegiado. Mas a tese das decisões reformadas das instâncias inferiores repercutiu, dando origem à doutrina da disregard of legal entity, sobretudo nos estados Unidos, onde se formou larga jurisprudência, expandindo-se mais recentemente na Alemanha e em outros países europeus.20

Do exposto, verifica-se que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica originou-se por meio de construção jurisprudencial. Em decorrência disso, a análise pormenorizada do instituto, incluindo suas hipóteses de aplicação e princípios, por exemplo, somente veio a ocorrer a partir do estudo das próprias decisões judiciais sobre o tema.

1.2 Direito Comparado

Conforme Rubens Requião21, entre os inúmeros doutrinadores que formularam teorias a respeito do tema, destacam-se por estudos notórios e pioneiros: o Prof. Piero Verucoli, da Universidade de Pisa, autor da obra Il Superamento della Personalità Giuridica delle Società di Capitali nella Common Law e nella Civil Law (em tradução livre, A superação da personalidade jurídica da sociedade de capitais na common law e na civil law); o professor germânico Rolf Serick, da Universidade de Tübingen, com a tese Aparencia y Realidad em las Sociedades Mercantiles – El abuso de derecho por meio de La persona jurídica22 (em tradução livre, Aparência e realidade nas sociedades mercantis – o abuso do direito por meio da personalidade jurídica); e o jurista norte-americano Maurice Wormser, que desde 1912 versou a doutrina e procurou delinear seu conceito.

Em virtude de sua importância e crescente utilização, a teoria do superamento da personalidade jurídica passou a figurar entre os diversos institutos dos ordenamentos de vários países, recebendo diferentes denominações. Deste modo, fala-se em piercing the corporate veil, lifting the corporate veil, cracking open the corporate shell, no direito americano e no direito inglês; superamento della personalità giuridica, no direito italiano; durchgriff der juristichen person, no direito alemão; teoria de la penetración ou desestimación de la

20REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 30. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011, p 449.

21REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais.

São Paulo. v. 410. ano 58, dez. 1969, p. 13-14.

22A tese do Prof. Serick foi traduzida para o castelhano pelo jurista catalão Jose Puig Brutau e apresentada pelo

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personalidad, no direito argentino; e mise à l’écart de la personnalité morale, no direito francês.23

Quanto à normatização da teoria da desconsideração em outros países, Fábio Ulhoa Coelho24 tece os comentários acerca do direito inglês e do direito norte-americano:

O direito inglês foi o primeiro a ostentar norma jurídica cujo comando corresponde ao postulado pela teoria da desconsideração. O Companies Act, de 1929, estabelecia, na seção 279: “se no curso da liquidação da sociedade constata-se que um seu negócio foi concluído com o objetivo de perpetrar uma fraude contra credores, dela ou de terceiros, ou mesmo uma fraude de outra natureza, a Corte, a pedido do liquidante, credor ou interessado, pode declarar, se considerar cabível, que toda pessoa que participou, de forma consciente, da referida operação fraudulenta será direta e ilimitadamente responsável pela obrigação, ou mesmo pela totalidade do passivo da sociedade” (Bastid-David-Luchaire, 1960:77). A doutrina credita o dispositivo inovador às repercussões do caso Salomon, cujos efeitos se podiam entrever ainda em 1948, na revisão e consolidação daquele estatuto, e em 1986, na edição do Insolvency Act (Verrucoli, 1964:92/93; Farrar-Hannigan, 1985:72). No direito norte-americano, não existe nenhuma norma jurídica cujo sentido possa ser considerado especificamente o de incorporação da teoria da desconsideração. Mas, desde o século XVI, dispõe-se de instrumentos para a coibição de atos fraudulentos (o Statute of 13, Elizabeth, de 1570). A partir de 1919, o UFCA (Uniform Fraudulent Conveyance Act), revisado em 1984 pelo UFTA (Uniform Fraudulent Transactios Act), paulatinamente foi adotado pelas legislações estaduais (cf. Epstein, 1991:64/73), e tem sido considerado suficiente à repressão das fraudes visadas pela teoria da desconsideração. Para Clark, por exemplo, a pesquisa do critério geral para o afastamento da autonomia das pessoas jurídicas, a partir das decisões judiciais sobre o tema, é frustrante: por outro lado, as normas sobre negócios fraudulentos (UFCA, Bankruptcy Code e outras) adotam princípios, que são, no seu entender, a chave para a adequada tutela dos interesses lesados. São quatro postulados morais que, uma vez desobedecidos, autorizam a responsabilização do sócio por ação social: veracidade (o devedor não pode enganar o credor acerca de suas reais intenções), primazia (os credores devem ser satisfeitos antes da distribuição de dividendos ou mesmo da remuneração do acionista-administrador), paridade (os credores devem ser tratados sem discriminação injustificada) e desobstrução (o devedor não pode dificultar a execução da dívida pelo credor). Em outros termos, a teoria da desconsideração, na medida em que segue os mesmos princípios dos estatutos repressores dos negócios fraudulentos, dispensaria estudo e tratamento em apartado a esses últimos (1986:35/39). [grifos no original]

O autor complementa que:

A Argentina, na reforma do Código de Comércio de 1983, introduziu em seu direito a teoria da desconsideração (Mascheroni-Muguillo, 1996:59/60), valendo-se de uma original e interessante formulação, segundo a qual a personalidade jurídica da sociedade é inoponível se demonstrado que a atuação dela, pessoa jurídica, encobriu a consecução de fins extrassocietários, constituiu mero recurso para violar a lei, a ordem pública ou a boa-fé ou ainda para frustrar direitos de terceiros. Formulada em termos de inoponibilidade da personalidade jurídica, restam devidamente elucidados os aspectos processuais relacionados à teoria da desconsideração: o credor demanda

23PEREIRA, Valter Gondim. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista de Jurisprudência do Tribunal de

Justiça do Estado do Ceará. Fortaleza, v.13, p. 16-17, 2004.

24COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

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diretamente o sócio, alegando o uso indevido do instituto da autonomia patrimonial, e este não pode, em defesa, opor a existência da sociedade, caso reste provada a alegação. Trata-se, a meu ver, de uma contribuição preciosa do direito argentino, que o brasileiro deveria adotar. 25 ). [grifos no original]

Fábio Ulhoa, portanto, comenta acerca da teoria da desconsideração no Direito argentino, no tocante aos aspectos processuais, e ressalta que a contribuição dos argentinos deveria ser adotada pelo Direito brasileiro.

1.3 Conceituação jurídica da disregard doctrine

Conforme sintetiza André Pagani26:

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente deve ser aplicada nas hipóteses em que a autonomia da pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo para a composição dos diversos interesses envolvidos no caso concreto, ou melhor, para a realização de justiça. Caso a autonomia patrimonial da pessoa jurídica não impeça a imputação de responsabilidade ao sócio, ao acionista ou ao administrador, não haverá qualquer desconsideração de personalidade jurídica, pois inexistirá obstáculo para a composição dos interesses – os responsáveis pela conduta ilícita poderão ser identificados diretamente.

Verificada a relação do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, faz-se necessário, antes de conceituar a teoria, tecer comentários acerca deste princípio.

1.3.1 Princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica

Um dos principais efeitos da personificação da pessoa jurídica é a autonomia patrimonial dela em relação aos seus membros.27 Dessa forma, qualquer vinculação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios, associados ou administradores é afastada pela personalidade jurídica.

Em síntese, aduz Gilberto Bruschi28 acerca da natureza jurídica do instituto:

25COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010, p 59.

26SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 45.

27Infere-se do art. 985 do Código Civil que, com o registro do contrato social ou estatuto, a pessoa jurídica

adquire personalidade distinta da dos membros que a compõem e, consequentemente, patrimônio próprio, órgãos deliberativos e executivos, tornando-se a pessoa jurídica, assim, sujeito de direitos e deveres.

28BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da Pessoa Jurídica: aspectos processuais. 2 ed. São Paulo:

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A desconsideração caracteriza-se pela não aplicação do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em determinados casos concretos e, na verdade, o que se busca ao utilizar a teoria da desconsideração é a ineficácia da pessoa jurídica para aquele determinado caso,e não a invalidade daquela sociedade.

Susy Koury29 assevera que, entre os objetivos da personificação, como a limitação e, até mesmo, a supressão de responsabilidades individuais, está garantir a separação do patrimônio das pessoas jurídicas dos das pessoas físicas que as constituem.

Nesse sentido, Gladston Mamede30 explica que:

Com a constituição de uma pessoa jurídica, ou, mais precisamente para o que se está estudando, de uma sociedade, cria-se um novo ator jurídico no cenário das relações negociais, fruto da previsão in abstrato (norma agendi) de que não só os seres humanos podem ser sujeitos a direitos e deveres. A sociedade, portanto, é uma pessoa e, nessa condição, é absolutamente distinta da pessoa de seus sócios, realidade jurídica que em nada é prejudicada pela ausência no Código Civil de 2002 de uma disposição que repetisse o artigo 20 do Código civil de 1916, segundo o qual 'as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros' [...]

Justamente por haver uma personalidade jurídica própria, distinta, haverá igualmente um patrimônio correspondente à pessoa jurídica (a sociedade), em nada se confundindo com o patrimônio correspondente aos sócios. Ora, como o patrimônio em direito é a universitas iuris, vale dizer, o conjunto de relações jurídicas, (positivas e negativas), fica claro que os direitos da pessoa jurídica não se confundem com os direitos de uns, de alguns ou todos os sócios, regra que se aplica igualmente aos deveres.

Não é intuito da desconsideração da personalidade jurídica acabar com a autonomia da pessoa jurídica, que era prevista expressamente no caput do art. 20 do Código Civil de 1916: “Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Apesar de tal dispositivo não ter sido reproduzido expressamente no atual Código Civil, não há dúvida de que o princípio da autonomia patrimonial continua em vigor e de que a pessoa jurídica mantém uma existência distinta da dos membros que a compõe, conforme se pode extrair dos seus arts. 45 e 985 31 em interpretação combinada. 32 Na verdade, o intuito da desconsideração consiste em tornar mais eficaz essa autonomia patrimonial em relação aos

29KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os

grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 39.

30MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias.

4. ed. v. 2. São Paulo: Atlas S.A., 2010, p. 43.

31Código Civil de 2002: “Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a

inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. [...]

Art. 985: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

32SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo:

(19)

membros que constituem a pessoa jurídica.33 “Essa teoria não se volta contra a pessoa jurídica. Pelo contrário, a teoria da desconsideração é um aprimoramento do instituto da pessoa jurídica.”34

No tocante ao princípio da autonomia patrimonial, Fábio Ulhoa Coelho35 destaca que “é um dos elementos fundamentais do direito societário” e comenta sua relevância ao direito empresarial:

Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade. Esse é o princípio da autonomia patrimonial, alicerce do direito societário. Sua importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados. A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado [...]. O princípio da autonomia patrimonial é importantíssimo para que o direito discipline de forma adequada a exploração da atividade econômica.

Depreende-se que a autonomia patrimonial é um dos elementos fundamentais do direito societário, tendo em vista que determina a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, em regra uma vez que ainda existem sociedades com responsabilidade ilimitada:

Responsabilidade Limitada: Sociedade Limitada, Sociedade Anônima, Sócios comanditários na Sociedade em Comandita Simples e Sócios acionistas sem cargo de direção nas Sociedades em Comandita por Ações.

Responsabilidade Ilimitada: Sociedade Simples Comum, Sociedade em Nome Coletivo, Sócios comanditados na Sociedade em Comandita Simples e Sócios acionistas com cargo de direção nas Sociedades em Comandita por Ações. 36

Em decorrência do princípio da autonomia patrimonial, reconhece-se que o patrimônio pessoal dos sócios, associados ou administradores não responde por dívidas da

33BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da Pessoa Jurídica: aspectos processuais. 2 ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 28.

34COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p. 10

35COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 16.

36MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias.

(20)

pessoa jurídica, já que esta é sujeito de direitos e deveres distinto de seus membros. Portanto, quem atua legitimamente no mercado é a pessoa jurídica e não os membros que a compõem.

Tal princípio, contudo, não é absoluto; poderá ser afastado, episodicamente, pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, quando caracterizada a fraude e uso indevido da personalidade jurídica. Suzy Koury37 ressalva que:

A separação patrimonial e a limitação de responsabilidade não podem ser elevadas a dogmas, pois a personificação só se legitima enquanto servir aos propósitos para aos quais foi concebida, surgindo, assim, a necessidade de desconsiderar a personalidade sempre que for utilizada com intuitos diversos [...].

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho38 explica:

Nas relações empresariais, o princípio da autonomia patrimonial deve ser estritamente observado porque esta técnica de segregação de riscos está ao alcance das duas partes da relação obrigacional. Se uma sociedade empresária, quando devedora de certa obrigação, está sob o abrigo do princípio da autonomia patrimonial, ela não pode, na posição de credora, pretender obstar à outra sociedade empresária, que lhe deve, o acesso a igual benefício.

Observe-se que, em se tratando de outros ramos do direito, como Direito do Trabalho e Direito do Consumidor, por exemplo, a autonomia patrimonial tem sido mais facilmente relativizada.

Ressalte-se que só depois de executados os bens da pessoa jurídica, e respeitadas as limitações legais, é que os credores poderão suscitar a responsabilização dos membros da pessoa jurídica. Em conformidade, explica Gladston Mamede39 que:

[...] o patrimônio da sociedade é distinto do patrimônio dos sócios. [...]

Nesse contexto, importa questionar o que se passará quando a pessoa jurídica não possui condições de fazer frente a suas perdas, seus débitos, suas obrigações. A regra geral para tal hipótese é a afirmação de uma responsabilidade subsidiária de seus membros, vale dizer, sócios e associados. [...]

Para algumas situações jurídicas específicas, contudo, o legislador criou uma regra diferenciada: um limite entre as responsabilidades da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios, protegendo o patrimônio destes. Fê-lo para estimular as pessoas a investirem no mercado, a constituírem sociedades e explorarem atividades produtivas, a bem do desenvolvimento econômico e social do país.

Em síntese, discorre Fábio Ulhoa Coelho40:

37KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os

grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 26.

38COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010. p. 81.

39MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias.

(21)

A separação entre os patrimônios da pessoa jurídica e as pessoas que a compõe gera importantes consequências no tocante à responsabilidade patrimonial, posto que pelas obrigações dos membros da pessoa jurídica não responde o patrimônio da pessoa jurídica, nem pelas obrigações desta será possível alcançar o patrimônio individual de um seu membro, senão em hipóteses excepcionais e raras, e, mesmo assim, de forma subsidiária.

Do exposto, infere-se que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica tem importância essencial ao desenvolvimento da economia do País e, consequentemente, ao direito empresarial, todavia, não constitui um dogma absoluto, um direito absoluto, “sobretudo porque, muitas vezes, pode ser utilizado de forma abusiva ou fraudulenta, servindo de instrumento para a blindagem do patrimônio de empresários inescrupulosos e nocivos ao meio empresarial.”41

Com a finalidade de coibir o uso abusivo da personalidade jurídica, desenvolveu-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

1.3.2 A teoria da desconsideração: conceito

Reconhece a ordem legal a importância da pessoa jurídica para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

Em decorrência de sua autonomia patrimonial, todavia, a pessoa jurídica passou a ser desvirtuada em favor dos interesses individuais dos membros que a compõem. “Afirma Tullio Ascarelli que ‘a existência de uma sociedade não pode servir para alcançar um escopo ilícito’.”42 Visando coibir o uso indevido da pessoa jurídica, a doutrina desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.43

Da consideração da personalidade jurídica decorre a atribuição de autonomia patrimonial à pessoa jurídica em relação aos membros que a compõem.

Todavia, se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a compõem e se o patrimônio da sociedade não se identifica com o dos sócios, a manipulação da autonomia da pessoa jurídica torna-se um mecanismo propício para lesar credores,

40COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p. 13.

41RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 322-323. 42COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p. 15.

43Essa teoria não se volta contra a pessoa jurídica, como pode parecer à primeira vista e como, de fato, pareceu

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mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade.44 Indivíduos inescrupulosos forjam a constituição de pessoas jurídicas, celebram contratos ou realizam operações, com intuito de fraudar interesses e direitos de credores.45

Há casos em que só é possível trazer à tona o ilícito perpetrado pelos membros da pessoa jurídica aplicando-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica: “cabe invocar a teoria quando a consideração da sociedade empresária implica a licitude dos atos praticados, exsurgindo a ilicitude apenas em seguida à desconsideração da personalidade jurídica dela.”46

Suzy Elizabeth Koury47 traz o seguinte conceito da teoria:

[...] a Disregard Doctrine consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica, em casos concretos, mas, ao mesmo tempo, penetrar na sua estrutura formal, verificando-lhe o substrato, a fim de impedir que, delas se utilizando, simulações e fraudes alcancem suas finalidades, como também para solucionar todos os outros casos em que o respeito à forma societária levaria a soluções contrárias a sua função e aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico.

Flávio Tartuce48 explica que:

Tal instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa. Dessa forma, os bens particulares dos sócios podem responder pelos danos causados a terceiros.

O uso desvirtuado da personalidade jurídica, caracterizado pelo abuso da personalidade jurídica, é refutado pelo sistema jurídico. Assim, no caso concreto, pode o juiz afastar a autonomia patrimonial e imputar a responsabilidade aos sócios, associados ou administradores que se utilizaram da pessoa jurídica para a prática de fraudes.

A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida extraordinária, portanto somente deve ser aplicada nos casos em que há uso inapropriado da personalidade

44DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 86.

45Quando se analisa a pessoa jurídica sob o enfoque da possibilidade de servir de instrumento para a prática de

atos fraudulentos ou abuso de direito pelas pessoas físicas que a compõem (e não pelo viés de que contribuíram para a construção de uma sociedade economicamente viável, criando riquezas e desenvolvimento, proporcionando o bem-estar social), é cabível a declaração, datada de 1824, do ensaísta William Hazlitt: “Os organismos empresariais são mais corruptos e devassos que os indivíduos, porque têm mais poder para fazer o mal e são menos receptivos à desgraça e à punição. Não sentem vergonha, remorso, gratidão, nem benevolência”. (KOCH, Deonísio. Desconsideração da personalidade jurídica nas organizações, p. 63).

46COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 14. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 44.

47KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica: (disregard doctrine) e os

grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 85.

48TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método.

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jurídica com o fim de causar danos a credores ou a terceiros. Para afastar o princípio da autonomia patrimonial, é necessário constatar o abuso da personalidade jurídica pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Ressalta-se que a inadimplência por si só não é suficiente para tanto.

Nessa esteira, Fábio Ulhoa Coelho49, assevera que:

[...] a solução para evitar manipulações como estas não é abolir a autonomia da pessoa jurídica, como regra. O problema não está no perfil básico do instituto, mas no seu mau uso. O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the corporate veil) é exatamente possibilitar a coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraudes.

Relacionando a pessoa jurídica e o princípio da autonomia patrimonial, o autor desenvolve que:

A idéia de que o ato constitutivo da pessoa jurídica pode, em dadas ocasiões, ter sua eficácia suspensa, deixando, assim, de gerar consequências jurídicas o princípio da autonomia patrimonial, deve ser tomada como característica natural da pessoa jurídica. [...]

Nesse sentido, completando-se o conceito de pessoa jurídica, poder-se-ia consignar que esta é 'o sujeito de direito personalizado, incorpóreo e cujo ato constitutivo pode ser episodicamente ineficaz se servir de instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito'.50 [grifos no original]

A desconsideração da personalidade jurídica, portanto, é um instituto de Direito Privado que “introduziu sensíveis alterações na maneira como, tradicionalmente, se via a pessoa jurídica”51 e que visa, na hipótese de fraude, caracterizada por abuso de poder ou desvio de finalidade, afastar a regra da autonomia patrimonial em favor de credores prejudicados.

Ressalta-se que a personalidade jurídica se mantém regular para os fins legítimos, tendo em vista que a teoria da desconsideração não objetiva desconstituir a pessoa jurídica, mas visa tão somente o afastamento da personalidade jurídica no caso concreto em que se provar o desvio de finalidade ou abuso de direito, prevalecendo, dessa forma, a autonomia patrimonial para as práticas empresariais que não impliquem em desvio de finalidade,

49COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 14. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 37-38. 50COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p. 89.

51COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

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relativamente aos direitos decorrentes da atividade desenvolvida licitamente.52 Nesse sentido é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho53:

[...] a grande característica que cerca a disregard, diferenciando-a das demais soluções jurídicas que visam à coibição da fraude e do abuso de direito perpetrados com o uso expediente da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, é a dimensão e o sentido da sanção imputada ao agente da fraude ou do abuso de direito. Como na economia moderna, grandes companhias, com suas atividades, envolvem direta ou indiretamente, uma gama imensa de pessoas, e, portanto, de interesses, a coibição das fraudes e abusos de direitos viabilizados com uso de sua personalização deve ser feita de tal maneira que não acabe por prejudicar pessoas inocentes em relação ao ilícito. A disregard possibilita a imputação exclusiva do responsável pelo mau

uso da personalidade jurídica, preservando-a, em sua validade, e quanto aos atos não-fraudulentos em que se envolveu.

A conseqüência específica da teoria da desconsideração – a ineficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica – é, a meu ver, o aspecto relevante, na conjugação teórica que a sua formulação objetiva tencionou realizar.

[grifos nossos]

Em se tratando de medida excepcional, a aplicação da teoria da desconsideração requer prova cabal de fraude ou abuso de direito. Não é suficiente provar a insatisfação do direito credor, apresentar indícios de fraude ou arguir presunção de abuso de direito.

Reitera-se que a personalidade da pessoa jurídica e seu patrimônio não se confundem com a personalidade e o patrimônio pessoal de seus membros que a compõem, pois a pessoa jurídica e seus membros têm existência distinta. No entanto, diante da utilização ilegítima da pessoa jurídica, o Direito acolhe a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios, associados ou administradores e garantir os interesses e direitos de credores ou terceiros prejudicados.

1.3.3 A teoriaultra vires societatis

Conforme William Paiva Marques Júnior54, a teoria ultra vires societatis expressa que a pessoa jurídica exime-se de responsabilidade perante terceiros, por ato praticado por seu administrador com excesso de poder, mesmo que ausente a fraude (a fraude é pressuposto para o uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica).

52Mônica Gusmão assinala que “[...] não se pode confundir a despersonificação com a desconsideração. Na

primeira, a sociedade perde por completo a sua personalidade jurídica, enquanto, na desconsideração, a personalidade jurídica é afastada, temporariamente, para atingir o patrimônio dos sócios que se tenham utilizado da sociedade de forma fraudulenta.” (GUSMÃO, Mônica. Lições de direito empresarial. 10. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011. p. 157).

53COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989. p. 89.

54MARQUES JÚNIOR, William Paiva. Apontamentos sobre direito empresarial. Texto mimeografado. Local:

(25)

Portanto, se os administradores agirem com violação à lei ou ao contrato social, ficarão sujeitos a indenizar terceiros ou a sociedade regressivamente, neste caso se a sociedade assumir responsabilidade contra terceiros.

A positivação no direito brasileiro da teoria ultra vires societatis se deu com o disposto no parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-provando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Sobre o dispositivo, decidiu o STJ55 que o que limita o campo de ação da sociedade é a chamada especialização estatutária. Se a pessoa jurídica é constituída em razão de uma finalidade específica (objeto social), em princípio, os atos consentâneos a essa finalidade, praticados em nome e por conta da sociedade, por seus representantes legais, devem ser a ela imputados. Vale dizer, o ponto central para aferir a validade em relação a terceiros, concernentes a atos praticados por diretores em nome da sociedade, mas com excesso de poder, é sempre saber se o negócio é de interesse da sociedade ou estranho ao seu objeto.56

Ainda acerca da teoria ultra vires societatis consagrada no art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil, ressaltou o STJ57 que não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente. Decidiu ainda o STJ que o excesso de mandato praticado pelo administrador da pessoa jurídica poderá ser oposto ao terceiro beneficiário apenas se ficar afastada a boa-fé deste, o que ocorre quando: (I) a limitação de poderes dos administradores estiver inscrita no registro próprio, (II) o terceiro conhecia do excesso de mandato, e (III) a operação realizada for evidentemente estranha ao objeto social da pessoa jurídica. Verificada a boa-fé do terceiro, restará à pessoa jurídica exigir a reparação

55STJ- REsp 906193 / CE, Relator: Min. Luís Felipe Salomão, julgamento: 08/11/2011.

(26)

pelos danos sofridos em ação regressiva a ser proposta contra o administrador que agiu em excesso de mandato.5859

Convém ressaltar a diferenciação existente entre a teoria da desconsideração da pessoa jurídica e a da ultra vires societatis: diferentemente do que ocorre na teoria da desconsideração, os casos de responsabilidade pessoal do administrador não representam uma quebra do princípio da separação entre a pessoa jurídica e os seus membros. Para se aplicar o instituto da responsabilidade, portanto, não é necessário ignorar a personalidade do ente abstrato. A princípio, a sociedade é responsável perante terceiros pelos atos praticados por meio de seus administradores, enquanto investidos na qualidade de titulares dos órgãos. Na condução dessas funções é que se estabelecem as responsabilidades de seus titulares perante a própria pessoa jurídica, seja no contrato social ou estatuto. Este é o fundamento da responsabilidade dos administradores perante a empresa, na qualidade de titulares dos seus órgãos de administração. Como se vê, o instituto da responsabilidade não implica a quebra da regra da separação patrimonial. Ao contrário, reafirma-a na medida em que seu fundamento repousa na exata distinção entre a sociedade e os seus sócios-gerentes. Para responsabilizar os dirigentes da sociedade, basta a prova de que eles não agiram em conformidade com seus deveres e encargos, causando prejuízos a terceiros ou, até mesmo, à sociedade. Essa responsabilidade não prescinde da sociedade, permanecendo ilesa a sua personalidade jurídica, diversamente do que ocorre com a teoria da desconsideração.60

Conclui-se, portanto, que a teoria ultra vires societatis significa “além do conteúdo da sociedade”, ou seja, se o administrador, ao praticar atos de gestão, violar o objeto social delimitado no ato constitutivo, este ato não poderá ser imputado à sociedade. Assim, a sociedade fica isenta de responsabilidade perante terceiros, salvo se houver percebido benefícios com a prática do ato, quando então, passará a ter responsabilidade na proporção do benefício auferido.61

58 STJ- REsp 448471 / MG, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgamento: 20/03/2003.

(27)

1.4 Correntes doutrinárias: a teoria maior vs. a teoria menor

Conforme Carlos Roberto Gonçalves62, no Direito brasileiro, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que a teoria da desconsideração comporta duas concepções: a teoria maior e a teoria menor.63 Em consonância com o exposto, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.

- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.

- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos.64 [grifos no original]

62GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2009, p.

217-218.

63Fábio Ulhoa adota posicionamento divergente: “Em 1999, quando era significativa a quantidade de decisões

judiciais desvirtuando a teoria da desconsideração, cheguei a chamar sua aplicação incorreta de ‘teoria menor’, reservando à correta a expressão ’teoria maior’. Mas a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de ‘maior’ e ‘menor’

mostram-se, agora, felizmente, ultrapassados”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 14. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 49). [grifos nossos].

(28)

Para a teoria maior, comprovar o mero inadimplemento não enseja a desconsideração da personalidade jurídica; é necessário comprovar a fraude ou o abuso de direito para o afastamento da autonomia patrimonial. A teoria maior pode ser subdividida em teoria maior subjetiva e teoria maior objetiva.

Fábio Ulhoa65assinala: “Pela formulação subjetiva, os elementos autorizadores da desconsideração são a fraude e o abuso de direito; pela objetiva, a confusão patrimonial. A importância dessa diferença está ligada à facilitação da prova em juízo”.

Para a teoria subjetiva, portanto, é imprescindível a comprovação de fraude ou abuso de direito perpetrados através da pessoa jurídica para fundamentar a desconsideração. Neste caso, em exercício de seu livre convencimento, está o juiz autorizado a desprezar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica quando constatar fraude ou abuso de direito.66

“A teoria da desconsideração elegeu como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária o uso fraudulento ou abusivo do instituto”67, prevalecendo, dessa forma, a teoria maior subjetiva regra do direito pátrio, de modo a prestigiar o instituto da personalidade jurídica, cabendo a aplicação da desconsideração episodicamente nos casos de fraude e abuso da personalidade jurídica tratando-se da teoria maior subjetiva.

Porém, a teoria maior objetiva estabelece que “o pressuposto da desconsideração se encontra, fundamentalmente, na confusão patrimonial”68, sendo suficiente a ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio de seus membros para se afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Fábio Ulhoa69 observa que a formulação da teoria maior subjetiva apresenta dificuldades no campo das provas, em razão de se tratar em intenções subjetivas do demandado. A doutrina ou a ordem jurídica preocupam-se em estabelecer presunções de inversão do ônus probatórios, a fim de facilitar a tutela de alguns direito. No campo da teoria da desconsideração, é a formulação objetiva, proposta por Fábio Konder Comparato, que visa realmente auxiliar na facilitação da prova pelo demandante, ao eleger a confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração.

Por fim, concilia a teoria maior subjetiva e a teoria maior objetiva:

(29)

[...] a formulação subjetiva da teoria da desconsideração deve ser adotada como critério para circunscrever a moldura de situações em que cabe aplicá-la, ou seja, ela é a mais ajustada à teoria da desconsideração. A formulação objetiva, por sua vez, deve auxiliar na facilitação da prova pelo demandante.70

No que tange à teoria menor, é possível a desconsideração sempre que o credor demonstrar a insolvência da pessoa jurídica; o simples prejuízo do credor é motivo suficiente para a desconsideração. Assim, se a pessoa jurídica não dispuser de patrimônio para a satisfação do crédito, seus membros serão responsabilizados independentemente de fraude ou abuso de direito.71

Conforme Carlos Roberto Gonçalves72, a doutrina, em geral, considera que teoria menor foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro no Direito do Consumidor (art. 28, § 5º, da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor), no Direito Ambiental (art. 4º da Lei nº 9.605/98 – Lei do Meio Ambiente) e no Direito Econômico (art. 18 da Lei nº 8.884/94 – Lei Antitruste), contentando-se com a simples demonstração do prejuízo do credor para o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

André Pagani73 anota que a teoria menor, ao prestigiar tão somente a insolvência para a aplicação da desconsideração, estaria abolindo o instituto da personalidade jurídica da pessoa jurídica.

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica fundamentada na teoria menor ensejaria a responsabilidade ilimitada dos sócios ou administradores para com as dívidas das pessoas jurídicas de responsabilidade limitada.

70COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 46.

71RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 328.

72GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 216.

v.1.

73“No que diz respeito à denominada ‘teoria menor’, cumpre esclarecer que tal formulação não guarda com as

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