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Rompendo silêncios e descobrindo as mulheres: uma análise da obra de Michelle Perrot no contexto da história das mulheres

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Academic year: 2021

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Rompendo silêncios e descobrindo as mulheres: uma análise da obra de Michelle Perrot no contexto da história das mulheres

Paola Lili Lucena∗

Resumo: Michelle Perrot é uma das historiadoras pioneiras, no que diz respeito ao estudo das

mulheres na Europa. Tanto em obras como, Os excluídos da história e As mulheres ou os silêncios da história, quanto nos diversos artigos que publicou, Michelle Perrot procurou colocar em evidência os personagens que a historiografia de então, deixava a margem dos acontecimentos. Dentre esses personagens, as mulheres ganham destaque, sendo apresentadas como sujeitos da história. Nesse sentido, essa historiadora francesa faz parte de um movimento historiográfico, que buscou inserir as mulheres nos relatos e nos acontecimentos históricos. Assim, o objetivo dessa comunicação é analisar como as duas obras acima citadas contribuem para a discussão a respeito da presença das mulheres tanto nos espaços públicos quanto nos privados, e para a construção de um discurso historiográfico baseado na questão do sexo, ou seja, a chamada História das Mulheres.

Palavras-chave: Michelle Perrot, História das Mulheres.

Introdução

Ao longo de sua carreira acadêmica a historiadora francesa Michelle Perrot escreveu alguns livros e diversos artigos sobre a situação da mulher francesa no século XIX. Sua preocupação para com a situação da mulher na disciplina histórica data da década de 1970, quando as ciências humanas na França começaram a discutir o papel da mulher na sociedade. No que se refere à sua especialidade, as historiadoras buscaram introduzir as experiências femininas nos relatos históricos, seja para perceber a gênese e a evolução da dominação masculina e expressar os pontos de autonomia feminina, seja para suprir uma lacuna incômoda que a ausência das mulheres deixava na narrativa histórica.

O fato é que Michelle Perrot se torna uma das pesquisadoras mais eminentes no campo da História das Mulheres na França, talvez por sua escrita apaixonada e envolvente e por seu profundo comprometimento para com os métodos da disciplina. Dentre as obras publicadas por essa historiadora, foram selecionados para a discussão nesse artigo dois livros As mulheres ou os silêncios da história e Os excluídos da história, que contém diversos artigos que abrangem as temáticas, desenvolvidas em vários momentos de sua carreira, que estão relacionadas às mulheres e a efetivação dos

Aluna do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

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seus poderes e limitações nos espaços públicos e privados. Tais espaços foram forjados pela sociedade francesa do século XIX.

Antes que abordar especificamente esses temas, será preciso fazer algumas considerações sobre a participação de Michelle Perrot no projeto de elaboração e desenvolvimento de uma História das Mulheres. Além disso, apresentar as suas ponderações acerca desse campo de estudo, já que essas questões perpassam todos os textos que foram analisados.

1-Michelle Perrot e a história das mulheres

Os excluídos sempre estiveram presentes na obra de Michelle Perrot. O início da trajetória intelectual dessa historiadora Francesa foi marcado por uma preocupação com o domínio da política e da cultura operária. De acordo com a própria historiadora o contexto acadêmico dos anos 50 e 60 foi propício ao desenvolvimento de debates voltados para as questões referentes à categoria social.1 Suas primeiras pesquisas foram profundamente influenciadas pelas ações de seu orientador, Ernest Labrousse, particularmente envolvido no projeto de desenvolver nos alunos da Sorbonne, um interesse pela história do operariado. Foi ele quem sugeriu que ela pesquisasse o tema das greves operárias, ao invés de trabalhar com algum tema voltado para a questão das mulheres, tal como ela propôs. A ponderação de seu orientador lhe pareceu muito lógica, já que naquele momento o social se sobrepunha ao sexual, que ainda não era reconhecido como uma categoria de análise.

Em 1962, Michelle Perrot foi nomeada professora assistente na Sorbonne, entrando em um universo que era majoritariamente masculino, já que era a única mulher no departamento de história daquela universidade. No entanto, a partir desse momento o movimento feminista começa a se articular, acelerando o seu ritmo principalmente na década de 70. Pronto para questionar as bases da sociedade e defender os direitos das mulheres nas diversas instâncias sociais, o feminismo possuía adeptas principalmente entre as intelectuais francesas que se dedicavam às ciências humanas. Michelle Perrot participou ativamente do movimento das mulheres, o que provocou uma relativa transformação no tocante aos seus objetos de estudo.

A articulação feminista engendrou um novo olhar a respeito das interações entre os sexos dentro da antropologia, psicanálise, sociologia e mais tarde da história. No que

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se refere à História, essa correlação entre o feminismo e a disciplina fica bem clara, com o desenvolvimento da chamada História da Mulheres, projeto no na qual Michelle Perrot estava inserida desde o início. Assim, esse novo campo ou objeto de estudo se torna um dos eixos principais da obra dessa eminente historiadora.

Na França, o projeto da História das Mulheres começa tímido e se apoiando em contribuições oriundas da Antropologia e da Sociologia. Os primeiros congressos e encontros foram dominados por questionamentos como: as mulheres têm uma História? ou é possível fazer uma História das mulheres? Essas questões colocadas eram de suma importância para o futuro do empreendimento, e pelo menos no início, não pareciam de fácil resolução. No entanto, como afirma a própria Michelle Perrot, com o crescimento dos trabalhos e os constantes diálogos através dos grupos de estudo de gênero, essas questões se tornaram cada vez mais claras.2 As historiadoras constataram que as mulheres seriam sujeitos históricos possíveis de serem apreendidos e estudados, e que essa categoria “mulheres” deveria ser entendida de acordo com a sua amplitude e pluralidade étnica, social e cultural.

A História das Mulheres no Ocidente, coleção organizado por Michelle Perrot e Georges Duby, foi consideravelmente importante para o fortalecimento e divulgação da História das Mulheres na França e no restante da Europa. Críticas e ponderações a parte __ aceitas e problematizadas pela própria Michelle Perrot anos depois da publicação dessa coleção (1992)__ ela consistiu em uma empreitada muito importante, pois foi a primeira obra de relevo que congregou trabalhos sobre diversos aspectos (sexualidade, família, trabalho, relações de poder, dentro outros) que envolvem a atuação das mulheres. Assim, essa coleção pode ser considerada como um dos marcos principais da História das Mulheres na Europa.

Assim, nas últimas décadas do século XX, esse campo de pesquisas se fortaleceu em muitos aspectos, evoluindo no que se refere aos seus objetos, seus métodos e pontos de vista. Na França, mesmo diante dessa expansão, Michelle Perrot conclui que a História das Mulheres permanece frágil, institucionalmente, por conta da estrutura dos cursos. Ela afirma também que esse campo de estudos não foi capaz de efetivar a ruptura epistemológica que as feministas da década de 70 acreditam ser possível, e que muitos trabalhos de envergadura continuaram negligenciando a atuação feminina no passado. No entanto, a História das Mulheres pode ter revertido o olhar histórico e

2 PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. Cadernos Pagu,

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instaurado a questão das mulheres e da diferença entre os sexos como algo realmente sério.3

De acordo com Perrot, a contribuição para a sociedade em geral, se refere ao fato de que a História das Mulheres possibilitou que estas compreendessem melhor a si mesmas, que entendessem que as identidades que hoje compartilham são fruto de uma construção histórica e contribuiu para que essas mulheres construíssem uma consciência maior de gênero.

Isto posto, resta saber um pouco mais sobre o que Michelle Perrot diz a respeito dos objetivos, dos métodos e das fontes que envolvem a História das Mulheres, além de contextualizar historiograficamente o seu surgimento e a sua consolidação, enquanto campo de estudo.

1.1- O Estudo da História das mulheres: objetivos, fontes e metodologia.

Segundo Michelle Perrot, durante muito tempo o relato histórico se esqueceu das mulheres, relegando-as a um silêncio ensurdecedor 4 Mas esse silêncio não se restringiu à historiografia, na verdade ele também estava presente no cotidiano das mulheres, uma vez o seu acesso à fala pública e atuação política estava, em muitos sentidos, restrito. No século XIX, quando a disciplina histórica se torna científica, a narrativa estava centrada na esfera pública, contemplando as ações políticas das figuras masculinas. Nesse sentido, uma análise mais apurada acerca das mulheres era inviável, impensável e impossível, pois as atuações das mulheres nos espaços públicos eram esparsas, pouco consistentes e limitadas.

Para esse século, Perrot aponta a obra de Michelet como uma exceção. Michelet defendeu a existência de um poder feminino ao longo dos tempos. Mas, tal como enfatiza Perrot, ao assimilar a mulher à natureza e o homem à cultura e enunciar que uma inversão nos papéis desempenhados por cada sexo levaria a humanidade à ruína, Michelet não se distanciou das representações imputadas à mulher no século XIX. No entanto, não deixa de ser interessante o peso que ele confere à interação entre os sexos para o desenvolvimento de uma sociedade. Michelet é o primeiro a evocar uma História sexuada.

No início da década de 30, a primeira geração dos Annales rompeu com o exclusivismo do político no relato histórico, para instituir uma história voltada para os

3 PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. Cadernos Pagu,

Campinas, n. 4, p. 27, 1995.

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aspectos econômicos e sociais. Porém essa ruptura não foi suficiente para promover um debate profundo sobre a inserção das mulheres na História.

Esse rompimento do silêncio que cerca as mulheres, para Michelle Perrot, só foi possível nas décadas de 60 e 70 do século XX, quando os paradigmas tradicionais que dominavam a disciplina, como o Marxismo por exemplo, perderam um pouco da sua força. Além disso, a aproximação com a Antropologia introduziu novos elementos de análise para a História. Essa aproximação promoveu entre os historiadores um maior interesse sobre as relações familiares. A família consiste em um espaço privilegiado, onde se pode observar parte da atuação feminina. Um outro fator, esse ligado ao contexto social mais amplo, diz respeito a emergência do feminismo enquanto um movimento de abrangência e força na França. O feminismo coloca na ordem do dia a necessidade de se discutir sobre os vários aspectos que englobam a vida das mulheres. Era preciso resgatar as suas vozes perdidas no passado e reconstruir as suas trajetórias a través dos vestígios que elas deixaram. É justamente com esse objetivo que nasce a História das Mulheres: preencher as lacunas que a História praticada até então tinha deixado sobre atuação das mulheres, de um modo geral, ao longo dos tempos.

A própria Michelle Perrot se perguntou muitas vezes se existiam elementos para construir uma História das Mulheres e se ela era possível. Para responder a essas questões seria preciso analisar a viabilidade desse empreendimento, tentando descobrir quais são e onde estão os vestígios deixados por essas mulheres: existem fontes suficientes para que os historiadores atinjam esse objetivo?

Segundo Perrot, existem dois universos de fontes nos quais se podem encontrar as mulheres,isso para o período que ela estuda, o século XIX: as produzidas pelas entidades públicas e aqueles outras oriundas das percepções pessoais. As primeiras são quase que completamente elaboradas pelos homens, e que portanto, contém as representações que eles elaboram sobre as mulheres, o que impossibilita o acesso às verdadeiras expectativas, sentimentos e visões que as mulheres estabeleceram sobre elas mesmas. Nos arquivos públicos, geralmente as mulheres aparecem quando perturbam a ordem através de greves (nas quais elas participam bem menos que os homens) e manifestações acarretadas pela carestia de alimentos. A criminalidade feminina é mais baixa que a masculina e elas também pouco aparecem enquanto vítimas, já que poderiam ter vergonha de denunciar possíveis agressores. Assim Perrot conclui que a

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matéria que constitui as fontes integra a desigualdade sexual e a marginalização ou desvalorização das atividades femininas5

A crescente preocupação com a família acarretou em um maior interesse pelos arquivos familiares. As fontes pessoais (cartas, diários, anotações) que emergem desses arquivos, podem muito bem ter sido produzidas diretamente pelas mulheres. Assim, entrar em contato com esses relatos, feitas as devidas ressalvas, pode tornar possível o acesso a algumas visões e expectativas femininas. No entanto, Perrot assinala que muitas mulheres, interiorizando as representações referentes à pretensa falta de valor de suas falas, ou envergonhadas de seus sentimentos e ações, acabam queimando seus escritos. Ainda sobre essa questão das fontes privadas, Perrot pondera que elas fortalecem o vínculo entre a esfera privada e as mulheres, deixando muitas vezes a falsa impressão de que a atuação das mulheres se restringe a essa esfera.6

Para aqueles que trabalham com períodos da história mais próximos do presente, Perrot, cita a História Oral como uma boa alternativa. Para ela, as mulheres exercitam melhor a suas memórias a respeito dos aspectos pessoais que os homens, elas podem falar mais tempo sobre suas famílias, expectativas e sentimentos.

Para concluir, ela afirma que a grande contribuição que a História das Mulheres e das relações entre os sexos coloca para a disciplina histórica em geral, está atrelada àa questão da permanência e da mudança, do invariante e da historicidade, inovando as relações entre o objeto e o sujeito, a cultura e a natureza, o público e o privado.

2-Os objetos de Estudo de Michelle Perrot

A vasta obra de Michelle Perrot deixa transparecer a sua preocupação em desvendar os vários aspectos que concernem às experiências das mulheres francesas do século XIX. Alguns dos temas mais recorrentes que ela aborda nos livros As mulheres ou os silêncios da história e Os excluídos da história, são: a questão da participação das mulheres nas greves operárias, fruto de suas primeiras pesquisas acerca dessas mobilizações sociais; a atuação das donas de casa populares e as representações que elas engendram nos grupos sociais; a inserção e a movimentação de alguns grupos de

5 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC; 2005.p.12. 6 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC; 2005.p31.

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mulheres nas cidades; as atividades associativas das quais participam, com destaque para a filantropia e os espaços onde constroem suas sociabilidades e as formas de trabalho que lhe são permitidas. Assim, ela pretende demonstrar que as mulheres não são tão passivas quanto costumava se imaginar, mas que na verdade, elas possuem uma forma de atuação que lhes é particular, que foi moldada de acordo com as suas vivências históricas. Todos esses temas desenvolvidos por Perrot, envolvem as relações de poder estabelecidas entre os sexos e a atuação das mulheres em cada um dos espaços que se diferenciam no século XIX, o público e o privado.

2.1-As mulheres e o poder no século XIX

No século XIX, a distinção que se estabelece e se fortalece entre o que é de interesse público e o que deve permanecer no espaço privado é uma das principais modalidades de poder que rege os sexos. Utilizando a consideração foucaultiana de que o poder é plural, fragmentado e sua difusão pode se dar em diversas instâncias, é possível observar que as mulheres francesas do século XIX, poderiam sim, exercer alguma forma de poder.

Esse tema do jogo de poder entre os sexos perpassa vários artigos de Michelle Perrot. Em algumas passagens específicas, elas procura discorrer melhor sobre como as relações de poder se instalam nas esferas públicas e privadas. De início, ela parece estar interessada em desvendar os estereótipos que são reformulados no século XIX, acerca de um poder feminino que pode ser fatal para a sociedade, poder esse que se instaura de uma maneira difusa e eficaz sobre os costumes, que como mãe e reprodutora social, a mulher tem a função de perpetuar. Se por um lado, o século XIX buscou exaltar a força moral da mulher dentro do lar e da família, ele a temeu, pois acreditou que ela poderia atuar como um possível freio de uma desejada modernidade, devido às profundas relações que os homens acreditavam que ela possuía com a Igreja.

É possível que a crença nesse pretenso poder tenha sido um dos motivos que levaram os homens a desejar enclausurar as mulheres e restringir a sua participação na gestação e na discussão dos aspectos públicos e políticos. De acordo com Perrot, os homens investiram em uma organização racional da sociedade, na qual a teoria das esferas (pública e privada) foi uma das formas mais elaboradas. Um novo equilíbrio entre os sexos se estabeleceu baseado na tentativa de exclusão das mulheres da vida pública.

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Assim, com os poderes que adquiriram, os homens buscaram limitar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, estabelecendo concepções a respeito dos tipos que trabalho que seriam mais adequados para as mulheres. Profissões ligadas ao magistério, à enfermagem, ao atendimento em lojas e escritórios, eram socialmente aceitas para as mulheres, pois evocavam a idéia de uma propensão feminina natural para essas atividades. Além disso, alguns tentaram impedir que as mulheres aprendessem a ler e a escrever, pois entendiam que o domínio da palavra escrita era um monopólio masculino.

O governo, a cidade, o político, o público, eram instâncias que privilegiam somente a ação masculina. Os homens eram os responsáveis sociais pelas famílias e dentro das casas, a palavra deles se sobrepunha a das mulheres. Mas era na família, ou seja, no setor privado, que as mulheres poderiam desenvolver melhor seus poderes. Logo, o privado era a esfera de atuação feminina.

Diante de tantas restrições, as mulheres exerciam poderes possíveis, organizando o cotidiano da família e as experiências domésticas, que consistiam na base do domínio feminino. As mulheres estavam investidas de um grande poder social, realizando as funções de mãe e esposa.7 Elas buscaram se apoderar de suas casas, que muitas vezes eram seus locais de trabalho, de desenvolvimento de sentimentos e prazeres8.Também estabeleciam redes de sociabilidades e solidariedades entre a vizinhança.

As mulheres populares percorriam as ruas buscando trabalhos que pudessem complementar a renda familiar. Elas exerciam seus poderes nas cidades, onde vendiam e compravam mercadorias. Era comum também que elas controlassem as finanças da casa, sendo as primeiras a padeceram nos momentos de crise. As mulheres da elite desenvolveram um maior poderio na esfera pública quando praticavam caridade e na esfera privada quando governavam seus criados( dentre eles, outras mulheres) e os filhos. Em suma, ainda que sob diversos controles, para Perrot as mulheres sempre exerceram algum tipo de poder, tanto no espaço público, quanto no privado.

2.2-Onde estão as mulheres? Na esfera pública ou na privada?

7 PERROT, Michelle.Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros.Trad.Denise Bottmann.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª.Ed , 1988.p179.

8 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad. Viviane Ribeiro.Bauru: EDUSC;

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Michelle Perrot afirma que na França, as fronteiras entre o público e o privado nem sempre existiram e variaram de acordo com o tempo, mas que o século XIX representou um divisor de águas nesse sentido.9 As mulheres foram excluídas da gestão da política e da administração dos bens públicos. No entanto, como mostra Perrot elas não estão totalmente ausentes, suas vozes podem ser ouvidas, ainda que com menor freqüência, nesses espaços. Ainda que a fala e a escrita sobre temas públicos e políticos tenham sido vetadas as mulheres e que muitas delas acabassem se desinteressando por esses assuntos, algumas mulheres, principalmente as líderes operárias e as feministas sufragistas, descobriram que o domínio da palavra era um caminho para pleitear direitos políticos, sociais e econômicos.

Essa tentativa de exclusão das mulheres também pode ser verificada espacialmente. Na França, ao longo do século XIX, vários locais onde antes as mulheres poderiam ser vistas bebendo, conversando, cantando e dançam, como os pubs e o cafés, vão se convertendo em lugares predominantemente masculinos. Entretanto, ainda persistem espaços mistos, onde pode-se verificar uma interação entre os sexos, como o baile por exemplo, que consiste tanto em uma festa popular, quanto de elite.

De um modo geral, a obra de Michelle Perrot oferece exemplos de experiências femininas tanto nos espaços públicas quanto nos espaços privados. Através das cartas das filhas de Karl Marx e do diário de Caroline, ela reconstrói algo da vivência cotidiana dessas mulheres e suas idéias, suas visões com relação ao mundo e a elas mesmas. Por outro lado as correspondências, os escritos e outros documentos pessoais de Flora Tristan e Georges Sand, ajudam a entender as atuações na esfera pública e a participação em discussões políticas dessas figuras femininas.

Michelle Perrot apresenta um universo feminino amplo e diversificado. Suas mulheres não são de modo algum passivas, mas sim antes de tudo, agentes do seu próprio tempo, sujeitos de suas próprias histórias. As mulheres de elite, por exemplo, aprenderam a ler e a escrever, e ainda que não desfrutassem dos mesmos direitos e poderes que os homens, tiveram algumas experiências bem sucedidas na esfera pública, através das práticas filantrópicas, que lhes renderam boas lições acerca da gestão de instituições sócias e das formas de sociabilidade, que segundo Perrot podem ter proporcionado o desenvolvimento de alguma consciência de gênero.

9 PERROT, Michelle.Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros.Trad.Denise Bottmann.

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Por outro lado, as mulheres do povo também desenvolvem suas sociabilidades em espaços específicos, como os lavadouros, que são analisados por Michelle Perrot, onde se conversa sobre todos os assuntos. Essas mulheres transitam pelas cidades, realizando seus comércios para complementar as rendas de suas famílias. Elas estão submetidas ao poder dos maridos, mas exercem algum tipo de poder dentro de casa, já que como Michelle Perrot constatou para o caso da França, são elas que organizam os recursos econômicos da família. Também educam seus filhos, fazem trabalhos domésticos de todos os tipos, ou seja atuam em todos os sentidos no setor privado, sem contudo estarem ausentes das cidades, onde exercem pequenos poderes.

Conclusão

Para concluir, é preciso afirmar que a principal preocupação de Michelle Perrot é romper definitivamente com o silêncio historiográfico a respeito das mulheres, demonstrando que essas possuem uma história e que é perfeitamente possível escrever essa história através dos vestígios deixados por essas mulheres, ainda que essas fontes tenham que ser problematizadas (na verdade, é assim que se deve proceder em qualquer trabalho histórico).

Romper com os silêncios das mulheres é escutar suas vozes, refazer os seus passos, buscá-las tanto na cidade, quanto dentro das suas casas, mas é também levar em consideração as representações que os homens elaboraram sobre elas.Enfim, Michelle Perrot utiliza os discursos dos homens e o das mulheres para perceber como estas estão presentes nos espaços públicos e privados, como se expressam nessas duas esferas para sim exercer um determinado poder.

Bibliografia:

PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, 1995. pp. 9-28.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad. Viviane Ribeiro.Bauru: EDUSC; 2005.

PERROT, Michelle.Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros.Trad.Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª.Ed , 1988.

SCVARZMAN, Sheila. Entrevista com Michelle Perrot. Cadernos Pagu. Campinas , n. 4, 1995. pp. 29-36.

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