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MANUAL DE FORMAÇÃO PARA COMPETÊNCIAS PARENTAIS

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Academic year: 2021

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Experiencia da Rede Salesiana na

promoção das competências parentais

na reinserção das crianças vulneráveis e

em situação de rua.

MANUAL DE FORMAÇÃO PARA

COMPETÊNCIAS PARENTAIS

Cofinanciado pela União Europeia

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©VIS. Licenciado à União Europeia sob condições.

Esta publicação foi produzida com o apoio financeiro da União Europeia no âmbito do Projecto “Vamos Juntos! Acções integradas de participação e inclusão das Organizações da

Sociedade Civil e Titulares de Direitos nas políticas de promoção e protecção das Crianças em Angola”. Ref. CSO-LA/2017/390-665

O seu conteúdo é da exclusiva responsabilidade do VIS e não reflecte necessariamente a posição da União Europeia.

O VIS voluntariado internacional para o desenvolvimento é uma Organização Não Governamental Italiana que trabalha em prol do desenvolvimento internacional, em especial junto das missões salesianas pelo mundo desde 1986. Opera em Angola desde o ano de 1991, devidamente reconhecido pelo Governo. O Projecto “Vamos Juntos!” representa a terceira fase de um programa mais amplo, “A Estrada para a Vida”, que o VIS e os Salesianos de Dom Bosco implementam nas áreas urbanas e suburbanas de Luanda desde 2009, com financiamentos da União Europeia (UE), da Cooperação Italiana para o Desenvolvimento, da Conferência Episcopal Italiana, UNICEF e da Embaixada dos Estados Unidos, com o objectivo de ajudar a melhorar a condição de vida dos jovens mais vulneráveis em Angola, favorecendo a criação de uma sociedade participativa e inclusiva.

www.volint.it

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“Consideramos fundamental disponibilizar instrumentos cujo fim último, será melhorar

competências e responsabilidades familiares,

de forma a criar as condições para a reinserção familiar de sucesso,

protegendo a criança e promovendo ambientes familiares saudáveis.”

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FICHA TECNICA

PROJECTO

llenia Guasti – Formadora pela supervisão e formação com as instituições no Projecto

"Vamos Juntos!"

Bibiana Ferreira Augusto – Coordenadora da Equipa multidisciplinar de Apoio as

Famílias no Projecto "Vamos Juntos!" e os operadores sociais da Equipa:

Goldemira Tabù Lemos, Operadora Psicossocial VIS Arlindo dos Santos, Operador Social SDB

Bamba Ambrósio, Localizador Familiar SDB

Adjaime de Freitas Cadete – Coordenador das actividades de Formação no Projecto

"Vamos Juntos!"

Pela elaboração e realização deste Manual, agradecimentos especiais devem ser feitos a:

Aos técnicos representantes do MASFAMU (Ministério da Acção Social, Família e

Promoção da Mulher), que tem partilhado connosco ferramentas de avaliação da vulnerabilidade familiar e tem participado na elaboração do Capítulo de Introdução;

Ao Professor Dr. SIMÃO SAMBA por ter partilhado o seu saber e experiência no

trabalho social e por ter realizado o capítulo Sociológico número 3;

Aos advogados Hermenegildo Teotónio e Barros Joaquim, por ter elaborado o 2º

Capítulo ligado aos direitos da família;

Aos estagiários dos Institutos de Formação INSS e ICRA por ter colaborado na redacção

das fichas de formação para operadores sociais.

REVISÃO DO PROJECTO

Riccardo Mulas - Coordenador Projeto “Vamos Juntos!”

Valery Ivanka Dante – Especialista Internacional de Child Protection e Desk Angola VIS, Italia

DESIGN MATERIAL IEC

©

Tonilson Fortunato Alberto TFA CORRECCÃO Francesco Ferranti – Professor

FOTOGRAFIA: ©VIS

Os documentos e fichas das intervenções tidas com as famílias, apresentados como anexo a este guia, podem ser enviados de forma separada, com objetivo de divulgar boas práticas. Os conteúdos da totalidade ou de parte desta publicação não podem, em caso algum, ser utilizados

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 6

1.1POLÍTICA DE PROMOÇÃO DAS COMPETÊNCIAS PARENTAIS DO MASFAMU 8

1.2APRESENTAÇÃO DO MANUAL 10

1.3ABREVIATURAS E SIGLAS 11

2. DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA 12

2.1.NOÇÕES SOBRE DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA 12

2.2PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE COMPREENSÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA 13 2.3SISTEMA DE PROTECÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA 14

2.3.1INSTRUMENTOS LEGAIS 14

2.3.2INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS OFICIAIS 16

2.3.3INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS NÃO OFICIAIS 17

3. CONTEXTO SOCIAL E FAMILIAR DAS CRIANÇAS A VIVER NA RUA 18

3.1A SITUAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA EM ANGOLA 18 3.2OCONTEXTO FAMILIAR DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA 21 3.3PERSPECTIVAS DE ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA 22

4. A EXPERIÊNCIA DOS SALESIANOS DE DOM BOSCO 24

4.1BREVE DESCRIÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO COM AS FAMÍLIAS 24 4.2AS CARACTERÍSTICAS DAS FAMÍLIAS E DAS CRIANÇAS A VIVER NA RUA 26

4.3METODOLOGIA DO PROCESSO DE REINSERÇÃO 28

4.3.1CASOS ESPECIAIS 34

4.3.2DESAFIOS 34

4.3.3AGRADECIMENTOS INSTITUCIONAIS DE PARTENARIADO NAS INTERVENÇÕES 35 4.4FICHAS DE AVALIAÇÃO DE VULNERABILIDADE PSICOSSOCIAL DA FAMÍLIA 36

4.4.1FICHA DE VULNERABILIDADE SOCIAL (REDIGIDA EM COLABORAÇÃO COM O MASFAMU) 36

4.4.2CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMESTICA E COMPORTAMENTOS DE

NEGLIGENCIA 42

4.4.3PEI-PROJECTO EDUCATIVO INDIVIDUALIZADO FAMILIAR 50

5. AS COMPETÊNCIAS PARENTAIS 53

5.1PALESTRAS FORMATIVAS SOBRE AS COMPETÊNCIAS PARENTAIS 54

5.1.1FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:ORELACIONAMENTOFAMILIAR(PAIS DE VERDADE)

(6)

5.1.2FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:ORELACIONAMENTOFAMILIAR(A CONVIVÊNCIA NA

FAMÍLIA) 59

5.1.3FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:ORELACIONAMENTOFAMILIAR(A GESTÃO DOS

CONFLITOS) 62

5.1.4FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:AVIOLÊNCIADEGÉNERO 64

5.1.5FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:OABUSOSEXUAL 67

5.1.6FICHA DE FORMAÇÃO -TEMA:ASDOENÇASCAUSADASPELAFALTADEHIGIENE

70

5.2SUGESTÕES METODOLÓGICAS NA GESTÃO DAS FORMAÇÕES 73

5.3MATERIAL DIVULGATIVO INFORMATIVO IEC 76

5.3.1MATERIAL IEC-TEMA:OABANDONOFAMILIAR(PAIS DE VERDADE) 76

5.3.2MATERIAL IEC-TEMA:ORELACIONAMENTOFAMILIAR(A CONVIVÊNCIA NA

FAMÍLIA) 78

5.3.3MATERIAL IEC-TEMA:ORELACIONAMENTOFAMILIAR(A GESTÃO DOS

CONFLITOS) 79

5.3.4MATERIAL IEC-TEMA:AVIOLÊNCIADEGÉNERO 80

5.3.5MATERIAL IEC-TEMA:OABUSOSEXUAL 81

5.3.6MATERIAL IEC-TEMA:ASDOENÇASCAUSADASPELAFALTADEHIGIENE 82

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INTRODUÇÃO

O presente Manual de Formação para Competências Familiares foi realizado no quadro do Projecto “Vamos Juntos! Acções integradas de participação e inclusão das Organizações

da Sociedade Civil e Titulares de Direitos nas políticas de promoção e protecção das Crianças em Angola”, contrato CSO-LA/2017/390-665, projecto trienal (2018-2021) co-financiado pela

União Europeia e executado pelo VIS – Voluntariado Internacional pelo Desenvolvimento – junto aos parceiros Salesianos Dom Bosco (SDB), SamuSocial International e ICRA (Instituto de Ciências Religiosas de Angola). O Projecto pretende fortalecer as capacidades das Organizações da Sociedade Civil em melhorar as suas capacidades de promoção e protecção das crianças mais vulneráveis, com uma abordagem especial nas que vivem ou viveram na rua.

Os objectivos do Projecto Vamos Juntos são:

- Promover práticas de fortalecimento institucional, participação e inclusão da Sociedade Civil e Titulares de Direitos nas políticas de protecção das crianças em situação de rua.

- Implementar nas estruturas das Autoridades Locais a integração e consolidação orçamental de programas de protecção das crianças em situação de rua, através de acções focalizadas na promoção dos seus direitos.

Os meninos em risco - crianças e adolescentes vulneráveis e/ou socialmente marginalizados, órfãos, abandonados ou filhos de famílias desfavorecidas - resultam ainda entre os grupos mais vulneráveis no contexto angolano. Dada a vital importância das funções que exerce a família, é imprescindível que pais/responsáveis disponham de competências para dar respostas adequadas e de qualidade as diferentes necessidades familiares.

Com este Manual pretende-se propor actividades que os Centros de acolhimentos e outras Organizações da Sociedade Civil possam promover de forma a criar condições para que a reinserção familiar seja bem-sucedida, protegendo as crianças e permitindo que outras crianças possam voltar a estar presentes no seio familiar, desenvolvendo ambientes familiares saudáveis.

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Este Manual foi assim realizado como documento orientador para melhor levar a cabo as acções viradas às famílias vulneráveis, com objectivo de disseminar e evidenciar as boas práticas na interacção com crianças em situação de vulnerabilidade.

Todas as actividades propostas têm como base a experiência de trabalho da Rede Salesiana Dom Bosco de Protecção da Criança junto às famílias das crianças acolhidas nos próprios Centros.

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1.1 Política de promoção das competências parentais do MASFAMU

A Convenção dos Direitos da Criança e a Constituição da República de Angola estabelecem que a protecção da criança é uma responsabilidade da família, da Comunidade e do Estado.

No ano de 2007 o Governo de Angola assumiu durante o III Fórum Nacional da Criança, 11 compromissos com as crianças angolanas, um dos quais, o Compromisso número 9, refere-se a promoção da Protecção Social e as Competências Familiares.

No âmbito do Compromisso N.9 a Direcção Nacional para as Políticas Familiares (DNPF) do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU) tem desenvolvido nos últimos anos um leque de actividades que visam fortalecer as Competências Familiares, em parceria com o Comité Intersectorial para as Competências Familiares, composto para os Ministérios da Saúde, Assistência e Reinserção Social, Educação, INAC, UNICEF, e contando com a participação das Igrejas e ONGs, para promover no seio das famílias, 12 práticas chave para a saúde, protecção e educação, visando o desenvolvimento integral das crianças.

A partir do V Fórum Nacional sobre a Criança realizado em Junho de 2011, o Estado Angolano decidiu adoptar um amplo programa para reforçar a protecção social e as competências familiares relacionadas com as crianças, através da:

a) Regulamentação da Lei de Base de Protecção Social (Lei 7/04), na vertente da protecção social de base;

b) Implementação de medidas multissectoriais para aumentar a oferta e o acesso aos serviços essenciais, particularmente às famílias vulneráveis;

c) Capacitação de, pelo menos, 50% dos líderes das comunidades, líderes tradicionais e dos parceiros sociais (organizações não governamentais, igrejas, sindicatos e organizações comunitárias de base) com medidas vitais para os cuidados apropriados da primeira infância, incluindo a componente emocional;

d) Produção e disseminação gratuita de material educativo relacionado com a sobrevivência e o desenvolvimento da primeira infância, através dos órgãos de comunicação social, bibliotecas, salas de leitura, canais de comunicação interpessoais e dos parceiros sociais, reforçando, deste modo, as competências familiares;

e) Criação, em cada província, de programas de rádio que contribuam para a divulgação de informações edificantes rumo ao desenvolvimento pleno das competências familiares, usando as línguas nacionais;

f) Promoção do acolhimento familiar da criança vulnerável, desencorajando a sua institucionalização, e reforçando a capacidade das famílias de garantir o sustento, protecção e educação da criança acolhida;

g) Promoção da humanização no atendimento das crianças vulneráveis acolhidas; h) Divulgação da lei contra a violência doméstica;

i) Identificação de instituições académicas (Universidades /Institutos) para a realização de estudos sobre a situação das crianças.

A necessidade dos pais assumirem cada vez mais as suas responsabilidades de condução e gestão dos seus membros, resulta ser uma preocupação manifestada largamente

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pelos representantes do Governo Angolano, assim como uma lamentação frequente no seio da actual sociedade angolana.

Um recente Projecto de Competências Familiares, promovido pelo Executivo angolano por via do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher – MASFAMU, enquadra-se no âmbito das Políticas Públicas de Valorização da Família e Reforço das suas Competências e visa promover a aquisição de conhecimentos, atitudes e práticas das famílias, relacionadas com a saúde, nutrição, higiene, protecção, afecto e estimulação das crianças, para garantir o desenvolvimento físico, intelectual e emocional.

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1.2 Apresentação do Manual

O Manual aborda as práticas das intervenções dos Salesianos de Dom Bosco e do VIS na acção desenvolvida junto as famílias e destina-se aos profissionais que trabalham com crianças que vivem na rua ou em situação de vulnerabilidade, bem como aqueles que trabalham em centros de acolhimento cujo objectivo é fazer no final do acompanhamento do menor a reinserção familiar.

A necessidade de intervir através de um trabalho de fortalecimento das capacidades dos familiares surgiu nos últimos anos ao interno da Rede Salesiana Dom Bosco de Protecção das Crianças para melhor alcançar o objectivo de reinserir as crianças que viveram na rua ou se encontravam acolhidas nos Centros.

Considerando a família como a Instituição responsável para promover a educação dos filhos e influenciar o comportamento positivo dos mesmos na sociedade, o seu papel no desenvolvimento integral da criança resulta fundamental, pois é no seio familiar que são transmitidos os valores morais e sociais que servirão de base para o processo de socialização da criança, bem como as tradições e os costumes perpetuados através das gerações que serão de grande importância para uma correcta convivência das crianças na sociedade.

Sendo assim, há necessidade de reforçar o ambiente familiar, principalmente dos núcleos mais vulneráveis, de modo que exista harmonia, afecto, protecção e todo o tipo de apoio necessário na resolução de conflitos internos, uma vez que as relações de confiança, segurança, conforto e bem-estar proporcionam a unidade familiar, e para que ela desempenhe dignamente o seu papel é necessário um trabalho de preparação.

Este Manual è o resultado das experiência dos últimos anos de trabalho junto as famílias através de regulares encontros e preparação a reinserção do menor, escolhendo temáticas pertinentes sobre a relação entre a família e as crianças reintegradas ou em reinserção, para fortalecer e melhorar as habilidades, acções e práticas educativas adequadas ao contexto das crianças, adolescentes e jovens.

Metodologia

O documento está dividido em cinco (5) capítulos.

No primeiro capítulo, o leitor, além da apresentação geral do objectivo dentro do Projecto “Vamos Juntos”, vai encontrar a apresentação das políticas do MASFAMU relativas a promoção das competências parentais.

A seguir, para contextualizar juridicamente e sociologicamente a importância do tema das Competências Parentais em situação de extrema vulnerabilidade em Angola, decidiu-se apresentar um quadro legislativo sobre o Direito da Família (Cap. 2) e o contexto social e familiar das crianças a viver na rua (Cap. 3).

No Capítulo 4 objectivo foi valorizar a experiência dos Salesianos de Dom Bosco no processo de reinserção psicossocial dos meninos a viver na rua, nas suas famílias e as características das mesmas. Será apresentada a metodologia de intervenção usada com as crianças nas diferentes etapas educativas, desde o primeiro contacto na rua até ao momento da (re)

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inserção familiar, passando através do processo de aproximação à família. Numa forma de melhorar o trabalho da equipe familiar na recolha de informações sobre a situação da família na qual a criança será (re) inserida, foram anexadas fichas de trabalho - Critérios de Avaliação das situações de Violência Doméstica ou Comportamentos de Negligência, Fichas de avaliação da Vulnerabilidade Social e o Projecto Educativo Individualizado do Acompanhamento Familiar - que objectivam auxiliar a equipe nos processos de reinserção e acompanhamento das crianças e famílias.

O trabalho de reinserção familiar não pode excluir acções de inclusão activa e sensibilização das famílias, então o Capítulo a seguir (Cap. 5) será dedicado a importância das competências parentais. O leitor encontrará um conjunto de materiais informativos e de carácter prático que foram preparados para dar suporte aos operadores sociais para trabalharem com as famílias na promoção das competências parentais. Em todos os casos, o objectivo será a promoção de uma relação parental positiva, com exemplos relativos a palestras, boas práticas, sugestões metodológicas e materiais IEC (Informação, Educação e Comunicação) gráficos sobre temas tidos como pertinentes tanto para as crianças como pelas famílias

1.3 Abreviaturas e siglas

SDB - SALESIANOS DE DOM BOSCO

VIS – Voluntário Internacional para o Desenvolvimento ICRA - Instituto de Ciências Religiosas de Angola

MASFAMU – Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher INAC – Instituto Nacional da Criança

SIC – Serviço de Investigação Criminal OSCs – Organizações da Sociedade Cívil

Material IEC - Informação, Educação e Comunicação. ISSS - Instituto Superior de Serviço Social de Angola

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2. DIREITOS HUMANOS NA FAMÍLIA

2.1. Noções sobre direitos humanos na família

O conceito legal de família é encontrado no nº 1, do artigo 35º da Constituição da República de Angola, que diz: “A família é o núcleo fundamental da organização da sociedade e é

objecto de especial protecção do Estado, quer se funde em casamento, quer em união de facto, entre homem e mulher”.

Como “núcleo fundamental da organização da sociedade” a família é tida como a primeira e a principal instituição social, porque o primeiro companheirismo social manifesta-se na amizade de um homem e uma mulher, unidos nos laços familiares. Se houver boas famílias, educadas, civilizadas, onde os seus membros se amam, interagem em espírito de solidariedade e irmandade, também haverá sociedades civilizadas, onde os seus integrantes poderão interagir em espírito de fraternidade. A sociedade – quer seja local (uma província, um país por exemplo) ou global (do mundo inteiro) – é o conjunto de várias famílias que se alojam ou se instalam num determinado território.

Por isso, a família tem a missão de educar os seus membros no caminho da paz.

Por exemplo, o nº 2 do artigo 130º do Código da Família declara que o fim social do exercício da autoridade paternal é de conceber a “formação moral e a preparação profissional dos filhos como cidadãos válidos e socialmente úteis”. Por outras palavras, a família é um lugar de educação. Neste sentido, a educação é um processo de ensino e aprendizagem, que permite descobrir, conhecer e partilhar valores, conhecimentos, ideias, crenças…é um processo fundamental para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades. A qualidade de vida de um país depende em grande parte da qualidade do seu sistema educativo. Portanto, a educação é o processo mais importante na formação de uma pessoa que começa desde a família, que é o seu primeiro agente educativo e é complementada pela escola e outras instituições como igrejas, grupos, associações, etc.

A família é, igualmente, um lugar de reconciliação. A família é uma instituição sagrada e indispensável porque representa um lugar favorável e natural para cultivar o amor, o convívio, o diálogo, o perdão e a reconciliação. A família é um espaço de aprendizagem dos direitos e deveres, é a primeira escola de socialização de cada ser humano. Assim, se as famílias se fundarem nos valores nobres que a dignificam, estaremos a promover os direitos humanos e uma cidadania de qualidade capaz de transformar os seus membros para o bem, para a igualdade, para a justiça, para a promoção da paz e da reconciliação.

Por fim, a família é um lugar de transmissão dos valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos.

. Sobre esta questão, realçamos o discurso do estadista norte-americano Barack Obama em relação ao dia do Pai, ao 15 de Junho de 2008: “…os pais devem dar atenção a três aspectos importantes: (i) ser referência para os mais novos; (ii) ser exemplo de excelência; e (iii) ser transmissores do valor da empatia”.

(14)

2.2 Princípios Fundamentais de compreensão dos Direitos Humanos na

Família

Os princípios gerais referentes ao tema em análise podem ser encontrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 (DUDH), Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979 (CEDAW), A Convenção sobre o Direito das Crianças de 1989 (CDC), Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1986 (CADHP), Carta Africana sobre o Direito e Bem – Estar da Criança 1990 (CADBEC).

A nível do Direito Interno, podemos encontrar alguns princípios na Constituição da República de Angola de 2010 e na Lei nº 1/88 de 20 de Fevereiro – Código da Família. Tais princípios são aplicáveis, em quaisquer circunstância, a todo e a qualquer tipo de actividade, seja de gestão pública, seja de gestão privada, ou até de índole meramente técnica.

Os princípios básicos enunciados no Título I do Código da Família vão servir de estrutura e nortear todas as demais normas contidas no código e nas demais normas de carácter internacional. Podemos, em síntese, indicá-los da seguinte forma:

1) È especial obrigação do Estado proteger a família, pela sua importância como núcleo fundamental da organização da sociedade, promovendo o direito à instrução, ao trabalho, ao repouso e as diferentes formas de seguro social. Convém notar que este princípio tem como objectivo a concretização de alguns direitos económicos, sociais e culturais, por exemplo: o direito ao trabalho, direito a protecção social, direito à saúde, direito à educação, direito à habitação.

2) Especial obrigação da família è à de promover a educação cultural e moral de todos os seus membros dentro dos princípios do amor ao trabalho, da fidelidade à pátria e em especial a dos jovens, em ordem à sua integração na sociedade.

3) O direito de cada membro de família ao desenvolvimento da sua personalidade e aptidões no interesse da nova sociedade.

4) A igualdade do homem e da mulher em todas as relações jurídicas familiares.

5) A igualdade de todas as crianças perante o Estado e a família, tal como a sua especial obrigação à protecção dos seus pequenos membros.

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6) A criação de uma nova moral nas relações familiares, estruturada na igualdade de direitos, no respeito da

personalidade dos seus membros e no princípio da solidariedade recíproca. Através da concretização destes princípios, procura-se obter uma transformação na estrutura familiar, de forma a conseguir que, ao nível das suas relações íntimas, se

estabeleça uma

interdependência recíproca

mais justa e mais favorável aos membros que a compõem.

2.3 Sistema de Protecção dos direitos humanos na família

As famílias vítimas de problemas que atentam contra os seus direitos necessitam de fazer recurso aos instrumentos legais e institucionais para a Protecção destes mesmos direitos. Todavia, sublinhe-se que, os instrumentos de protecção dos direitos humanos na família podem ser formais e informais, oficiais e não oficiais.

2.3.1 Instrumentos legais

Relativamente à ideia de olhar para a lei como um instrumento de protecção dos direitos humanos na família, a nível internacional, as Nações Unidas, produziram a seguinte legislação aplicável aos Direitos Humanos na Família:

a) Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 16º consagra o seguinte: “(…) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado”.

b) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no seu artigo 23º estabelece que: “§1. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado”.

c) Convenção sobre Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres, no seu artigo 16º determina que “Os Estados Partes tomem todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação contra a mulher em todas as questões relativas ao casamento e às relações familiares e, em particular, assegurando-se na base da igualdade entre homens e mulheres”. d) Adicionalmente, a Resolução das Nações Unidas nº 41/85, de 3 de Dezembro – Adopção e Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional; Resolução das Nações

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Unidas nº 40/33, de 29 de Novembro de 1985 – Regras Mínimas para Administração da Justiça de Menores, vulgarmente designadas “Regras de Beijing”; Resolução das Nações Unidas nº 3318/74, de 14 de Dezembro – Declaração sobre Protecção de Mulheres e Crianças em situação de emergência ou de conflito armado.

A nível interno, o estado angolano, consagrou, por meio da legislação em vigor, a pluralidade dos mecanismos de protecção dos direitos humanos na família ou seja, a legislação em vigor consagra instrumentos formais e informais de protecção dos direitos humanos na família. Dentre eles:

a) A Constituição da República de Angola prevê no seu artigo 174º, n.º 4, que, “a lei consagra e regula os meios e as formas de composição extra-judicial de conflitos, bem como a sua constituição, organização, competência e funcionamento”. Clarificando, consagra os Julgados de paz para ilustrar o que quer dizer “os meios e as formas de composição extra-judicial de conflitos”. Daí que o artigo 197º, n.º 1 estabelece que “é admitida a resolução de conflitos sociais menores por julgados de paz”.

b) O Código da Família define, nos artigos 16º a 19º, qual é o papel do Conselho de Família na protecção dos direitos humanos na família. O Conselho de Família é o órgão de consulta do Tribunal de Família, em todos os casos de natureza familiar que forem propostos. “Segundo o Código da Família, o Conselho de Família é constituído por 4 pessoas, escolhidas entre os parentes de grau mais próximo das partes. É normal e até conveniente que os representantes de família que estavam na cerimónia do pedido de mão para o casamento, façam parte do Conselho”.

c) A Lei Contra a Violência Doméstica especifica os comportamentos resumidos no artigo 3º que se configuram como sendo crimes contra a família.

A Violência sexual: definida como qualquer conduta que obrigue a presenciar, a manter ou a

participar de relação sexual por meio de violência, coacção, ameaça ou colocação da pessoa numa situação de inconsciência ou de impossibilidade de resistir [cfr. a alínea a) do artigo 3º].

A Violência patrimonial: pressupõe uma acção que configure a retenção, a subtracção, a

destruição parcial ou total dos objectos, documentos, instrumentos de trabalho, bens móveis ou imóveis, valores e direitos da vítima [cfr. a alínea b)].

A Violência psicológica: consiste em qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição

de auto-estima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento psico-social da pessoa humana [cfr. a alínea c)].

A Violência verbal: pode ser definida como toda acção que envolva a utilidade de expressões

impróprias, acompanhadas ou não de gestos ofensivos, que tenha como finalidade humilhar e desconsiderar a vítima, configurando calúnia, difamação ou injúria. [cfr. a alínea d)].

A Violência física: é toda a conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da pessoa,

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O Abandono familiar: definido como desrespeito, de forma grave e reiterada, à prestação de

assistência aos filhos ou a outras pessoas ao qual, por lei se esteja obrigado. Neste sentido, a al. b) do artigo 14º da Lei do Julgado de Menores aprovada pela Lei n.º 9/96, de 19 de Abril alude à situação de abandono ou desamparo da criança ou jovem. Em caso de abandono da criança, o artigo 15º da referida lei enumera as medidas de protecção social que o Tribunal pode aplicar. A medida a ser aplicada pelo Tribunal deve obedecer aos parâmetros estabelecidos no artigo 39º da Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança aprovada pela Lei n.º 25/12, de 22 de Agosto.

Estes crimes podem ser públicos e semipúblicos. Por sua vez, os conflitos que resultam dos comportamentos que se configuram como sendo crimes semipúblicos, que admitem desistência, podem ser dirimidos administrativamente pelos órgãos públicos ou privados vocacionados para o efeito, tal como consagra a lei no seu artigo 18º. É ainda permitido a quem seja chamado para intermediar uma questão de violência doméstica, apoiar-se em técnicas de negociação que privilegiem a reconciliação.

2.3.2 Instrumentos institucionais oficiais

Nos termos do artigo 54º, da Lei n.º 2/15, de 02 de Fevereiro, Compete a Sala da Família, Menores e Sucessões do Tribunal Provincial a matéria de protecção dos direitos da família com realce para os direitos dos menores:

Al. a) – Aplicar as medidas tutelares de protecção, assistência ou educação a menores e instruir, preparar, apreciar e decidir os respectivos processos;

Al. b) – Aplicar medidas de prevenção criminal aos menores inimputáveis, instruir, preparar, apreciar e decidir os respectivos processos;

Al. c) – Acompanhar a execução das medidas aplicadas nos termos das alíneas anteriores; Al. d) – Preparar, apreciar e decidir os processos relativos a violação do dever de protecção social do menor e aplicar as respectivas sanções;

Al. e) – Conhecer das questões e acções relativas ao trabalho infantil.

O Conselho de família para além de desempenhar a função de órgão de consulta, tem igualmente uma grande responsabilidade na resolução dos problemas da família. Por isso, é bom que, nas cerimónias de alambamento, os mais velhos de ambas as partes comecem a assumir o papel de conselheiros e conciliadores, prevenindo ou evitando os eventuais conflitos que possam acontecer no lar dos seus membros.

Para além do Ministério da Família e Promoção da Mulher, o Instituto Nacional da Criança (INAC), tutelado pelo Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS), está actualmente regulamentado pelo respectivo Estatuto Orgânico aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 169/14, de 23 de Julho, esta é outra instituição oficial, cuja tarefa consiste na resolução de conflitos familiares mormente os conflitos relacionados com os menores.

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2.3.3 Instrumentos institucionais não oficiais

O artigo 3º da Lei contra a Violência Doméstica consagra que os crimes de violência doméstica semipúblicos podem ser dirimidos administrativamente pelos órgãos públicos ou privados vocacionados para o efeito. É ainda permitido a quem seja chamado para intermediar uma questão de violência doméstica, apoiar-se em técnicas de negociação que privilegiem a reconciliação.

Quer dizer que, os grupos locais de Direitos Humanos, os líderes religiosos e as autoridades tradicionais podem realizar mediação e resolução extrajudicial de conflitos familiares.

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3. CONTEXTO SOCIAL E FAMILIAR DAS CRIANÇAS A

VIVER NA RUA

A situação das crianças a viverem na rua não surge de forma isolada, ela é fruto de um contexto histórico e social onde as crianças aparecem como vítimas dos problemas sociais.

A questão continua a suscitar uma reflexão e análise profunda atendendo aos contornos cada vez mais visíveis no actual contexto do país. Neste artigo será abordada a temática, centralizando a análise sobre o contexto familiar destas crianças, vislumbrando sobretudo as situações aí presentes e por fim apontar os possíveis caminhos e perspectivas de superação e aproximação da problemática aqui analisada.

Sabe-se que as crianças bem como as razões que fundamentam a sua estadia na rua, não são as mesmas e que elas foram mudando ao longo do tempo. Quando se percebem as razões que levam as crianças a irem para as ruas se saberá o tipo de trabalho que se deve fazer tendo em conta a recuperação do menor e da família de forma a fazer uma reinserção familiar saudável.

3.1 A realidade das Crianças e Adolescentes em situação de rua em Angola

A problemática de crianças e adolescentes em situação de rua tem sido nos últimos anos preocupação dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos e de muitos pesquisadores sociais. Trata-se de uma realidade globalizada na medida em que atinge inclusive países considerados desenvolvidos, embora reconheçamos ser uma realidade mais comum em países do terceiro mundo, por estes apresentarem muitos contrastes sociais, como é o caso de Angola, devido à má distribuição da renda e da terra, sendo que a minoria da população é detentora de grande parte das riquezas do país e a maioria condenada a permanecer em condições sub-humanas de moradia e trabalho apenas para citar algumas. A problemática ou fenómeno de crianças e adolescentes em situação de rua no contexto angolano refere-se ao seu surgimento em 1992 após o conflito pós-eleitoral, altura em que se começa a observar sobretudo nas grandes cidades do país e em Luanda em particular um aglomerado considerável de crianças de rua e na rua, isto percebe-se com maior visibilidade até 2002, quando se dá o fim do conflito armado, pois embora não venha a ser superado, nota-se todavia uma certa diminuição da presença de crianças na rua. Nesta fase (1992-2002), as causas assentam-se sobretudo na questão da guerra ou conflito armado que o país vivia, na migração das populações de uma região a outra em busca de segurança e sobrevivência, ou seja, de escapar da morte e de outras consequências advindas de situações de conflitos, pois, trata-se de uma situação que “desestruturou ou separou, muitas famílias e aldeias, fragilizou os laços familiares, estagnou a economia, destruiu infra-estruturas, entre outros aspectos” (Samba, 2011, p. 229).

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Surgem, assim, algumas instituições sociais de acolhimento e organizações não-governamentais que passaram a prestar apoio mais de perto como a Organização Kandengues Unidos, o Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen, a Casa Magone que deu origem a actual Rede Salesiana de Protecção a Criança em situação de perigo, apenas para citar algumas que se juntaram as demais instituições que durante décadas atenderam as crianças vulneráveis e abandonadas.

Numa primeira fase a maioria das crianças e adolescentes que se encontravam em situação de rua não tinham famílias, vindas do interior. A partir dos anos 1996 e 1997 o fenómeno das crianças de rua, tomou outro rumo, começando a aparecer nas ruas, crianças nascidas na capital (Luanda). A problemática tornou-se muito mais complexa, com desafios mais difíceis de serem solucionados. Entre outros motivos, estas crianças deixavam suas casas por maus tratos, pela desintegração das famílias (o pai ou a mãe separaram-se e eles passaram a viver com a madrasta ou o padrasto), pela fome que sofriam, por roubo, por acusação de feitiçaria ou simplesmente pelo desejo de viverem à vontade, ganhar dinheiro e fazer o que lhe apetecer sem o controlo dos pais ou encarregados de educação (Projecto Educativo Sdb, 2017, p. 29).

Desde o ano 1998, somaram-se a este grupo de meninos, outros adolescentes e jovens de várias províncias que eram trazidos por adultos, empresas e até mesmo familiares para Luanda, uns eram submetidos a trabalhos esforçados e não aguentando, conhecendo algum menino que já estava na rua, seguiam-no fazendo a mesma experiência; outros eram trazidos para viverem em casa de certas famílias, todavia, eram colocados como empregados de casa sem estudarem e muitos acabavam saindo de casa, como não conheciam bem a cidade, nem pessoas próximas, ficavam na rua. Um outro grupo de meninos saía da sua província com a curiosidade e o desejo de conhecer Luanda, ouviam muito falar dela e colocavam na cabeça que era o melhor lugar para eles. Sem saber o que fazer, eram acolhidos por outros meninos que já viviam na rua e ficavam com eles. No ano 1999 somaram-se a estes grupos, os adolescentes e jovens que saiam das suas respectivas províncias para trabalhar na capital (fazendo trabalhos como roboteiro, venda ambulante, lavagem de carros, etc) e não tendo onde ficar uns arrendavam uma casa e viviam em grupo, mas outros encontravam um lugar por debaixo de um edifício ou próximo de residências e instalavam-se aí. Este grupo ganhou mais aderentes em 2002 até os nossos dias.

A maioria das Instituições de acolhimento às crianças em situação de rua no país passaram a implementar o programa da localização e reintegração familiar, mas estes projectos começaram a não dar resultados porque a maioria das crianças que eram reintegradas nas suas famílias voltavam novamente na rua, muitas vezes devido às condições socioeconómicas das suas famílias, cujas habitabilidades e sobrevivência eram completamente diferentes daquelas vivenciadas nas instituições em que estavam inseridas. O fracasso destas reintegrações deveu-se também a falta de um processo de reintegração social que envolvesse a recuperação do menor e da família.

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Essa realidade descrita acima mostrou que mais que reintegrar as crianças nas suas famílias era necessário primeiramente preparar a família e a criança para este processo no intuito de possibilitar maior sustentabilidade e criar as condições mínimas nestas famílias para que de facto a criança pudesse escolher de permanecer

tendo em conta a desestruturação de muitas famílias, pois foi-se percebendo que muitas destas crianças e adolescentes ou viviam com a mãe e o padrasto ou com o pai e a madrasta que nem sempre aceitavam os filhos dos relacionamentos anteriores. Tal realidade ilustra claramente que as novas configurações familiares que os seus progenitores constituíram não trouxeram benefícios para as suas vidas.

Ressalta-se que a questão de maus-tratos sofridos pelas crianças trouxe ao debate o duplo papel desempenhado na actualidade pela família: de protecção e doutro lado, criar um ambiente de risco.

Outra causa também apontada como explicativa do surgimento de crianças e adolescentes em rua, refere-se às condições de miséria de grande parte das famílias angolanas e a situação de vulnerabilidade e pobreza em que se encontravam submetidas. Dizer que de 2002 à 2014 foram anos em que se observou maior crescimento e estabilidade económica do país, melhorias em termos de empregabilidade, mas que o mesmo não contribuiu para que a maioria da população pudesse usufruir ou beneficiar-se deste crescimento e assim melhorassem as suas condições de vida e de sobrevivência.

Muitas crianças que se encontram na rua são acusadas de feiticeiras, tidas como a origem de todo mal que acomete a família e são muitas vezes maltratadas, torturadas e até mortas. Por outro lado, aponta-se que a crença em feitiçarias está relacionada com a situação de conflito que arrasou o país ou “uma tentativa de encontrar explicação para doenças, mortes, falta de sucesso ou outros acontecimentos conotados como negativos” (Mosaiko, 2017, p. 43).

Tratando-se de crianças e adolescentes de rua em Angola, de um modo geral, pode-se dizer que são crianças e adolescentes na sua maioria do sexo masculino, obrigados desde cedo a enfrentar formas de sobrevivência violentas e austeras, vindos em geral de bairros suburbanos habitados pela camada mais desfavorecida da população e de famílias desagregadas, sem condições suficientes para atender às necessidades básicas, pois os pais desempregados são obrigados a passar a maior parte dos dias fora de casa para poderem trabalhar ou fazerem pequenos negócios e assim conseguirem algo para sobrevivência da família. Estas crianças e adolescentes de rua em Angola, na maioria dos casos, ganham a

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vida vendendo produtos e guardando carros nas ruas da cidade e mercados ou ainda fazendo trabalhos domésticos. Como pode-se observar a problemática da criança em situação de rua em Angola abrange vários factores, muitos deles já referenciados.

3.2 O Contexto Familiar das Crianças em Situação de Rua

A família é considerada em muitos países como é o caso de Angola, a célula básica da sociedade, pois, trata-se do lugar onde se dá o início ao processo de socialização da pessoa humana. A mesma desempenha funções que dão sustentabilidade a formação da personalidade dos indivíduos, ou seja, dos cidadãos que formam essa mesma sociedade. Diante de tudo que è observado e ouvido nos vários contextos que foram frequentados, sem perder de vista o contacto que se manteve com essas crianças em situação de risco, urge aqui frisar que não é possível fazer uma análise séria desta problemática na realidade angolana sem de facto reflectir sobre o contexto familiar destas crianças, pois se olhar-mos para a reflexão do item anterior, muito facilmente percebe-se que a problemáticas aqui abordada tem também uma relação directa com o contexto familiar, sobretudo se no que tange a análise apresentada da segunda fase do surgimento do fenómeno no país.

O primeiro elemento ao qual apontar é a situação de pobreza a qual está submetida a maioria da população angolana, que muitas vezes é originada pela falta de rendimento, consequência da ausência de postos de trabalho que empreguem muitos dos chefes de família, isto piorou ainda mais com a crise económica que o país vive desde 2014 que, provocou o fecho de muitas empresas e continua a colocar outras em falência, sem alternativas para sobreviverem a realidade que a cada dia que passa vai se deteriorando. Assim sendo, concorda-se com Tvedten e Lázaro (2016, p. 30) ao definirem a pobreza como sendo a falta de emprego e de rendimento necessário para atender às necessidades básicas (…).

É importante sublinhar que a condição de pobreza das famílias das crianças e adolescentes em situação de rua está expressa inclusive no espaço da moradia, ou seja, pelo bairro que habitam, na maioria das vezes sem energia, água, equipamentos sociais importantes como hospitais e escolas, deficiência do saneamento básico, com o lixo espalhado em todos os cantos, já que a recolha dos resíduos sólidos ou é ineficiente ou é inexistente. Na maioria destas localidades há quase que uma sensação de ausência do Estado e naquelas em que se verifica a tal presença percebe-se que a sua preocupação centra-se mais no “controlo político da população do que contribuir para o desenvolvimento das comunidades” (Tvedten & Lázaro, 2016, p. 2).

Olhando para o contexto angolano, os dados do último Censo da população e habitação realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2014 apontam que o 36% das famílias encontram-se em situação de pobreza, mas quando olhamos atentamente o número de pessoas na informalidade, conclui-se de que este dado está um pouco desajustado da realidade, pois não è preciso fazer muito esforço para percebermos que a situação de pobreza no país é muito mais abrangente, ou seja, há mais famílias que se encontram em condições de pobreza no país, daí concordar mais com um 65% da população em estado de

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pobreza, como apresentado pelo Centro de Estudos e Investigação da Universidade Católica de Angola (CEIC). Basta vermos o número de pessoas envolvidas no trabalho informal, tido por muitas famílias como estratégia de sobrevivência para compreendermos esse desajustamento dos dados da pobreza.

Várias outras situações cercam o contexto e o quotidiano das famílias angolanas e contribuem de alguma forma no surgimento de crianças e adolescentes em situação de rua, dentre as quais destacam-se: o aumento de

agregados familiares monoparentais, a fuga a paternidade e a prestação de auxílio aos filhos, os maus relacionamentos entre os diferentes integrantes da família, a sobrevalorização dos valores materiais em detrimento dos valores morais e a estrutura extensa da família que não possibilita os progenitores de realizarem uma orientação e um acompanhamento mais individualizados, inclusive de prover o mínimo para a sobrevivência de todos.

3.3 Perspetivas de abordagem da problemática

Olhando para aquilo que foi dito acima, entende-se que uma prioridade deve ser dada a família. É urgente que sejam elaboradas pelo Estado políticas concretas de apoio e protecção as famílias mais desfavorecidas da sociedade, para que estas tenham as mínimas condições de proverem o necessário para os seus dependentes. O fortalecimento da família e dos seus vínculos entre os seus membros torna-se necessário no actual contexto assim como o apoderamento das famílias, por parte das mulheres, que aos poucos vão assumindo cada vez mais a responsabilidade da chefia nos seus lares, embora o último censo ter mostrado que os homens continuam a ser a maioria como chefes de família.

Por outro lado, é importante sistematizar e publicitar as experiências acumuladas e as boas práticas realizadas por diferentes instituições voltadas ao atendimento e protecção de crianças e adolescentes em situação de rua, a valorização deste trabalho, bem como apoio que as mesmas precisam para potencializar suas intervenções e melhorarem cada vez mais. A criação de redes sólidas para troca de experiências seria benéfica para a solidificação do trabalho já realizado por estas instituições.

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Por fim, considera-se fundamental a aposta na formação contínua dos educadores que trabalham com este segmento da população, assim como a criação de grupos técnicos compostos por profissionais preparados para lidar com as difíceis e complexas situações vivenciadas por estas crianças e adolescentes e suas respectivas famílias tais como psicólogos, educadores sociais, assistentes sociais e pedagogos, entre outros.

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4. A EXPERIÊNCIA DOS SALESIANOS DE DOM BOSCO

Graças a experiência do trabalho com a criança a viver na rua, estamos convencidos de que a maior parte dos meninos que se encontram na rua surgem fruto dos descuidos sofridos pelos familiares,

pois como reinserir uma criança no mesmo ambiente que o fez ir à rua?

4.1 Breve descrição histórica do trabalho com as famílias

O Trabalho com as crianças que se encontram a viver na rua feito pelos Salesianos de Dom Bosco começou nos anos 90 (precisamente entre os anos 1993 ao 1998), com uma metodologia de acolhimento diferenciado. O trabalho era desenvolvido nas comunidades cristãs do São Paulo (Comunidade do Bom Pastor) e do São José de Nazaré. O primeiro modelo adoptado, depois de uma certa experiencia de trabalho com os menores na rua e nos centros de acolhimento nocturno, foi a criação das casas família. Procedimento que visava inserir num núcleo familiar um menino que tenha vivido a experiência de rua de forma a experimentar a vida em família e receber uma educação por um pai, uma mãe e pelos irmãos mais velhos.

O número de famílias a procurarem pelos filhos desaparecidos começou a crescer a partir do ano 2000 impulsionadas pelo programa televisivo “Nação e Coragem”: no referido programa, os familiares procuravam informações até chegarem a encontrar os seus entes queridos. Não existia ainda um serviço de localização e reinserção familiar devendo-se a falta de experiência no trabalho com este tipo de crianças (a grande preocupação era retirar as crianças das ruas para dignificar

as suas vidas) e a falta de condições logísticas para a criação de uma equipa preparada para ir ter com as famílias.

Ao materializar-se alguns projectos em parceria com o VIS, financiados pelos parceiros internacionais, começou-se a estruturar um trabalho que visava a localização e visita dos familiares dos meninos que se encontravam acolhidos nos nossos centros. O objectivo das localizações era identificar os familiares dos meninos e criar condições para o menino voltar ao lar.

Ao longo dos anos percebeu-se todavia, que muitas crianças depois da reinserção tinham

voltado a rua. Tomando consciência do fracasso existente nas reinserções feitas das crianças acolhidas nos lares fruto do fraco acompanhamento dos familiares no período em que a criança estava acolhida, começaram a se entender as razões que levavam os

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rapazes a voltar para rua depois de tanto tempo que ficaram acolhidos no lar.

Alguns familiares por exemplo, por falta de condições matérias pensavam que os filhos teriam mais possibilidade se tivessem ficado nos lares de acolhimento chegando até ao ponto de não apenas devolver o reinserido, como também pedir que se acolhessem outros filhos desde sempre em casa.

Além da pobreza e falta de recursos primários e económicos, podem ser apontadas também outras razoes que provocaram muitas vezes o regresso das crianças a rua.

O pouco interesse dos familiares em relação à criança foi uma das causas que contribuíram ao fracasso das primeiras reinserções. Pois muitos preferiram desresponsabilizar-se e afastar-se quase completamente do filho, que estava acolhido no lar, percebendo a situação mais como uma ilibação dos seus deveres parentais, que como uma autêntica possibilidade de recuperação da criança.

Outra causa encontrada foi a pouca noção dos familiares no que diz respeito a educação dos filhos, achando, por exemplo, suficiente matricula-lhes a escola, sem dar o devido acompanhamento. Muitos demonstraram-se mais preocupados com o sustento da família, devido também às suas condições económicas, deixando que as crianças cuidassem de si próprias e dos irmãos mais novos, sem receber uma digna instrução ou gozar da própria infância. De consequência, as vezes, a falta de controlo pelos adultos e de ocupações educativas diárias foram a causa do envolvimento destas crianças em grupos criminais ou em passar a maioria do tempo na rua, o que depois levou os pais a tomar medidas que, nos casos mais graves chegaram até ao afastamento do menor do seio familiar.

O destaque emotivo entre os pais e as crianças foi uma outra causa, enquanto os pais não estavam preparados para ter um bebé e acompanha-lo, desde que não tinham redefinido as suas prioridades em função da chegada da criança, que corria, então, o risco de ser vista como intrusa, alem que como um obstáculo aos próprios sonhos. Por esta razão, muitas das vezes estas crianças eram criadas por outros familiares ou até vizinhos. Neste aspecto, ao se fazer a reinserção, sem saber dos factos regressos, se acabava por cometer o mesmo erro dos pais no momento do nascimento das crianças; tentou-se assim individuar

O menino Nkosi é um rapaz que já viveu nas ruas de Luanda, tem 14 anos de idade e seus familiares vivem no município de Viana.

Conforme narra, quando vivia com seus pais, a mãe batia-lhe sempre que acontecesse algo de errado em casa. Já teve algumas noites que passou fome por não lhe darem jantar. Isso criava no menino sentimentos de raiva e adquiriu comportamentos negativos de roubar em sua casa e na casa dos vizinhos.

Um belo dia a mãe mandou-lhe comprar combustível, e por causa dos maus-tratos que sofria, o menino viu aí a oportunidade de fugir de casa com o dinheiro que haviam dado. Neste mesmo dia foi a rua e passando algum tempo já longe dos seus familiares o menino foi levado por um amigo até ao Lar de Infância Kuzola. Estando lá, passado algum tempo o menino foi reinserido pelos técnicos do Lar, na casa dos seus familiares.

Nkosi estando na casa dos seus pais não demorou muito tempo e voltou a fugir, ficando novamente na rua. Como sabia que no Lar Kuzola já haviam-no levado de volta a casa dos seus pais, optou por não ir para lá. Um outro amigo que conheceu na rua acompanhou-o até ao Centro de Primeiro Acolhimento Magone, que se encontra no município do Sambizanga, no bairro da Frescura. Os operadores sociais deste centro localizaram seus familiares e fizeram uma nova reinserção. Mais uma vez o menino fugiu (já era a terceira vez) e voltou ao centro Magone. Assim os educadores aperceberam-se da real situação de maus-tratos que ele sofria e decidiram acolhê-lo. Hoje ele está no Centro de Segundo Acolhimento Mamã Margarida.

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os familiares mais chegados emotivamente às crianças (como avó, tios, padrasto ou madrasta, etc.).

Em fim, como causa última do regresso a rua, notou-se a falta total de meios materiais, comida, vestuário etc., que fazia com que algumas crianças decidissem mesmo de voltar.

Em função desta situação, procurou-se envolver as famílias a fim de melhorar o acompanhamento dos meninos nos centros, uma vez que eles deixassem a rua, e preparar os familiares de forma a terem mais noção do seu papel educativo no desenvolvimento da criança. Para o efeito a rede salesiana de protecção a criança em situação de perigo criada no ano 2015 estabeleceu um processo de acompanhamento familiar visando uma reinserção familiar e social saudável tanto para a criança como para a família. O processo começa com a localização, segue a visita familiar, depois as reinserções parciais seguidas das reinserções definitivas e termina com o acompanhamento familiar, actividade que visa acompanhar os meninos que já foram reinseridos.

Para que o processo de reinserção familiar funcione de forma positiva, primeiramente são promovidas visitas familiares não só do técnico do centro com o menor e as famílias, como também orientam-se os familiares a visitarem o centro e o menor. Depois começa-se a organizar encontros regulares de formação com os familiares das crianças nos centros. Estas iniciativas têm como fim último aproximar a criança à família, assim como, melhorar as competências parentais

de forma a criar condições para que a reinserção familiar tenha sucesso, protegendo a criança e promovendo ambientes familiares saudáveis.

4.2 As Características das famílias das crianças a viver na rua

O menino Waya, que tem como apelido Bangão, de 13 anos de idade é o único filho de sua mãe. É um rapaz que viveu 4 ou 5 meses nas ruas de Luanda, e os seus familiares encontram-se no município do Cazenga.

Segundo a sua narração, ele fugiu de casa porque a sua mãe e o padrasto são alcoólatras. E quando a mãe consumisse acabava por agredi-lo física e verbalmente, e chamavam-lhe nomes que o faziam sentir-se mal.

Este tipo de comportamento que a mãe apresentava com o filho, fez com que ele começasse a consumir álcool e a fumar, consequentemente a roubar pertences dos amigos e vizinhos para manter o consumo. Mais tarde, passou a andar com pessoas de maior idade em relação a ele, ensinando-lhe novas formas de roubo e sobrevivência nas ruas, influenciando-o ainda mais na sua forma negativa de agir até o dia em que decidiu fugir de casa. A mãe do Waya por ser alcoólatra e fumadora, ficou doente e começou a ter problemas pulmonares. Foi levada para a província de Malanje, junto de outros familiares para um possível tratamento. O padrasto do menino diz não se lembrar de quanto tempo viveu com a sua esposa (mãe do Waya), nem o nome do registo da própria esposa. O próprio padrasto apresenta características físicas desgastadas, possivelmente pelo consumo elevado de álcool e tabaco que faz.

Com esta realidade, o menino vivia dentro de um círculo de pais alcoólatras, e com condições financeiras muito precárias. Muitas vezes não tinha nem o que comer, não tinha um lugar adequado para dormir e não estudava. Fazendo assim, com que a escolha de viver na rua, onde poderia procurar algo para comer, fosse tida, pelo menino, como a mais acertada,

Depois de viver um tempo na rua, foi levado por um amigo até ao centro de primeiro acolhimento Magone, no bairro da Frescura - Sambizanga.

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As crianças com as quais se desenvolveu o trabalho são oriundas dos bairros periféricos onde se encontram famílias vulneráveis que como fruto da sua situação não têm garantido o cumprimento dos direitos das crianças. A maior parte das famílias encontradas se apresentam desestruturadas, com um só responsável pelo menor (ou o pai, ou a mãe e muitas vezes são madrastas, avós, tios, etc.) que respondem pela criança. Muitas vezes foram encontradas crianças a cuidarem de outras crianças porque o responsável preocupa-se pelo sustento da família (mães que trabalham em duas ou três casas por preocupa-semana lavando, limpando, etc. Pai ou tio que trabalha como

segurança ficando dois ou três dias no trabalho e quando deveria estar de folga, encontra outro tipo de actividade para gerar renda para casa), deixando as crianças sob a responsabilidade de outros menores; o que tem levado as crianças a tomarem rumo pela sua própria vida.

Algumas crianças que estão nestas famílias já estão fora do controle da família (passam o dia todo fora de casa e voltam ao anoitecer), ir viver na rua tem sido uma consequência imediata. Boa parte dessas famílias vive em extrema pobreza, morando em casas de chapa, madeira ou blocos sem reboque nem chão cimentado com poucas condições de habitabilidade. Preocupa o número elevado de maternidades e paternidades precoces que as famílias enfrentam, colocando em risco tanto os pais como os filhos, deixando muitas vezes as crianças à mercê dos avós ou dos tios. Outro factor que assola as famílias

dos menores é o elevado nível de consumo de bebidas alcoólicas, fazendo com que o responsável troque o lar pela casa de bebidas, deixando os filhos numa situação de abandono. Como consequência, vê-se muitas

crianças a andarem pelas ruas sem o cuidado nem o acompanhamento dos adultos, ficando frequentemente até as horas nocturnas, expondo-se a diferentes riscos.

A falta de noção dos seus direitos bem como os da criança, coloca os progenitores a impedirem o desenvolvimento saudável e integral dos filhos. Assistiram-se pais que ainda “educavam” seus filhos com base na violência, sem se preocupar sequer em garantir os direitos fundamentais de seus filhos. (registo de nascimento, matriculas nas escolas, alimentação etc.)

O Jovem X Man era um jovem menor de idade que vivia na Petrangol. O mesmo saiu de casa aos 9 anos de idade porque estava a ser acusado de ser feiticeiro pela própria mãe e a tia. O pai morreu quando ele era bebe e desde aquele momento começaram as histórias e acusações de feitiçaria na família. A mãe dizia que ele era o feiticeiro, dava maus sonhos e desgraças na família. Toda vez que alguém tivesse um mau sonho ou as coisas não acontecessem conforme o esperado na família, era mais um dia de acusações, “porrada” e cicatrizes para o rapaz. O seu irmão mais velho ao acompanhar aquela situação, ficando assustado com os acontecimentos, considerando que ele também era acusado de feitiçaria, fugiu de casa e foi se esconder na casa de uma tia. Aí, aumentaram as acusações sobre X Man. O menino ficou em casa a sofrer tantos maus tratos e aproveitando da sua inocência o padrasto o usava para que lhe mostrasse onde o irmão estava escondido. Quando voltavam em casa sem o terem encontrado, toda a raiva dos pais se descarregava sobre o rapaz, chegando mesmo ao ponto de o amarrar com fio de estender roupas. Um dia X Man foi amarrado, como era habitual, e graças a um amigo que, visto o seu sofrimento, pulou pela janela e o desamarrou, conseguiu fugir e foi para o centro Magone. Hoje o X Man e o irmão vivem juntos, os dois trabalham e estudam e, apesar dos maus tratos, têm dado apoio a mãe e aos outros membros da família.

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O elevado número de separações de casais faz com que os actuais parceiros não acolham os filhos vindos de outras relações, o que tem criado um clima de rejeição dos enteados, levando muitas vezes ao afastamento do menor (algumas vezes com o consentimento dos progenitores).

Estas situações têm culminado com o ingresso de novas crianças na rua e com o espanto de que se algum centro localizar a família, esta ainda apresenta o desejo da criança permanecer no mesmo.

4.3 Metodologia do processo de reinserção

Percebendo o contexto social das famílias de onde provém as crianças que se encontram na rua, a decisão de uma reinserção deve ser bem estudada, estruturada, preparada e monitorada. Nas etapas de recuperação da rede salesiana, a finalidade do percurso de reabilitação do menor é por um lado, devolver a criança ao núcleo familiar de origem e por outro, educar a família para poder acolher novamente esta criança, conscientes que a família é a principal educadora da criança e da sociedade. O trabalho de acolhimento e reinserção social das crianças feito pela Rede salesiana, começa na rua e compreende seis diferentes etapas:

1) Primeiro contacto na rua;

2) Centro de primeiro acolhimento; 3) Centro de segundo acolhimento; 4) Centro de formação integral; 5) Casas autonomia;

6) Acompanhamento pós-reinserção familiar.

O processo de reinserção familiar e social é transversal a todas as etapas da Rede salesiana (dependendo de cada caso) e é feito de forma gradual, de forma a possibilitar que tanto a criança como a família encontrem novas motivações.

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A reinserção familiar é um passo extremamente delicado dentro do processo de acolhimento, protecção e promoção social das crianças e dos adolescentes que vivem e trabalham na rua e é também um dos

objectivos principais que pode ser alcançado em todas as etapas do processo.

Este processo de acompanhamento envolve a criança e a sua família que, depois de voltarem a se encontrar, têm de voltar a aceitar-se e respeitar-se apesar das mudanças que tenham acontecido no período de distância. De facto, depois de ser localizada, a família por sua parte tem de voltar a conhecer / reconhecer a criança, entendendo e apreciando o caminho por ela desenvolvido depois de ter saído de casa. A criança, ao contrário, tem de voltar a sentir-se aceite dentro do núcleo familiar, apresentando também vontade de mudança em relação a certos hábitos.

1. Localização familiar.

Depois de ter passado pelo centro de primeiro acolhimento e permanecer durante um certo tempo no lar de segundo acolhimento, quando se percebe que existe por parte da criança uma motivação para poder rever os familiares, o localizador e a sua equipa têm a missão de ir as diferentes localidades da província de Luanda, e em outras províncias de Angola, para fazer contacto com os familiares, ao fim de restabelecer a relação entre eles e a criança, convidando-os a realizar algumas visitas ao lar de acolhimento e a participar a algumas formações de capacitação sobre competências parentais.

Geralmente as crianças que são encontradas na rua num primeiro momento não querem encontrar-se com a sua família, por medo e inencontrar-segurança (dependendo dos motivos que fizeram com que o

menor fosse viver na rua). É nesta fase que a função do localizador e do operador social se torna fundamental.

Uma vez encontrado algum familiar do menino, o localizador tem o papel de perceber através do diálogo:

 As condições que levaram ao afastamento do menino;

O menino Kingana (15 anos de idade) vivia com seus familiares no município de Cacuaco.

Segundo a narração da família, a fuga deu-se porque a mãe não teve dinheiro para satisfazer a vontade dele.

Kingana teve sempre vergonha de viver com a mãe porque moravam em uma casa de chapa e não pavimentada, não tinham refeições adequadas e não estudava, porque a mãe não conseguia pagar seus estudos por não trabalhar.

O menino tinha amigos cujos pais sempre fizeram suas vontades. Sempre que precisassem de algo os pais lhe davam. Por esta razão o menino foi ficando deprimido e com raiva, sentindo-se inferior vendo os amigos a adquirirem bens que ele não poderia ter.

Assim, ele tomou a decisão de passar a ficar todos os dias fora de casa a lavar carros e pedindo esmolas na rua para ganhar dinheiro e comprar o que lhe apetecesse.

A mãe também como era consumidora excessiva de álcool, não ajudava no processo de acompanhamento do crescimento físico e mental do filho, por isso o mesmo foi adquirindo certos comportamentos negativos. Passado um tempo o menino passou a fumar liamba, cigarros, roubar e envolver-se em coisas pouco claras, até que fugiu definitivamente de casa para a rua.

Ficando um tempo na rua, Kingana voltou para a casa de sua mãe, mas continuou a comportar-se mal e decidiu então ir viver com seu pai. Posto lá, também não estava a entender-se com ele e com sua madrasta e foi-se embora para a rua.

Ficou na rua até um dos seus amigos mostrar-lhe o centro de primeiro acolhimento Magone. Hoje encontra-se no centro profissional Kala-Kala localizado em Catete.

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 Analisar as reacções do menino e da família para perceber as dinâmicas relacionais implícitas e explícitas;

 Recolher os dados pessoais e eventuais documentos do menino;  Analisar a possibilidade de começar o percurso de reinserção.

Caso se encontrem estas condições, o localizador convida a família para visitar o centro e o menino com cadência regular (normalmente se pede uma presença mensal).

Segundo a experiência que o trabalho concedeu aos operadores, o menor nunca é devolvido ao seio familiar depois do primeiro encontro. Precisa-se compreender o nível de aproximação entre o menor e a família a fim de começar a trabalhar tendo em conta o restabelecimento do laço afectivo cortado com a saída do menor do seio familiar.

Por outro lado, sabe-se que tanto a família quanto o menor precisam de tempo para reconhecer-se, podendo este variar de caso em caso.

Na maior parte das vezes que se deixou o menor logo no primeiro encontro (porque os familiares assim quiseram) resultou na saída do menor do seio familiar para a rua. Quando isso acontece é muito difícil fazer com que o menor recomece o processo, acabando mesmo por nunca mais sair da rua.

IMPORTANTE: Para a localização dos familiares em diferentes províncias do país contou-se com a parceria da Direcção de Atendimento ao Menor em Conflito com a Lei (SIC) que tem facilitado bastante o alcance das famílias.

2. Visitas familiares (nos lares e nas famílias).

Uma vez conhecida a casa e os familiares do menor, e eles terem também visitado o lar, se houver necessidade e de forma programada, os familiares são orientados a aparecerem no lar ou o localizador levar o menor até a família.

DADOS ILUSTRATIVOS DAS LOCALIZAÇÕES E VISITAS FAMILIARES

COMPREENDENDO OS ANOS 2016, 2017 e 2018 ACTIVIDADE RESULTADOS NUMÉRICOS LOCALIZAÇÕES FEITAS 200 VISITAS DOMICILIARES FEITAS 171 ENCONTROS FORMATIVOS COM AS FAMÍLIAS 18 RAPAZES EM ACOMPANHAMENTO COM RESPECTIVAS FAMÍLIAS 60 ZONAS DE LUANDA ONDE FORAM FEITAS AS LOCALIZAÇÕES DAS FAMÍLIAS Sapú, Cacuaco, Sambizanga, Golfo2, Viana, Canzenga, Rangel, Benfica, Mabor, Bairro Popular, Funda, Camama, Cassequel do Buraco, Golfo 1 (kilamba Kiaxe), Maianga, Kicolo OUTRAS PROVINCIAS

ONDE FORAM FEITAS AS VISITAS FAMILIARES Huambo, Benguela, Malanje, Bengo Kwanza Sul, Kwanza Norte, Bié, Úige, Lunda Norte.

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