• Nenhum resultado encontrado

RECONFIGURAÇÃO CURRICULAR MEDIANTE O ENFOQUE TEMÁTICO: INTERAÇÕES ENTRE CIÊNCIA-TECNOLOGIA- SOCIEDADE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "RECONFIGURAÇÃO CURRICULAR MEDIANTE O ENFOQUE TEMÁTICO: INTERAÇÕES ENTRE CIÊNCIA-TECNOLOGIA- SOCIEDADE"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

RECONFIGURAÇÃO CURRICULAR MEDIANTE O ENFOQUE

TEMÁTICO: INTERAÇÕES ENTRE

CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE

Cristiane Muenchen (crismuenchen@bol.com.br) Décio Auler (auler@ce.ufsm..br)

Elder Santini Adriane Griebeler Márcia Soares Forgiarini

Simoni T. Gehlen

Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

RESUMO

Em linhas gerais, o ensino de Física pode ser caracterizado como: 1) Ensino meramente propedêutico, sendo o processo ensino-aprendizagem pautado pela "utilidade futura"; 2) Desmotivação, falta de significado atribuído ao conteúdos desenvolvidos; 3) Desconsideração da complexidade do mundo real; 4) Desvinculação entre o “ mundo da escola” e o “mundo da vida”; 5) Concepção de Ciência-Tecnologia neutras e redentoras dos problemas da humanidade e 6) Possivelmente vinculado a todas as dimensões anteriores, o baixo nível da aprendizagem. Entende-se que configurações curriculares pautadas pela denominada abordagem temática, na qual os conteúdos deixam de ter “um fim em si” e/ou apenas uma “finalidade futura”, passando a constituir-se em meios, em ferramentas para a compreensão de um tema de relevância social, pode contribuir para a superação das dimensões anteriormente elencadas, para a busca de currículos mais sensíveis ao entorno, mais abertos frente a problemas, a temáticas contemporâneas fortemente marcadas pela dimensão científico-tecnológica. Em termos de balizamento teórico, aproximações entre o referencial freiriano (1987) e o denominado movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade, realizadas por Auler (2002), respaldaram a pesquisa. Nesta, procurou-se investigar limites, possibilidades e desafios a serem enfrentados na implementação de tais configurações curriculares. Quanto ao encaminhamento metodológico, os resultados obtidos, bem como as reflexões subjacentes, foram subsidiados por dois instrumentos: de um lado, a realização de registros escritos, os Diários da Prática Pedagógica, adaptados de Porlán, (1997) e, de outro, um questionário respondido por turmas de alunos, ambos vinculados à implementação da temática A Questão Energética na Sociedade Contemporânea, em seis turmas de segunda série do Ensino Médio, envolvendo em torno de 150 alunos. Dentre os resultados mais significativos, pode-se destacar: a) Indicativos de que uma maior aproximação entre o “mundo da escola” e o “mundo da vida” faz com que, alunos que nunca haviam demonstrado interesse, passem a considerar importante o estudo da Física; b) Engajamento dos alunos na realização das atividades; c) potencializa a participação dos

(2)

alunos em debates como, por exemplo, a necessidade de priorizar sistemas de transporte coletivo. Quanto aos desafios a serem enfrentados: a) Necessidade de redimensionar o processo avaliativo; b) O que é um tema significativo? Significativo para quê e para quem? e c) Engessamentos no currículo provocados pelo Vestibular e o Programa de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES) implementado pela UFSM.

01. INTRODUÇÃO

Dentre os já tradicionais problemas presentes no processo ensino-aprendizagem de Física e que são objeto de investigação há várias décadas, emergem, em vários âmbitos1, outras dimensões que requerem enfrentamentos. Neste sentido, pode -se citar: 1) O ensino meramente propedêutico, sendo o processo ensino-aprendizagem pautado pela "utilidade futura". Vinculado a isto, um exagero atribuído aos pré -requisitos; 2) Desmotivação, falta de significado atribuído ao que se faz na escola; 3) Desconsidera-se a complexidade do mundo real; 4) Desvinculação entre o “ mundo da escola” e o “mundo da vida”; 5) Concepção de Ciência-Tecnologia neutras e redentoras dos problemas da humanidade e 6) Possivelmente vinculado a todas as dimensões anteriores, o baixo nível da aprendizagem dos alunos.

Para enfrentar tais limitações, o Grupo de Estudos Temáticos em

Ciência-Tecnologia-Sociedade, NEC/UFSM, entende que há a necessidade de “mexer” no currículo. Para tanto,

optou-se por intervenções curriculares pontuais, partindo-se do pressuposto de que tais intervenções, através do processo de elaboração e desenvolvimento de temas com significado local/social, bem como a reflexão subjacente, abrem caminhos que poderão desembocar em reformulações curriculares mais abrangentes. Espera-se, com isso, que os professores deixem de ser meros "consumidores" de currículos elaborados em outras instâncias e participem deste processo.

Neste sentido, no presente trabalho, procurou-se investigar limites, possibilidades e desafios a serem enfrentados no contexto da busca de currículos mais sensíveis ao entorno, mais abertos frente a problemas, a temáticas contemporâne as fortemente marcadas pela dimensão científico-tecnológica.

2.REFERENCIAL TEÓRICO

A abordagem temática é respaldada em Snyders (1988), quando este postula a pertinência do uso de temas significativos no processo educacional e em Freire (1987) através da progressiva aproximação à concepção de temas geradores. Segundo Delizoicov (1991), Snyders defende a exploração didática de temas significativos que envolvam contradições sociais e que proporcionem o que denomina de renovação dos conteúdos programáticos escolares numa dimensão crítica. Ainda segundo Delizoicov, de modo semelhante a Snyders, Freire também defende a articulação de conhecimentos com temas. Assim, a "apreensão/apropriação" de conhecimentos na perspectiva da compreensão de temas

1 Revista Brasileira de Ensino de Física, Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Revista Ciência & Educação, Revista

Ensaio, Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPECs), Simpósios Nacionais de Ensino de Física (SNEFs) e Encontros Nacionais de Pesquisa em Ensino de Física (EPEFs).

(3)

se na perspectiva de instrumentalizar o aluno para a sua melhor compreensão e atuação na sociedade contemporânea.

Apoiados em Snyders e Freire, Delizoicov, Angotti e Pernambuco entendem que a abordagem temática constitui-se numa

“Perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nesse abordagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema.” (Delizoicov, Angotti e Pernambuco, 2002: 189)

Por outro lado, a abordagem conceitual, hegemônica no atual ensino de Ciências/Física, para os mesmos autores, representa uma

“Perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada pelos conceitos científicos, com base nos quais se selecionam os conteúdos de ensino.” (Delizoicov, Angotti e Pernambuco, 2002: 190)

Santos (1992), referindo-se a um levantamento bibliográfico sobre o denominado movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), no campo educacional, destaca:

"A inclusão dos temas sociais é recomendada por todos os artigos revisados, sendo justificada pelo fato de eles evidenciarem as inter-relações entre os aspectos da ciência, tecnologia e sociedade e propiciarem condições para o desenvolvimento nos alunos de atitudes de tomada de decisão." (Santos, 1992:139).

Ainda, segundo Santos, metodologicamente parte-se dos temas sociais para os conceitos científicos e destes retorna-se aos temas. Recorrendo à literatura, Santos e Mortimer (2000, p. 146), identificam os principais temas trabalhados no ensino de Ciências, agrupados em áreas: 1) saúde; 2) alimentação e agricultura; 3) recursos energéticos; 4) terra, água e recursos minerais; 5) indústria e tecnologia; 6) ambiente; 7) transferência de informação e tecnologia; 8) ética e responsabilidade social; 9) qualidade do ar e atmosfera; 10) fome mundial e fontes de alimentos; 11) guerra tecnológica; 12) crescimento populacional, 13) recursos hídricos; 14) escassez de energia; 15) substâncias perigosas; 16) uso do solo; 17) reatores nucleares; 18) animais e plantas em extinção e 19) recursos minerais.

Também Cachapuz (1999) situa como uma nova orientação, para a educação em Ciências, o que denomina de “Ensino de Ciências no Pós-Mudança Conceitual”. Esta, segundo ele, não se limita à construção de conceitos. O ponto de partida para a aprendizagem devem ser “situações-problemas”, de preferência relativas a contextos reais. O surgimento desta orientação, em termos de organização curricular, aponta para uma educação em Ciências valorizando orientações do tipo Ciência/Tecnologia/Sociedade/Ambiente (C/T/S/A), em particular a variante Ambiente/Ciência/Sociedade (A/C/S), em que as “envolventes”

(4)

Ambiente e Sociedade não surgem como meras aplicações, mas, pelo contrário, como ponto de partida. Nesta orientação, segundo Cachapuz, está incorporada a dimensão axiológica (relativo à ética e aos valores).

O panorama, descrito anteriormente, sinaliza para a emergência, ainda que pontual, em vários contextos, de intervenções que buscam superar o ensino meramente propedêutico/conceitual/disciplinar, havendo semelhanças com a denominada abordagem temática. Dentre as já destacadas, pode -se situar outras: Temas Sociais (Santos, 1992), Assuntos Críticos (Waks, 1994), Situações-Problema (Cachapuz, 1999), Aprendizagem Centrada em Eventos (Zylberstajn, 1994 e Souza Cruz, 2001), Abordagem Temática (Angotti e Delizoicov, 1991), Ensino de Ciências a Partir de Problemas da Comunidade (Pernambuco, 1981), Módulo de Ensino Relacionado a CTS (Souza Barros, 1989), Situações de Estudo (Auth, 2002).

Qual é, então, o papel dos conteúdos? Delizoicov (1991) argumenta que o grande alvo das críticas de Freire é a educação bancária e não o desenvolvimento de conhecimentos “universais”. Salienta que a acusação de que a concepção freiriana leva ao espontaneísmo, ao esvaziamento de conteúdos, deve-se à omissão de algo central em sua obra: o processo de investigação e redução temática2.

Em síntese, de forma alguma está sendo postulada a supressão do ensino de conceitos, das disciplinas. Contudo, estes elementos deixam de ter um fim em si e/ou apenas uma finalidade futura, passando a constituir-se em meios, em ferramentas para a compreensão de temas socialmente relevantes. No entender de Cachapuz (1999), posição aqui compartilhada, numa educação para a cidadania deve-se ir além dos objetivos centrados nos conteúdos e nos processos da Ciência marcados por "epistemologias internalistas". Da mesma forma, Gil-Pérez et al. (2003) condenam o que denominam de reducionismo conceitual, destacando que não se pode continuar ignorando a estreita vinculação existente entre as dimensões conceitual, procedimental e axiológica na aprendizagem em Ciências.

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

Tendo como horizonte configurações curriculares pautadas pela abordagem temática, o Grupo de Estudos Temáticos em Ciência-Tecnologia-Sociedade, conforme já referido, tem optado por intervenções pontuais no contexto escolar, permitindo, com isto, identificar limites, possibilidades e desafios a serem renfrentados, estabelecendo, assim, parâmetros para reconfigurações curriculares mais abrangentes.

Em 2003, este grupo esteve constituído de quatro professores licenciados em Física, dois com efetivo exercício na escola de nível médio, duas alunas do curso de licenciatura em Física, sendo uma bolsista do Programa das Licenciaturas (PROLICEN) e pelo coordenador do grupo. No contexto deste, em 2003, foi elaborada e avaliada a implementação da temática

A Questão Energética na Sociedade Contemporânea. Esta foi desenvolvida em três escolas,

mais especificamente, em seis turmas de segunda série do Ensino Médio, envolvendo em torno de 150 alunos.

(5)

No anexo 1, apresenta-se a estrutura da temática. Esta, representando a caminhada mais significativa do referido grupo, foi dinamizada através dos denominados três momentos pedagógicos (Angotti e Delizoivov, 1991 e Delizoicov 1991).

O resultados obtidos, vinculados ao processo de acompanhamento das implementações, bem como as reflexões realizadas, foram respaldados por dois instrumentos: de um lado, a realização de registros escritos, os Diários da Prática Pedagógica, adaptados de Porlán, (1997) e , de outro, um questionário respondido pelas turmas de alunos em que a temática foi desenvolvida.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. AVANÇOS IDENTIFICADOS

Vários indicativos sinalizam para a pertinência do encaminhamento dado, relativamente ao enfrentamento dos problemas/limitações apontados no início do trabalho. Quanto à desmotivação, dimensão, no nosso entender, relacionada à desvinculação entre o “mundo da escola” e o “mundo da vida”, ficou bastante caracterizado um aspecto apontado pela professora/pesquisadora inglesa Solomon (1995), quando esta constata que, sendo contempladas interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade, alunos que nunca haviam demonstrado interesse, passam a considerar importante tal estudo. Neste sentido, em nosso trabalho, vários alunos, considerados problemáticos no contexto escolar, demonstraram interesse e participação antes impensável. Num caso extremo, um determinado aluno foi “convidado” a retirar-se, trocar de escola. Para a surpresa da professora de Física, integrante do Grupo de Estudos Temáticos em CTS, este retornava para a escola com o intuito de assistir aulas de Física.

No que concerne à busca de superação da perspectiva propedêutica, a aproximação entre o “mundo da escola” e o “mundo da vida”, aspecto potencializado pela dinâmica dos três momentos pedagógicos, há indicativos de que parte significativa dos alunos têm atribuído significado aos conceitos no momento de seu estudo, sendo representativas, desta constatação, falas reproduzidas abaixo:

“De repente se tivesse um pouco mais de prática em vez de teoria, seria bem mais interessante. Se todos os professores tivessem a sua iniciativa, mesmo sendo extra-curricular, eu garanto que o índice de reprovação e analfabetismo diminuiria.” (Fala de aluno).

“Gostei da metodologia utilizada nas aulas, pois relacionando a matéria com o cotidiano, fica mais fácil entender as situações e principalmente o conteúdo. Acho que essas aulas foram produtivas, interessantes, trouxeram temas do cotidiano e esclareceram dúvidas sobre coisas normalmente não citadas em aulas “comuns”. Seria bom se houvessem mais aulas como estas para mudarmos um pouco o conceito: normalmente, de que isso me serve na vida? Criado em aulas onde cálculos “surgem” aparentemente sem serventia.” (Fala de aluno).

(6)

No desenvolvimento da temática, houve indicativos de que a resolução de problemas, incluindo cálculos matemáticos, pode , também, gerar engajamento por parte dos alunos. Conforme planejamento apresentado no anexo 1, a partir do questionamento sobre a energia consumida, por pessoa, por quilômetro rodado, em determinada turma, trabalhou-se os cálculos/discussões necessários para a determinação da energia "consumida" quando do uso do automóvel particular. Como tarefa para casa, os alunos deveriam determinar a energia consumida, também por pessoa, se a viagem fosse feita de ônibus ou de moto, aspecto que incluía "pesquisas de campo" no sentido de obter, por exemplo, a quantidade média de quilômetros rodados por um ônibus com um litro de óleo diesel. Resultado: mesmo apresentando dificuldades, a grande maioria dos alunos realizou a atividade. Por outro lado, chamou a atenção da professora que, em outra tarefa a ser executada em casa, envolvendo "resolução de problemas", poucos foram os alunos que realizaram a atividade. Problemas estes retirados de um livro texto, possivelmente não portadores de significado para os alunos.

Na avaliação da aprendizagem, em três turmas de alunos foram utilizadas algumas questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)3 - 2003. Na resolução destas, de uma forma geral, os alunos não encontraram grandes dificuldades. Estas serviram de estímulo e supe ração de expectativas dos alunos em relação à temática. Durante a resolução das questões, surgiram manifestações como:“ Eu achei que as questões do ENEM fossem mais

difíceis.”, “Não tem nada de complicado nestas questões.”

Dos 70 alunos que responde ram a estas questões, apenas 3% não assinalaram o item "c" da questão de número quarenta e quatro (44)4. Este aspecto é sinalizador da pertinência do trabalho desenvolvido, considerando a compreensão, por parte dos alunos, de que a substituição do transporte individual por transportes coletivos tem implicações positivas em termos sociais e ambientais. Entende -se que tal compreensão contribui para a formação de cidadãos críticos e aptos para discussões sobre problemas reais e possíveis enfrentamentos destes.

Na perspectiva da abordagem temática, os temas, por se constituírem de situações amplas, complexas, devem representar o ponto de encontro de várias disciplinas integrantes do currículo escolar. Porém, na implementação desta temática nas escolas A e B, não houve a

3

Cabe destacar que a temática já havia sido estruturada e estava sendo implementada, nas escolas, quando houve as provas do ENEM. Assim, a temática não foi elaborada a partir destas, nem adaptada às mesmas. As questões utilizadas foram as de número quarenta (40) a quarenta e cinco (45).

4

Questão 44: Em um debate sobre o futuro do setor de transporte de uma grande cidade brasileira com trânsito intenso, foi apresentado um conjunto de propostas. Entre as propostas reproduzidas abaixo, aquela que atende, ao mesmo tempo, a implicações sociais e ambientais presentes nesse setor é:

a) proibir o uso de combustíveis produzidos a partir de recursos naturais. b) promover a substituição de veículos a diesel por veículos a gasolina. c) incentivar a substituição do transporte individual por transportes coletivos. d) aumentar a importação de diesel para substituir os veículos a álcool. e) diminuir o uso de combustíveis voláteis devido ao perigo que representam.

(7)

participação de professores de outras disciplinas, além da Física. Contudo, na escola C, numa das turmas, houve a participação da professora de história. Esta interessou-se pela proposta, trabalhando, em sua disciplina, aspectos históricos da revolução industrial, bem como problemas vinculados ao uso, em larga escala do carvão, decorrente do baixo rendimento das máquinas térmicas. Isto facilitou, na disciplina de Física, situar o estabelecimento das leis da termodinâmica no contexto das teorizações para aumentar o baixo rendimento das máquinas térmicas. Diante desta dinâmica, a professora assinalou:

“Como eu estava trabalhando com a revolução Industrial, foi fácil introduzir relações com o conteúdo abordado na física. Achei o máximo ver no rosto dos alunos a importância que deram para as minhas explicações, pois ficaram perplexos com a relação entre as disciplinas, isso prova a importância da interdisciplinaridade. Alguns alunos me questionaram como eu sabia aquilo, se eu era professora de história.” (Professora de história da escola C).

4.2. LIMITES/DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS

Nas reflexões sobre o trabalho realizado, a avaliação comparece como elemento central. Cabe destacar que se entende que o repensar da avaliação deve ocorrer no âmbito de um redirecionamento de todo o processo político-pedagógico, aspecto sinalizado pela abordagem temática. Assim, dentre outros, emerge, de forma mais contundente, o desafio: Se os conteúdos não tem um fim em si, mas constituem-se como meios para a compreensão de temas sociais relevantes, o foco da avaliação não pode continuar incidindo sobre a simples compreensão conceitual. Precisamos configurar uma dinâmica avaliativa que, de um lado, permita avaliar se os conteúdos trabalhados contribuem para a compreensão do tema que motivou seu estudo e, de outro, se estes são transferidos, utilizados para a compreensão e análise de outros temas.

Em outros termos, na configuração curricular pautada pela abordagem temática, não podemos continuar avaliando como se estivéssemos utilizando a abordagem conceitual. Além disto, esta reconfiguração curricular, tendo como pressuposto a formação de um cidadão crítico que participa e busca soluções para problemas contemporâneos, não podemos, na avaliação, recair numa dinâmica que corrobora relações de poder autoritárias. Neste sentido, todo processo político-pedagógico deve estar pautado pela busca de participação, de engajamento dos alunos. Torna-se necessário superar a dinâmica em que a nota constitui-se como algo equivalente a transações comerciais, pois é negociada de uma “forma bancária”: todas as tarefas realizadas pelos alunos têm um certo “pagamento“, ou seja, vale uma certa quantidade de pontos, aspecto denunciado por Barros Filho e Silva (2000). Em síntese, há a necessidade de avançar no sentido de transformar a avaliação em instrumento de aprendizagem, tal como preconizado por Sánchez et al. (1996), criando um ambiente aberto e participativo, estimulando a cooperação entre alunos e professores.

Relativamente à nature za dos temas, também há a necessidade de aprofundamentos. No espaço da educação formal, há limites para a realização da investigação temática tal como preconizada por Freire. Como trabalhar com esta limitação? Ainda, o que são temas significativos e/ou socialmente relevantes? Significativos para quê e para quem?

(8)

Além dos aspectos anteriores, como trabalhar com o engessamento, real ou imaginário, no currículo, provocado pela dinâmica que rege o cotidiano escolar, fortemente condicionada pelo "vencer os conteúdos" (definidos a priori), mesmo que de forma apenas burocrática? Esta dimensão está ligada, sendo reforçada pela proximidade geográfica da Universidade Federal de Santa Maria, onde o vestibular e o Programa de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES), implementado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), exercem considerável influência. Neste sentido, em uma das turmas de alunos, na qual a temática foi desenvolvida, aproximadamente um quarto dos alunos freqüentavam cursinhos pré -vestibulares, os quais, habituados à dinâmica da transmissão/repetição/memorização de conteúdos, resistiram à proposição temática, aspecto manifesto na fala de um destes alunos:

“...Para mim , não há nada melhor que exercícios para fixar o conteúdo, porque quando se faz um monte, uma lista deles, no dia da prova já se tem fórmulas e interpretação “na ponta da língua.” (Fala de aluno).

5. SINALIZAÇÃO DE CONTINUIDADE

A caminhada quanto à reflexão sobre a implementação de temáticas encontra-se numa fase ainda preliminar. Não obs tante, emergem indicativos de que a opção por esta configuração curricular gera um maior engajamento do aluno em todo o processo. Em outras palavras, favorecendo uma maior ressonância entre o "mundo da escola" e o "mundo da vida", a atribuição de significado, ao que se faz na escola, por parte do aluno, pode constituir-se numa dimensão que potencializa a aprendizagem.

Este parece representar um potencial insuficientemente explorado no processo de ensino-aprendizagem. Hegemonicamente as pesquisas, as práticas didático-pedagógicas têm focalizado a dimensão cognitiva, desvinculada de aspectos ligados ao interesse, à atribuição de significado, à motivação. Talvez este "reducionismo" seja uma das causas dos generalizados fracassos em termos de aprendizagem e também limitador no processo de formação de um cidadão crítico, participante na sociedade em que está inserido.

6. REFERÊNCIAS.

ACIOLI, J. L. Fontes de Energia. Brasília: Ed. UnB, 1994.

ALVARENGA, B., MÁXIMO, A. Física Volume Único. São Paulo: Scipione, 1998. ANGOTTI, J. A. e DELIZOICOV, D. Física. São Paulo: Cortez, 1991.

AULER, D. A interdependência - conteúdo - contexto – método no ensino de Física: um exemplo em Física Térmica. Dissertação de mestrado. Santa Maria: CE/UFSM, 1995.

AULER, D. Interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade no Contexto da Formação de Professores de Ciências. Tese. Florianópolis: CED/UFSC, 2002.

AULER, D., AUTH, M. Da evolução das máquinas térmicas ao estabelecimento das leis da termodinâmicas. Texto mimiografado. Santa Maria 1996.

AULER, D. e FREITAS, D. S. Sol e Vida. Texto Mimeografado. Santa Maria, 2003.

AUTH, M. A Formação de Professores de Ciências Naturais na Perspectiva Temática e Unificadora. Tese. Florianópolis: CED/UFSC, 2002.

(9)

BRANCO, S. M. Energia e Meio Ambiente. São Paulo: Moderna,1990.

CACHAPUZ, A F. Epistemologia e Ensino das Ciências no Pós-Mudança Conceptual: Análise de um Percurso de Pesquisa. Atas do II ENPEC, Vallinhos, 1999.

DELIZOICOV, D. Conhecimento, Tensões e Transições. Tese. São Paulo: FEUSP, 1991.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. e PERNAMBUCO, M. M. C. A. Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2002.

FOUREZ, G. et al. Alfabetización científica y tecnológica. Buenos Aires: Colihue, 1999. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

___. Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

GIL-PÉREZ, D. et al. La enseñanza de la energia: una propuesta de debate para un replanteamiento global. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Florinanópolis, v.20, n. 3, p. 285-311, dez. 2003.

GONÇALVES, F. A. e TOSCANO, C. Física e Realidade . Volume 2. . São Paulo: Scipione, 1997.

GREF - Grupo de Reelaboração do Ensino de Física. Leituras de Física. Física Térmica. São Paulo: EDUSP, 1996.

GREF - Grupo de Reelaboração do Ensino de Física. Mecânica, v. 1. São Paulo: EDUSP, 1992. GREF - Grupo de Reelaboração do Ensino de Física. Física Térmica – Óptica, v.2 . São Paulo:

EDUSP, 1990.

IFUSP – Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Trabalho Humano e uso da Energia. São Paulo: CESP, 1986.

PERNAMBUCO, M. M. C. A . Ensino de Ciências a Partir de Problemas da Comunidade . Dissertação. São Paulo: IFUSP/FEUSP, 1981.

PORLÁN, R. El diário del profesor: Um recurso para la investigación en el aula. n. 6, 4 ed. Sevilla/ ESP: Diáda editora S.L, 1997.

SÁNCHEZ, M. A. et al. Evaluar no es calificar. La evaluación y la calificación en una enseñanza constructivista de las ciencias. Investigación en la Escuela. Universidad de Valencia, n. 30, 1996.

SANTOS, W. L. P. O Ensino de Química para Formar o Cidadão: Principais Características e Condições para a sua Implantação na Escola Secundária Brasileira. Dissertação. Campinas: Faculdade de Educação/UNICAMP, 1992.

SANTOS, W. L. P. e MORTIMER, E. F. Uma Análise de Pressupostos Teóricos da Abordagem C-T-S (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no Contexto da Educação Brasileira. Ensaio. Belo Horizonte, v.2, n.2, p. 133-162, 2000.

SNYDERS, G. A Alegria na Escola. São Paulo: Manole, 1988.

SOLOMON, L. El estudio de la Tecnología em la educación. Alambique: Didáctica de las Ciencias Experimentales. Barcelona, año II, n. 3, p. 13 –18, Enero 1995.

SOUZA CRUZ, S. M. S. C. Aprendizagem Centrada em Eventos: Uma Experiência com o Enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade no Ensino Fundamental. Tese. Florianópolis: CED/UFSC, 2001.

(10)

10

SOUZA BARROS, S. O Acidente de Goiânia: Subsídio para um Módulo de Ensino Relacionado a CTS. Projeto de Pesquisa. Rio de Janeiro: Instituto de Física/UFRJ, 1989.

WAKS, L. Value Judgment and Social Action in Technology Studies. Journal of Technology and Design Education, v.4, p.35-49, 1994.

ZYLBERSZTAJN, A. et. al. Aprendizagem Centrada em Eventos: Uma Experiência no Ensino de Ciência Tecnologia e Sociedade. Atas do IV EPEF. Florianópolis, 1994.

(11)

11

ANEXO 1

Na dinamização metodológica das temáticas, utiliza-se os três momentos pedagógicos, sistematizados por Delizoicov (1991), apoiado em Freire e Snyders, quais sejam, problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento5.

PRIMEIRO MOMENTO: PROBLEMATIZAÇÃO INCIAL Questões, vinculadas ao tema, propostas para discussão:

1. Ao iniciarmos determinada viagem de automóvel, no início, o tanque está cheio de gasolina. Após percorrermos algumas centenas de quilômetros, este estará vazio. Para você, o que aconteceu com a gasolina?;

2. Uma pessoa pode fazer determinada viagem de ônibus ou de carro particular. Em que circunstâncias haverá um maior "consumo" de energia, por pessoa, por quilômetro rodado?;

3. Se o Sol "apagasse" amanhã, poderíamos substituí-lo artificialmente? Para você, como seria isto?;

4. O que você entende por um carro 1.8?

SEGUNDO MOMENTO: ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO Conteúdos desenvolvidos:

1. Primeira e segunda leis da termodinâmica, massa específica, notação científica, volume, calor de combustão, trabalho, potência, rendimento em máquinas térmicas, reação de combustão da gasolina (combustão completa e incompleta), fotossíntese, conversões de energia no corpo humano, combustíveis fósseis;

2. Aspectos históricos: Investigações e teorizações sobre o baixo rendimento das máquinas térmicas culminaram com o estabelecimento da primeira e segunda leis da termodinâmica;

3. Discussão sobre a necessidade de considerar compreensões já elaboradas pelos estudantes, antes de ingressarem no espaço da educação formal, as denominadas concepções

alternativas, como, por exemplo, energia concebida como substância.

5

(12)

12

TERCEIRO MOMENTO: APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO

1) Retomada e rediscussão das questões, propostas no primeiro momento; 2) Análise e discussão de novas situações:

2.1. Se a energia se conserva, por que a constante preocupação com o uso racional da mesma, com a adoção de medidas que diminuem seu consumo?;

2.2. Calcular o “consumo” de energia, por pessoa, por quilômetro rodado, numa viagem feita com uma moto;

2.3. Baixa eficiência do motor de combustão interna. É razoável continuar investindo neste desenvolvimento Científico - Tecnológico (por exemplo, problemas ligados à degradação ambiental)?

Referências

Documentos relacionados

a) Doenças pré-existentes ao período de viagem (vigência do seguro) e quaisquer de suas conseqüências, incluindo convalescenças e afecções em tratamentos ainda

É o conjunto de fundamentos básicos que diferencia o futebol dos demais esportes, cuja peculiaridade esta, principalmente, no uso dos pés e pernas para executar as ações básicas

Considerando os quatro agrupamentos do ensino secundário, é o agru- pamento 1 o que concentra o maior número de alunos.. A análise do quadro permite concluir que i) os

Com uma participação de todos em algumas formas de educação e formação para o grupo dos 16 aos 18 anos, e mesmo para além dessa idade em alguns países, o problema da execução e

A avaliação dos sistemas de rega por aspersão dos locais em estudo, consistiu na recolha de informação em cada hidrozona sobre a pressão e caudal, velocidade

A Prótese total imediata tem como vantagens os seguintes fatores: Controla a hemorragia; possibilita a proteção do trauma; promove maior recuperação; devido a presença de

Profile of the Researchers with Productivity Grants in the Brazilian National Research Council (CNPq) of the Physical Education Area B.D..

Desenvolver um protótipo de suporte de dreno de sucção, para auxiliar na mobilização precoce de pacientes submetidos à cirurgia de Artroplastia de Quadril,