• Nenhum resultado encontrado

Grupo de Trabalho: Culturas e Territórios Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhos e Direitos Humanos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Grupo de Trabalho: Culturas e Territórios Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhos e Direitos Humanos"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

V

VEEnnccoonnttrrooAAnnuuaallddaaAANNDDHHEEPP--DDiirreeiittoossHHuummaannooss,,DDeemmooccrraacciiaaeeDDiivveerrssiiddaaddee 1

177aa1199ddeeSSeetteemmbbrrooddee22000099,,UUFFPPAA,,BBeelléémm((PPAA))

Grupo de Trabalho:

Culturas e Territórios Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhos e Direitos Humanos

O

OssiinnddííggeennaassddeeSSaannttaaRRoossaaddooPPuurruuss::GGeessttããooppúúbblliiccaaeeDDiivveerrssiiddaaddeeCCuullttuurraall

Voyner Ravena Cañete Universidade da Amazônia – UNAMA Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH

Thales Maximiliano Ravena Cañete Universidade Federal do Pará-UFPa/Universidade da Amazônia – UNAMA Uriens Maximiliano Ravena Cañete Universidade da Amazônia – UNAMA William Monteiro Rocha Universidade da Amazônia – UNAMA

Belém/PA 2009

(2)

Os indígenas de Santa Rosa do Purus: Gestão Pública e Diversidade Cultural

Voyner Ravena Cãnete1 Nírvia Ravena de Souza2 Uriens Maximiliano Ravena Cañete3 William Monteiro Rocha4 Resumo: No município de Santa Rosa do Purus, fronteira com Peru, as etnias encontradas são vistas pela sociedade do entorno como preguiçosas, inconstantes e avessas ao trabalho. No entanto, na arena política um ponto se destaca: os processos eleitorais apresentam intensa participação indígena, esta orientada pela experiência política Kaxinawá vivenciada em território peruano. Em território brasileiro a busca pela compreensão de processos eleitorais e de participação na gestão municipal marca a retórica e ação das lideranças indígenas locais. À luz do direito à diversidade e à participação cívica, este artigo apresenta resultados de pesquisa sobre esse cenário de interação e participação política marcado por conflitos interétnicos. Os dados apresentados resultam de entrevistas junto às lideranças indígenas Kaxinawá que participam da gestão municipal de Santa Rosa do Purus e em território peruano.

Palavras-chave: Fronteira. Indígenas. Gestão Publica. Diversidade Cultural. Rio Purus.

1. APRESENTAÇÃO.

Este trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa Gestão das águas na Amazônia: peculiaridades e desafios no contexto sócio-politico-regional da bacia do rio Purus. O referido projeto foi inicialmente financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa-CNPQ/ Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil-PPG7 e posteriormente financiado pela Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia – FIDESA e pela Universidade da Amazônia – UNAMA.

A primeira etapa da pesquisa buscou elucidar as questões voltadas à capacidade institucional dos municípios da calha do rio Purus diante dos desenhos das políticas públicas do governo federal que impõem processos de padronizações marcados por uma lógica de gestão que atende a realidades distantes daquela encontrada no cenário amazônico. Essa etapa foi composta por três viagens a campo, nas quais entrevistas estruturadas coletaram dados qualitativos, agregados à estratégia metodológica de grupo focal5 junto ao corpo técnico da administração local. Questionários com perguntas de respostas fechadas

1 Antropóloga, Doutora em Ciências Sócio-ambientais (NAEA/UFPA), Professora/Pesquisadora da Universidade da Amazônia (Unama) e antropóloga da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH).

2 Cientista Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA), acadêmico de Direito pela Universidade da Amazônia (Unama).

3 Acadêmico de Jornalismo da Universidade da Amazônia (Unama).

4 Acadêmico de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (Unama).

(3)

coletaram os dados quantitativos. Nessa etapa foi possível usar a técnica da lógia Fuzzy6 para tratar os dados quantitativos e qualitativos buscando construir cenários futuros orientados por respostas não binárias.

Passada essa primeira etapa de campo, novas realidade se evidenciaram na pesquisa, entre elas as especificidades de Santa Rosa do Purus. Assim, identificada sua peculiaridade como um município com população composta majoritariamente por indígenas das etnias Kulina e Kaxinawá, optou-se por uma pesquisa mais aprofundada sobre tal cenário. Nesse sentido, uma nova viagem a campo foi realizada, agora já aplicando instrumentos de coleta de dados específicos para o cenário de participação política e de gestão da etnia Kaxinawá na esfera local. Duas semanas de pesquisa cumpriram essa segunda etapa, com viagens diárias a duas aldeias indígenas em especial: Aldeia Canamary da etnia Kulina e aldeia Nova Mudança, que estava sendo aberta, pertencente aos Kaxinawá.

Este artigo apresenta, então, uma descrição preliminar das observações feitas em trabalho de campo sobre o município de Santa Rosa do Purus, no qual interfaces entre a sociedade maior e etnias indígenas são estabelecidas pela gestão local. Na primeira seção encontra-se algumas considerações sobre o cenário de fronteira da área, assim como os resultados da primeira etapa de pesquisa, voltada à capacidade institucional da gestão local. Em seguida o Município de santa Rosa é apresentado e com ele as especificidades encontradas no trabalho de campo, assim como são descritos o cenário de mudança indígena frente à vida política foco deste artigo. As considerações finais encerram o artigo. 2. TERRITÓRIO E FRONTEIRA: CENÁRIOS HISTÓRICOS E CONCEITO.

A Amazônia, "ainda sob o aspecto estritamente físico, é conhecida aos conhecemo-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma literatura inestimável, de numerosas monografias, mostram-no-la sob incontáveis aspectos parcelados. A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa." escreveu Euclides da Cunha, no inicio do século XX, quando nomeado chefe da comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto-Purus, com o objetivo de demarcar limites entre o Brasil e o Peru. Mais de cem anos se passaram desde que Euclides esteve nessa região e o excerto acima ainda se mostra evidente.

6 A Lógica Fuzzy permite especificar graus de pertinência de um elemento em relação a um conjunto específico. Assim, uma afirmação necessariamente não precisa ser exclusivamente verdadeira, podendo ser um pouco verdadeira, bastante verdadeira, ou muito verdadeira, ou outras variações possíveis dentro de um determinado universo de discurso. Essa é uma forma usual que o ser humano utiliza para expressar suas percepções, não ficando preso a conclusões bivalentes de sim ou não, estendendo o raciocínio bi-valorado para um raciocínio multi-valorado.

(4)

A região de fronteira a qual o célebre autor foi apresentado em 1905 se mostrava enquanto uma área portentosa e ao mesmo tempo conflituosa. Segundo Kassius Pontes (2005), Euclides dava a “Amazônia uma visão de constante mutação, de construção inacabada, uma espécie de página incompleta do Gênesis7”. Essa página incompleta e

quase esquecida a qual Euclides referencia a Amazônia encontra-se ainda no imaginário ocidental desde o século XVIII como uma área de fronteira marcada pela idéia de espaço vazio. Tal compreensão permanece até os dias atuais, tanto nas concepções dos indivíduos que migram para esse território quanto para os tomadores de decisão que operam nas políticas públicas.

Mesmo cem anos depois, a realidade dessa região encontra-se pautada em muitos aspectos descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios amazônicos. No entanto, existe uma diferença fundamental que caracteriza esse espaço de tempo: os problemas da época de Euclides eram fronteiriços e marcados pela luta do território no que ele considerava como um “conflito inevitável” entre Brasileiros e Peruanos; Já no contexto atual, se evidenciam inúmeros problemas sociais envolvendo as populações tradicionais com a gestão pública, no sentido de acesso de recursos e até mesmo nos processos políticos.

O conflito que a expedição de Euclides visava diplomaticamente sanar com a demarcação dos limites de Brasil e Peru, era entre os Caucheiros8 peruanos e os Seringueiros brasileiros. Atualmente, na região em questão inexistem conflitos nesse sentido. Entretanto, problemas sociais são evidentes nos dois lados da fronteira, com outra relevante diferença dos tempos de Euclides, o numeroso contingente de tribos indígenas distribuídas ao longo da região transfronteiriça da qual o sinuoso Rio Purus separa.

2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE FRONTEIRA PARA SANTA ROSA DO PURUS.

Fronteira em seu conceito amplo, diz respeito a uma determinada área de duas partes distintas. Tal conceito foi ao longo da história se consolidando e tanto no período das monarquias nacionais, quanto da Paz de Westphália9, o estabelecimento e delimitação do alcance do poder do Estado necessitavam de uma maior exatidão. No entanto, essa fronteira pode representar muito mais que uma mera divisão ou unificação de partes. Esse conceito pode representar também, o nível de autonomia e soberania de um Estado sobre o

7 Vale lembrar que Euclides da Cunha integrava um corpo de intelectuais marcadamente influenciados pelas lógicas evolucionistas que, além de forjar o escopo das ciências naturais, se espraiou para as ciências humanas, especialmente a Antropologia, então em consolidação como disciplina. Daí a idéia de “gênesis”, o cenário inicial da formação da civilização.

8 Faz referência ao Caucho, árvore presente na fauna da região e muito explorada na época. Dela é possível extrair uma goma elástica que, alem de ser de qualidade inferior ao látex, não se renova.

9 Foram uma série de tratados, que alem de encerrarem conflitos como a Guerra dos Trinta Anos, inauguraram o moderno sistema internacional ao colocarem consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado Nação. Em suma, delimitaram as fronteiras de poder de um Estado com o outro e se transformaram em um marco das Relações Internacionais.

(5)

outro, dois regimes políticos e/ou ideológicos, duas formas de organização e o que a fronteira que se buscará explicar neste trabalho exemplifica, o de duas realidades distintas.

Atrelado, e muitas vezes sinônimo ao conceito de fronteira, o conceito de limite é comumente utilizado. Entretanto, cabe diferenciação. A fronteira, no seu sentido amplo marca e coloca o outro lado como o diferente, ou seja, como o começo do novo, pode-se assim dizer. Já o limite, designa o fim do controle de uma determinada unidade político-territorial. Em outras palavras, fronteira diz respeito uma ordem e/ou demarcação natural, geométrica e até mesmo arbitrária, ou seja, de integração; todavia, o limite é uma abstração como fator de separação.

Na região foco deste trabalho, a fronteira é natural; na verdade, a fronteira é o próprio rio. O Rio Purus, caracteriza-se por uma sinuosidade peculiar que somado a sazonalidade entre os períodos de seca e de cheia, resulta em uma navegação repleta de desafios em sua totalidade de quase 3.300 Km. É considerado um rio de águas brancas e o aspecto meândrico que é conferido ao mesmo é notado desde sua nascente no Peru, passando pela Bolívia e desembocando nos estados do Acre e do Amazonas, no Brasil. A característica transfronteiriça que também é atribuída ao Purus deve ser atentamente analisada, pois ações voltadas ao desenvolvimento da região não podem se limitar a aspectos meramente geopolíticos e, sim, permear a bacia hidrográfica como um todo, além de respeitarem fatores sócio-políticos e econômicos da região.

De toda sorte, pensar em Santa Rosa do Purus significa pensar na fronteira a partir de seu conceito clássico, ou seja significa pensar no sentido de ocupação de áreas pouco povoadas e que têm nesse processo de ocupação uma dinâmica social própria marcada pela ausência do Estado e das regras institucionalizadas que normalmente orientam as ações dos atores sociais (CASTRO e HÉBETTE, 1989).

2.2 CAPACIDADE ISNTITUCIONAL EM MUNICÍPOS AMAZÔNICOS.

A redemocratização e a promulgação da constituição de 1988 tornaram o Brasil o país mais descentralizado do mundo. Com a descentralização ocorrida esperou-se que as instâncias federativas locais passassem a ter uma autonomia ampla e que os municípios desempenhassem nessa esfera federativa as atribuições relativas a políticas públicas que antes eram de competência federal. No entanto, as desigualdades regionais passaram a balizar as interações federativas (SOUSA, 2003).

Justamente nas desigualdades regionais reside o ponto de estrangulamento das políticas sociais e setoriais dirigidas para a Amazônia. No processo decisório que se desenrola no nível federal, a busca constante por mais orçamento por parte dos municípios,

(6)

estimula a estratégia pork barrel10 das bancadas estaduais no Congresso Nacional. Essa dinâmica fragmenta as políticas federais dirigidas à região, pois, a descentralização ocorrida em 1988 não dimensionou a falta de capacidade institucional dos municípios para implementar as políticas dirigidas à região. Assim, políticas sociais e setoriais não têm no município mecanismos político-administrativos que permitam a implementação dos desenhos configurados nas burocracias setoriais que operam as políticas públicas no nível da União.

Marcada pela formação meândrica que empresta particularidades na disposição e acesso dos recursos naturais pelas populações que nela habitam, a bacia do rio Purus desenvolve uma dinâmica natural diretamente relacionada com o ciclo das águas. Todavia, no cenário político administrativo essas especificidades não são consideradas. A ausência de compreensão por parte dos atores burocráticos que operam nas instituições locais aporta, aos marcos regulatórios, ineficiência e ineficácia. Os modelos de administração e políticas públicas desenhados no interior do pacto federativo admitem como premissa que o funcionamento dos municípios na Amazônia tenha a mesma rationale daqueles que inspiraram as políticas formuladas no âmbito da União. O que se verifica, no entanto, é a inadequação dessas políticas para a especificidade sócio-ambiental da Amazônia. O descompasso entre as demandas da população local e as respostas da gestão municipal pode ser tomado como o indicador mais expressivo sobre tal inadequação. Assim, o contingenciamento do repasse de recursos federais para a realização de serviços básicos e de direito das populações locais materializa a incongruência entre as políticas federais e a realidade local na Amazônia.

Os marcos regulatórios da União sobre recursos naturais estabelecem poucas interfaces entre suas regulamentações e findam por aumentar a complexidade para a realização de uma gestão integrada desses recursos. Mais que isso. Ao desconsiderar as especificidades das populações que acessam e usam a água, o solo e os recursos da natureza como um todo, esses marcos regulatórios impõem perdas significativas aos atores da Amazônia que são impedidos de deliberar sobre os usos desses recursos. Assim, é necessário identificar e compreender a racionalidade dos grupos sociais que pertencem a segmentos tradicionais da sociedade amazônica e que acessam e utilizam esses recursos sem a mediação das instituições formais. É prioritário, portanto, que as perspectivas dessas

10“a apropriação de recursos federais para projetos ineficientes que beneficiam os distritos específicos dos congressistas mas que pouco favorecem a nação como um todo”. (Shepsle e Bonchek 1997:204). O pork barrel é uma estratégia que permite que o parlamentar opere no nível da união otimizando votos na esfera local, pois, pode a partir da aprovação de emendas orçamentárias dirigidas para os municípios cobrar votos nas eleições seguintes. O pork barrel é, do ponto de vista da cooperação, uma contradição, pois, os parlamentares cooperam mesmo sabendo que as políticas nacionais são prejudicadas.

(7)

populações sejam incluídas em formatos institucionais para que o modelo proposto no nível nacional seja implementado em uma região como a Amazônia.

3. SANTA ROSA DO PURUS: UMA CIDADE INDÍGENA?

Resultante do desmembramento do município de Manuel Urbano, Santa Rosa do Purus foi constituída através da Lei Estadual nº 1.028 de 28 de abril de 1992.

Como município de fronteira internacional (Brasil/Peru), Santa Rosa do Purus encontra-se bastante isolada, pois o acesso ao município restringe-se ao transporte fluvial e a pequenas aeronaves que chegam à pista de pouso improvisada de terra batida mantida pela gestão pública local. A ausência de rodovias perfila um isolamento que marca toda a região do município. As atividades econômicas giram em torno, especialmente, do extrativismo, sendo a pesca de subsistência a segunda atividade mais importante. As atividades agrícolas restringem-se à produção de culturas de consumo local em decorrência do difícil escoamento da produção. Este se dá normalmente por via fluvial, ainda que bastante limitado pelas imposições da dinâmica da cheia e vazante do rio que impedem a navegação de embarcações de grande calado.

No que se refere a uma estruturação urbana, a dotação de equipamentos é bastante limitada. Duas escolas de ensino fundamental e médio atendem toda a população local, sendo que apenas uma escola de ensino fundamental (apenas até a quarta série) atende a demanda dos moradores. Como uma cidade jovem Santa Rosa do Purus apresenta baixa densidade populacional, evidenciada nos dados comparativos aos municípios vizinhos apresentados a seguir.

Tabela1 : Número de população residente por sexo nos municípios que compõem a bacia do Purus (Acre).

Fonte: IBGE: População (1970-2000).

1991 2000 Acre M F T M F T Sena Madureira 12.471 11.726 24.197 15.283 14.137 29.420 Manoel Urbano 2.764 2.563 5.327 3.375 2.999 6.374 Santa Rosa do Purus - - - 1.163 1.083 2.246

(8)

Do total populacional acima apresentado, mais de 50% é constituído de indígenas, já que a sede municipal encontra-se próxima à Terra Indígena Alto Purus onde as etnias Kulina (se autodenominam Madija/Madiha e falam a língua Arawá) e Kaxinawá (se autodenominam Huni Kuin e falam a língua Pano) compõem as 34 aldeias que integram essa TI. A imagem a seguir permite visualizar a presença e proximidade da área indígena da sede municipal.

Imagem 1: Terra Indígena Alto Purus

Fonte: ISA - 2009

A divisão das terras entre essas duas etnias acontece em um cenário até recentemente ausente de conflito, já que há um consenso sobre o uso e divisão da área entre esses dois grupos. As aldeias contam normalmente com Professor, Técnico de Enfermagem, Agente Indígena de Saúde - AIS e Agente Indígena Sanitário – AISAN. Tal quadro interno de serviços criado para as aldeias origina recursos que garantem uma relação mais próxima de consumo com artigos oriundos da sociedade maior. Agregado a esse cenário as políticas públicas sociais do governo federal, como bolsa família, potencializam ainda mais esse quadro de consumo. Vale ressaltar que os artigos

(9)

demandados restringem-se basicamente ao rancho11 mensal. No entanto, o recurso recebido volta-se significativamente para a compra de combustível usado para os deslocamentos no rio entre aldeias/aldeias e aldeias/cidade. Esse deslocamento merece um destaque, já que as atividades e conexões entre as aldeias representam parte do cotidiano dessas etnias e se inserem de forma intensa no cotidiano. As relações de parentesco, marcadas por uma vida social de visitas freqüentes e mesmo para trabalhos na roça demandam um deslocamento custoso, pois alimentado pelo combustível12 que move pequenas embarcações conhecidas como rabeta.

Foto 1: Embarcações indígenas conhecidas como rabeta.

Fonte: Pesquisa de campo – Jun/2009.

Atividades de pesca e caça em áreas mais distantes também são realizadas através de rabetas. Dessa forma, o consumo de combustível é bastante elevado, o que demanda uma preocupação entre essas etnias com a disponibilidade monetária para a efetivação da compra desse tipo de artigo. É nesse sentido que as relações indígenas de dependência monetária, especialmente Kaxinawá, marcam o cenário da vida de Santa Rosa do Purus, de

11 Rancho é a denominação regional do conjunto de artigos comprados para o consumo mensal de uma família. Normalmente é composto de sabão, sal, açúcar, óleo, margarina, bolacha, charque, arroz e feijão. No caso dos grupos indígenas, o rancho restringe-se basicamente aos quatro primeiros itens mencionados nessa composição.

12 As rabetas normalmente são movidas à gasolina que pode ser acrescida de óleo para motor buscando maximizar a quantidade barateando o produto final através da mistura.

(10)

tal sorte que mesmo na esfera da organização do espaço da sede municipal essa característica se expressa. Assim, há um bairro onde apenas os Kaxinawá residem, lá constroem suas casas, nas quais se estabelecem quando vêm à cidade para receber os recursos oriundos da bolsa família, ou mesmo seus salários.

Nesse movimento de ir e vir, os Kaxinawá findam passando parte significativa do mês na sede municipal. Em longo prazo, muitas famílias permanecem às vezes por vários meses do ano em Santa Rosa do Purus. As estratégias de sobrevivência entre os Kaxinawá, nesse cenário urbano, voltam-se para a demanda de auxílio junto ao poder público local. Este mostra-se bastante receptivo para esse tipo de atendimento, já que é através dessas relações que situações clientelistas se estabelecem e marcam o cenário da gestão municipal e dos processos eleitorais (BREHM & SCOTT GATES, 1999).

.

Esse cenário de dependência e troca com o poder público local vem desenhando um novo perfil populacional entre os Kaxinawá. Enquanto que na década passada a TI Alto Purus apresentava menos de 15 aldeias somando as duas etnias que compõem a área, após uma década esse número saltou para mais de 30 aldeias. Tal cenário pode ser explicado quando se evoca a estrutura administrativa originada nos serviços de educação e saúde garantidos para os grupos indígenas, pois tais serviços criam uma estrutura que se traduz em recursos monetários para uma aldeia com uma média de 20 famílias. Assim, a abertura de uma aldeia significa a criação de pelo menos três postos de trabalho (AIS, AISAN e Professor Indígena) que podem ser alargados para mais dois postos (Técnico em Enfermagem e Parteira).

O fator perverso desse processo pode ser observado apenas a longo prazo. Se grandes aldeias, marcadas por atividades agrícolas perfiladas pelas estratégias de parentesco e mutirão marcaram o cotidiano Kaxinawá até início do séc XXI, esse cenário vem cedendo lugar a aldeias pequenas, originadoras de empregos e recursos monetários, em sua estrutura de funcionamento articulada ao aparato das políticas voltadas aos indígenas. A gestão municipal evidencia-se como a principal interlocutora e operacionalizadora desse processo, já que, às administrações municipais cabe, localmente, implementar e desenvolver tais políticas.

A abertura de novas aldeias, no entanto, demanda um aumento populacional que justifique tais criações. Considerando que a divisão geopolítica entre Brasil e Peru não é reconhecida pelos Kaxinawá, a busca pelo aumento dos grupos através da migração dessa etnia da área peruana para o Brasil vem se mostrando como uma estratégia bastante eficaz entre os Kaxinawá para crescer seu contingente populacional. Os desdobramentos

(11)

perversos se traduzem nas alterações do cotidiano Kaxinawá de trato com a natureza, de esquecimento silencioso de suas técnicas de plantio, de suas regras de reciprocidade e mesmo de suas tradições mágicas13.

Foto 2: Famílias Kaxinawá em Santa Rosa à espera dos pagamentos da bolsa família

Fonte: Pesquisa de campo – Maio/2009.

13 Como primeiro resultado de pesquisa este artigo traz apenas dados da última viagem a campo, todavia, novas abordagens deverão compor as etapas seguintes do estudo. O refinamento na análise das mudanças vivenciadas pela atual situação de contato dos grupos Kulina e Kaxinawá e envolvimento com a sociedade maior mostra-se como prioritária. Uma análise comparativa deverá ser empreendida tanto na perspectiva temporal, para o resgate de memória, como entre as formas diferenciadas que essas duas etnias apresentam no processo de interface com a sociedade maior.

(12)

Mas um outro desdobramento vem perfilando esse cenário. Se por um lado os Kaxinawá, obnubilam suas tradições, seus costumes e mesmo seu conhecimento e técnica de trato com a natureza no contato com a sociedade maior, por outro lado a estratégia de migração Kaxinawá no sentido Peru/Brasil, realimenta essa sistema cultural. É evidente o reconhecimento entre as lideranças Kaxinawá brasileiras da importância da memória de seus ancestrais e que muitas vezes pode ser acessada apenas entre os mais velhos, no caso aqueles que se encontram em território peruano14. Ao mesmo tempo, a experiência em território peruano permite estabelecer comparações entre políticas públicas dos diferentes países. Nesse sentido, tanto os Kaxinawá que migram para o Brasil percebem a disponibilidade de serviços oriundos de políticas públicas específicas para os indígenas, ou mesmo aquelas de redistribuição de renda, como o caso da bolsa escola como uma vantagem do território brasileiro. Por outro lado, e considerando o cenário de participação indígena na vida política em território peruano, os Kaxinawá identificam as possibilidades de aprendizagem de uma lógica do campo político que também pode ser usada nas experiências no Brasil15.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em cenários de fronteira, onde dinâmicas diferenciadas muitas vezes se sobrepõem, uma situação chama atenção: o fluxo e refluxo de experiências entre uma mesma etnia para o enfrentamento de situações de marginalização impostas pela sociedade maior. Esse movimento evidencia-se como uma estratégia para enlarguecer experiências construindo novos conhecimentos entre os Kaxinawá. O discurso sobre tal aprendizado como um fator importante na relação com a sociedade do branco, especialmente na esfera política, está fortemente presente entre as lideranças indígenas. Ao construir uma cognição diferenciada resultante de cenários políticos e de gestão variados (Peru e Brasil) os Kaxinawá se fortalecem para momentos futuros que demandarão um posicionamento mais articulado frente às mudanças e imposições da sociedade do entorno.

14 Nas entrevistas foi possível constatar que em território brasileiro a geração mais velha Kaxinawá, entre 65 e 75 anos, interage de forma conflituosa com as gerações mais jovens negando o repasse, em alguns casos, do conhecimento tradicional Huni Kuin.

15 A cidade de Esperanza, em território peruano, teve no último processo eleitoral um Kaxinawá escolhido para ocupar o cargo de Alcalde, um fincão semelhante ao prefeito, na estrutura burocrática e de gestão brasileira.

(13)

REFERÊNCIAS

BECKER, Bertha K. Amazônia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998.

BREHM, John & SCOTT, Gates (1999). Working, Shirking, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public. Ann Arbor: University of Michigan Press.

CASTRO, Edna Maria Ramos de e HÉBETTE, Jean (Org.) Na trilha dos grandes projetos. Modernização e conflitos na Amazônia. Belém: UFPA/NAEA. Cadernos NAEA, nº 10. 1989.

CUNHA, Euclides. O Inferno Verde. In Um Paraíso Perdido: Ensaios Amazônicos. Org. Hildon Rocha – Coleção Brasil 500 anos. Brasília: Senado Federal, 2000.

INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL - Capturado em 10.8.2009 do sitio – www.socioambiental.org.br

KRUEGER, R. A & CASEY, M. A. (2000). Focus groups. A practical guide for applied research. California: Thousands Oaks.

PONTES, Kassius Diniz da Silva. Euclides da Cunha, o Itamaraty e a Amazônia. Brasília: Funag, 2005.

SHEPSLE, K. e BONCHEK, M. (1997), Analyzing Politics: Rationality, Behavior, and Institutions. New York, W. W. Norton & Company.

SOUSA, Celina.2003. Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos Orçamentários Federais. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, no 2, 2003, pp. 345 a 384.

Referências

Documentos relacionados

Considerando a importância dos tratores agrícolas e características dos seus rodados pneumáticos em desenvolver força de tração e flutuação no solo, o presente trabalho

A simple experimental arrangement consisting of a mechanical system of colliding balls and an electrical circuit containing a crystal oscillator and an electronic counter is used

a) Figuras ou motivos - são formas ou conjunto de formas não-interrompidas, portanto consideradas em primeiro plano (leis de percepção), invocando tensão e alternância visual

Considerando que a criminalização do aborto voluntário no primeiro trimestre da gravidez é uma grave intervenção em diversos direitos fundamentais da mulher e que essa

Durante este estágio, passei a maior parte do tempo no internamento do serviço mas também estive algumas noites no serviço de urgências, para além das consultas externas

Dos docentes respondentes, 62,5% conhe- cem e se sentem atendidos pelo plano de carreira docente e pelo programa de capacitação docente da instituição (que oferece bolsas de

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das