• Nenhum resultado encontrado

Adinkra.docx

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Adinkra.docx"

Copied!
131
0
0

Texto

(1)

A d i n k r a  

A d i n k r a  visual sãovisual são símbolossímbolos, originalmente criado pelo, originalmente criado pelo Akan Akandede GanaGana e da Gyaman dae da Gyaman da CoteCote d'Ivoire

d'Ivoire nana África Ocidental África Ocidental, que representamconceitos, que representamconceitosouou aforismosaforismos .. Adinkra Adinkra são usados emsão usados em tecidos, paredes em cerâmica, esculturas em madeira e logos.

tecidos, paredes em cerâmica, esculturas em madeira e logos. adinkraadinkra Fabric muitas vezes sãoFabric muitas vezes são feitos por 

feitos por sinal xilogravura escritasinal xilogravura escrita , bem como, bem como a serigrafiaa serigrafia . Também pode ser usado para. Também pode ser usado para comunicar evocativa

comunicar evocativa de mensagensde mensagens que representam partes de suaque representam partes de sua vidavida, ou aqueles em torno, ou aqueles em torno deles. deles.

Sabedoria

Sabedoria

Ocidental

Ocidental

Africano:

Africano:

Símbolos e

Símbolos e

Significados

Significados

Adinkra

Adinkra

>>

>>Vá para oVá para o SymbolSymbol Adinkra Index Adinkra Index ouou

clique nos ícones clique nos ícones

acima acima <<<<

símbolos Africano conhecido como adinkra são

símbolos Africano conhecido como adinkra são onipresentes em Gana,onipresentes em Gana, um país bonito Oeste Africano sobre o Atlântico, situada entre a Costa do um país bonito Oeste Africano sobre o Atlântico, situada entre a Costa do Marfim e Togo. Em pano e paredes, na cerâmica e logotipos, estes

Marfim e Togo. Em pano e paredes, na cerâmica e logotipos, estes símbolos tribo Asante pode ser encontrado em toda parte.

símbolos tribo Asante pode ser encontrado em toda parte.

site da missão Trata-se de disponibilizar qualidade entregas alta desses site da missão Trata-se de disponibilizar qualidade entregas alta desses símbolos Africano, sem nenhum custo para e não usa o lucro

símbolos Africano, sem nenhum custo para e não usa o lucro pessoal.

pessoal. (Mais informações sobre como utilizar os gráficos)(Mais informações sobre como utilizar os gráficos) O site foiO site foi concebido para ser user-friendly em África e em qualquer outro lugar concebido para ser user-friendly em África e em qualquer outro lugar onde lento e conexões de internet instável pode ser um problema. onde lento e conexões de internet instável pode ser um problema.

 Adinkrahene  Adinkrahene

É o chefe dos símbolos adinkra. Simboliza a liderança, o carisma e a grandiosidade É o chefe dos símbolos adinkra. Simboliza a liderança, o carisma e a grandiosidade

(2)
(3)

 Akoben  Akoben O Chifre da Guerra. Simboliza a vigilância.

O Chifre da Guerra. Simboliza a vigilância.

 Akoma  Akoma O coração Simboliza a paciência e a tolerância

O coração Simboliza a paciência e a tolerância

 Akoma Ntoso  Akoma Ntoso Corações Ligados Simboliza a compreensão e o acordo

Corações Ligados Simboliza a compreensão e o acordo

Bi Do Bi Inka Bi Do Bi Inka ninguém deve morder os outros. Simboliza a paz e harmonia

(4)

Denkyem Denkyem Crocodilo. Simboliza a adaptabilidade

Crocodilo. Simboliza a adaptabilidade

nyame biribi wo soro nyame biribi wo soro Deus está no céu. Simboliza a esperança

Deus está no céu. Simboliza a esperança

 Adôbe De Owo Foro  Adôbe De Owo Foro Serpente que escala a arvore. Simboliza a prudência

Serpente que escala a arvore. Simboliza a prudência

nyame nti nyame nti Pela graça de Deus Simboliza a fé e a confiança em deus

(5)

Dwennimmen Chifre de Ram Simbolo da humanidade com a Força

MÃE ÁFRICA E CIVILIZAÇÃO

Na versão corrente da história da filosofia, da ciência e da civilização ocidental, elas brotam subitamente na Grécia antiga, como se não tivessem raízes anteriores no Egito, cujas pirâmides são frutos da construção, ao longo de vários milênios, de um profundo e desenvolvido conhecimento humano. Os hieróglifos egípcios e seus antecedentes constituem o primeiro sistema de escrita, e o calendário do Egito antigo era mais exato do que o moderno. O sistema dos mistérios continha os principais elementos da ética e arrazoados sobre a vida em sociedade. Os egípcios manipulavam uma adiantada matemática abstrata desde treze séculos antes de Euclides: identificavam o valor de pi com uma exatidão sem precedentes; calculavam ângulos à precisão de 0,07º; desenvolviam sofisticadas técnicas e teoremas na matemática, geometria e engenharia.

Hipócrates, o médico grego, é tido como fundador da medicina, quando dois milênios e meio antes os egípcios Atótis, Imhotep e seus sucessores desenvolviam os fundamentos de uma medicina objetiva e cientifica. Datada de 2.600 a.C., o papiro Smith, contém capítulos sobre doenças intestinais, hemintiase, oftalmologia, dermatologia, ginecologia, obstetria, diagnóstico de gravidez, odontologia, e o tratamento cirúrgico de abscessos, tumores, fraturas e queimaduras. Esses egípcios iniciavam o conhecimento da farmacologia, patologia e anatomia, das técnicas de assepsia, hemostasia por cauterização, suturas, antissepsia com sais minerais, e vários outros tratamentos e curas.

Não podemos expor aqui os conteúdos do conhecimento e os avanços tecnológicos alcançados pela civilização egípcia. Cumpre registrar a tentativa de seu aniquilamento nos anais de uma História

(6)

vista e projetada através de uma lente que apresenta o “milagre grego”

como início prístino do desenvolvimento do conhecimento.

Outra forma de negação do legado africano é a insistência em caracterizar a civilização egípcia como realização de outros povos, invasores do norte, ou ainda a persistente negação da identidade africana e negra dos egípcios. A obra de Cheikh Anta Diop, referência básica do resgate desse legado civilizatório , restabelece essas verdades por meio de rigorosa pesquisa cientifica.

O desenvolvimento tecnológico africano

 Tais conquistas não se restringem apenas ao Egito. As tecnologias de mineração e metalurgia, a agricultura e a criação de gado, as ciências, a medicina, a matemática, a engenharia, a astronomia, enfim, todo um cabedal de reflexão e conhecimento caracterizava o desenvolvimento dos estados africanos. Em 1879, um cirurgião inglês visitava a região do atual país de Uganda, e registrou uma cesariana feita por médicos do povo banyoro, demonstrando profundo conhecimento dos concertos e técnicas de assepsia, anestesia, hemostasia, cauterização, e outros aspectos da medicina. Praticava-se, a remoção de cataratas oculares através de cirurgias, e tumores cerebrais eram operados no Egito, há mais de quatro milênios.

A astronomia é um destaque do saber africano. No Quênia, ao lado do Lago Turkana, os restos de um observatório astronômico semelhante a Stonehenge, na Inglaterra. Um sistema de calendário complexo e preciso foi desenvolvido até o primeiro milênio a.C. na África oriental, com base nos cálculos astronômicos. Os dogon, que viveram nas terras do antigo império de Mali, perto da capital universitário de Timbuktu, detém uma concepção moderna do universo e com conceito extremamente complexo da astronomia. Desde há seis séculos, eles já conheciam o sistema solar, a Via Láctea com sua estrutura espir al, as luas de Júpiter, e os anéis de Saturno.

Sabiam da natureza deserta e infecunda da lua, e muito antes que o ocidente conseguisse observá-lo com a ajuda de sofisticados aparelhos, conheciam o pequenino satélite da estrela Sírio B, invisível ao olho nu. Denominavam-no PoTolo, e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita elítica em torno de Sírio. Projetaram corretamente a sua trajetória até o ano 1990, em desenhos que conferem precisamente com o curso projetado pela astronomia moderna.

No campo da metalurgia, há vários exemplos como o dos haya, povo de fala banta habitante de uma região da  Tanzânia perto do lago Vitória. Há dois mil anos, produziam

(7)

que fossem capazes os fornos europeus até o século XIX. Com base na tradição oral, a antiga tecnologia de fundição foi reproduzida fisicamente, confirmando sua eficácia.

Monomatapa, em Zimbábue, é outro exemplo da tecnologia aplicada na África antiga. Capital de um império que durou trezentos anos, sua construção significa uma verdadeira façanha de engenharia, encerrando uma cidade murada do dez mil habitantes. Estudiosos atribuíram sua construção a povos exógenos à África, e até a extraterrestres. Entretanto, o esforço de negar à África a sua autoria foi em vão, e este se agrega a outros incontáveis exemplos do

desenvolvimento tecnológico na África tradicional.

Elisa Larkin Nascimento

*Doutora em psicologia pela USP e Mestre em Direito e em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Nova Iorque. Co-fundadora do IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros).

Coordenou o Setor de Ensino do Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-Americanos da UERJ.

INTRODUÇÃO

Quanto mais acirra-se o sistema de exclusão social no planeta, mais torna-se

urgente encontrar outros caminhos para a organização da vida e da produção

que garanta o bem viver de todos e de cada um. O Sistema do Capital,

pretensamente universal e realmente imposto ao mundo todo, tem como

fundamento uma cosmovisão essencialista, excludente e individualista,

caucada no princípio da identidade, nos processos de legitimação formal e na

política de dominação. A exclusão econômica e social é legitimada por 

princípios abstratos que, no plano do discurso, justifica ideologicamente o

estado de coisas que preserva e aumenta a injustiça social em todo planeta e

no Brasil particularmente.

Influenciados por uma cultura ocidental - judaico-cristã quanto aos valores,

helenocentrista quanto à concepção, elitista quanto à organização social

-somos levados a pensar alternativas para o futuro, reificando o pensamento

escatológico de encontrar o paraíso no devir. Essa armadilha cultural tem-nos

privado de reconhecer nossa própria história e modelos criativos que

inventamos ao longo do tempo e em diversificados territórios do planeta.

Reféns das dicotomias reforma-revolução, moderno-arcaico,

progresso-tradição, não valorizamos os modelos sócio-econômicos e políticos-culturais

fabricados pela complexa tradição africana, que, não obstante, espalhou -se por 

todo o planeta levando consigo uma cosmovisão includente, imanente,

dinâmica e alterativa.

Este livro tem como objetivo elucidar o que chamamos de cosmovisão africana e sua atualização no Brasil, refletindo sobre suas consequências políticas, sociais,

(8)

econômicas e culturais na sociedade brasileira. Pretendemos dar ênfase na cosmovisão africana e nos modelos decorrentes dela, uma vez que são modos de organização social realmente existentes que se erigem como manifestações históricas e contundentes que respeitam as diferenças e promovem a alteridade.

 Aproveitando das contribuições da filosofia quanto da antropologia, da história quanto da sociologia, procuramos apontar paradigmas que promovam o bem-estar  social e não aqueles que lançaram nosso planeta numa crise sem precedentes na história da humanidade. O motivo pela procura de novas formas de organização social são claros e aberrantes: ou nos damos conta do momento de crise planetária que estamos passando e descobrimos outros modelos de organização da vida e da produção que sejam includentes - que respeitem a alteridade e não a aniquile, que seja ética e não cínica, que prime pela qualidade da vida e não pela destruição do ecossistema - ou encontraremos o fim da nossa espécie no modelo capitalista. Estamos nos primeiros dias da guerra dos E.U.A. contra o Iraque. Essa é uma guerra assentada na cosmovisão ocidental que prefere aniquilar o outro a dialogar com ele. É o paradigma da destruição, da vontade de potência, do desejo de dominação que engendra atitudes desastrosas como a do governo americano. Estamos no limiar da história. Ou valorizamos sistemas de inclusão e valorização da vida – como o são os africanos e indígenas - , ou tornamo-nos reféns e cúmplices da concentração do capital e da universalização da miséria e da violência.

O Sistema do Capital, CMI  – Capitalismo Mundial Integrado, organiza-se em torno de dois pólos: produção econômica e produção subjetiva, sendo que a última ocupa um papel fundamental para a acumulação do capital. Geralmente privilegia-se a análise econômica em detrimento da análise subjetiva. No entanto, o capitalismo vale-se dos agenciamentos dos devale-sejos e da produção de subjetividades massivas para reproduzir o sistema do capital, introjetando nos indivíduos e grupos de indivíduos valores sociais próprios do sistema, aumentando com isso sua eficácia de reprodução e adaptação a novas realidades. Elegendo-se a si mesmo como Universo Único de Referência, sobrecodifica os outros regimes valorativos e apresenta-se como único caminho para a organização econômica e social  – o que implica um sistema político e cultural condizentes.

 Acontece que o CMI não é o único regime de signos existente. Muito pelo contrário, existe uma pluralidade de regimes semióticos tanto entre culturas diferentes, quanto no interior de um mesmo território nacional. Ocorre que o CMI hegemonizou o sistema sócio-econômico e político-cultural. Mas hegemonia não significa onipotência, predomínio não significa existência exclusiva. Com efeito, a cosmovisão africana configura-se num outro regime semiótico agenciando desejos e promovendo valores no mínimo antagônicos aos agenciados pelo CMI. O Capitalismo Mundial Integrado, na sua pretensa totalidade, não consegue evitar as linhas de fuga que se desprendem de sua malha; linhas de fuga essas que potencializam a criação de outros regimes semióticos.

 As linhas de fuga são vetores de subjetivação que não estão dominadas pelo regime dominante de signos, e, portanto, pode criar outros regimes semióticos. A máquina abstrata, espécie de categoria-potência, livre de qualquer territorialização, é a base da existência das linhas de fuga e dos vetores de subjetivação auto-referentes, contrastando com a semiótica significante – que é a semiótica do CMI.

(9)

Os regimes subjetivos, então, nascidos ou gerados através das linhas de fuga e das máquinas abstratas, opõem-se radicalmente ao CMI, uma vez que, denuncia a flagrante falácia da semiótica significante (semiótica dominante), que sempre redunda no próprio significante, jamais alcançando o significado, instaurando, assim, a repetição do mesmo incessantemente e ao infinito. É a absolutização do princípio de identidade.

O regime de signos dominante que originou o CMI é estruturado sob os já referidos equivalentes gerais. Tais equivalentes se manifestam na ontologia (SER), na linguística (SIGNIFICANTE) e na economia (CAPITAL), sobrecodificando os outros universos valorativos. Esta lógica cria as categorias binárias de certo e errado, bem e mal, deus e diabo, sagrado e profano, puro e impuro, original e mestiço, etc., desqualificando as diferenças singularizantes, vulgarizando a complexidade do real e atacando as subjetividades éticas auto-referentes.

O problema dos regimes de signos significantes é que se auto-elegem como os únicos possíveis, mas, como dissemos, as linhas de fuga dão margem aos regimes subjetivos - que são polivalentes e diversificados, promovendo a alteridade, respeitando as diferenças, reconhecendo os outros universos valorativos.

Segundo esse raciocínio, se o regime de signos dominante é o CMI, ou seja, a semiótica do capital como semiótica significante, as linhas de fuga permitem-nos encontrar outros modelos semióticos que, ao contrário do CMI, promovam a justiça social e a emancipação humana, bem como a preservação do ecossistema planetário.

 As linhas de fuga, portanto, dão margem para a criação de novos modelos. Por  isso fomos à África anterior à invasão européia averiguar que elementos estruturantes haviam lá que pudessem servir de modelos dinâmicos para a organização da produção e da vida no início do século XXI.

Esta discussão insere-se dentro de um contexto mais amplo, que é a dimensão eminentemente política na qual este livro está inserido. Não queremos recair  no romantismo dos séculos passados, muito menos nas teorias naturalistas da Modernidade. Nosso intento é apontar caminhos possíveis de organização da vida, mostrando , depois de uma crítica ao Capitalismo Mundial Integrado, como é possível alternativas desde a cosmovisão africana. Recuperar os elementos estruturantes dos Grandes Impérios Africanos e verificar como na história do Brasil eles foram atuando de maneira a estruturar a cultura negra brasileira não é tarefa das mais simples, mas, de maneira sumária, procuraremos demonstrar como essa leitura da história dos africanos e seus descendentes no Brasil é compatível com a discussão sobre a globalização. Essa é uma perspectiva crítica no sentido de colocar em crise o sistema do Capitalismo Mundial Integrado, e propositiva, no sentido de apontar caminhos baseados na experiência afrodescendente.

Este livro dedicar-se-á, portanto, a um desses universos de referência que é a Cosmovisão Africana – construída com sabedoria e arte pela tradição e atualizada com sagacidade e coragem por seus herdeiros. A herança da cosmovisão africana altera a discussão sobre a identidade brasileira. Com efeito, os afrodescendentes foram alijados de sua terra de origem, por um lado, e menosprezados em suas terras de ocupação, por outro. Negados ontologicamente em qualquer parte do mundo, suas

(10)

culturas foram rotuladas como atrasadas, animistas, folclóricas, bárbaras, primitivas, o que evidencia o racismo a que foram historicamente submetidas a população africana e seus descendentes. No Brasil, a teoria do branqueamento, a defesa ideológica da democracia racial, o ocultamento da realidade desfavorável aos afrodescendentes, denota a falácia da convivência harmoniosa entre as raças e a mentira da ausência do racismo em terras brasileiras.

Seria um engano conhecer o Brasil sem conhecer a história dos afrodescendentes. Seria um engodo compreender o Brasil sem antes conhecer a  África. Seria uma lástima procurar entender a realidade social brasileira sem compreender a realidade racial do país. Combater a discriminação racial não é tarefa exclusiva do poder judiciário. É preciso re-pensar a história brasileira a partir do legado africano. Sem isso, perderíamos em profundidade e qualidade o conhecimento sobre nós mesmos. A brasilidade, em muito, é tributária da africanidade. As africanidades re-desenham e re-definem a identidade nacional e, com isso, o projeto político, econômico e social brasileiro. Ainda que o discurso acadêmico e político tenha excluído, durante séculos, a experiência africana no Brasil, sua influência não deixou de exercer papel fundamental na construção desse país. Chegou o tempo de ouvir  quem foi calado. Chegou o tempo, não de resgatar nossos conteúdos culturais, mais de fazer valer, política e socialmente, nossos valores civilizatórios, nossa forma cultural, nossos bens simbólicos, tão rica e criativamente reelaborados pelos afrodescendnetes. Em momentos agudos de crise urge ressaltar outros modelos de organização da vida. Em momentos de rigidez diplomática e totalitarismo beligerante, experiências de paz ganham força e raiam no horizonte da humanidade. Em momentos de massificação e repetição de sistemas autoritários, dinâmicas civilizatórias construídas sobre a diversidade impõem-se com a força do imperativo da inclusão, da alteridade ..., da vida!

 A identidade está inserida no jogo político que, por sua vez, está enredado pelo mundo da cultura. Não há ingenuidade neste livro. Não há romantismo. Escrevemo-lo no calor das lutas sociais, no ardor dos desejos da construção da cidadania dos negros e não-negros, na esperança de um mundo de paz, no compromisso com a causa dos afrodescendentes, no empenho de fabricar, dia-a-dia e incansavelmente, um mundo governado pela ética.

É assim que convidamos ao leitor para adentrar na aventura desse livro, onde as fronteiras culturais são continuamente transpostas, onde a forma convencional de pensar é frequentemente transgredida, onde persegue-se obstinadamente o desejo de aprender com a diversidade das experiências humanas. Convidamos ao leitor para ser  parceiro na trajetória dos afrodescendentes que souberam, num diálogo criativo com o sistema de dominação, responder não com ódio, mas ternura, não com guerra, mas com sistemas de inclusão, não com lamentos, mas com atitudes estético-sociais à situação desumana a que foram submetidos. O convite está feito. Não apenas humanizar-se, mas africanizar-se quanto a valores e formas de vida.

(11)

I.COSMOVISÃO AFRICANA: A África antes da invasão européia.

 A Cosmovisão Africana não surge fora do espaço e do tempo. Pelo contrário, é analisando a história da África que podemos identificar sua dinâmica civilizatória e a formação de sua Cosmovisão. A África, entretanto, é continente grande demais e múltiplo em demasia em suas expressões culturais. Por isso nos limitaremos a algumas regiões daquele continente, sobretudo ao Império do Gana, Mali e Songai que tiveram sua existência entre o século X e XV de nossa era. Não é possível aprofundar um trabalho como esse, sequer todas as nuanças destes impérios, quanto mais da África como um todo. Assim, quando nos referimos à África, é a uma porção do continente que nos referimos.

Consideremos, então, os três grandes Impérios Africanos que se ergueram entre o século X e XV de nossa era. São eles: Gana (X a XII), Mali (XIII a XIV) e Songai (XIV a XV), todos localizados entre o Saara e o Sahel, obedecendo o deslocamento de ocidente para oriente. Politicamente alternaram seu domínio na medida em que um entrava em crise e o outro chegava a seu apogeu. Veremos, adiante, como estes impérios surgiram sob o domínio de algumas etnias que hegemonizaram a política e a milícia da época.

Por se tratar de um período histórico muito vasto, nossa pesquisa utilizará o método macrossociológico. Privilegiando as macro-estruturas, intentaremos identificar  os elementos estruturantes dessa sociedade, consolidando sua história através de uma perspectiva sócio-estrutural. Na medida em que perguntamos porque surgiram estes grandes impérios na linha geográfica ocidente-oriente, durante os séculos X e XV, sob domínio de etnias determinadas, e, qual o contexto internacional onde surgiram e, ainda, como funcionavam suas dinâmicas políticas e sociais, estaremos fornecendo as primeiras respostas à como se formou a Cosmovisão Africana.

Uma análise pormenorizada dos três grandes impérios africanos é motivo para um trabalho de pesquisa que não cabe à esse livro e nem é seu objetivo. A meta é, como dissemos, ressaltar os elementos estruturantes que nos permitem dizer que existia uma unidade cultural na África antes da invasão européia.

Há três barreiras epistemológicas que teremos de vencer antes de entrarmos propriamente na caracterização dos três grandes Impérios Negros. É notório o fato da  África, durante séculos, ter sido excluída dos vários saberes desenvolvidos pela academia. Esta exclusão é fruto de preconceitos em relação ao continente, e não raras vezes, tal exclusão foi fruto da mais vil discriminação racial. A inferiorização que a África e seu povo vem sofrendo durante todos esses séculos constitui-se numa grande barreira epistemológica para se desenvolver pesquisas a respeito do continente do Arco-Íris[1]. Não obstante o preconceito e a discriminação racial que sofre este continente, seu povo e descendentes, a África continua sendo um continente onde a diversidade e a multiplicidade de culturas vem sendo respeitada e servindo, inclusive, de modelo de organização para a vida. Para elucidarmos alguns desses elementos, temos, portanto, que vencer algumas barreiras epistemológicas.

(12)

A primeira barreira epistemológica, defendida até mesmo pelo filósofo Hege l[2], é que a África não tem história. Sendo um continente primitivo, onde não ocorre mudanças, onde as estruturas sociais sempre permaneceram “tribais”, e onde as inovações jamais existiram, muitos autores, até o século XIX, consideraram que a  África era um continente a-histórico, vivendo no mais primitivo dos sistemas naturais.

 A segunda barreira epistemológica é a ideológica, que se resume, fundamentalmente, na tentativa de mostrar que o continente africano fica fora da história. Ou seja, que monumentos bem como outras manifestações artísticas, assim como estruturas arquitetônicas que revelavam bom nível de desenvolvimento social e político em África, foram construídos por outros povos que não africanos, e, de preferência, povos brancos advindos do ocidente (fenícios, persas etc.). Ou seja, segundo essa concepção os africanos são essencialmente passivos, incapazes de, por si mesmos, construírem a história.

 A terceira barreira é ainda mais racista. É o caráter da miscigenação, que diz que a obra dos grandes impérios negros e seus grandes feitos culturais e políticos foram realizados por sujeitos não negros, ou, pelo menos, por sujeitos miscigenados. Ou seja, mesmo reconhecendo que a África possui e construiu uma história, tal história, na visão dos defensores da tese da miscigenação, só foi possível porque não foram os negros – ou pelo menos não foram eles sozinhos  – que a construíram. Este preconceito contra os africanos foi também formulado da seguinte maneira: os africanos do norte, miscigenados com os árabes, povo de tez branca, possui história  – uma história islamizada, arabizada. Já os africanos ao sul do Saara seriam povos totalmente primitivos, vista que sua miscigenação com povos brancos era praticamente nula.

Não é de hoje que o continente africano e seus habitantes sofrem com as teorias racialistas. Seja pela negação da autonomia dos africanos, seja pela desqualificação de sua história, seja pela inferiorização de sua identidade, os africanos e seus descendentes são sistematicamente negados em sua existência. A mestiçagem, na África em geral e especialmente no Brasil, tornou-se não apenas uma barreira epistemológica para a compreensão da dinâmica civilizatória dos afrodescendentes, mas também uma ideologia que embota as efetivas relações raciais neste país, que, sem dúvida, é marcado por um racismo exacerbado. O argumento binário do puro/impuro, original/mestiço, branco (puro)/ negro (impuro)/ mulato (mestiço) serviu como uma poderosa arma de dominação da elite  – em sua maioria branca, masculina e católica.

Nos anos 70, diz KI-ZERBO (1980), muitos historiadores africanos quanto europeus, voltaram-se a uma pesquisa mais científica da África, o que equivale a dizer  que buscaram superar os preconceitos acima relacionados. Isso deve-se, pelo menos, a dois motivos: 1) subjetivo: pois existe o desejo de encontrar uma identidade africana; 2) objetivo: pois a independência de vários países africanos traz de volta ao cenário político estas questões.

Estas mesmas questões são fundamentais para discutirmos a cosmovisão de matriz africana no Brasil, pois o problema da identidade africana e dos descendentes dos africanos bem como as questões políticas que permeiam a história dos negros na

(13)

 África e no mundo estarão sempre presentes no decorrer deste trabalho. Na verdade, esse texto estará sempre em torno da questão cultural e da questão política. Se privilegiamos analisar os três grandes Impérios Africanos foi porque eles nos dão uma exemplar idéia da dinâmica cultural africana antes da invasão européia. Estrategicamente os escolhemos por se tratar de um exemplo histórico, capaz de fornecer-nos dados suficientes para a tese da manutenção de uma cosmovisão africana que, muito embora a distância no tempo, é atualizada nas manifestações culturais dos afrodescendentes, bem como em seu modo de organizar suas instituições – atualizando, no cotidiano, sua cosmovisão originária.

Aspectos Históricos

 Antes de falarmos dos Impérios Africanos, especificamente, convém contextualizar a África ao Norte e ao Sul do Saara, a fim de termos em mente a situação geográfica e política de onde surgiram os grandes Impérios Negros.

O deserto do Saara é o que divide a África negra da chamada África branca. O Saara está em constante expansão, e vai obrigando os povos do Sul a recuarem.

 Acima do deserto do Saara ocorreu a invasão islâmica. Estes povos, de fenótipo mais claro, continuamente empurraram bolsões de população negra para o sul da África. É por isso que divide-se o continente em África do Norte (África Branca) e África Negra (ao Sul). Esta divisão ocorre, pelo menos, desde o século XVIII. Vale dizer que a relação das duas Áfricas é, por vezes, de confronto, e às vezes, complementárias.

Nesta região da África (da faixa que congrega tanto a região desértica do Saara quanto a região de Savana do Sahel) a população, em sua maioria, é nômade e se dedica ao comércio. É aí que os grandes impérios africanos irão germinar e expandir-se.

 Antes da invasão islâmica, havia a escravização dos africanos abaixo do Saara, mas a escravização era diminuta. Com a invasão árabe este processo se intensifica e ganha uma justificativa ideológica: a conversão dos pagãos para o islamismo.

Com efeito, havia escravidão na África antes da chegada dos árabes e europeus. Porém, há diferenças notórias entre o que se chama de escravidão africana antes e depois da invasão islâmica e européia. Antes da formação dos grandes impérios, na região ao sul do Saara, tínhamos o deslocamento de populações inteiras, que procuravam outros territórios para ocuparem, o que provocava guerras étnicas entre os clãs, famílias-aldeia ou cidades-estado. Desses confrontos resultavam os prisioneiros de guerra, que, dentro da visão de mundo africana, não eram obrigados a rejeitar seus deuses, perder suas línguas ou alterar seu modo de produção. O “escravo” se integrava ao clã, família ou cidade-estado. Ou seja, havia o Patriarca, o  Antepassado, os Filhos, os Empregados e os “Escravos”.

(14)

A diferença da escravidão em África e na Euro-Ásia, é que na dinâmica civilizatória européia o escravo é coisificado em sua existência, passando a ser tratado como coisa (“res”) - podendo ser, por isso, explorado como a um animal ou, como foi o caso do Brasil, explorado mais que a um animal[3]. A experiência civilizatória européia teve como propulsora uma cosmovisão de mundo assentada em valores individualistas, burgueses e liberais, que privilegiava o acúmulo de capital e não a distribuição de riquezas. Assim o escravo era tido como uma mercadoria a mais na rede comercial que sustentava o processo civilizatório ocidental. Na África, por outro lado, o escravo ocupa outra função no interior do circuito escravocrata. Geralmente sendo prisioneiro de guerra, o “escravo” é integrado na dinâmica da etnia que dominou seu grupo de origem. Ele é incorporado dentro deste sistema. Ele não é nadificado na valorização de sua existência. Ele não é transformado em mercadoria ou instrumentalizado para aumentar o acúmulo de capital. Há, inclusive, o caso de um “escravo” que chegou a Rei em uma das monarquias africanas. Enfim, são culturas diferentes que tratam seus subordinados de maneira diferentes, resultando num grande erro o emprego equivalente da palavra “escravo” para a situação africana e para a situação européia.

Defendemos, a partir de uma leitura macrossociológica, que os Impérios  Africanos que se ergueram na faixa Saara, Sahel e Savana, funcionou como “parapeito” para inibir a dominação do sul da África pelos árabes. A formação dos Impérios foi uma estratégia de defesa e uma resposta crítica à islamização imposta pelos berberes.

 A população dessa região migrou massivamente em direção ao sul, fugindo ao processo de homogeneização do islão, que no afã de sua cruzada econômico-religiosa, dizimou muitas etnias. Era uma fuga da escravização. Tanto em Gana, como no Mali e no Songai ocorreu a islamização. Acontece que essa conversão ao islão fora superficial, pois apenas as elites governantes se converteram. A maior parte da população, sobretudo a rural, permaneceu fiel às religiões tradicionais africanas.

Cronologicamente os Impérios vão surgindo no sentido ocidente-oriente, se contrapondo às rotas de escravização árabe. A dominação árabe, é sabido, não tinha apenas uma motivação religiosa para invadir aquele território, pois quem controlasse o comércio asseguraria a hegemonia política e econômica da região.

 A região do Sahel é uma zona de intensa troca de mercadorias. De um lado, temos a influência da África Negra, que conserva as matrizes africanas, de outro, temos a influência da África Branca[4], predominantemente árabe.

Não foi por acaso que os três grandes Impérios Africanos surgiram entre o Saara e a Savana. Além dos interesses econômicos e religiosos, há explicações político-culturais. Ao sul da África temos outros tipos de organização social e política dada a tradição de povos como os yorubás, por exemplo, que organizavam-se politicamente em torno de cidades-estado. Urbanizados, os yorubás detinham a arte da metalurgia e podiam proteger-se em unidades políticas menores e independentes. Já os povos da faixa Saara-Sahel, habituados ao nomadismo, construíram os grandes impérios somente quando foi necessário combater a progressão árabe.

(15)

Enquanto na África do Norte a formação dos impérios está imbuída da concepção de mundo árabe, onde existe a imposição de uma verdade religiosa (Islão) e econômica (modo de produção árabe), gerando uma política de dominação, na  África ao Sul do Saara ocorreu outro processo - inédito -, onde as etnias de territórios

circunvizinhos especializavam-se em funções produtivas (agricultura, caça, pesca, pastoreio, metalurgia), enquanto que a etnia autóctone era apenas dona da terra, dividindo o governo político e militar com as etnias que chegavam. Isso gerava uma política de cooperação.

Os Impérios Africanos ergueram-se como construções político-sociais fundamentadas pela cosmovisão africana. Analisaremos os Impérios de maneira a ressaltar apenas os aspectos relevantes para a elucidação da cosmovisão africana, por isso não nos deteremos em detalhes ou aprofundamentos históricos importantes. Nosso interesse, neste livro, é compreender a dinâmica civilizatória africana e sua correspondente cosmovisão, ficando para outro momento o estudo detalhado da história africana[5].

 A primeira grande resposta dos negros ao processo de islamização africana, iniciou no século VII com a soma de várias etnias para formar o primeiro Império  Africano que aflorou apenas no século X.

Império do Gana

O Império do Gana surge num lugar privilegiado, pois situa-se no ponto principal da travessia do Saara em direção ao Sul. A cidade principal é a capital do comércio do Gana, Walata. No entanto, o Império Ganês não surge apenas por causa da privilegiada localização geográfica e das rotas de comércio, pois tais rotas existiam a pelo menos desde o séc. III de nossa era. O surgimento do Império do Gana, portanto, como já afirmamos, surge como reação ao domínio islâmico. Na verdade, a criação do Império é uma das respostas dadas à expansão árabe, pois pode se verificar um grande movimento migratório para o sul da África neste período. A hipótese é que os povos que viviam ao sul do Sudão Ocidental fugiam do processo de escravização, seja migrando para outras regiões, ou se organizando em estruturas estatais como o Império do Gana.

O Império surge a partir da convergência de elementos geopolíticos. Em termos políticos a localização do reino do Gana é bastante estratégica, pois é onde se controla importantes rotas comerciais, que definem o comércio entre o norte e o sul da África. O desenvolvimento aurífero da região, possibilitou sua concentração de renda e também o domínio e controle sobre regiões vizinhas através de cobrança de tributos e demarcação de territórios na região. Além disso, ressalta-se a busca de mão de obra escrava, empreendido pelos povos berberes que dominavam a região do Saara. Após a islamização pelos árabes, há uma reordenação do Império do Gana

(16)

que passa a servir como uma “barreira” protetora, inibindo a expansão islâmica para o sul da África.

Com sua localização privilegiada, Gana, situada na faixa do Sahel, tem as condições para o desenvolvimento da agricultura e do pastoreio, que são dinamizadas, criando um contingente de mão de obra especializada. Na Zona do Sahel há uma f orte produção de cereais. Essa produção especializada permitiu que ocorressem dois fenômenos: 1) o surgimento das cidades; 2) as estratificações sociais.

É claro que no cenário econômico existem outras rotas para o comércio. Mas é em Gana que se hegemoniza esse processo, e, por isto, também o controle político. Isto não impede que haja disputa política na região. A oeste encontramos Takrur que rivaliza com Gana. Há também o império de Bangu g[6], onde se hegemoniza a extração do ouro. Gana não se preocupou em anexar Bangug ou destruir Takrur; seu objetivo principal era controlar a rota comercial.

O que a região do Sahel exportava para o norte da África era mais valioso do que o que recebia, o que dá a idéia exata da fartura e da força do Império Ganês.  Apenas que a dinâmica civilizatória dos árabes privilegiava a guerra, a destruição , o proselitismo e a universalização, enquanto a cosmovisão africana privilegia a diversidade, a produção (riqueza), a lógica própria de cada lugar e os valores culturais de cada clã.

São os mandinga (etnia majoritária), através dos soninke (subgrupo da etnia), que criam o império do Gana. A cidade de Kumbi-Saleh, capital política do Gana, chega a ter nesta época vinte mil habitantes. Como vivem principalmente da agricultura e do pastoreio, numa região prodigiosa para a produção, a população ganense experimenta certa fartura, não padecendo de miséria e falta de estrutura social. O povo não passa fome - mesmo os camponeses -, e os nobres se destacam da população por causa do controle do ouro.

Quanto à organização social, são as relações de parentesco consangüíneo que estruturam a sociedade, proporcionando uma conjuntura política e ideológica que evidencia relações de produção e, consequentemente, estratificações sociais. Antes, porém, da invasão islâmica, a região do Gana estruturava-se em torno de uma organização mui tradicional, ou seja, de acordo com as linhagens matriarcais  – principalmente - ou patriarcais. Com a formação do Império do Gana a estrutura social passa a ser mista, coabitando o modelo tradicional e a organização “urbana” do Império.

No cenário político o Imperador constitui-se na figura central do poder  administrativo e religioso. Além do mais era ele quem controlava a produção e a comercialização do ouro. A riqueza do Estado provinha do comércio e da tributação, o que permitia o bem-estar social relativo da população. A política no Império está assentada numa organização central, com o poder centralizado na figura do Imperador. A periferia do império, por sua vez, ainda que considerada vassala em relação ao Imperador, tem uma estrutura de poder descentralizada, e mantém suas tradicionais formas de organização.

(17)

No interior do Império (e dos reinos periféricos) não havia coerção quanto a prática de religiões diferenciadas. O espaço imperial permitia a convivência de diversas matrizes religiosas, ou seja, as etnias não precisavam subordinar-se a uma religião hegemônica.

Na região do Sahel há o cobre, a noz e o marfim. Estes produtos interviram no modelo tradicional da estrutura social africana. Nas estruturas tradicionais a divisão dos bens de produção era de acordo com os clãs, que recebiam equanimamente, ainda que respeitando o princípio da proporcionalidade, os produtos, pois o Rei precisava distribuir igualitariamente a riqueza para manter sua autoridade e prestígio. Com a intensificação do comércio, a distribuição da riqueza passou a não ser tão igualitária e abalou a estrutura tradicional, pois chocou-se com os valores tradicionais da comunidade que, outrora, pautava-se pela lógica da abundância e, com a chegada dos árabes e o desenvolvimento do comércio, passou a ser regida pela lógica do acúmulo e concentração da riqueza.

Cria-se aqui um conflito entre os nômades do deserto (pastores) e os habitantes do Sahel (povos sedentários). A rota do comércio através do Saara, com a utilização do uso do camelo, era domínio dos berberes  – povo africano islamizado -, que viviam segundo os modos de vida nômades, isto é, não ocupavam território fixo, não criavam instituições estatais e viviam basicamente do pastoreio. Já os povos do Sahel organizavam-se de forma muito diferente: suas principais atividades econômicas era a agricultura  – principalmente de cereais -, e construíram instituições estatais, devido a sua ocupação permanente de território.

Por vezes essa relação é complementária, e por vezes elas são conflituosas. Com a invasão islâmica, entretanto, essa relação tensiona-se cada vez mais. Os berberes são acostumados a armar estratégias de ataque ao Sahel e voltar para o deserto. Essas são ações de rapinagem dos berberes. O conflito entre os povos nômades (berberes) e os povos sedentários (da região do Sahel) ocasionou um conflito político, pois dominaria política e economicamente a região quem controlasse a rota do comércio. Daí surgiu o Império do Gana, no entrecuzamento de interesses conflitantes de etnias locais, de povos distantes e, também, como uma reação à expansão árabe, que também tinha muito interesse na rota do comércio e no domínio da extração do ouro, um pouco mais ao sul de Gana.

O Gana se afirma como Império no séc. X d.C., no mesmo período em que os árabes consolidava o seu poderio. Ou seja, quando a poderio político e militar dos almorávidas ficou mais forte, mais forte também ficou o Império dos Malikes para lhe opor resistência.

O império era formado por diversas etnias, governados por um rei que possuía o título de Ghana – senhor do ouro. Já a terra era propriedade de todos, cabendo ao rei a administração dos conflitos, cumprindo o papel de mediador - cuja função principal era a de manter as diferenças étnicas, o que permitia a relação de troca onde interesses comuns do reino era privilegiado, não de forma consensual, mas na medida do possível garantido os princípios de justiça.

(18)

Uma característica marcante do governo no Império do Gana é o regicídio[7]. O rei é morto se ele se desvia do que foi comunitariamente determinado pela sociedade. Pode acontecer dele ser morto quando atinge uma idade avançada, quando já não consegue desempenhar eficazmente seu papel de liderança. O regicídio é uma maneira de exercer o controle político pela comunidade e obriga a seu governante cumprir o que está estabelecido pelos conselhos de anciãos que apresentam os anseios da população ao governo central. Se o governo do Rei volta-se contra o bem-estar da população, então ele será o responsável pelo mal bem-estar social e deverá, por  isso mesmo, ser eliminado.

O Império Ganês é uma organização política e culturalmente complexa. Congrega uma grande diversidade étnica em torno de um objetivo político comum: barrar o avanço dos almorávidas para o sul da África. Apesar da elite do Império converter-se ao islamismo, todo o Império mantém suas práticas religiosas tradicionais, o que nos faz crer que a islamização na região do Gana foi superficial e atingiu sobretudo as elites dirigentes. O que está em jogo, muito mais que as conquistas religiosas são as conquistas econômicas. A formação de uma brigada militar, por parte dos árabes, para dominar a exploração do ouro, as rotas de comércio do Saara e a produção agrícola do Sahel sofreu uma resistência da população africana, que só foi possível, graças às suas idiossincrasias culturais de congregação de etnias, de solidariedade continental, de fidelidade às suas religiões e de promoção do bem-estar social.

Mas o grande Império do Gana sucumbe aos ataques dos árabes. Eles fortalecem o poderoso exército almorávida e investem massiçamente contra os povos do Sahel, sobretudo a oriente de Gana. Os berberes  – base do exército dos almorávidas - não atacam de imediato a região do Gana, pois ali se constitui um forte império. Estrategicamente eles investem no processo de conversão religiosa e alianças militares. Eles intensificam as conversões forçadas ao negro. Esta justificativa religiosa “legitima” os ataques dos árabes, que buscavam hegemonia política e econômica na região. Todo o séc. XI é o das investidas do exército almorávida, que, nesta época constitui-se de tribos berberes mais ocidentais: os azenegues, que controlavam o tráfico de escravos para o Marrocos. Para os berberes o islamismo representava a possibilidade de resgatarem a hegemonia perdida sobre os Estados  Africanos. Para Takrur a aliança com os almorávidas representou a possibilidade de suplantar a hegemonia maninke e, por isso, converteu-se ao islamismo, selando uma aliança política e militar com os árabes. Em 1042 Ibn Yacine organiza um exército de 30 mil homens e invade o Gana, impondo a derrota ao Imperador. Em 1076, Abu Bakr  invade e vence o Gana ao mesmo tempo que os almorávidas marcham para o norte, rumo ao Magrebe, graças à força proporcionada por largos contingentes negros do Takrur e uma revolucionária organização militar. Em 1086 Yussuf lidera a força islâmica, na Espanha, contra os cristãos. O exército almorávida é formado de árabes e de negros convertidos. Com este contingente bélico poderoso eles avançam em direção ao Sul, procurando consolidar seu domínio no Sudão Ocidental.

No início do séc. XII o poder almorávida se estendia por todo litoral da costa ocidental africana, abrangendo também o território que ia desde o rio Senegal até a

(19)

Espanha. Pela primeira vez na história os povos do deserto se unificaram sob uma administração permanente.

 A imposição do islamismo, no séc. XI, pelos almorávidas, intensificou o deslocamento de etnias negras (os Serer, Volfo, Saracolé, Bambara) para o sul do continente. Os deslocamentos populacionais impostos pelo islamismo e o crescimento das disputas pela hegemonia na região levaram ao fim o Império do Gana.

Império do Mali

Com a decadência do Império do Gana, apareceu, no século XII, o Império Sosso, também conhecido como Império do Mali, onde, é claro, dominava a etnia sosso, porém, com o consentimento das outras etnias da região. A formação dos grandes Impérios Negros obedecem sempre o mesmo modelo: desenvolvem-se a partir da formação de Grandes Federações Étnicas.

O sec. XII é conhecido como o século da turbulência. Os almorávidas, além de seu poderio bélico, primam pela pureza religiosa e impõem a conversão a todas etnias dominadas. Foram exatamente esses fatores que levaram à derrocada o Império de Gana, a saber: 1)formação de um exército islamizado, 2) conversões de populações negras ao islamismo.

O sossos se posicionam claramente contra o islamismo. Eles se confrontaram com os berberes, que por conhecerem a rota do comércio e pela convivência com os soninkes, quizeram dominar a política do ex-império do Gana. Se em Gana a resistência foi camuflada, no Mali a resistência foi explícita. No entanto há algo em comum na resistência à invasão árabe: ela sempre é hegemonizada por uma grande etnia - os mandingas e soninkes, no caso do Gana, e os sossos, no caso do Mali.

É importante notar que a demanda de escravização aumenta quando aumenta-se as guerras em uma região. No ato da queda do Gana, que já contava com uma grande população, a segurança torna-se frágil e a escravização intensifica-se.

Nós temos dois tipos de reação aos árabes. 1) contraposição radical ao islamismo (os sossos do Mali); 2) a assimilação superficial do islamismo (os maninkes do Gana). Ou seja, no caso da assimilação têm-se, na verdade, a estratégia da dissimulação, pois as populações negras se revestem de um “verniz” islâmico para manterem suas práticas religiosas tradicionais.

Os Maninkes, Keitas, Camarás, Konatés e Tracrés uniram-se para derrubar os sossos. Além de interesses comuns na região controlada por seus adversários (sossos) eles se reconhecem pertencentes a uma mesma linhagem, o que possibilitará relações inter-linháticas tendo, como consequência, uma organização política única  – o que os torna uma grande potência na região. Eles se compõem basicamente de comerciantes, de caçadores e de exotéricos. Por isso o interesse na região do Império do Mali é imensa.

(20)

Neste contexto, os maninkes  – que foram islamizados pelos almorávidas -entram em guerra contra os sossos para obter a hegemonia do comércio e o domínio político na região. Na verdade, os sossos foram suplantados pelos malinkes no intuito de “aliarem-se” ao islamismo como estratégia para vencer as disputas regionais, e não para abraçarem fervorosamente a ideologia do islã. É na batalha de Querino que os sossos são suplantados pelo exército de Sundiata (Maninke).

 A estrutura política do Mali está centralizada no Mansa - o rei dos reis. Como no Império do Gana, existem os governos periféricos e os governos aliados. A vida do reino se baseia principalmente na agricultura, abrangendo também a pastorícia (criação de gado), as rotas comerciais do Saara e as atividades agrícolas na Savana (Sahel).

O Império do Mali começa a entrar em decadência a partir do sec. XV. Isto ocorre por causa de fatos políticos relacionados a eventos no interior da própria corte. Mas há outros fatores, mais profundos, que explicam a queda do Mali. Sem dúvida, o acirramento da disputa mundial entre islamismo e cristianismo impeliu os árabes a dominar a região do Sudão, tornando mais massiça a presença islãmica no continente africano. A disputa com o cristianismo fez com que o Islão procurasse manter e expandir seu domínio na região. No entanto, como há uma disputa entre essas culturas religiosas monoteístas, também o cristianismo manifestará interesse em adentrar no Sudão. O Império do Mali, não obstante, passa a ter que se defender não apenas dos islâmicos pelo trajeto transaárico, mas também a se preocupar com os

portugueses, pois eles já sobrepujam a costa ocidental africana. As brigas internas

da corte aparecem como um epifenômeno, ou seja, surgem por causa da instabilidade regional provocada pela conjuntura mundial.

O séc. XV é outro século de turbulência. Os conflitos se acirram. O Império do Mali resiste até o séc. XVI. Ocorrem novas brigas internas entre as etnias na tentativa de hegemonizar o comando da região. Novamente, neste período de guerras intensas, a África tornou-se uma grande fornecedora de escravos para o Mediterrâneo. Desgastadas pelas brigas internas e dilaceradas pelo tráfico de escravos, o Mali sucumbi.

Império do Songai

O império do Songai representa três deslocamentos:

1º) Territorial: no Império do Mali a área ocupada era a do Sahel, na linha da

rota do comércio. Havia grandes cidades como Walata, Tombuctu, Jao e Jenné. Na formação do Império do Songai, por sua vez, houve a necessidade de avassalar  os reinados do oriente.

2º) Organização do Império: o Império do Gana era muito descentralizado e

disperso. Com o Songai temos uma estrutura mais burocrática e organizada. O poder  queda-se, por vez, centralizado. Como há uma intensificação da islamização da nobreza, aumenta-se as contradições religiosas e culturais da população do Sudão.

(21)

Frente às pressões externas há a necessidade de uma estrutura burocrática e militar  para defender-se da invasão árabe.

3º) Miscigenação étnica e estratificação social: se no Gana predominava os

Soninkes e no Mali os Mandingas, no Songai já não há predomínio de uma etnia sobre outra. Já não há a hegemonia de uma única etnia, mas sim a estratificação da

sociedade em “classes” sociais.

 A tradição política, entretanto, segue a tradição africana. Os grandes rituais que reforçavam a organização política continuavam sendo os das religiões tradicionais da  África. Mesmo com a intensificação das campanhas de conversão para a fé islâmica,

as elites convertiam-se superficialmente. Do ponto de vista macrossociológico, há mais uma jogo de cena político nestas conversões, do que propriamente adesões religiosas.

 A base da organização social no Império do Songai é a família extensa ou clã. Com essa estrutura de organização social explica-se porque não houve grandes desigualdades sociais entre a população camponesa do Império. Se na área urbanizada correspondente ao Império propriamente dito havia a estratificação social, no campo a propriedade segue sendo coletiva, tendo seu uso determinado pelas regras tradicionais das famílias. O que irá desestruturar estes núcleos familiares serão as guerras.

Mais uma vez as guerras regionais e a conjuntura internacional vai intensificar  o número de escravizações na África, desta feita no Songai. Agora a lógica própria da escravização africana transformase, uma vez que “contaminadas” pela visão euro -asiática de escravidão. Os escravizados deixam de serem tratados como agregados das famílias para se tornarem propriedades do Estado (rei). Adaptando-se a seu contexto e respondendo às suas necessidades o Império do Songai burocratizou suas atividades e fortaleceu o Estado centralizado. Assim, a produção agrícola é controlada, em grande parte, pelo Estado. Ele está imerso em uma rede de tributação, o que o fará dono de um grande contingente de escravos.

 Apesar das bases culturais (religião, transmissão do poder político, estrutura social baseada no clã, etc.) permanecerem ligadas às tradições africanas, o Songai precisou responder às exigências do desenvolvimento do comércio, à antiga pressão árabe e à recente opressão européia. O Império torna-se um híbrido curioso: por um lado adapta-se às exigências do comércio internacional, perdendo sua característica tradicionalista de produção; de outro mantém a forma de vida tradicional da população camponesa. Cria-se aqui um dilema que não se resolveu com a queda do Império do Songai. Até que ponto é possível resistir às pressões internacionais que impõem modelos de organização da vida e da produção em escala mundial? Visto de outro ponto: em que medida essa imposição destrói realmente as respostas que cada cultura dá a seus problemas sociais? O hibridismo cultural, em algum momento, pode harmonizar essa tensão contínua? Os dilemas entre formas tradicionais e atualizações modernas seguirão problematizando a compreensão da história dos africanos em seu continente e das respostas dadas pelos afrodescendentes em seus lugares de ocupação depois da Diáspora Negra, e as categorias de puro/impuro,

(22)

original/misturado etc. seguirão armando armadilhas ideológicas para a compreensão da cosmovisão africana...

 Aspectos Filosóficos

Os Impérios Africanos, no caso de Gana, se formaram em contraposição à expansão árabe, no entanto, formavam-se de uma confederação de etnias, que representava várias culturas africanas organizadas em torno de um único Império dominado políticamente por apenas uma etnia, que hegemonizou o poder na região. No momento de constituição do Império do Gana a etnia dominante é a Soninke, do tronco dos Mandingas, no Mali são os sossos que comandam a formação do Império. É interessante notar que sob uma aparente unidade de etnia, existia uma pluralidade de concepções religiosas.

Já em lugares que não houve a presença islâmica não foram Impérios que se levantaram, mas cidades-estado ou outras formas de organização social. Ou seja, o povo do Sudão Ocidental respondia às condições históricas de acordo com as circunstâncias que se lhe apresentavam. As cidades-estado eram centros de poder  multidiversificados e descentralizados.

Um importante elemento que encontramos na maioria das populações africanas é a não separação entre natureza e política, poder e religião, ou seja, não há uma estratificação entre estas camadas importantes da vida da sociedade. Tudo é visto de acordo com o princípio da integração, onde os vários elementos se comunicam e se complementam.

Outra realidade que gostaríamos de identificar é o caráter da integração social que a visão de mundo africana possibilita. Exemplo disso é que a urbanização não é anti-ecológica – veja que os palácios centrais se situavam no meio das florestas sagradas -; outro exemplo, é que nesse tipo de organização social-religiosa, o sujeito não é individuado – como vemos por exemplo, no ocidente, a partir do

esquadrinhamento da ciência -, mas faz parte de um todo integrado, isto é, o sujeito é visto como parte do todo.

Os ritos de iniciação (socialização) são coletivos, e esta é uma característica fundamental nos três Impérios Africanos pois aí, a construção do sujeito dá-se

fundamentalmente no processo religioso. A iniciação forma coletivamente a pessoa para a sociedade africana.

Há, nisso tudo, uma sabedoria profunda. A força sagrada é eminente à natureza. Os elementos (bioritmo) é determinado por essa conjugação.

Nestas sociedades não existe a dualidade homem/natureza. Tudo está interligado, por isso tudo interage. O uno é o todo e o todo é uno. O profano tem sua

(23)

dimensão sagrada como o sagrado manifesta-se no profano. Não há escatologia. O tempo dos ancestrais é o tempo passado e o tempo do agora.

 As cidades formadas nesse período segue o padrão político do Islã mesclado à cosmovisão africana: 1) urbanização, 2)culto religioso, 3) um bosque (floresta) sagrado (O palácio central instala-se na floresta). Esse modelo de organização política no continente africano demonstra que: 1) há um hibridismo cultural entre povos de matrizes culturais diferentes; 2) que a lógica africana, dada a situação de dominação, sobrecodificou as instituições políticas islâmicas, revestindo com a religiosidade nativa as instituições estrangeiras; 3) o princípio ecológico fora preservado; 4)a resposta africana é criativa e includente, pois utillizou-se das instituições alheias para manter  sua cultura de base e promover o bem-estar de seu povo; 5) que a criação das cidades-estado não podem ser vistas como uma evolução da civilização, e sim como uma forma diferenciada de organização como resposta a uma determinada circunstância.

Quanto à educação, p.e., o rei do Gana adotava os filhos de outros reis para prepará-los para o governo e serem seus conselheiros. Na ótica de pensadores ocidentais isso tratar-se-ia de um sequestro. Acontece que o filho de tal rei não era refém do soberano de Gana. Ele era um pupilo a ser preparado para as funções de mando e poder. Na ótica africana, os inimigos não são estaticamente definidos. Em tempos de guerra pode-se educar o filho do adversário. Isto é realmente extraordinário, pois a lógica, aqui, não é a da aniquilação do outro, mas a da valorização de suas potencialidades.

Um elemento de caráter mais geral, que refere-se a estrutura de organização política da África é que existem diversos modelos de organização política. Existem as cidades-estado, os clãs (ypós) e ainda outras maneiras de organização como a da confederação das etnias no caso do Império do Gana, mas também do Mali e em certa medida no Império do Songai.

Gostaríamos, nesse sentido, de elencar alguns elementos que permitirão, posteriormente, a afirmação de uma identidade negra trans-histórica:

Nas cidades yorubás há uma referência constante a uma ancestralidade para explicar a origem de suas sociedades. A organização dessa região é marcada por uma forte autonomia. Será, portanto, no sul do Sahel, que encontraremos a maior parte dos elementos estruturais com os quais deveremos montar nossa identidade étnica.

Os chefes são escolhidos de acordo com as linhagens. Essa é a estrutura de poder nesta região. Na maioria das vezes essas linhagens organizam-se em sociedades matrilineares. O exercício do poder administrativo do Rei ou Imperador é controlado socialmente pela comunidade, através de seus conselhos e sociedades secretas (como as Geledes, por exemplo).

O comércio desenvolveu-se nesta região, criando estruturas estatais (cidades-estado). Mas as cidades-estado não foram as únicas respostas políticas à realidade africana. Como a realidade é diversificada, diferentes foram as respostas sociais. Com isso queremos dizer que as comunidades africanas responderam contextualmente às necessidades e características de cada região, tecendo uma variedade muito grande

(24)

de organização política, jamais impondo um modelo de organização econômico-social, mas admitindo várias expressões organizativas no continente. A cosmovisão africana, com efeito, prima pela diversidade e não pela imposição de modelos únicos.

O exercício do poder é simbolicamente centralizado, no caso das monarquias, no Obá (Rei) e nos chefes das aldeias de sua etnia. No entanto, pragmaticamente, há uma certa descentralização do poder. Na realidade ele é dividido entre etnias variadas que se submetem politicamente à etnia preponderante, no intuito de exercer o poder  político com maior eficácia. Ora, já dissemos que a finalidade do exercício do poder é a promoção do bem-estar da comunidade, havendo inclusive o regicídio como mecanismo de controle social. Sendo assim, a organização tradicional da política africana preserva a autoridade do Rei, criando uma unidade simbólica entre a população, muito embora o exercício pragmático do poder esteja descentralizado entre as etnias que compõem o reino. Aqui não há dominação por eliminação, mas hegemonia por competência. Não há uma política de destruição do outro. O que há é a promoção da alteridade.

 A diversidade de formas de organização política é realmente diversificada. Os Ibós, por exemplo, organizam-se em torno das aldeias, constituindo-se, portanto, em uma política de povoação - onde a aldeia é absolutamente autônoma, uma vez que nào existe poder centralizado, isto é, não há Estado.

Nesta região há uma grande complexidade de organizações políticas. Quando, no séc. XV, os portugueses chegaram às cidades do Benin, tiveram de reconhecer a superioridade da urbanização das cidades africanas. Porém, três séculos de comércio de escravos desmantelaram parte significativa de sua estrutura política e de seu desenvolvimento econômico.

É interessante notar que não foram as sociedades estatais aquelas que mais resistiram à colonização. Foram as organizações nômades que resistiram com afinco à dominação européia. Isto é um bom exemplo para não valorizarmos apenas um modelo de organização política, como a estatal, prestando atenção na potencialidade de outras formas de estrutura de poder. Combatemos o pensamento evolucionista que enxerga um desenvolvimento linear que vai das sociedades nômades – consideradas primitivas –, às sociedades estatais – consideradas avançadas. Destacamos a conivência de modelos políticos diferentes na perspectiva de demonstrar como a cosmovisão africana prima pela diversidade e singularidade das experiências do real, sem reificar o evolucionismo, valorizando o modo próprio de cada organização política no contexto da lógica cultural de cada grupo.

Elementos estruturantes das sociedades africanas

Feito um breve levantamento histórico dos Impérios Africanos, interessa-nos, agora, destacar os elementos que, em nosso entender estruturam aquelas sociedades africanas, que antes da invasão européia tinha condições de vivenciar sua cultura de maneira autônoma, apesar das muitas influências extrangeiras e das fricções internas.

 A identificação desses elementos é um dos eixos centrais deste livro, pois são eles que nos permitem a afirmação de que, em África, há uma estrutura comum que sedimenta a organização social, política e cultural. Esses elementos compõem a cosmovisão africana, e, apesar das modificações e rupturas, seguem estruturando as

(25)

concepções de vida dos africanos e seus descendentes espalhados pelo mundo depois da Diáspora Negra.

Universo

Para o africano “o visível constitui manifestação do invisível. Para além das aparências encontra-se a realidade, o sentido, o ser que através das aparências se manifesta” (RIBEIRO, 1996, p. 39). O universo está prenhe do sagrado. O “segredo” faz parte do universo tanto quanto o revelado. Tudo que se manifesta ou oculta-se, segundo a cosmovisão africana, compõe o universo. Para estes povos o universo não pode ser entendido sem um múltiplo de correspondências, analogias e interações com o Homem e com todos os seres que compõem essa totalidade.

Para explicar a interdependência de todos os seres, Ribeiro recorre à tradição bambara do Komo, no Mali, de onde extrai uma narrativa mitológica que conta a origem do homem e do Cosmos pelo grande Deus Maa Ngala.

Não havia nada, senão um Ser. Este Ser era um vazio vivo a incubar potencialmente

todas as existências possíveis.

O Tempo Infinito era a morada desse Ser-Um. O Ser-Um chamou a si mesmo Maa-Ngala. Então, ele criou ‘Fan,

Um ovo maravilhoso com nove divisões no qual introduziu

os nove estados fundamentais da existência. Quando o Ovo Primordial chocou

dele nasceram vinte seres fabulosos que constituíram a totalidade do universo, a soma total das formas existentes

de conhecimento possível. Mas, ai! 

Nenhuma dessas vinte primeiras criaturas reve-lou-se apta a ser o interlocutor que Maa-Ngala

(26)

havia desejado para si.

Então, tomando uma parcela de cada uma dessas vinte criaturas misturou-as.

E, insuflando na mistura uma centelha de seu hálito

ígneo, criou um novo ser  – o Homem – a quem

deu parte de seu próprio nome: Maa.

 Assim, esse novo ser, por seu nome e pela cente-lha divina nele introduzida, continha algo do

 próprio Maa-Ngala. (RIBEIRO, 1996, p. 40-41)

Esse mito ilustra como o Homem é dependente e interligado a todas as coisas existentes; ele é o resultado da interação de todos os elementos vegetais, minerais e animais. Além disso, ele participa da natureza divina, pois nele fora insuflado o hálito divino, ou seja, o Homem está intimamente ligado a todos os elementos da natureza e ao seu criador. Essa relação simbiótica com a natureza (mundo natural) e com o próprio Deus (mundo sobrenatural) compõe a própria essência do Homem, que por  sua vez divide sua essência particular com a totalidade do universo. Dito de outra forma: o Homem é a micro-síntese de todos os elementos que compõem o universo. Ele é um micro-cosmos.

Ronilda Ribeiro, citando Erny[8], refere-se ao universo africano como uma imensa teia de aranha: “não se pode tocar o menor de seus elementos sem fazer  vibrar o conjunto. Tudo está ligado a tudo, solidária cada parte com o todo. Tudo contribui para formar uma unidade(RIBEIRO, 1996, p. 41). Essa unidade fundamental do universo realça o cuidado com a ecologia e com o bem-estar das pessoas. Tanto o mundo natural (ecologia) quanto o mundo social (bem-estar das pessoas) estão em harmonia no que tange a uma visão unificada do universo. Sem o respeito e a preservação aos elementos naturais não é possível ter uma vida social saudável e, inversamente, a vida social sã é impossível sem uma natureza salutar. Tudo está em tudo. Tudo participa de tudo. Tudo influencia tudo. O todo é cada uma das partes, cada parte participa do todo; é o todo. O todo é a unidade de todas as partes. As diferenças, no esquema da autora, são respeitadas. O africano tem sempre em vista o conjunto, o Universo do qual faz parte e do qual é dependente/interdependente. Ele é o Universo na medida em que faz parte de seu todo, e o Universo não existiria sem que o Homem participasse dele.

O universo, segundo Yakemi [9], é sincrônico e não linear. Contrapondo ocidentais a africanos, atesta que os primeiros são lineares, pois separam o subjetivo do objetivo, acreditam em linhas evolutivas e baseiam-se no princípio da causalidade. Os africanos, ao contrário, são portadores do “pensamento sincronístico” que guarda “uma peculiar interdependência de eventos objetivos entre si, assim como dos estados

Referências

Documentos relacionados

Quando conheci o museu, em 2003, momento em foi reaberto, ele já se encontrava em condições precárias quanto à conservação de documentos, administração e organização do acervo,

Both the distribution of toxin concentrations and toxin quota were defined by epilimnetic temperature (T_Epi), surface temperature (T_Surf), buoyancy frequency (BuoyFreq) and

La asociación público-privada regida por la Ley n ° 11.079 / 2004 es una modalidad contractual revestida de reglas propias y que puede adoptar dos ropajes de

Neste sentido, surge o terceiro setor como meio eficaz de preenchimento da lacuna deixada pelo Estado, tanto no aspecto da educação política quanto no combate à corrupção,

Considerando a amplitude da rede mundial de computadores (internet) e a dificuldade em controlar as informações prestadas e transmitidas pelos usuários, surge o grande desafio da

ed è una delle cause della permanente ostilità contro il potere da parte dell’opinione pubblica. 2) Oggi non basta più il semplice decentramento amministrativo.

Predicted values were calculated by measuring the joint probability of effects on isopods’ biomass variation found for single exposures to different soil

Os doentes paliativos idosos que permanecem nas instituições privadas são encaminhados pelos hospitais em que estavam ou internados pelos próprios familiares