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CONSIDERAÇÕES SOBRE GRAMATICALIZAÇÃO DE CONJUNÇÕES NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS

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Academic year: 2021

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CONSIDERAÇÕES SOBRE GRAMATICALIZAÇÃO DE CONJUNÇÕES NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS

Sanderléia Roberta LONGHIN-THOMAZI (UNESP/FAPESP)

ABSTRACT: This paper aims at showing that the changes of meaning, which accompanies the processes of grammaticalization of conjunctions tend to follow an increasing pragmatization trajectory in which referential meanings give way to meanings founded in the textual marking and in the subjective attitude of speakers.

KEYWORDS: grammaticalization; conjunctions; pragmatization.

0. Introdução

A Gramaticalização (GR, daqui em diante) é um fenômeno tradicionalmente explicado como um tipo particular de mudança lingüística em que, por meio de um conjunto de alterações principalmente de ordem sintático-semântica, itens lexicais plenos passam a funcionar como expressões que sinalizam relações gramaticais específicas. Trata-se, em outras palavras, de uma das formas pelas quais a gramática de uma língua é constantemente ampliada.

A literatura sobre gramaticalização de conjunções privilegia o tratamento das mudanças de significado, sustentando que há uma tendência geral, segundo a qual o desenvolvimento do item conjuncional segue uma trajetória de pragmatização crescente do significado. Conforme a orientação de Traugott e colaboradores (Traugott e König, 1991; Hopper e Traugott, 1993; Traugott, 1999), essa tendência prevê que as mudanças partem dos significados referenciais, próximos da experiência física dos falantes, passam pelos significados relacionados à construção textual e atingem finalmente os significados centrados na atitude subjetiva dos falantes. Reconhecer essa tendência implica admitir, em certo sentido, a unidirecionalidade da mudança, questão que tem sido objeto de controvérsia (Campbell e Janda, 2001).

À luz dessas considerações iniciais, o propósito deste trabalho é mostrar que as mudanças experimentadas pelo item logo, no curso do tempo, constituem, nos moldes de Traugott, um exemplo de pragmatização do significado. Toda a exposição está dividida em quatro partes. Inicia lmente, recupero um pouco da história das conjunções; na segunda parte, discuto questões teóricas sobre GR de conjunções, com ênfase nos modelos que explicam as alterações semântico-pragmáticas; na terceira, apresento um estudo de logo baseado em fontes históricas do português e, por fim, faço um breve apanhado dos resultados obtidos.

1. A história das conjunções

No clássico le renouvellement de conjonctions, de 1912, Meillet focaliza a emergência de conjunções e mostra que, na história das línguas, ess a classe de palavras esteve sujeita à constante renovação e até mesmo ao desaparecimento. Segundo ele, o procedimento mais comum de renovação de conjunções consiste em aproveitar formas do repertório da língua e atribuir a elas a função de conjunção, como aconteceu, por exemplo, com o advérbio latino magis, que deu origem à conjunção adversativa do português. Décadas antes, o neogramático H. Paul (1886) já sugeria que as conjunções (“palavras de ligação”, em sua terminologia) nascem a partir de mudanças sofridas por palavras autônomas. Para ele, as conjunções derivam de advérbios conjuncionais ou de formas isoladas de pronomes conjuncionais, que estão eventualmente ligadas a outras palavras. Trata-se, segundo ele, de itens que já serviam para ligar orações antes de se transformarem em conjunções puras.

As colocações de Meillet e de Paul ajudam a explicar o percurso histórico das conjunções do português. É sabido que o latim clássico dispunha de um conjunto extenso de conjunções que eram multifuncionais, ou seja, a depender do contexto, podiam estabelecer diferentes relações de sentido. Desse considerável elenco de conjunções, poucas foram empregadas na variedade vulgar do latim, a base das línguas românicas. A língua vulgar criou algumas conjunções e passou a usar com freqüência a partícula quod (e as concorrentes quid e quia), para assinalar as diversas formas de subordinação, tornando-se assim a conjunção subordinativa por excelência. Além disso, quod começou a integrar a parte final de perífrases conjuncionais formadas a partir de bases preposicionais ou adverbiais (Maurer, 1959).

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Os historiadores da língua portuguesa (Bueno, 1967; Câmara Jr., 1975; Coutinho, 1976; Said Ali, 1964) são unânimes em afirmar que a formação do português foi caracterizada pelo abandono de grande parte das conjunções latinas, das quais permaneceram apenas e (et), ou (aut), nem (nec), quando, se (si), como e que1. A necessidade de novas conjunções fez com que a língua recorresse a processos de gramaticalização, por meio dos quais, em certos momentos, palavras de diferentes categorias foram levadas a funcionar como conjunções e, em outros, advérbios e preposições se combinaram com a partícula que, formando perífrases, tal como já ocorria no latim vulgar. A respeito da constituição de perífrases, Said Ali (1964:222) faz a seguinte consideração:

“O processo criador de novas conjunções ou locuções conjuncionais revela -se fecundo nas combinações de advérbios e dizeres de caráter adverbial com a partícula que: a fim de que, contanto que, antes que, depois que, etc. Nestas, como em outras locuções conjuncionais, o elemento advérbio nada mais é que um vocábulo deslocado de uma oração para outra. Devia modificar a um verbo, mas desvia-se dele, imigra da respectiva oração, atraído por uma partícula, à qual se une, resultando desta liga uma conjunção de nova espécie”.

2. Gramaticalização de conjunções

Nesta seção, examino particularidades das mudanças de significado que acompanham os processos de gramaticalização. Desde o trabalho pioneiro de Meillet (1912), em que a GR foi definida como um processo essencialmente unidirecional e histórico, no qual os elementos do léxico “migram” eventualmente para a gramática, era amplamente aceita a hipótese da perda de traços semânticos, que ficou conhecida como semantic bleaching. Tempo depois, vários pesquisadores ainda alimentaram a noção perda. Heine e Reh (1984), por exemplo, afirmaram, a partir da análise de um conjunto de línguas africanas, que quanto mais uma unidade lingüística sofre gramaticalização, mais ela perde em complexidade semântica e valor expressivo. Lehmann (1982), por sua vez, associou gramaticalização à perda de integridade do item.

Contudo, na literatura recente, os gramaticalizadores (Heine et al., 1991; Sweetser, 1991; Hopper e Traugott, 1993; Bybee et al., 1994, entre outros) vêm abandonando a noção de bleaching, em favor da elaboração de modelos capazes de descrever as transformações semânticas que acompanham a GR. Há um certo consenso de que tais transformações são conduzidas por dois mecanismos diferentes, mas complementares. Um deles é a transferência metafórica, que consiste na projeção, em passos discretos, de significados de um domínio cognitivo mais concreto para um domínio mais abstrato, e o outro é a transferência metonímica, que consiste na transição gradual e contínua de um significado A para um significado B, por meio da reinterpretação contextual. A seguir, privilegio a discussão dos modelos de Heine et al. (1991) e de Traugott (1982,1999), que convergem em muitos aspectos.

2.1 O modelo de Heine e colaboradores

Heine et al. (1991) propõem uma hierarquia de GR, em que lançam mão de um número de categorias cognitivas, que organizam da seguinte forma: PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE. Cada categoria, que inclui uma variedade de conceitos, representa um domínio de conceituação relevante para a experiência humana. A relação entre as categorias é de natureza metafórica, no sentido de que qualquer categoria pode ser usada para conceituar outra categoria, contanto que esta esteja à sua direita. Desse modo, OBJETO pode ser usado para conceituar ESPAÇO, ESPAÇO pode ser usado para conceituar TEMPO, e assim por diante. A organização das categorias tem uma direcionalidade característica, que pode ser definida em termos de “abstração metafórica”, na qual uma dada categoria é mais abstrata do que outra categoria que está à sua esquerda, e menos abstrata do que qualquer categoria à sua direita.

Mas se, por um lado, as projeções metafóricas apresentam a vantagem de predizer a direção dos processos de GR, por outro, sugerem que a emergência de uma categoria implica a substituição da anterior, ignorando possíveis estágios de sobreposição, em que as categorias poderiam coexistir. Por isso, Heine et. al. (1991) salientam a importância das projeções metonímias, que acentuam a natureza contínua da transição entre significados. Segundo os autores, uma palavra ou construção, além do sentido A, pode

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A multifuncionalidade de que no português (integrante, temporal, final, causal, comparativa, consecutiva, concessiva) é, como explica Câmara Jr. (1975), conseqüência direta de sua etimologia. Segundo ele, que resultou de “um esvaziamento da significação pronominal da forma neutra quid do pronome indefinido-interrogativo e sua coalescência com a outra forma neutra quod, reservada ao pronome relativo. Secundariamente, houve a convergência da evolução fonética da partícula de conexão comparativa quam e da conjunção causal quod”.

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permitir a inferência de um sentido B, em função da contigüidade contextual ou metonímica. Se, com tempo, o sentido B se torna parte da palavra, podemos dizer que houve uma convencionalização de inferências, em que o que antes era apenas inferido passa a ser codificado.

2.2 O modelo de Traugott

Traugott (1982) propõe tendências gerais que explicariam a direção das mudanças semântico-pragmáticas implicadas na GR. Para tanto, lança mão de um modelo semântico-funcional de linguagem, que recupera a classificação tripartida das funções hallidayianas da linguagem. No modelo de Traugott, há um componente “proposicional”, que inclui elementos que permitem falar do mundo extralingüístico; um componente “textual”, que inclui elementos que permitem elaborar um discurso coeso; e um componente “expressivo”, que inclui elementos que exprimem atitudes pessoais com relação ao assunto do discurso ou com relação a outros participantes. Com base nessa classificação, Traugott sugere que as mudanças de significado nos processos de GR tendem a respeitar a hierarquia: PROPOSICIONAL > TEXTUAL > EXPRESSIVO. Como exemplo, ela cita o desenvolvimento histórico de while, do inglês, em que a expressão nominal/adverbial pa hwile pe evolui para while conectivo temporal e, mais tarde, while passa a funcionar como conectivo concessivo, combinando os fatores coesão e atitude subjetiva.

Em Traugott e König (1991), essa hierarquia recebe uma formulação parcialmente diferente. Os autores assumem que a mudança tende a partir de significados identificáveis nas situações extralingüísticas, passar por significados fundados na marcação textual, e seguir para significados fundados na atitude ou crença do falante. Em trabalhos mais recentes, Traugott (1999) entende que essas tendências estão inscritas em processos mais globais de subjetivização e intersubjetivização. A subjetivização, segundo ela, diz respeito ao processo pelo qual os falantes da língua, ao longo do tempo, desenvolvem significados novos para lexemas já existentes, com o propósito de codificar atitudes baseadas no mundo comunicativo do evento do ato de fala, e não em aspectos do evento ou situação referente ao “mundo real”. Já a intersubjetivização, por sua vez, diz respeito ao processo pelo qual os significados, com o tempo, passam a codificar a atenção do falante com relação às atitudes do ouvinte. Em outras palavras, enquanto a subjetivização está centrada no falante, a intersubjetivização está centrada principalmente no ouvinte. Há uma correlação estreita entre os dois processos, no sentido de que a intersubjetivização não existe sem um grau de subjetivização.

3. Um estudo de caso: o item logo

Para verificar o alcance das propostas discutidas antes, examino a trajetória de mudança de advérbio a conjunção, experimentada pela partícula logo, do português, entendendo que se trata de um caso legítimo de GR. Para tanto, recorro a uma amostra de dados históricos do português, a “Amostra Diacrônica do Português”, que contém documentos variados representativos do português arcaico, moderno e contemporâneo2. Nos dados do português arcaico, verifiquei que coexis tiam o substantivo e advérbio temporal logo, itens que sinalizavam, respectivamente, sucessão espacial e sucessão temporal, relações que serão devidamente qualificadas. O substantivo logo denota “lugar” e integra sintagmas preposicionais do tipo “en seu lo go” e “em logo de”, conforme os exemplos (01) e (02).

(01) Mandamos que quando ouuyre morte Del rey, todos guarde senhorio e os dereytos del rey aaquel que reynar en seu logo e os que algua cousa teuverem que perteesca a senhurio Del rey (13FR, p.132) (...todos guardem o poder e os direitos de rei àquele que reinar em seu lugar...)

(02) (...) e temo -me que me dê maldiçom em logo de beençom (14BMP, p.49) (... temo que me dê maldição em lugar de bênção)

2

Para a pesquisa, optei por uma seleção de trechos dos seguintes textos: A demanda do Santo Graal (13DSG), Foro Real de Afonso X (13FR), Testamento de D. Afonso II (13TDA), Notícias do Torto (13NT), Inquirições de Afonso III (13IA), Crónica Geral de Espanha (14CGE), Orto do Esposo (14OE), Primeira Partida (14PP), Bíblia Medieval Portuguesa (14BMP), Boosco Deleitoso (15BD), Livro do Ofícios de Marco T. Ciceram (15LO), Crónica D. Fernando (15CDF), Crónica D. Pedro I (15CDP), Leal Conselheiro (15LC), Colóquios dos simples e drogas e cousas medicinais da Índia (16CSD), História da Prouincia de Sãcta Cruz (16HSC), Crónica do Felicíssimo rei D. Manuel (16CDM), Os sete últimos documentos de 1500 (16OSD), Desengano dos Perdidos (16DP), Jornada dos Vassalos da Coroa de Portvgal (17JV), Peregrinaçam (17P), Chronica Del Rey D. Ioam I (17CDJ), Sermão da Sexagésima (17SS), Corte na Aldeia e Noites de Inverno (17CS).

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Em (01), logo indica mais precisamente posição fís ica e social e acrescenta a idéia de deslocamento ou sucessão, em que “X passa a ocupar a posição de Y”. Já na construção em (02), existe uma comparação, pela qual são postos em causa dois elementos, indivíduos ou suposições, e então um deles é rejeitado em favor do outro (“temo que dê maldição, em vez de benção”), numa típica construção de preferência. Nesse caso, logo se refere a uma espécie de lugar abstrato, equivalendo a “em vez de”, “em lugar de”.

Enquanto marcador de tempo, logo localiza um momento posterior bem próximo ao presente, admitindo paráfrase com “em breve”, “em seguida”. Essa relação de posterioridade estabelecida por logo pode estar ancorada na situação comunicativa, o que lhe confere o valor dêitico, ou no próprio texto, o que lhe confere o valor fórico. No uso dêitico, conforme (03), logo indica tempo posterior com referência à situação, ao passo que, no uso fórico, conforme (04), logo indica posterioridade com relação a um momento recuperável anaforicamente no contexto próximo: “Galaaz ouviu isso e logo depois de ouvir tomou suas armas...”. Essa seqüência imediata de dois eventos é garantida pela presença de uma oração temporal que, em (04), é introduzida por “quando” e, em (05), por “tanto que”(=“assim que”).

(03) E tanto que o viu, nembrou-lhe o que prometera a Galvam, e pensou se o cometeria logo, se depois. (13DSG, p.63) (E assim que o viu, lembrou-se do que prometera a Galvam, e pensou se o cometeria logo, se depois)

(04) Quando Galaaz êsto ouviu, filhou logo sas armas e guisou-se o mais toste que pôde (13DSG, p.145) (Quando Galaaz ouviu isso, tomou logo suas armas e preparou-se o mais rápido que pôde)

(05) Tanto que viu Galvam Erec logo o conheceu (13DSG, p.65) (Assim que viu Galvam Erec logo o reconheceu)

Já o uso do juntor logo é mais tardio. Só nos dados do século XVI é que encontrei as primeiras ocorrências, conforme exemplo (06). Como juntor, amplamente referido nas gramáticas como conjunção coordenativa, logo une orações, estabelecendo entre elas uma relação de conclusão, que pode ser parafraseada por “portanto”, “por conseguinte”.

(06) (...) e que isto seja verdade se vee acerca de nos, e muito mais acerca dos Indios se põe pera leuantar o membro, e elles o tem muito em vso: logo não vem a proposito pera a deminuiçam do coito vsar o tal çumo...(16CSD, p.19) (...que isso é verdade vemos acerca de nós e acerca dos índios que põem para levantar o membro, e eles o têm muito em uso: logo não vem a propósito usar tal sumo para a diminuição do coito)

Nesse uso, logo prototipicamente aparece depois de pausa, faz remissão à(s) oração(ões) precedente(s), pesando-as, para então introduzir uma conclusão. Da perspectiva argumentativa (Maingueneau, 1997), logo funciona como um operador que atua numa construção de implicação do tipo “P logo Q”, em que P atua como um argumento para uma conclusão trazida em Q, que em geral é legitimada por princípios admitidos por alguém ou pela opinião pública, o que justifica o caráter polifônico da construção. Conforme os dados, tal uso é mais difundido a partir do século XVII, de que (07) é um exemplo:

(07) Para hum homem se ver a si mesmo, são necessarias tres cousas: olhos, espelho, & luz. Se tem espelho, & he cego; não se póde ver por falta de olhos: se tem espelho, & olhos, & he de noyte; não se póde ver por falta de luz. Logo ha mister luz, ha mister espelho, & ha mister olhos. (17SS, p.18)

A gênese do juntor parece datar do século XIV, favorecida pelo contexto de (08), em que logo é parte de uma construção condicional “se P, logo Q”, cujo s ignificado essencial reside numa relação necessária de causa/efeito ou argumento/conclusão, existente entre P e Q, na qual “se temos P, devemos ter Q”. Em (08), o fato de “lançar alguma coisa morta” implica o “afundar”, da mesma forma que “lançar coisa viva” implica “sair acima”. Nesse contexto, logo começa a assumir uma posição mais previsível, encabeçando a sentença. Além disso, apesar de veicular o sentido de conseqüência ou conclusão, propiciado pelo contexto, logo preserva ainda a acepção de tempo posterior (“em seguida afunda”), configurando uma situação de ambigüidade, que é extremamente interessante da perspectiva da GR, pois capta a gradualidade da mudança.

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(08) (...) e he chamado mar morto, porque nem pexes, nem aves nom vivem em ele, nem pode em ele andar navio, nem outra matéria nenhua, senon for bitumada, e se algua cousa morta hi lançarem, logo se afonda, e se for cousa viva, logo saae a cima pero seja amerguda per força. (14BMP, p.40) (... e se alguma coisa morta lançarem ali, logo afunda, e se for coisa viva, logo sai para cima)

A reconstrução dos usos de logo na história da língua portuguesa mostra que um advérbio fórico passou a funcionar como conjunção, conforme explicitei acima, e também mostra que logo se articulou com que para a formação da perífrase conjuncional logo que, reiterando as predições de Meillet e de Paul, a respeito da emergência de conjunções nas línguas. A perífrase logo que é temporal e anterior ao juntor logo. No período arcaico, sua freqüência é baixa, provavelmente por causa da existência do sinônimo tanto que, que foi empregado até por volta do século XVIII. Como mostra o exemplo (09), logo que exprime uma seqüência imediata entre duas ações e é preferencialmente empregado com tempos verbais no passado.

(09) E el rey Eurigo, logo que o soube, guysousse com todo seu poder e foy lidar co elle (14CGE, p.153) (E rei Eurigo, logo que soube, preparou-se com todo seu poder e foi combater com ele)

A ocorrência em (10), em que logo e que apesar de próximos pertencem a orações distintas, traz alguma luz sobre o contexto que teria favorecido a emergência de logo que.

(10) O donzel era mui coitado e disse:

- Ora me leva a salvo, e eu e prometo que ta leve daqui a IIII dias u quiseres. - Pois fará-lo assi? disse o demo.

E el lho prometeu lealmente, e o demo o guiou logo, que o pôs em casa de seu padre. (13DSG, p.55) (... e o demo o guiou logo, quando o pôs na casa de seu pai)

Conforme a interpretação dada acima, que encabeça uma sentença temporal e funciona como quando. Essa análise tem o respaldo de Magne (1944). Segundo o autor, o pronome relativo que, quando acompanhado de nomes e de advérbios de tempo, equivalia a “em que”, “quando”. Em outra explicação, como argumenta Silva (2001), que é conjunção subordinativa circunstancial temporal. De todo modo, na sentença em questão, uma circunstância de tempo é preenchida por logo, que depois é retomado na sentença seguinte, também de valor temporal. Essa sentença temporal tem a propriedade de qualificar de alguma forma a relação de posterioridade sinalizada por logo (logo quando? Quando o pôs em casa de seu pai). A mudança teria sido efetivada com a perda de fronteira entre os constituintes:

(11) [O demo o guiou logo] [que o pôs na casa de seu pai] (12) [O demo o guiou] [logo que o pôs na casa de seu pai]

4. Conclusão

O estudo diacrônico de logo deu evidências de que as alterações de significado que acompanharam a GR desse item são unidirecionais, em conformidade com os modelos de Heine et. al. (1991), Traugott (1982, 1999) e Traugott e König (1991). Tais alterações consistem em um processo gradual e histórico de pragmatização do significado, que envolve, por um lado, estratégias de caráter inferencial, que levam ao aumento de informação pragmática e, por outro, estratégias de caráter metafórico, que levam ao aumento de abstração.

Os dados revelam que logo percorreu duas trajetórias de GR. Em uma delas, que resultou na formação da perífrase logo que, combinaram-se o temporal logo e a partícula que também temporal. Nesse caso, houve uma mudança de categoria de advérbio a conjunção, mas a relação de sentido foi preservada. Na outra trajetória, que resultou na formação do juntor conclusivo logo, um item que sinalizava sucessão espacial passou a sinalizar sucessão temporal e, posteriormente, sucessão lógico-discursiva.

A formação do juntor provavelmente teve início quando o uso mais referencial de logo, o dêitico temporal, começou a ser empregado em determinados contextos, nos quais fazia um trabalho de coesão textual, retomando anaforicamente enunciados precedentes e indicando sucessão temporal. Como produto desse trabalho, surgiu o fórico temporal. A foricidade de logo é a base do juntor conclusivo, que

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preserva essa característica, já que na relação de conclusão há um mo vimento retroação, a partir do qual o falante/escritor introduz a conclusão. Assim, a posterioridade temporal de logo passou a ser entendida, metaforicamente, como posterioridade no discurso: aquilo que vem depois no tempo foi projetado para designar aquilo que vem depois no discurso, a saber, um efeito ou uma conclusão. Essa projeção evidentemente não foi abrupta, mas propiciada pelo contexto de implicação “se P logo Q” que, além da leitura de tempo posterior, permitia a inferência de conclusão.

RESUMO: O objetivo deste trabalho é mostrar que as mudanças de significado que acompanham os processos de gramaticalização de conjunções tendem a seguir uma trajetória de pragmatização crescente, em que significados referenciais dão lugar a significados fundados na marcação textual e na atitude subjetiva dos falantes.

PALAVRAS-CHAVE: gramaticalização; conjunções; pragmatização.

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