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44 Encontro Anual da ANPOCS

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Academic year: 2021

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44˚ Encontro Anual da ANPOCS

GT25 - Mídia e Política

“ Bolsonaro sobre a óptica do humor internacional”

Silvana Gobbi Martinho Toni D´Agostinho Vera Lúcia Michalany Chaia

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Bolsonaro sobre a óptica do humor internacional

Silvana Gobbi Martinho1

Toni D´Agostinho2

Vera Lúcia Michalany Chaia3

Resumo:

A pesquisa tem como objetivo analisar a representação do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), na mídia internacional, por meio da análise dos desenhos gráficos de humor, durante a pandemia Covid 19, com vistas a compreender as características da narrativa do humor político internacional a respeito do papel da liderança brasileira em um contexto de crise. Estudar a representação internacional, por meio das charges, do presidente do Brasil, se faz importante, pois aparecem como elementos da mídia na percepção dos conflitos em torno das construções de narrativas sobre a liderança política.

Palavras chaves: Humor, charges, Liderança Política e Jair Bolsonaro Introdução:

Assistimos hoje, no contexto das mídias digitais, um novo impulso de visibilidade da linguagem humorística, com a ampliação da divulgação de artistas, que não precisam mais possuir vínculo com a grande imprensa, já que as mídias sociais permitiram uma maior visibilidade, nas práticas de interação e compartilhamento, destacando-se pela linguagem rápida e líquida4 desses espaços. Assim como, o acesso aos veículos de imprensa internacionais ficou mais fácil, ampliando o alcance da linguagem humorística e os temas sobre os quais os traços são elaborados, uma vez que as próprias mídias sociais via compartilhamento desse conteúdo potencializam a divulgação das charges.

1 Doutoranda e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, pesquisadora do Núcleo de Estudos Pós Graduados em Arte, Mídia e Política (NEAMP) e idealizadora do Observatório de Humor e Política. E-mail: silgmartinho@gmail.com

2 Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP , chargista e idealizador do Observatório de Humor e Política. E-mail: tonidagostinho@gmail.com

3 Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e coordenadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP), que completou 20 anos em 2017.

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Foi a partir das redes sociais que tivemos contato com a charge publicada em um jornal local alemão, Stuttgarter Zeitung5 ou jornal de Stuttgarter, atualmente com uma tiragem de 200 mil exemplares e com publicação de charges políticas na primeira página.

O personagem principal da charge divulgada pelo jornal alemão, em 27 de março de 2020, foi Jair Bolsonaro, em um contexto marcado por discursos negacionistas em que o atual presidente do país chamou de ‘gripezinha’ a pandemia que começava a assolar os quatro cantos do mundo, questionou, desqualificou e descumpriu as medidas emergenciais de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (de seu próprio governo); foi representado com características do grotesco, com um discurso agressivo e enérgico, valorizado pelas letras em caixa alta e pelas gotículas de saliva saltando de sua boca, é válido ressaltar que a transmissão do vírus se dá não só pelo espirro ou tosse, mas também, pelo aerossol expelido a partir da fala. Apesar do predomínio da linguagem visual frente a linguagem escrita, próprio da charge, há um balão de fala, típico das histórias em quadrinhos, que compõem o discurso de Bolsonaro: “Tudo apenas histeria e conspiração!!!” , seguido da crítica e, ao mesmo tempo, chave cômica da peça humorística que seriam os aplausos do ‘vírus” e da “morte”.

5 criado no pós Segunda Guerra Mundial, em um contexto de emergência da Guerra Fria, na região de Batten Wuttemberg que fazia parte da zona de ocupação dos EUA, entre 1945 e 1949. STUTTGARTER. Disponível em: https://www.stuttgarter-zeitung.de/ Acesso em: 07.11.2020

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Fig. 01. LUFF. Extraído de Stuttgarter Zeitung. 27.03.2020 Fig. 02. STUTTGARTER ZEITTUNG. Disponível em: https:// www.stuttgarter-zeitung.de/ Acesso em: 07.11.2020

O chargista chama a atenção para o isolamento do presidente do Brasil, tanto na política interna quanto na política externa. Bolsonaro é identificado como um perigo para a população brasileira, uma vez que a maior autoridade política do país minimiza uma pandemia e não toma as medidas de contenção e cuidados necessários para o controle da transmissão do vírus, ao contrário, fortalece seu efeito mais grave, que é a morte, posto que são esses os personagens que aplaudem Jair Bolsonaro. Vale reforçar que o Bolsonaro está à frente da morte e do vírus, amparado pelo signo do Estado – essa espacialidade na disposição dos elementos sugere hierarquia nos potenciais danos e na admiração / respeito que as personagens que estão atrás podem ter.

Foi a partir da visualização dessa charge, e da reflexão que ela instigou, que desenvolvemos o presente artigo que tem como objetivo identificar e compreender quais as características da representação da liderança política do Brasil quando caricaturado nas charges de veículos de imprensa internacionais, durante a pandemia do Covid-19, mais especificamente publicados no “The Economist”.

Desenho gráfico de humor, caricatura e charges foram aqui utilizados como sinônimos. Apesar de, no Brasil, devido à necessidade institucional dos Salões de humor6, haver uma distinção entre charge e caricatura em categorias que facilitam a atividade do corpo de jurados e seleção dos inscritos, onde caricatura passou a ser o retrato cuja essência é expressa pelo exagero como elemento caracterizador e satírico da forma e persona subjetiva; charge o desenho que 6 Salão Internacional de Humor de Piracicaba; Salão Mdplan de Humor; Salão Internacional de Humor da Caratinga; Salão Internacional de Humor de Limeira, entre outros.

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representa uma crítica relacionada ao acontecimento datado, pertencente à esfera política ou social, cujos personagens são reconhecidos por um determinado grupo e desenho de humor como uma designação que atribui ao cartum que não tem como finalidade principal provocar o riso, mas, representar, com os elementos da caricatura, um momento do ser humano que seja visto sob o prisma do humor7. Neste trabalho, compreendemos que a caricatura envolve as três denominações: ela é, também, a charge e o desenho de humor; por isso, ora a referência será para um, ora será para outro. Além disso, as peças humorísticas analisadas, efetivamente, apresentam caricaturas dos presidentes da República, durante seus respectivos mandatos, mesmo que transcendendo a ideia do retrato.

As charges ou caricaturas aparecem como um recorte de um episódio datado, para serem lidas em diálogo com o contexto de um jornal carregado da opinião de um grupo social, persuasiva para os leitores que compactuam com a ideia daquele grupo, podendo atingir um extenso número de indivíduos, influenciando e influenciada pela construção de representações de poder.

Os desenhos gráficos de humor podem legitimar e perpetuar certas ideias na forma de representar determinado assunto em referência ao político. Mas, podem também, trespassar as notícias diárias quando carregam consigo códigos capazes de influenciar e ser influenciado pelo imaginário simbólico da sociedade, podendo iluminar, por meio de padrões cômicos o que há de mais fundo no nosso imaginário.

Quando publicadas na mídia, são caracterizadas por condensação dos elementos e do assunto tratado em um ou, no máximo, dois quadros com, na maioria dos casos, o predomínio dos desenhos, dos traços, das formas e das cores, isto é, da linguagem imagética em relação à linguagem verbal, que é a linguagem dominante do jornal como um todo. Com poucos traços e um quadro uma crítica satírica pode abrir campos de reflexão em que valores são atribuídos e ações são discutidas.

De acordo com Gombrich8, a inovação da caricatura está, justamente, nessa liberdade de traduzir conceitos e símbolos abreviados do discurso político para situações metafóricas. “A

7 MOTTA , 2006.

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retórica política sempre fora abundante em imagens, desde os tempos em que os antigos profetas hebreus diziam que o Egito era um ‘junco quebrado’ e a Pérsia um ‘Colosso de pés de barro.”9.

Quando o olhar do caricaturista vai de encontro a uma personalidade pública, duas tradições se fundem: ocorre a simplificação da caricatura mais o simbolismo pictórico10 e, com isso, produz-se uma arma social, que, segundo Gombrich, tem como finalidade desmascarar a pretensão dos poderosos.

As charges, geralmente, atravessam, de maneira condensada e acessível, assuntos que o público de um veículo de comunicação já tem conhecimento ou acabam de tê-lo a partir das recentes notícias. Elas podem ser o primeiro contato do leitor com o tema ou expressar algo já conhecido, não para influenciá-lo, mas sim, como uma fuga da seriedade dos textos e um outro impulso para o pensamento.

No cenário contemporâneo, caracterizado pelo desencantamento em relação aos grandes projetos políticos de transformação global, estudar a liderança política mediante sua representação humorística nas charges é, ao lado de uma concepção da história cultural do humor11, compreender o quanto a sátira política incentivou traços de sociabilidade, sublimou agressões ou ressentimentos, administrou o cinismo ou estilizou a violência. Mas, também, foi arma social e política dos impotentes, contribuindo para criar uma cultura de divergência ativa e oculta12.

Brasil: o país da piada pronta

Ao longo da história política do Brasil nos deparamos com episódios que mais parecem tirados de uma distopia cômica que propriamente reflexo das disputas de poder - que atravessam as relações políticas, sociais e culturais do país. Assim como a forma com que a narrativa sobre esses fatos é construída pelo viés humorístico, reforçando a expressão que José Simão tornou corrente em alusão ao Brasil como o “país da piada pronta”, com relação à pandemia do Covid-9 Idem. P. 127.

10 Idem. Ibidem. P. 147. 11 SALIBA, 2002. 12 Idem. P.272.

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19 não é diferente. Nos primeiros meses de pandemia no Brasil, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV13 publicou uma pesquisa na qual identificou que 17% das mensagens postadas na internet corresponderam a notícias de veículos de informações chamados oficiais, enquanto 34% das interações com menções ao novo coronavírus foram caracterizadas pelo viés humorístico, incluindo como humorístico a comicidade, a ironia e o riso, ou seja, representaram quase o dobro.

Nesse contexto pandêmico e de intenso uso das mídias sociais, a representação do presidente da República, e da forma como ele atuou ou não para governar a nação, foi presente em memes, paródias e charges não só no Brasil, mas também ganharam as páginas e as redes da imprensa estrangeira e aparecem como importante objeto de estudos para compreender a liderança política no âmbito da Comunicação e Política.

Como menciona Burke141 elas podem ser uma importante fonte histórica para o debate político, devido, de um lado, à desmistificação do poder, e, de outro, à aproximação de pessoas comuns aos assuntos relativos ao Estado.

Vale ressaltar que a representação de Bolsonaro pela óptica das charges da imprensa internacional não é algo próprio ao período da crise da pandemia; durante a campanha eleitoral de 2018 e o resultado da eleição, o presidente já era objeto do lápis dos chargistas de diferentes jornais ao redor do mundo. Holanda, Bélgica, Malásia, Chile, Alemanha, EUA, Argentina, Portugal e Uzbequistão chamaram a atenção para a violência do discurso de Bolsonaro, para o seu desprezo pela vida e, principalmente, para as semelhanças entre as posturas do candidato/presidente com os ideais fascistas personificados nas figuras de Hitler e Mussolini.

Algumas foram as mídias internacionais15 que publicaram as charges com referência direta ao atual presidente brasileiro no contexto da pandemia. O estudo aqui proposto dedicou à análise das charges apenas no The Economist (Reino Unido), pois foi nesse periódico que identificamos uma série de charges com a temática política brasileira abordando as questões em torno da Covid-19, além da tradicional importância do jornal para a análise das conjunturas políticas no ocidente atrelado ao histórico uso de charges em suas publicações.

13 FGV. Disponível em: http://dapp.fgv.br/pesquisas-aplicadas/politica-na-rede/ Acesso em: 01.11.2020 14BURKE, P., 2004. p. 98

15Já citamos o Stuttgarter Zeitung (Alemanha) e encontramos também charges no Le Monde (França) e, na América Latina, no La Nación (Argentina)

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A partir da perspectiva do estudo de Comunicação e Política, a seleção do material partiu da compreensão da agenda de temas presentes nas charges, ou seja, da agenda setting; da compreensão de que a grande mídia estrutura a representação da realidade que chega aos cidadãos em uma leitura secundária. A hipótese de que a produção de notícias demanda uma operação de enquadramento, que se realiza na rotina produtiva da imprensa pela adoção de critérios de relevância para organizar acontecimentos, temas, aspectos e problemas, é definida como agenda-setting ou agendamento da notícia16]

“Agendamento é um subproduto inesperado da necessidade dos noticiários de focar a atenção em apenas alguns tópicos. Os telejornais têm a capacidade limitada, e mesmo os jornais com suas dezenas de páginas tem espaço para apenas uma fração das notícias que está disponível a cada dia.”2

Pretendemos, portanto, identificar qual era a agenda da revista britânica “The Economist”, feita esta primeira seleção buscou-se descrever os elementos presentes nas charges para compreender as características com que a liderança política é representada e a leitura que este veículo de comunicação faz do modo como o governante brasileiro atua em um contexto de crise.

Gombricht afirma que são seis os elementos que compõe a produção da arte da caricatura; (1) figuras de linguagem; (2) condensação e comparação; (3) caricatura de pessoas; (4) bestiário político; (5) metáforas naturais e (6) o poder do contraste. E, afirma que o humor não faz parte desses elementos, ou seja, não é uma arma necessária. “Se rimos ou não, isso vai depender da seriedade do problema”1. O autor afirma que o cartum não tem, necessariamente, relação com o humor, e sim com a reflexão.

Esses seis elementos são recursos cultivados pela charge desde o século XIX, mas, facilmente, identificados nas charges estudadas, podendo ser percebidos na combinação de dois ou mais elementos. Muito provavelmente a charge de hoje seja devedora de seu poder a esses 16McCOMBS, Maxwell. 2009.

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recursos, que se pode dizer que são, razoavelmente, eternos. Identificamos nas charges publicadas no “The Economist” a condensação, a comparação e a caricatura.

A condensação corresponde a expressar uma ideia complexa a partir de poucos traços própria ao cartum, e a combinação de elementos distintos, mesmo que gere um estranhamento, reverberam analogias próprias das charges e foram presentes dentro do nosso objeto de pesquisa.

Em “Os princípios da caricatura”17, os autores dialogam com o texto de Freud “o chiste” quando, ao olhar para a anedota, retomam o debate em torno da condensação que acontece no inconsciente e faz com que, no sonho, duas ou mais palavras transformem-se em uma única ou, duas figuras passem a ser uma mesma imagem. A diferença entre o sonho e o chiste está na intenção da condensação pela anedota que é criada no consciente com um objetivo específico que, assim como na caricatura, faz uma condensação que se realiza em um campo subentendido na linguagem. Mais do que um recurso do arsenal do caricaturista, esses elementos dialogam entre si e compõe a caricatura como um todo.

Caricaturar um personagem político é o terceiro elemento, pois, ele permite mantê-lo, constantemente, diante dos olhos do público, para Gombrich, a caricatura “propicia ao artista os meios de transformar uma equiparação intelectual em uma fusão visual”18.

As caricaturas realça determinados atributos das lideranças políticas contribuindo para a construção e desconstrução da imagem do retratado, identificando e realçando o assimétrico e disforme, exagerando características tidas como marcantes ou disformes.

Em Londres, Reino Unido, as atitudes e discursos de Jair Bolsonaro foram temas para as charges divulgadas na revista “The Economist”, apesar de se autodenominar um jornal, ela é publicada semanalmente em formato de revista. Sua origem remonta o século XIX, mais precisamente 05 de agosto de 1843, em um contexto da Segunda Revolução Industrial, em torno de uma campanha para a taxação da importação de cereais; fundado por um banqueiro e empresário britânico chamado James Wilson, é considerado um dos mais importantes periódicos de assuntos públicos do ocidente e, desde 2015, Zanny Minton Beddoes é a primeira mulher a ocupar o cargo de editora.

Ao longo desses 177 anos, o uso da charge se fez presente no “The Economist” com assuntos do âmbito nacional e internacional, além de temas relacionados ao costume e as

17Kriss e Gombrich, E. 1968.

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questões de ordem social. No contexto pandêmico e frente às declarações de Bolsonaro a representação do Brasil ganhou os traços dos chargistas que compõem a sessão “A América”.

Os desenhos gráficos de humor aparecem como uma ilustração vinculada ao editorial sobre a América Latina que, a exemplo de outros editoriais, é batizado com nomes de personalidades históricas proeminentes (Bagehot para o da Inglaterra, Charlemagne para o da Europa, Shumpeter para o de Economia).

O nome escolhido para compor a sessão “A América” foi Andrés Bello; nascido na Venezuela, viajou em missão, no contexto das independências da América espanhola, ao lado de Simón Bolívar para a Inglaterra para negociar com o rei da Espanha, que estava exilado devido ao domínio de Napoleão na Espanha. O rei recusou todas as propostas, a missão voltou para a América Latina, mas Bello continuou na Inglaterra - onde passou por algumas dificuldades econômicas. Anos mais tarde foi para o Chile, entrou em contato com as ideias liberais e constitucionais, tornou-se professor, reitor e senador. Em tal cargo, criou o primeiro código civil não colonial das Américas (inspirado no Código Napoleônico) logo copiado por Colômbia, Guatemala, Equador e influenciador de várias constituições e códigos civis e comerciais da América.

Desde a corrida eleitoral de 2018, o Bolsonaro foi caricaturado no The Economist e três foram os principais elementos das charges: (1) a bandeira do Brasil, (2) o vínculo com o exército e (3) a questão em torno da Amazônia.

Fig 03. Lo Cole. Extraído de “The Economist”. 06.09.2018

Fig 04. Lo Cole. Extraído de “The Economist”.11.10.2018

Fig 05. Lo Cole. Extraído de “The Economist”.01.08.2019

No contexto da Covid 19, entre maio e outubro de 2020, foram publicadas três charges com caricaturas ou referências diretas ao Brasil e ao Jair Bolsonaro, acompanhando o editorial “The America”; o chargista Lo Cole manteve a estrutura gráfica da bandeira do Brasil atrelada a referências militares reforçando o caráter autoritário do atual presidente do país. Observamos

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também uma charge publicada na sessão “The word this week”, desvinculada do texto e de autoria de Kevin Kal kallaugher.

A primeira charge da série sobre o Brasil e a Covid 19 foi publicada em 04 de abril de 2020 por Lo Cole, que utilizou a bandeira do Brasil, ao lado das bandeiras dos outros países da América Latina como portas, comparando a abertura dessas portas ao grau de infectados pela COVID19. Podemos perceber que o Brasil e o México são representados como os mais expostos ao vírus.

Fig 03. Lo Cole. Extraído de “The Economist”. 04.04.2020

Estão de portas abertas como se um cortês convite à entrada do vírus fosse estendido. É, portanto, no livre acesso à ameaça que, fabulosamente, o artista indica a ausência de uma política pública eficiente e o predomínio do negacionismo por parte do poder executivo. Fica evidente o contraste com os países-portas que agem de maneira adequada e encerram a ameaça do lado de fora, salvaguardando, ou tentando ao menos, a população do contágio descontrolado.

A segunda charge da série corresponde a uma representação da bandeira do Brasil; no lugar do círculo azul com 27 estrelas brancas de cinco pontas, que refletem o céu do Rio de Janeiro na noite de 15 de novembro de 1889, dia da proclamação da República; o chargista colocou um grafismo do vírus da Covid e a cabeça do presidente fincada na bandeira como um avestruz procurando comida na terra.

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Fig. 04 Lo Cole. Extraído de “The Economist”. 11.04.2020

Fig 05 The Economist. Disponível em: https:// www.economist.com/the-americas/2020/04/1 1/jair-bolsonaro-isolates-himself-in-the-wrong-way. Acesso em: 07.11.2020

No editorial, além da referência ao negacionismo científico por parte de Bolsonaro, que, ao lado de governantes como os da Bielo-Rússia, o Turcomenistão e Nicarágua, não compreende a gravidade da pandemia, minimiza as ações de contenção do vírus, ao se aproximar de ditadores, o texto coloca em questão a democracia brasileira. São citados também os termos machistas ao lado de uma sabotagem à saúde pública.

A charge de Lo Cole foi publicada enquanto as ações do governante do Brasil eram as de encorajar a população a desrespeitar as propostas de isolamento, participar de manifestações e dar suporte aos seus apoiadores, além de lançar uma campanha para promover a abertura das empresas. Ao lado dessas ações o debate político em cena tratava da manutenção ou não de seu

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próprio Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que discordava do presidente ao defender o isolamento social como principal medida para o “achatamento” da curva de infecção e a garantia dos leitos de hospitais para a população necessitada. Mandetta foi demitido do cargo em dezesseis de abril de 2020.

Salta-nos às vistas a questão dos dizeres positivistas “ordem e progresso” não figurarem na composição; no Estado em que Bolsonaro enterra sua cabeça não há ordem, sequer há progresso; há, por outra, uma realidade em que o governante máximo não consegue ver o entorno e enfrentar, como responsável primeiro, a situação pandêmica a fim de tomar as providências eficazes e cumprir seus deveres constitucionais para com a população. Podemos pensar em duas situações: a primeira, em que ele não quer retirar sua cabeça, tão envolta na negação da ciência, objetivando agradar sua plateia virtual de apoiadores na tentativa de manter e ampliar o capital político; a segunda, em que ele já não consegue mais retirar a cabeça e, na ausência de competência para lidar com a situação, só restaria o esconderijo no discurso que minimiza o vírus.

Quando o Brasil atingia a marca de 40 mil mortos, Lo Cole, em 11 de junho de 2020, mais uma vez utilizou a bandeira do Brasil como estrutura para a charge e com o objetivo de chamar a atenção para as características autoritárias do governo de Jair Bolsonaro e a ameaça que ele representa para a democracia; cobriu a bandeira com o quepe de general do exército, em referência ao período marcado pela Ditadura Militar, que assolou o Brasil entre 1964 - 1985 atrelado à ameaça da democracia representada pela figura do Bolsonaro. Essa charge foi publicada semanas depois de algumas falas do presidente com ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e a mídia.

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Fig. 06 Lo Cole. Extraído de “The Economist”. 11.06.2020

Temos nessa charge o quepe da instituição militar tapando as palavras “ordem e progresso”. A direção de uma nação acéfala está, agora, sendo orientada pelas forças armadas que, infiltradas em várias instâncias de poder, sobrepõe-se a uma condução civil em cargos de liderança e flerta com o autoritarismo.

Além das charges publicadas na sessão destinada para questões em torno da América Latina, Jair Bolsonaro foi caricaturado por Kevin Kal kallaugher na sessão “The word this week”, que, diferentemente das charges de Lo Cole, não acompanha o texto, linguagem predominante do periódico. A produção de kal aparece como uma crônica visual destacando as atitudes de Bolsonaro no papel de Chefe de Estado em um contexto pandêmico. Usando o poucas cores, o chargista caricaturou Bolsonaro com características grotescas e um pescoço e cabeça desproporcional ao resto de seu corpo, sua roupa impregnada pelo vírus, caminhando pela rua também infectada pelo vírus, enquanto pela janela de suas casas a população brasileira olhava espantada para as atitudes do governante, que, em caixa alta, “convidava” os brasileiros a saírem de suas casas, afinal uma pequena chuva não iria machucá-los.

A charge, publicada em 03 de abril de 2020, é inspirada na fala do atual presidente da República brasileira, no dia 01 de abril de 2020, em entrevista para o programa “Brasil Urgente” da TV Bandeirantes, ao comparar a doença com a chuva e afirmar que “há pessoas que vão se molhar, mas que não vão morrer com afogadas” e reforçar “ o vírus é como a chuva. Ela vem e você vai se molhar, mas não vai morrer afogado”.

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Fig.0 7 Kall. Extraído de “The Economist”. 03.04.2020

É na contradição da fala do presidente com o aspecto da rua e de si próprio que tomados pelo vírus torna visível e grotesco aquilo que o presidente quer esconder. É nesse ponto que está a crítica da charge. Chamando a atenção, justamente, para aquilo que o político desejava esconder.

O artista carrega no traço para evidenciar o contraste de percepções de realidades: Bolsonaro não teme ou não se dá conta da pandemia e convoca a população para romper o isolamento; a população, por sua vez, enxerga o perigo e apenas contempla, protegida em ambiente interno, o negacionista desfilar entre um sem número de ameaças virais. Banhar-se nessa “chuvinha” é colocar a própria vida, e a de terceiros, em risco. O esforço em tentar evitar a crise econômica que se avizinharia parece ser mais importante que a integridade física dos brasileiros.

Estar à frente do executivo em uma recessão é tudo o que o presidente não quer. Ele precisa que seu discurso seja ouvido e aceito - só assim, a transferência de responsabilidade poderá se dar. Como pudemos presenciar tempos depois da publicação da charge, Bolsonaro afirmou categoricamente que a culpa da queda nos índices econômicos não era dele, mas dos governadores, prefeitos e do Supremo Tribunal Federal, afinal, havia pedido que as pessoas continuassem a viver normalmente - “um dia todos vamos morrer", disse.

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Considerações Finais

Estudar um cenário político de crise a partir da representação humorística é resultado da compreensão das charges como parte integrante dos elementos presentes na mídia impressa e que carregam consigo sistemas simbólicos que podem influenciar a construção de consensos acerca da visão da relação entre o político e a política.

As charges podem legitimar e perpetuar certas ideologias na forma de representar determinado assunto em referência ao político. A problematização da política ocorre a partir da subversão de uma visão dominante, com referências a ideias, atitudes ou opiniões para em seguida, desmontá-la pelo absurdo ou pelo ridículo. Mesmo ligada ao fato político, o que importa não é o acontecimento, mas o conceito que se faz do mesmo, ou seja, sua crítica.

Herman Lima lembra que é próprio da caricatura fazer com que a liderança política caricaturada seja temida e não estimada.

Para julgar com isenção o mérito dessa que tencionamos falar, não devemos esquecer também que ela é um elemento da pintura satírica e que, como a poesia desse gênero, é talvez empregada com maior êxito em vingar a virtude e a dignidade, ultrajadas, apontando os culpados ao público, único tribunal a que eles não podem fugir; e fazendo tremer à simples ideia de ver suas loucuras, seus vícios, expostos à ponta acerada do ridículo, aqueles mesmos que enfrentam com desdém censuras atrozes”.19

As charges internacionais, ao caricaturarem o presidente Bolsonaro no contexto de crise, responsabilizam o mesmo pelo crescente número de mortes ocasionados pelo vírus Sars – CoV -2, chamando a atenção para um vácuo de poder.

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Referências

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