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Carlos A. Moreira Azevedo. Ministros do diabo. Os seis sermões de autos da fé ( ) de Afonso de Castelo Branco, bispo de Coimbra

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Ministros

do diabo

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Carlos a. Moreira azevedo

Ministros

do diabo

os seis sermões de autos da fé

(1586-1595)

de afonso de Castelo branco,

bispo de Coimbra

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®  1 1 ®

Introdução

Quando deparei com seis sermões de autos da fé de d. afonso de Castelo branco, em caixa de documentos sem paginar, con-servados no arquivo secreto vaticano1 e verifiquei o seu carácter

inédito, ao primeiro entusiasmo sucedeu a questão do relativo e talvez repulsivo interesse pelo conteúdo. valeria a pena tanto trabalho de leitura e transcrição de textos plenos de retórica cri-vada de citações, com argumentações descabidas, senão ridículas aos nossos olhos, escritos tão distantes da sensibilidade contem-porânea? venceram a inicial dúvida seja a verificação da raridade destes escritos para o século xvi, seja o lugar culturalmente rele-vante do seu autor.

Cerca de 70 sermões deste tipo foram impressos desde o sé-culo xvii (1612). a publicação a que deitamos mãos servirá para perceber a evolução deste género oratório e notar a relativa varie-dade do pregador, ainda que obrigado a tópicos repetitivos, mas com preparação e individualidade diversas.

a situação social e religiosa de Portugal quinhentista em luta contra o criptojudaísmo, com adversidade para com a etnia ju-daica, convertida à força e marginalizada, está patente no género de discurso que parece pretender converter um corpo estranho, assimilá-lo, integrá-lo. realmente, porém, revela uma rejeição ra-1 arQUivo seCreto vatiCano – Segreteria di Stato, Portogallo 223, n. p.

reco-lhia, nessa altura, documentação para o livro azevedo, Carlos a. Moreira –

Terramo-to Doutrinal: A Carta Dogmático-Política (1755) do P. João Moutinho contra a Inquisição.

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dical e mostra a impossibilidade de conversão. no século xvii iria chegar-se a uma deturpação da realidade para incutir no auditório medo e aversão diante do perigo judaico. Cresce o fanatismo, em comparação com os textos de afonso de Castelo branco, onde prevalece ainda o apelo doutrinário.

vários sermões de autos da fé têm merecido a análise recente de investigadores2. Mas o estudo do século xvi permanece ainda

bastante ausente porque não se conheciam suficientes textos da literatura concionatória deste período, relativa à inquisição3. as

referências a textos manuscritos de afonso de Castelo branco, por barbosa Machado4, levou Maria lucília Gonçalves Pires a

inter-rogar-se sobre o local da sua conservação. investigou e conseguiu encontrar alguns sermões do século xvi que estudou, entre eles um do referido autor, pregado em 1589. Mais adiante voltarei ao texto. outro sermão do mesmo autor tinha sido publicado 2 ver, por exemplo: vose, robin – The inquisition in its own Words: Portuguese

auto--da-fé as Historical sources. in STRATEGIES of Medieval Communcal Identity: Judaism,

Chistianity and Islam, ed. Wout van bekkum; Paul Cobb. leuven, 2004, pp. 87-108.

analisa o sermão de acúrsio de são Pedro, pregado em Évora, em 1644; delafond (rodriGUez), Marie-isabelle – Les sermons d’inquisition en Espagne et au Portugal

aux xviième et xviiième siècles. Thèse de doctorat. Paris 4, 2010; loUrenço,

leonar-do Coutinho – Palavras que o Vento Leva: A Parenética Inquisitorial leonar-dos Áustrias aos

Bra-ganças (1605-1678). niterói, 2016. dissertação de pós-graduação Universidade federal

fluminense.

3 Para o século xvi foi pioneiro o trabalho de Pires, Maria lucília Gonçalves –

alteri-dade e conversão: retórica dos sermões de auto-da-fé. in ideM – Xadrez de palavras:

estudos de literatura barroca. lisboa: Cosmos, 1996, pp. 121-129. antes publicado em Actas do I Simpósio Interdisciplinar de Estudos Portugueses. lisboa 1985; sermões de

au-to-da-fé: evolução de códigos parenéticos. in Xadrez de palavras, pp. 133-141. antes publicado em Actas do Congresso Luso-Brasileiro sobre Inquisição. vol. 1, lisboa: Univer-sitária ed., 1989.

4 MaCHado, d. barbosa – Bibliotheca lusitana histórica, critica e cronológica. vol. 1,

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em roma, traduzido para latim, e reeditado por Manuel augusto rodrigues5, sem saber qual a data em que foi pronunciado e agora

fica esclarecido corresponder a 1588.

ao colocar, no título desta obra, uma expressão de afonso de Castelo branco para classificar os judeus “prelados e ministros do diabo porque servem a cobiça e a carne” (1588), jogo voluntaria-mente com a ambiguidade, reservando tal atributo aos pregadores destes rituais hediondos. realmente, o abuso da Palavra de deus, posta ao serviço de uma causa antievangélica, pode bem denomi-nar-se serviço diabólico, exatamente contrário da missão simbóli-ca dos ministros de deus, simbóli-capaz de unir diversidade de experiên-cias na proposta de salvação a todos, como Jesus. Um ministro de deus de Jesus é chamado a ser construtor de comunhão. Como o Judeu de nazaré ergue a voz para denunciar o farisaísmo legalis-ta, o sacerdócio sem humanidade e a hipocrisia moralista. Quem deve ser servidor da Palavra de deus pode cair na tentação de ser ministro do diabo, recorrendo ao discurso, ainda que erudito, para justificar injustiças e estimular ódios, em vez de argumentar na defesa dos mais frágeis e pobres e de apelar autenticamente à misericórdia e ao perdão, à tolerância e convivência de diferentes visões de deus e do mundo. Geralmente alega-se como atenuante a mentalidade da época, mas um ministro do deus vivo sem ou-sadia profética, incapaz de ser crítico para com o pensamento do-minante ou as forças do poder, revela infidelidade ao evangelho.

os sermões aqui reunidos mostram, com cristalina evidência, como o problema dos cristãos-novos foi o motivo principal da 5 rodriGUes, M. a. – d. afonso de Castelo branco, estudante da Universidade de

Coimbra, bispo do algarve e de Coimbra: a sua concio num auto de fé. Boletim do

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criação lusa do tribunal, pouco a pouco alargado a outros domí-nios como casos de heresia, crimes de feitiçaria, abuso do confes-sionário, questões de costumes na ordem da sexualidade e, ainda, desobediência às regras da própria inquisição.

o contributo deste trabalho para um cada vez mais amplo co-nhecimento da inquisição, após uma catadupa de trabalhos cien-tíficos que já permitiram excelentes sínteses, limita-se não só a um curto arco cronológico, correspondente ao primeiro período do tribunal e concretamente ao domínio filipino, que justificou o primeiro capítulo de enquadramento, mas também a um cir-cunscrito espaço geográfico, Coimbra, bem como apenas a um pregador, do qual traço sucinta biografia e síntese temática dos seis sermões, com que termino, na terceira parte deste estudo. Como segundo capítulo, considerei oportuno, para leitores que desconhecem o desenvolvimento do cerimonial, descrever a en-cenação do auto da fé, no qual se insere o sermão como peça de uma máquina.

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