• Nenhum resultado encontrado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Adinkra.docx (páginas 124-126)

Os afrodescendentes sempre foram negados pela representação dominante da história do Brasil. Considerados máquinas de trabalho na escravidão, estigmatizados como vagabundos no período pós-abolição e folclorizado em seus aspectos culturais no Brasil contemporâneo, teve sua alteridade negada pelo sistema de dominação. Desde os tempos em que se duvidava da existência de suas almas até nossos dias, onde se duvida de sua competência e capacidade civilizatórias, o negro brasileiro fora desumanizado, inferiorizado e discriminado, reduzido à uma identidade atribuída por  outréns (seus algozes). Identidade como armadilha ideológica de aprisionar o negro num ciclo vicioso de repetição de esteriótipos e preconceitos que reificam o racismo no Brasil. Já dizia Malcon X que não existe capitalismo sem racismo. Com efeito, o CMI ao eleger-se como universo único de referência e sobrecodificar os outros regimes de signos, fossilizou uma representação negativa da população afrodescendente.

Condenou os negros a viverem alheios a seus próprios códigos culturais, na tentativa malograda de força-los a reproduzir o sistema de dominação que lhes mantinham cativos.

Ora, a história não possui apenas uma direção e, mesmo subordinados a um sistema de dominação, os afrodescendentes souberam dar respostas criativas a essa situação de opressão. Não obstante o jugo da escravidão, os africanos e seus descendentes preservaram e recriaram suas manifestações sócio-culturais por todo o território nacional. Se eram vistos como máquinas (“res instrumentaliun”) pelos senhores de engenho, se foram tidos como “marginais” no período pós -abolição, se são estigmatizados como resíduo folclórico de cultura no presente, isto não significa que assim o sejam e se comportem. A dinâmica civilizatória africana transladada para o Brasil gestou uma cosmovisão que pode ser potencializada como modelo sócio- econômico e político-cultural não apenas para os afrodescendentes, mas para todo o planeta. Não se trata aqui apenas de defender uma representação positiva dos afrodescendentes para diminuir os efeitos nefastos das representações negativas a que foram submetidos durante os últimos séculos. Trata-se, isto sim, de demonstrar a falência do CMI que danifica todo o planeta e apontar outros caminhos para a humanidade. Paradoxalmente, é justamente no contingente civilizatório ao qual foi negada a humanidade que agora surge os modelos que re-humanizam nossa espécie.  Alguém poderia pensar que esse é um discurso megalomaníaco, grandiloquente e apaixonado. Sem dúvida é um discurso carregado de afeto, posto que tomado de paixão, mas, também, lúcido, pois evita as soluções fáceis e os discursos românticos. O modelo econômico do Capitalismo agrediu de tal modo o Meio Ambiente que coloca em risco a vida no planeta. O sistema do capital exclui cerca de 2/3 da população dos benefícios de seu modo de produção. O sistema político tornou-se refém dos interesses privados das grandes corporações empresariais, chegando ao absurdo de ficar subjugado, por exemplo, à indústria bélica  – como é o caso recente dos E.U.A. A segregação entre homem e natureza acabará por destruir a humanidade e o ecossistema. O acúmulo do capital acabará por reproduzir apenas capita l[70] – como  já acontece no sistema financeiro -, sem preocupar-se em produzir os bens necessários à manutenção da vida da nossa era e das gerações futuras. Enfim,

vivemos o colapso de um sistema de exclusão que teima afirmar-se como único caminho para a organização da vida e da produção. A falácia dessa semiótica significante já foi desvendada. A armadilha dessa ideologia dominadora já foi desfeita. Para além da crítica, no entanto, apontamos outros caminhos.

Novos caminhos, entretanto, exige a discussão acerca dos paradigmas necessários para organizar a vida e a produção, sem que as diferenças sejam massacradas, sem que a diversidade seja massificada na unidade de um único referencial significante. Ao contrário, o paradigma que desenhamos é aquele do arco- íris, capaz de conter numa unidade estética a diversidade e beleza das várias matizes de cor. Da mesma maneira, o paradigma ecosófico que surge da África e de seus filhos integrados em todo o mundo, congrega uma unidade política e social capaz de gerir o bem-estar de todos e de cada um, sem reduzir a diversidade  – fonte da pluralidade cultural que inspira novos paradigmas includentes.

Desta forma, buscamos nos três Impérios Africanos e nas religiões afro- brasileiras elementos que estruturaram estas sociedades e que apresentam modelos concorrentes ao capitalismo (CMI). Não obstante, não basta simplesmente resgatar a cosmovisão de uma população tradicional. Isso seria recair no mito do bom selvagem. Não interessa-nos nem o naturalismo primitivo, nem o romantismo ingênuo. Primamos, isto sim, por uma abordagem política do fenômeno cultural, uma vez que a discussão da identidade de um povo é antes de tudo a discussão de um projeto societário.

Os ritos de iniciação, por exemplo, equivalem a processos de socialização. São ritos coletivos que iniciam os jovens nas responsabilidades da vida adulta, no caso da  África, ou ritos de ingresso na comunidade dos orixás, no caso dos candomblés. Ou

seja, a construção dos sujeitos é uma responsabilidade da comunidade. O social é organizado para lograr o bem-estar da comunidade e de cada indivíduo, mantendo seus segredos e suas normas coletivas de controle.

 A relação com o Meio Ambiente também é exemplar. A natureza é divinizada

pelos africanos e seus descendentes. “Kosi ewé, kosi orisá” (“sem folhas não há

orixá”), dizem os nagôs. Ou seja, se não houver uma relação digna com a natureza não existe nem os deuses, nem os homens. Não há separação entre homem e natureza, entre cultura e civilização. Os africanos inventaram a civilização da natureza, ou seja, uma civilização assentada na relação interativa com o Meio Ambiente e não contra ele.

 A ancestralidade é a maior e mais importante referência destas sociedades. Ela é o coração vigoroso da cosmovisão africana. Ela é a lógica que engendra e organiza os outros elementos do pensamento africano recriado em nossas terras. É o epicentro do regime semiótico afrodescendente que engendrou, concretamente, as formas culturais africanas e sua dinâmica civilizatória. A ancestralidade é a referência

no tempo, no espaço, no orun[71] e noaiyê[72] . Ela é portadora privilegiada da Força

Vital, é o centro da família, quem dá a direção na produção e a fonte máxima de poder. Os ancestrais, com efeito, é a representação genérica da sociedade africana.

 A cosmovisão africana redefine as concepções filosóficas a partir de sua própria dinâmica civilizatória, de acordo com o escopo de sua forma cultural. Assim,

tempo passado, o tempo dos ancestrais, e sustenta toda a noção histórica da cosmovisão africana; já a noção de pessoa é vista de modo muito singular, cada qual possuindo seu destino e procurando aumentar a sua Força Vital, o seu axé; a Força Vital que é a energia mais importante dentre esses povos, insufla vitalidade ao universo africano. A palavra, por sua vez, é tida como um atributo do preexistente, e por isso mesmo, promovedora de realizações e transformações no mundo, veículo primordial do conhecimento. A morte, por seu turno, não significa o fim da vida, mas parte do processo cíclico da existência que tem como referência maior os ancestrais.  A morte é a restituição à fonte primordial da vida, a lama que está situada no orun.  A família é a base da organização social. Os processos de socialização forjam coletivamente o indivíduo, fundamentando o objetivo a ser atingido socialmente: o bem-estar da comunidade. Por fim, opoder, que é vivido coletivamente, tem o objetivo de promover a comunidade e garantir a ética africana.

 As religiões tradicionais da África congregam todos esses elementos em

No documento Adinkra.docx (páginas 124-126)