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RELATÓRIO TÉCNICO CIENTÍFICO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC : CNPq, CNPq/AF, UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PRODOUTOR, PIBIT E FAPESPA

RELATÓRIO TÉCNICO – CIENTÍFICO

Período: 08/2015 a 01/2016

Relatório:

(X) Parcial ( ) Final

I. Identificação do projeto.

1. Título do projeto de pesquisa: “A Fundamentação Ética dos Direitos Humanos: Lei Natural e Razão Prática em John Finnis”.

2. Resumo do projeto de pesquisa.

O problema fundamental desta pesquisa é a fundamentação ética dos direitos humanos a partir da teoria contemporânea da lei natural, tal como proposta por J. Finnis. Respondendo à insuficiência teórica do positivismo em fundamentar os direitos humanos, J. Finnis renova a tradição clássica da lei natural, estabelecendo os critérios éticos dos bens humanos, os valores básicos que permitem o desenvolvimento da personalidade dos homens. Esses bens humanos preenchem o significado da dignidade da pessoa humana, superando o relativismo conceitual que neutraliza a filosofia do direito contemporânea. Este projeto de pesquisa visa ao aprofundamento da obra desse autor ainda pouco estudado no Brasil, mas intensamente debatido nas principais universidades do mundo. Para uma compreensão completa da filosofia do direito atual, não se pode dispensar a contribuição de Finnis. E para

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entender a teoria da lei natural por ele proposta, deve-se adensar na dimensão propriamente filosófica da sua obra, pertencente à tradição do realismo ontológico de Aristóteles e Tomás de Aquino. Desse modo, supera-se a noção caricaturada de direito natural como um arbítrio da imaginação individual, base de ideologias autoritárias.

3. Nome do orientador: Victor Sales Pinheiro. 4. Titulação do Orientador: Doutor.

5. Faculdade: Faculdade de Direito.

6. Instituto: Instituto de Ciências Jurídicas.

7. Título do Plano de Trabalho: “A ruptura Nominalista com o Realismo de Tomás de Aquino e Aristóteles como fator de neutralização da Lei Natural”.

8. Nome do bolsista: Níckolas Chrystian Sousa Tenório. 9. Tipo de Bolsa: PIBIC/UFPA_AF.

II. Introdução.

O estudo da Lei Natural passa necessariamente pelo século XIII, o período que viu Tomás de Aquino sistematizar e solidificar a Filosofia Perene (Baseada em Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona e no próprio Aquinate), foi também o berço do Direito Natural Clássico, que tem no Doutor Angélico seu pilar.

WEAVER (2012), buscando analisar muitos traços da desintegração moderna reportando-os a uma causa primeira, identifica que uma mudança surpreendeu o pensamento filosófico dominante do Ocidente no século XIV, quando se desafiou seriamente a realidade dos transcendentais pela primeira vez. Como Macbeth, o homem ocidental tomou uma decisão determinante que se tornou as causas eficientes e final de outras decisões. “Nossas bruxas de Charneca apareceram no século XIV, dizendo que o homem somente poderia compreender a si mesmo mais plenamente se abandonasse sua crença na existência dos transcendentais.” (WEAVER, 2012, p. 11) Um ataque aos universais, evento crucial na história da cultura ocidental.

Essa decisão é apresentada ao mundo jurídico por Michel Villey, que identifica o nominalismo de Guilherme de Ockham e as discussões jusfilósoficas que surgiram no século XIV como a causa da crise do Direito Natural Tomista. A ruptura com o Realismo Aristotélico-Tomista que o pensamento Franciscano causou teve origens teológicas e epistemológicas, criando consequências nas dimensões política, jurídica e ética da filosofia da época.

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A presente pesquisa procura demonstrar e defender que a querela dos universais e toda a consequência do pensamento nominalista não são meros dados históricos para serem apresentado em matérias propedêuticas como parte de um paradigma já ultrapassado na filosofia, mas, posteriormente a uma investigação histórico conceitual, identificar como pressupostos teológicos, seguidos de uma filosofia podem influenciar o debate prático nos campos éticos, jurídicos e políticos. Convencidos do fato de que todo pensamento requer bases teológicas e metafísicas (mesmo que seja a total negação das duas coisas), buscamos demonstrar, até o fim da pesquisa, que os paradigmas estabelecidos por esse pensamento do fim da idade média estão presentes nos impasses contemporâneos da Filosofia do Direito e precisam ser superados para que haja a possibilidade de se falar em Teorias Contemporâneas de Direito Natural.

III. Justificativa.

A tese do direito natural é a da existência, racionalmente cognoscível, de uma lei cuja normatividade independe da autoridade política ou da lei positiva. Desde a reflexão de Sófocles, Platão, Aristóteles e Cícero, o direito natural é pensado como racional, universal, imutável, inalienável, normativo e moral. Reconhecendo a permanente vinculação do Direito e da Moral, da norma e do bem humano que ela tutela, a teoria do direito natural reconhece que a Justiça é o fim do Direito, sendo a função jurídica primordial a de qualificar as condutas como moralmente justas ou injustas, boas ou más. Sem essa qualificação moral, o direito deixa de ser um instrumento para a justiça e se torna um fim em si mesmo, uma regulação de condutas desprovida de significado moral e de legitimidade. Essa autonomização ocorreu com a positivação e codificação do direito, com a correspondente cientificização do seu estudo, reduzido à descrição avalorativa de normas estatais. A ideologia cientificista aplicada ao Direito subtraiu-lhe o elemento prudencial de sabedoria prática, que o caracterizava desde seu desenvolvimento romano (BARZOTTO, 2010).

Historicamente, podem-se delinear três correntes jusnaturalistas fundamentais - a cosmológica, a teológica e a racionalista -, que determinam, diferentemente, o significado de “natureza” e “natural” (HESPANHA, 2012). A origem da tese do direito natural remonta ao pensamento grego clássico, concentrado na physis, na ordem da natureza diferente da ordenação humana (nomos). Isto é, a ordem do mundo (cosmos) independe do arbítrio humano. Platão e Aristóteles tentaram aproximar, dialeticamente, o fosso aberto pelos sofistas entre a universalidade e necessidade das leis naturais (physis) e a particularidade e contingência das leis humanas (nomos). Para a tradição platônico-aristotélica, portanto, a

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ordem humana só será justa quando adequada à estrutura e à harmonia do cosmos. Para que a constituição humana (politeia) seja justa, ela deve espelhar-se na harmonia e na proporção da natureza, em que cada ente encontra sua razão de ser, sua finalidade, seu bem (telos). A metafísica clássica é teleológica porque a função do direito político é a justiça, que direciona a comunidade humana à consecução do bem comum. O homem pode alcançar a felicidade (eudaimonia), a atualização plena das suas potencias naturais, porque pode conhecer sua finalidade intrínseca, pela faculdade da razão (logos). Pelo princípio da isomorfia estrutural entre ser e pensamento, típico da ontologia grega, a razão do mundo é acessível à razão humana. De validade universal e imutável, a lei natural, que embasa o “justo por natureza”, é a referência fundamental para a lei positiva humana (ARISTÓTELES, 2001). Natureza, razão e norma se implicam reciprocamente. Em síntese, a natureza é pensada a partir da referência à cosmo-logia, à ordem racional do mundo. O pensador principal desta tradição é Aristóteles, que será a base da reflexão metafísica de Tomás de AQUINO (2009), seu herdeiro cristão.

Com a transição do pensamento clássico para a filosofia cristã, a ordem cosmológica passa a ser considera criatura da inteligência de Deus. No que concerne à lei natural, há uma solução de continuidade e convergência entre a ontologia grega e a Revelação cristã. Nessa tradição, a lei natural é pensada como teo-logia, como razão divina que ordena o mundo e que se evidencia ao homem, tanto por sua razão natural, quanto por sua fé na Revelação. Nesse contexto, o homem é capaz de instaurar as leis positivas ajustando-as e legitimando-as na ordem natural divina. O principal filósofo desta tradição é Tomás de Aquino.

Se há uma unidade entre o pensamento clássico e o cristão, a modernidade é caracterizada pela ruptura e diferenciação na compreensão do direito natural. Há um hiato que separa o direito natural tradicional, de Platão e Aristóteles e Tomás de Aquino, do direito natural moderno revolucionário, de Hobbes, Locke e Rousseau. O jusnaturalismo torna-se jusracionalismo, não sendo mais a natureza uma ordem cósmica da qual emana normatividade, senão o que decorre da razão humana. A razão humana, da qual depende a natureza, torna-se a fonte da suprema do Direito. Essa concepção moderna está ligada à laicização da cultura européia – que se desgarra, progressivamente, da sua origem greco-romana-cristã -, consoante a afirmação do individualismo e dos direitos inatos de liberdade, empunhados contra o absolutismo monárquico nas revoluções burguesas. J. Locke é, provavelmente, o autor mais representativo desta concepção moderna racionalista.

VILLEY (2005) identifica, porém, o nominalismo de Ockham como a verdadeira fonte da ruptura moderna com a ordem teleológica greco-cristã, com a afirmação dos direitos subjetivos como poderes subjetivos, embasando o individualismo, o voluntarismo e o

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positivismo modernos. Nuançando a leitura de Villey, HERVADA (2008, p. 347) ressalta que o traço distintivo do direito natural moderno, em relação ao clássico, é o subjetivismo voluntarista moderno, que compreende o direito natural como direito subjetivo, como poder ou faculdade do indivíduo. O bem deixa de ser matéria de conhecimento racional, passando a ser um ato da vontade (voluntarismo); analogamente, o conceito central da política passa a ser o de poder político, não mais o de bem comum. Como explica BARZOTTO (2010, p. 61), o filósofo nominalista Ockham defende o primado da vontade sobre a razão, o voluntarismo: “E a experiência jurídica não está mais centrada no conceito de justiça, mas no conceitos de poderes subjetivos derivados de um ato de vontade do poder político (lei) ou do ato de vontade dos particulares (contrato)”.

Se a reflexão sobre o direito natural é hoje uma realidade inconteste e variada, de inegável alcance heurístico, qual o lugar de Finnis no debate jusnaturalista atual? Embora atento ao debate analítico contemporâneo, Finnis renova a tradição realista clássica, de Aristotéles e Tomás, neutralizada e grandemente incompreendida pela modernidade filosófica. O marco fundamental dessa renovação foi o ensaio de G. GRISEZ (1965) sobre o primeiro princípio da razão prática (bonum faciendum et malum vitandum) em Tomás de Aquino, assinalando o começo da chamada teoria neoclássica do direito natural, que tem na obra de FINNIS (2009), Lei natural e direitos naturais, sua sistematização paradigmática (FARALLI, 2006, p. 22). Dentro dessa corrente, deve-se registrar o trabalho dos norte-americanos GEORGE (2001) e MURPHY (2006), dois dos principais expoentes dessa tradição filosófica.

Como demonstra BARZOTTO (2010, p. 49), o realismo tomista, tal como defendido por Finnis, é capaz de superar os impasses filosóficos das tentativas modernas de fundamentação dos direitos humanos: tanto do idealismo (responsável pelo universalismo abstrato dos direitos humanos) quanto do empirismo (que nega os direitos humanos com um particularismo relativista). Essas duas correntes modernas evidenciam o caráter reducionista e unilateral da filosofia moderna, proveniente do nominalismo de Ockham, ora concentrada nas idéias subjetivas e abstratas (idealismo), ora voltada aos fatos constatáveis pelos sentidos (empirismo).

De caráter voluntarista, a fundamentação moderna dos direitos humanos varia entre o sentido unívoco do idealismo abstrato, que abstrai a existência particular e concreta dos homens, e o sentido equívoco do empirismo relativista, que nega a essência universal do homem, num servilismo ao puro fato, à força bruta, do qual derivam o historicismo, o materialismo e o positivismo. O realismo tomista apresenta um sentido analógico aos direitos

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humanos, ao articular, dialeticamente, a existência particular e a essência universal, fatos e valores, matéria e forma, ente e ser. Essa articulação reside no cerne da noção de “pessoa humana”, como “substância individual de natureza racional”, segundo a definição realista de Boécio assumida por Aquino.

Nesse contexto, justifica-se a importância capital de aprofundar a problemática do nominalismo, fundamento do pensamento jurídico moderno segundo VILLEY (2005), para um estudo adequado da filosofia do direito contemporânea, marcada pelos impasses do positivismo, historicismo, relativismo e subjetivismo. Se essas correntes são frutos do nominalismo e se o realismo consegue responder a contento a essas correntes, eis a pergunta que justifica esta pesquisa.

IV. Objetivos.

1. Compreender como a ruptura filosófica de Guilherme de Ockham com a metafísica dos universais de Tomás de Aquino e Aristóteles esvaziou o conteúdo da Lei Natural e subjetivou o direito natural;

2. Investigar como o estudo da lei natural se relaciona com o debate dos universais no final da idade média e começo da modernidade jusfilosófica;

3. Interpretar como a filosofia nominalista de Ockham fundamenta o individualismo e jurídico, articulando o direito subjetivo ao poder subjetivo;

4. Distinguir o nominalismo de Ockham do voluntarismo de Escoto, no contexto da atual retomada da discussão da lei natural pelo tomista John Finnis;

5. Verificar se o nominalismo de Ockham é a origem dos impasses contemporâneos da filosofia do direito: positivismo, historicismo, subjetivismo e relativismo.

V. Materiais e Métodos.

A metodologia utilizada foi a de análise bibliográfica, trabalhada por meio de leitura e fichamento dos textos selecionados, alguns dos quais já inseridos na bibliografia do projeto e parcialmente lidos de forma detalhada. Como etapas, temos o levantamento da bibliografia referente ao tema pesquisado, a seleção de textos a partir de análise temática, leitura e fichamento dos textos-chave, discussão com o orientador, discussão com os demais participantes do projeto de pesquisa nos seminários de pós-graduação regularmente oferecidos pelo orientador, elaboração de relatórios parcial e final, participação em eventos referentes à Iniciação Científica e a elaboração final de artigo.

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O caminho escolhido para a análise bibliográfica foi o de partir das obras e comentários de historiadores do Direito sobre a influência do nominalismo no debate jusfilosófico. Entendendo o que os diversos comentadores constroem ao analisarem o fenômeno nominalista, pôde-se traçar o contexto e construção da ruptura, bem como identificar as divergências interpretativas existentes entre os autores canônicos, nacionais e internacionais, do assunto.

O próximo passo é a análise dos escritos do próprio Ockham para a escolha de um posicionamento dessa pesquisa dentro das divergências existentes. Para isso, far-se-á a leitura das obras: “Prólogo do Comentário às Sentenças, Questão 1ª” (1997), com o comentário do Professor Antônio Raimundo dos Santos, onde são estabelecidos os pontos fundamentais do pensamento ockhamiano; “Brevilóquio sobre o Principado Tirânico” (1988), onde têm-se o debate com o Papado, momento essencial para entender como Ockham aplicou sua filosofia às suas querelas pessoais, trazendo para o campo jurídico-político suas teses filosóficas; “Oito Questões sobre o Poder do Papa” (2002), obra versando sobre o mesmo assunto; A Seleção de Textos de “Duns Scot, Ockham” (1989) da coleção Pensadores. E se for possível o acesso, dos textos: “Lógica dos Termos” (1999), seu tratado de lógica, essencial para a compreensão do esvaziamento metafísico no pensamento do autor e a seleção “Obras Políticas” (1999).

Por fim, a manutenção da leitura dos textos essenciais para a compreensão do debate Jusnaturalista, a saber, Douzinas (2009), Strauss (2009), MacIntyre (2001) e Voegelin (2009), referenciados na bibliografia do plano de trabalho inicial, para cumprimento de toda a leitura detalhada dos mesmos, análise das obras sobre Duns Scot, antecessor essencial de Ockham, para a comparação entre o Voluntarismo de Scot e o Nominalismo de Ockham, bem como de bibliografia para entender o Relativismo, Positivismo, Subjetivismo e Historicismo existentes hodiernamente, impasses para a Teoria da Lei Natural que reportamos como herança do Nominalismo.

VI. Resultados.

1. Os Universais.

O contexto de surgimento das universidades no ocidente criou um ambiente no mínimo fantástico para a história da intelectualidade. O ápice do século XIII foi a união da tradição platonista, substancialmente avançada em seu desenvolvimento, com a redescoberta de Aristóteles e o florescimento intelectual ocasionado por isso. Com um exército de intelectuais católicos refletindo sobre a criação e sobre o Criador, os desenvolvimentos da

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teologia e da metafísica no período geraram uma das grandes discussões existentes na filosofia, a chamada Querela dos Universais.

Partindo do fato da ciência aristotélica buscar definir a natureza essencial de uma coisa para então demonstrar as características que essa coisa deve possuir devido àquela natureza (KLIMA, 2008, p. 234), há inevitavelmente a reflexão sobre o que é uma natureza, se ela está em uma realidade superior ou na coisa, se na mente humana ou na realidade, em que base pode ser estabelecida, etc. Essas reflexões são os problemas dos universais, especificamente uma forma de explicita-los, que colocaram em confronto basicamente três posições: o Realismo Extremado1, O Realismo Moderado e o Nominalismo.

A primeira posição afirmou que os universais são subsistentes de per se, independentemente das coisas, os universais são, portanto, “antes das coisas, de todo sempre, eternos e imprincipiados” (SANTOS, 1967, p. 50). Essa posição é atribuída ao pensamento de Platão, que ao evitar um subjetivismo sofístico, que dá ao sujeito e suas sensações papel determinante no conhecimento, insere na verdade dos objetos a consistência do conhecimento. Podendo ser chamado de Realista Ontológico, justificando o uso do termo Realismo Extremado, ao invés do lugar comum de “idealismo platônico”.

A segunda posição entende que tais universais estão em nossa mente, mas têm um fundamento real nas coisas; ou seja, “há nas coisas algo real, singular, que dá fundamento ao esquema noético-eidético universal que está na mente” (SANTOS, 1967, p. 50). Há, portanto, in re, na coisa, um fundamento de onde nossa mente concebe um conceito. Aqui se explicita o Realismo Moderado do pensamento aristotélico-tomista, que entende que o universal é reconhecido pelo intelecto por meio da abstração dos aspectos constitutivos da quididade das coisas.

A terceira posição aponta que, em relação aos universais, há apenas a palavra, que aponta as coisas singulares, sem apontar nem esquemas mentais, nem o que realmente haja nas coisas ou antes delas. As palavras são meros sopros, simplesmente nomes que damos as coisas. Construídas post rem, depois de conhecermos as coisas, que depois de conhecidas são nomeadas. Eis o nominalismo defendido pelo frade franciscano Guilherme de Ockham.

2. O nominalismo de Ockham

Para entender o ambiente que leva Ockham a conceber sua filosofia, fazem-se necessários alguns apontamentos históricos sobre a transição entre este e Tomás de Aquino. O

1 Pode ser chamado de Idealismo, mas optamos por não utilizar o termo para que não haja confusão com

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pensamento franciscano, por influência do próprio São Francisco de Assis, era estritamente relacionado à escritura, havia o receio de assoberbamento por parte dos frades menores caso tornassem-se intelectuais, caracterizando um anti-intelectualismo e uma desconfiança em relação à literatura pagã (VILLEY, 2005).

Entretanto, com a morte do fundador da ordem, em menos de duas décadas, os frades franciscanos eram tão presentes nas universidades quanto os dominicanos, que possuíam especial vocação acadêmica (CULLETON, 2011). O último fato que ganha importância para se entender os motivos que basearam o pensamento de Duns Scot e Ockham é a condenação que as obras com base em um chamado “aristotelismo averroísta” receberam em 1277, entre elas as de Santo Tomás. A condenação afetou trabalhos que faziam menção à Ética, à Política, à Retórica e sobretudo à Metafísica do Filósofo (Aristóteles), sobrando a Scot e Ockham a Física e, principalmente a Lógica para serem trabalhadas. Isso é fundamental para Ockham, mesmo com toda a ruptura que realiza, enxergar-se como um verdadeiro aristotélico. A presente pesquisa busca analisar as divergências travadas entre o Realismo Moderado e o Nominalismo, para tal a comparação entre o pensamento Tomista e o Ockhamiano será uma constante. Ockham, na esteira de Scot, entende que nada pode ser superior à potestas absoluta de Deus, sendo Ele onipotente e absolutamente livre de qualquer ordem. A vontade, portanto, teria primazia sobre a razão; esse é o pressuposto do Voluntarismo Scotista que é adotado por Ockham. Esse primado da vontade em relação ao intelecto fará de Deus um legislador arbitrário, e do “direito a mera obediência aos preceitos desse legislador”, (VILLEY, 2014, p.171) a nos exigir uma obediência quase cega pela fé. Pensar como Tomás de Aquino que o intelecto possui valor hierárquico superior em relação à vontade seria um crime de lesa-majestade divina, completo escândalo para os franciscanos. O Voluntarismo, como antepassado da modernidade, realiza um corte reducionista em Deus, incapaz de conceber que onipotência e onisciência são atributos do mesmo Ser, e a vontade de Deus é ordenada, submetida a sua perfeita razão.

Esse pensamento leva Duns Scot a conceber uma lei natural que necessita da positivação divina nas escrituras, o decálogo possui como lei natural estrita apenas os chamados mandamentos da primeira tábua, sempre partindo do primeiro, que diz que se deve amar a Deus sobre todas as coisas. Todas as outras orientações de conduta só existem por consonantia com esta, inclusive os demais mandamentos da segunda tábua. Como Culleton demonstra, para Scot só existe pertencimento à lei natural se houver necessidade conceitual.

somente para esses princípios auto evidentes, o que eles prescrevem é absolutamente necessário para alcançar o fim último. Este absolutamente necessário significa que é inconcebível que alguém pudesse repudiar a bondade prescrita nesses

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mandamentos, sem, ao mesmo tempo, repudiar a bondade do próprio fim último. Desde que o fim último de toda ação seja alcançar o bem maior, e isso é idêntico a Deus, os únicos mandamentos que podem pertencer à lei natural, em sentido estrito, são aqueles que têm o próprio Deus como objeto. Em sentido estrito, somente os mandamentos da primeira pedra pertencem à lei natural. (CULLETON, 2008, p. 307-308).

Culleton mostra que esse processo de derivação argumentativa da consonantia é limitado pela coerência lógica, mantém a possibilidade que de dentro de um determinado ordenamento estipulado por Deus haja uma lei natural que possa definir condutas razoáveis em casos cotidianos, e que somente leis gerais, possam ser mudadas por uma completa troca do ordenamento e não qualquer preceito simplesmente por uma vontade divina desarrazoada. É preciso que Ockham radicalize o pensamento scotista para que a lei natural possa esvaziar-se de contéudo, pois pelo menos na ordem atual estabelecida há a possibilidade de extração de condutas corretas, mesmo que Deus possa muda-la. O único problema nisso é a necessidade legislativa de Deus, já que é por essa razão que Scot entende que foi adequado Deus ter positivado os preceitos da lei natural, mesmo aqueles que pertencem a lei natural em sentido estrito, para que os que o são em sentido lato, pudessem ser conhecidos naturalmente (CULLETON 2008, p. 312).

O anti intelectualismo franciscano tem mais uma consequência, o ataque à analogia escolástica. O pessimismo em relação ao homem, herança de um agostinianismo radicalizado, vê que a inteligência do homem, no atual estado de natureza decaída, foi dramaticamente danificada, a ponto de Scot dizer que a alma racional está atualmente em status naturae lapsae. Esse entendimento dá grande destaque ao fato de Michel Bastit (2010) ao dividir sua obra Nascimento da lei moderna denominar as partes “Santo Tomás ou a lei análoga” e “Duns Escoto, Ockham. A ruptura nominalista ou da lei unívoca à lei equívoca”, mesmo que o autor não entre em assuntos epistemológicos (limita-se à história do pensamento jurídico), os termos auxiliam a entender o nominalismo.

Falar em analogia é explicitar a possibilidade racional do homem de alcançar verdades. Um termo unívoco é aquele que consegue completa relação com a coisa que descreve, sem dúvidas sobre o que ele refere-se, distanciado de um singular. O termo equívoco é aquele que possui mais de uma coisa a que faz referência, denominando com o mesmo nome res completamente distintas. A analogia escolástica fala exatamente da possibilidade de se relacionar coisas diferentes que possuem termos iguais, a bondade de Deus com a dos homens por exemplo. A dificuldade em aceitar a analogia vem do demasiado apego à Lógica, que dá ao pensamento duas possibilidades se seguida de forma irrestrita: Ou o panteísmo de Parménides, que chega aos absurdos conclusivos que podem ser vistos na obra

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de Platão de mesmo nome, metafísica a qual Duns Scot é acusado de se aproximar; Ou o nominalismo do próprio Ockham, incapaz de enxerga algo que não seja o singular.

Para Ockham a inteligência humana não poderia ter acesso a verdades universais, estando o conhecimento humano limitado à apreensão das realidades sensíveis. Seu pensamento “transporta para dentro do mundo da linguagem e do pensamento, do universo conceitual, aquilo que para os tomistas pertenciam ao mundo do ser” (CULLETON, 2011, p. 29). O nominalismo nega a existência de conceitos abstratos e universais e se recusa a admitir que o intelecto tenha o poder de gerar esses conceitos. As chamadas ideias gerais são apenas meras designações verbais (Flatus Vocis), que servem para classificar uma coleção de coisas ou uma série de eventos particulares. O conceito abstrato e universal é um termo, mas não tem nenhum valor real, uma vez que o abstrato e o universal não existem de modo algum na natureza e não tem nenhum fundamento fora da mente. Algo radicalmente diferente da filosofia perene, que entende que aquilo que o homem conhece tem certa correspondência, ainda que imperfeita, com o mundo sensível. Como salienta Villey:

O mundo não é feito apenas de uma multiplicidade de coisas singulares, ele é ordenado, comportando realidades genéricas ou corpos; ele é realmente estruturado, são estas estruturas que são refletidas, de modo evidentemente imperfeito – nossos conhecimentos sendo sempre aproximativos – pelos termos chamados universais (VILLEY, 2008, p.132).

Os conceitos universais são a razão de possibilidade do nosso conhecimento, se o que está na mente humana não corresponde a nada na realidade, porém, o conhecimento propriamente humano deixa de ser possível. Toda coisa tem uma diferença individual e uma natureza universal, se houvesse só a singularidade, não haveria assimilação. A verdade perde seu objeto relacional e deixa de ser a adequação do intelecto à coisa, exatamente porque a tal “adequação” inexiste.

3. A ruptura.

Quando Boécio define um ser humano como um animal racional, ou esboça sua clássica definição de pessoa como sendo uma substância individual de natureza racional (definição assumida pelo Aquinate), está falando em natureza humana por meio de gêneros e espécies, dois dos tipos principais de universais envolvidos em uma definição aristotélica de natureza essencial (KLIMA, 2008, p. 235), quando Ockham se rebela contra os realistas tomistas, ignora que a natureza comum não é apenas um ente de razão, porque não é apenas um esquema humano na mente humana, já que se refere ao que se predica de muitos e está em

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muitos. Não só não há conhecimento sem universais, mas não há “natureza das coisas, natureza do homem, formas comuns, causas finais” (VILLEY, 2005, p. 230).

Lei natural não é mais o conjunto de ditames ou regras imperativas da razão humana, que manda, proíbe ou permite algumas condutas por sua conformidade ou desconformidade com a natureza humana (HERVADA, 2006, p. 150), nem se pode falar em um direito natural cujo título é a natureza humana, cuja medida é a natureza das coisas, independente da vontade humana (HERVADA, 2006, p. 65). O direito natural para Ockham é só mais um “universal”, um “instrumento útil para conotar por economia de linguagem uma pluralidade de seres individuais” (VILLEY, 2007, p. 123), o universal para Ockham é lógico e não metafísico, direto natural são as “consequências que decorrem racionalmente de uma convenção entre os homens ou de uma regra positiva dada” (VILLEY, 2005, p. 239).

Os pressupostos metafísicos do Jusnaturalismo tomista, com as discussões supracitadas, foram praticamente esgotados e esvaziados do pensamento ockhamiano. Valendo-nos da excelente síntese de CULLETON (2011, p. 47-66), revisaremos o que do pensamento de Santo Tomás de Aquino foi negado:

a. Uma realidade metafísica possível e capaz de ser reconhecida é substituída por uma lógica proto-empirista que não concebe a própria possibilidade de conhecimento.

b. A possibilidade de existência de propriedades essências que determinam um tipo natural, que se encontram nos indivíduos concretos e particulares, substancias primeiras na ontologia aristotélica, não podem ser encontradas no indivíduo do nominalismo.

c. A verdade como correspondência entre pensamento e coisa, uma relação de adequatio que existe entre o conceito e a coisa, se esvai junto aos universais que a possibilitam.

d. A precedência teórica da racionalidade à vontade é substituída pelo voluntarismo de Ockham, notavelmente mais desarrazoado que o de Duns Scot.

Um breve comentário sobre a causa final, o ius como coisa justa em si e a questão da ordem, é necessário para melhor denotar a ruptura. Para Aquino as propriedades essenciais são disposições de caráter, disposição é uma potencialidade orientada a um determinado desenvolvimento ou finalidade, esses fins são construídos na própria natureza ou essência que determina a pessoa humana, esse fim define o bom. A famosa Navalha de Ockham nos ajuda a entender como toda essa construção teleológica não possui sentido para Ockham, a navalha afirma que “o que pode acontecer através de poucos princípios acontece desnecessariamente

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através de muitos” (CULLETON, 2011, p. 136). Mesmo que ignoremos o pressuposto de fim encontrado em uma “natureza humana” inexistente no nominalismo, a noção de teleologias a serem cumpridas é completamente amputada pela navalha, ela implica sempre em um reducionismo, a existência de um fim não é requerida para que algum efeito seja produzido, dizer que toda ação busca uma finalidade (bem) parece para Ockham (e para a modernidade) desnecessário, julgar um ato, que é apenas um instante destinado a ser substituído por outro, consoante ao que será o outro, é algo “injusto” no “direito natural” nominalista.

Sem a finalidade que define a bondade do ato, não há algo que possa ser considerado ius (da coisa justa em si), Ockham demonstra isso ao dizer que qualquer conduta considerada certa ou errada em um pensamento cosmológico pode ser mudada pela vontade divina, mesmo que haja na mudança uma contradição. No nominalismo Deus pode determinar que o 1º mandamento é odiá-lo, o “não matarás” é apenas um dever positivo do Deus legislador, “o ato pecaminoso não é mau em si porque contém alguma realidade oposta ao fim, é mau porque é proibido por uma interdição extrínseca” (BASTIT, 2010, p. 341).

Tudo isso leva acentuação da dissociação da ordem imanente da realidade, para tornar possível, simultaneamente, a liberdade e a onipotência divina, a liberdade e a potência do homem, já que o abismo epistemológico que separa Deus (ou a estrutura da realidade) dos homens torna ambas as vontades autônomas. As distinções de razão não indicam uma ordem do ser, mas unicamente formas diversas de nomear as coisas que, às vezes, correspondem a ações diferentes, mas não a uma estrutura da realidade (BASTIT, 2010, p. 298-301).

A morte da metafísica é seguida da morte do direito natural, como bem diz Villey, na modernidade o direito natural é considerado religioso, abandonado, “o direito natural foi taxado de metafísico. Excluído desde então, proclamou-se sua morte” (VILLEY, 2014, p. 135). Justiça significando “dar a cada um o que é seu” (HERVADA, 2006, p. 22) ou tendo como característica que o “meio ao qual está ordenada – seu objectum – não é constituído em relação ao sujeito, mas é determinado objetivamente pela demanda de equidade nas relações humanas” (CULLETON, 2011, p. 57), não mais existe. O que a substitui muito naturalmente no âmbito do pensamento ockhamiano e permite “explicar o fenômeno estranho de uma lei válida por si só sem ser julgada por seu fim e, portanto, pelas coisas” (BASTIT, 2010, p. 367) é evidentemente a vontade.

A Lei não é mais uma ordenação da razão ao bem comum, como nota John Finnis interpretando Santo Tomás: “uma ordenação da razão para o bem comum de uma comunidade, promulgada pela pessoa ou corpo responsável por cuidar da comunidade” (FINNIS, 2007, p. 72). Não há motivo para haver uma comunidade natural, somente

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contratos, é impossível falar em bem comum; não há algo a ser ordenado, nem a razão tem primazia para isso. A Lei é agora “uma sistematização da vontade ao querer individual”, por tão radical mudança o nominalismo e a ruptura que ele realiza na Querela dos universais com o Realismo tomista (Esvaziando o conteúdo da lei natural) é tão importante para o estudo da lei natural.

4. Nominalismo Jurídico.

O nominalismo não é um pensamento que possui gênese em Ockham, antes dele, provavelmente entre os séculos IX e XI, havia filósofos nominalistas. Em determinadas interpretações até a sofística grega tem pressupostos de pensamento nominalista, apesar de o termo ser relacionado à querela dos universais. Por qual razão Ockham recebe alguma importância na história do pensamento jurídico? Primeiramente, os sofistas são anteriores ao período medieval, portanto a ruptura moderna não pode se dar através deles, ademais, alguns fatores históricos colocam Ockham no centro do debate.

O já mencionado contexto de desconfiança por parte da cristandade em relação à filosofia pagã, ocasionado pela condenação de 1277, é terreno fértil para o venerabilis inceptor2, mas a transformação de Ockham, até então teólogo e filósofo, em um jurista é o motivo para a entrada do nominalismo no mundo jurídico. A razão para isso é o debate sobre a pobreza franciscana, a aliança com o Duque Luís de Baviera e a batalha política com o Papa João XXII. Ockham já não é um acadêmico em busca da verdade pelo amor a ela, mas “um polemista e propagandista que põe sua pena a serviço de uma causa” (BASTIT, 2010, p. 290). Suas doutrinas teológicas e filosóficas, pensadas e sistematizadas em Oxford para exaltar a onipotência de Deus, livre de qualquer necessidade natural, poderão servir com muita eficácia para exaltar o poder do imperador contra o papa, e o dos frades menores contra o mesmo papa. O fundamento que pode destituir o papa de seu poder sobre o Duque, que busca o trono do império negado pelo poder espiritual, e sobre os franciscanos que tem por objetivo a aceitação de que possam abdicar de posses ao entrar na ordem dos frades menores é o mesmo: a possibilidade de a vontade individual determinar qual seria o destino do indivíduo, sendo o império produto da vontade dos indivíduos que o constituem. Analisar uma das polêmicas torna-se suficiente.

2 Guilherme de Ockham é assim denominado, duas versões justificam o nome: A sua alcunha de pai da via

moderna, ou seja, o inceptor da modernidade. Também o fato de Ockham ter tido sua tese de doutorado (o habitual comentário às sentenças de Pedro Lombardo, costume universitário da época) recusado sob a acusação de heresia, não podendo ser chamado de doutor, continuou sua vida acadêmica como venerabilis inceptor. (iniciante venerável).

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Por uma fidelidade ao voto de pobreza imposto pela ordem franciscana, um componente da ordem, denominados “espirituais” (confrades de Ockham), defende a tese segundo a qual Cristo não era proprietário dos bens que usava. Certos discípulos buscam renunciar ao direito de propriedade, em uma vontade de superar as consequências da queda original, recobrando o estado de inocência, que para os franciscanos precede a instituição da propriedade. “em contraposição à posição tomista, a instituição da propriedade não se mostra uma consequência racional do dominium3 natural concedido a todos, mas um acidente desastroso ligado à história da queda” (ISRAEL, 2009, p. 54-55). Busca-se reabilitar essa condição em que se podia usar um bem sem ser proprietário dele, inclusive alimentos que deixam de existir ao serem usufruídos.

Para isso Ockham vai elaborar a noção de direito subjetivo. Ockham divide o domínio natural de um “ddo fórum”, ou seja, existe uma posse natural, concedida por Deus que é usada pelos frades menores para subsistirem e uma posse “positiva” que é a faculdade dada pela cidade de se reivindicar ou alienar essa posse. Os espirituais apenas buscavam, então, o poder de abdicação da possibilidade de irem a um tribunal reivindicar seu direito, buscavam, portanto, uma vida fora do direito. A vontade individual como medida dos atos transforma o direito em algo “inerente ao sujeito, é a expressão de poder natural de sua vontade” (ISRAEL, 2009, p. 66). A autoridade edificada pela convenção dos indivíduos promulga leis, que permitem a cada indivíduo gozar de direitos subjetivos, de determinados poderes garantidos pela força pública (ISRAEL, 2009, p. 68), podendo estes renunciar a esses poderes, como querem os frades. Um poder, não algo justo necessariamente em consonância com a reta razão, originado unicamente em um acordo de vontades.

Toda a trilha que Ockham faz busca conciliar um fundamento que ao mesmo tempo estabelece a possibilidade de Luís de Baviera ser o monarca à revelia da aceitação papal e permite aos franciscanos viverem destituídos do direito do fórum. Os pressupostos individualistas de Ockham, que negam realidades universais, aplicados ao direito tornam o indivíduo “o centro de interesse da ciência do direito; o esforço da ciência jurídica tenderá doravante a descrever as qualidades jurídicas do indivíduo, a extensão de suas faculdades, de seus direitos individuais” (VILLEY, 2005, p. 233).

A insistência de Ockham de que as leis estabelecidas pela ação e vontade humana não podem ser violadas é uma clara referência à impossibilidade de João XXII de violar a regra do fundador da ordem dos frades menores, que seria a autoridade a quem os franciscanos

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transferem sua faculdade moral, seu poder subjetivo, ao entrarem na ordem (CULLETON, 2011, p. 97). É na ausência de um fundamento no Realismo Ontológico que os direitos subjetivos dos indivíduos preencheram o vazio resultante da perda do direito natural. A ordem social aparece agora constituída, não por uma rede de proporções entre os objetos partilhados entre as pessoas, mas por um sistema, por um lado, de poderes subordinados uns aos outros e, por outro, de leis provenientes, e mutuamente criadoras, dos poderes (VILLEY, 2005, p.287).

VII. Publicações.

Sobre o objeto direto da pesquisa não houve publicações do bolsista, por ausência de eventos em tempo hábil que a possibilitassem. Entretanto, o bolsista apresentou um trabalho na II Semana Acadêmica do Instituto de Ciências Jurídicas, que teve lugar na Universidade Federal do Pará, no período de 19 a 23 de outubro de 2015, intitulado “As religiões políticas: a divinização do imanente”. Conquanto não seja um trabalho sobre o tema da presente pesquisa, o bolsista tratou da obra de Eric Voegelin, filósofo político que é parte do estudo feito sobre pensamento Jusnaturalista do projeto de pesquisa do orientador, contribuindo para o enriquecimento do projeto como um todo. Ademais, ao tratar da concepção de Voegelin de religiões políticas, sistematizando o pensamento do autor no livro de mesmo nome, versou sobre o individualismo existente no liberalismo moderno e sobre o relativismo, assuntos que serão posteriormente tratados nesta pesquisa, contribuindo para o seu desenvolver.

VIII. Atividades a serem desenvolvidas nos próximos meses.

No mês de Março o Bolsista prosseguirá auxiliando na matéria de Ética Jurídica, iniciada em fevereiro, ministrada pelo orientador na graduação da faculdade de direito, debatendo temas na visão da posição tomista e estudando temas caros a essa pesquisa, individualismo, relativismo, subjetivismo e historicismo, no âmbito ético. Também redigirá artigo sobre a titularidade de direitos à pessoa humana, na visão Jusnaturalista, como conclusão da leituras realizadas no grupo de estudo “Tradição da lei natural” no semestre passado. Também retornará o funcionamento do grupo de estudos no âmbito da graduação, auxiliando a coordenação do mesmo juntamente com o orientado de mestrado do orientador.

No Mês de Abril haverá o retorno do oferecimento de seminário na pós-graduação em direito por parte do orientador, que se estenderá pelos meses de maio e junho, local de discussão com a presença do bolsista, como explicitado no cronograma do plano de trabalho.

De forma contínua o bolsista elaborará conteúdo para criação de material audiovisual sobre o tema de pesquisa aqui apresentado

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Mantêm-se as atividades estabelecidas no cronograma do plano de trabalho, em relação à redação de artigo, relatório e resumo que resultará na apresentação em setembro dos resultados da pesquisa no Seminário PIBIC.

IX. Conclusão.

A pesquisa foi muito proveitosa até o momento, como a seção VI pretendeu demonstrar. A fase inicial de entendimento do objeto de pesquisa e inserção do bolsista no debate do assunto, auxiliado pelo estudo das obras importantes para o objetivo, em estudar o jusnaturalismo contemporâneo, proposto pelo projeto de pesquisa, está em estado avançado. Os passos seguintes são e de sair de um estudo exclusivamente no campo histórico-conceitual e trazer o debate do tema ao campo filosófico contemporâneo, analisando a relação do nominalismo com correntes filosóficas da atualidade. Entretanto, ainda há muito trabalho a fazer, de modo que o objetivo da presente seção é indicar quais os objetivos alcançados nessa fase da pesquisa:

1. Compreender como a ruptura filosófica de Guilherme de Ockham com a metafísica dos universais de Tomás de Aquino e Aristóteles esvaziou o conteúdo da Lei Natural e subjetivou o direito natural; Objetivo alcançado como demonstrado na seção VI. 2. Investigar como o estudo da lei natural se relaciona com o debate dos universais no

final da idade média e começo da modernidade jusfilosófica; Objetivo alcançado

como demonstrado na seção VI.

3. Interpretar como a filosofia nominalista de Ockham fundamenta o individualismo e jurídico, articulando o direito subjetivo ao poder subjetivo; Objetivo parcialmente

alcançado, conquanto na seção VI possa ser visto exposição sobre o tópico, nesta discussão reside uma das maiores divergências de interpretação dos estudiosos do assunto, necessitando-se maior maturidade e clareza para uma conclusão.

4. Distinguir o nominalismo de Ockham do voluntarismo de Escoto, no contexto da atual retomada da discussão da lei natural pelo tomista John Finnis; Objetivo por alcançar,

salientando-se a presença indireta da discussão no que até aqui foi apresentado.

5. Verificar se o nominalismo de Ockham é a origem dos impasses contemporâneos da filosofia do direito: positivismo, historicismo, subjetivismo e relativismo. Objetivo

por alcançar, salientando-se a presença indireta da discussão no que até aqui foi apresentado.

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X. Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. 4ª ed. Brasília: Ed, UNB, 2001.

BARZOTTO, L. Filosofia do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. BASTIT, M. Nascimento da Lei Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2010. CULLETON, A. S. Ockham e a lei natural. Florianópolis, Ed. UFSC, 2011.

_____. O ordenamento moral e o ius naturae em Duns Scotus. Prisima Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 305-320, jul/dez. 2008.

DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. FARALLI, C. A filosofia contemporânea do direito. SP: Martins Fontes, 2006.

FINNIS, J. Direito Natural em Tomás de Aquino. Sua reinserção no contexto do juspositivismo analítico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007

_____. Lei natural e direitos naturais. São Leopoldo: Unisinos, 2009.

GRISEZ, G. „The First Principle of Practical Reason. A Commentary on the Summa Theologiae 1-2, Question 94, Article 2‟. Natural Law Forum, 1965, pp.168-201.

GEORGE, R.P. In Defense of Natural Law. Oxford: University Press, 2001.

HERVADA, J. Lições propedêuticas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. _____. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

HESPANHA, A.M. Cultura jurídica européia. Coimbra: Almedina, 2012. ISRAEL, N. Genealogia do direito moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

KLIMA, G. Naturezas: O problema dos universais. In: McGRADE, A. S (org.). Filosofia Medieval. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2008.

MAcINTYRE, A. Depois da virtude. Bauru: EDUSC, 2001a.

_____. Justiça de quem? Qual racionalidade? São Paulo: Loyola. 2001b.

MURPHY, M. Natural Law in Jurisprudence and Politics. New York: Cambridge University Press, 2006.

SANTOS, M. F. A Sabedoria da Unidade. São Paulo: Matese, 1967. STRAUSS, L. Direito natural e história. Lisboa: Edições 70, 2009. TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica Parte II. São Paulo: Loyola, 2009. VILLEY, M. A formação do pensamento jurídico moderno. SP: M.Fontes, 2005

_____. O direito e os direitos humanos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _____. Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_____. Questões de Tomás de Aquino sobre direito e Política. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

VOEGELIN, E. Anamnese. São Paulo: É Realizações, 2009.

(19)

XI. Dificuldades.

Duas foram as dificuldades desta pesquisa.

De uma parte, a inacessibilidade momentânea de certas obras e a dificuldade de compra das existentes em sebos, sendo uma das razões de escolha da metodologia aplicada. O acervo está sendo continuamente feito, faltando apenas duas obras do autor para aquisição, que transcorreu pelos meses passados.

De outra parte a mais substancial, o falecimento do antigo detentor desse tema de pesquisa, Lucas Bitar Fernandez, ocorrido em 13 de outubro de 2015, sendo o plano de trabalho assumido pelo bolsista atual, Níckolas Chrystian Sousa Tenório. Então, de fato, é apresentado um relatório do período: 11/2015 a 01/2016, ou 10/2015 a 01/2016. Tendo em vista que a informação de que se assumiria o plano de trabalho ocorreu ainda em meados de outubro. Diminuindo substancialmente o tempo de pesquisa.

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PARECER DO ORIENTADOR: Manifestação do orientador sobre o desenvolvimento

das atividades do aluno e justificativa do pedido de renovação, se for o caso.

O bolsista atendeu à expectativa e desenvolveu, até o momento, a pesquisa de forma satisfatória, engajando-se também nas aulas da graduação e pós-graduação do seu orientador.

Espera-se que a continuidade do projeto resulte em publicação acadêmica qualificada, considerando a extensão e a profundidade da bibliografia elencada, assim como a importância do tema estudado.

DATA : __29__/___2__/_2016___

_________________________________________ ASSINATURA DO ORIENTADOR

____________________________________________ ASSINATURA DO ALUNO

INFORMAÇÕES ADICIONAIS: Em caso de aluno concluinte, informar o destino do

mesmo após a graduação. Informar também em caso de alunos que seguem para pós-graduação, o nome do curso e da instituição.

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FICHA DE AVALIAÇÃO DE RELATÓRIO DE BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA O AVALIADOR DEVE COMENTAR, DE FORMA RESUMIDA, OS SEGUINTES ASPECTOS DO RELATÓRIO :

1. O projeto vem se desenvolvendo segundo a proposta aprovada? Se ocorreram

mudanças significativas, elas foram justificadas?

O projeto tem sido executado de forma competente e engajada.

A mudança significativa foi a de pesquisador, já que o responsável originário por esse projeto faleceu em outubro de 2015.

2. A metodologia está de acordo com o Plano de Trabalho ?

Sim, plenamente. Trata-se de metodologia de pesquisa bibliográfica, por ser um trabalho de natureza histórico-conceitual.

3. Os resultados obtidos até o presente são relevantes e estão de acordo com os

objetivos propostos? Sim.

4. O plano de atividades originou publicações com a participação do bolsista?

Comentar sobre a qualidade e a quantidade da publicação. Caso não tenha sido gerada nenhuma, os resultados obtidos são recomendados para publicação? Em que tipo de veículo?

A produção do bolsista deve resultar em publicação, ao fim da pesquisa, em revista acadêmica especializada de filosofia do direito.

5. Comente outros aspectos que considera relevantes no relatório

A dificuldade de compreender os conceitos filosóficos da parte de um aluno de direito foi sanada pelo engajamento do aluno nos seminários de pós-graduação do seu orientador.

6. Parecer Final:

Aprovado ( X )

Aprovado com restrições ( ) (especificar se são mandatórias ou recomendações)

Reprovado ( )

7. Qualidade do relatório apresentado: (nota 0 a 5) ____4__

Atribuir conceito ao relatório do bolsista considerando a proposta de plano, o

desenvolvimento das atividades, os resultados obtidos e a apresentação do relatório. Excelente.

Data : __29_/__2_/_2016__.

_________ _________

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