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Processo

63/19.5T8PVZ.P2

Data do documento 22 de março de 2021

Relator

Pedro Damião E Cunha

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Maior acompanhado > Tutela

SUMÁRIO

I - Nos termos do disposto no artigo 143º do CC, o Acompanhante é escolhido pelo Acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

II - O Tribunal pode, no entanto, recusar a designação da pessoa escolhida pelo Acompanhado, se não reconhecer a esta idoneidade para o exercício das funções ou esta não estiver em condições de as exercer. III - Nas situações referidas em II., tal como sucede nas situações em que o Acompanhado não escolheu o Acompanhante, deve a designação recair sobre a pessoa idónea que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente uma das previstas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 143º do CC.

IV - Afastando-se a possibilidade de todos os familiares do Acompanhado poderem ser nomeados Acompanhante, resta, como última possibilidade, a nomeação do Director da instituição onde aquele se encontra (ou de pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado).

V - O legislador ao permitir que fosse designado como Acompanhante, o Director da Instituição (ou a pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado), não pode deixar de ter tido em consideração a potencial existência de uma situação do tipo conflitual (desde logo, por causa da gestão do dinheiro e os correspondentes pagamentos à Instituição – se for o caso), por isso, julga-se que este potencial conflito não pode impedir a sua nomeação para o cargo de Acompanhante.

VI - Aliás, sempre importa ter em atenção que o próprio legislador previu expressamente estas situações de existência de potencial conflito de interesses – o que é um sinal evidente que as mesmas não serão impedimento à nomeação do Acompanhante/Director - no art. 150º do CC, onde, quando isso se verifique, se estabelece o princípio que “em caso de necessidade, o Acompanhante deve requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes”.

(2)

TEXTO INTEGRAL

APELAÇÃO Nº 63/19.5T8PVZ.P2

*

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):

... ... ... *

Comarca do Porto – Vila do Conde – Juízo local Cível – J2 *

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto. *

I. RELATÓRIO.

A Exma. Magistrada do Ministério Público veio intentar a presente acção especial de interdição relativamente a B…, actualmente internada na Unidade de Cuidados Continuados Integrados dos Hospitais C….

Para tanto alegou, em resumo, que a Requerida sofre de anomalia psíquica, que a torna incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens, dependendo totalmente de terceiros para a execução de tarefas básicas para a sua subsistência.

Foram publicados os Editais e Anúncios nos termos do artigo 892º do C.P.C.

Face à entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, no decurso do processo, após convite judicial, a Exma. Magistrada do M.P. promoveu que à beneficiária fosse aplicada “a medida de acompanhamento de representação geral competindo à acompanhante a administração total de bens nos termos do artigo 145º, n.ºs 1 e 2, b) e c) do C. Civil, bem como outros que resultem aconselháveis das diligências a realizar no processo”; para acompanhante manteve a indicação da pessoa indicada para tutora; nada teve a alterar quanto aos membros do Conselho de Família, caso não seja dispensado, e entendeu não haver necessidade de dar publicidade à decisão final.

*

Foi citada a Exma. Defensora da beneficiária, que não deduziu oposição nos autos. *

O tribunal procedeu à audição pessoal da beneficiária, da pessoa indicada para acompanhante, de uma testemunha e foi realizado exame pericial.

(3)

De seguida, foi proferida a seguinte decisão: IV – DECISÃO

Pelo exposto, decreta-se o acompanhamento de, e, em benefício desta aplicação das medidas de acompanhamento de B…:

- Representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, Finanças, Segurança Social e Registo Civil;

- Administração dos seus rendimentos, nomeadamente a pensão que recebe.

Ao abrigo do disposto no artigo 900.º, n.º 1 do C.P.C., fixa-se Outubro de 2017 como a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Para cargo de acompanhante nomeio o Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”, sita em …, em ….

Dispensa-se a constituição do conselho de família.

As medidas de acompanhamento aplicadas deverão ser revistas no prazo de 5 anos.

Consigna-se que não há registo de que a beneficiária haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

Sem custas atenta a isenção prevista no artigo 4º, n.º 1, al. l) do R.C.P.

Nos termos dos artigos 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, ambos do C.P.C. fixo o valor da causa em €30.000,01. Registe e notifique.

*

Notifique a Direcção de “Hospitais C…” para identificar a pessoa que exerce actualmente o cargo de Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”, bem como para informar os autos logo que a beneficiária seja transferida para outra instituição.

*

Após trânsito em julgado da presente sentença, comunique à Conservatória do Registo Civil, nos termos do disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C do C. Civil (ex vi art.º 153.º, n.º 2 do C. Civil e art.º 902.º, n.º 2 do C.P.C.) e nos artigos 1.º, n.º 1, alínea h), 69.º, n.º 1, alínea g), e 78.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código do Registo Civil.

*

Oportunamente, 2 meses antes de decorridos os 5 anos acima fixados e a que alude o artigo 155.º do C. Civil, requisite o processo do arquivo e abra conclusão, a fim de se proceder à revisão periódica das medidas de acompanhamento.”

*

Tendo sido apresentado recurso desta decisão por parte do director da Unidade de Cuidados Continuados da sociedade Hospitais C…, na qualidade de acompanhante da aqui beneficiária, veio tal decisão a ser

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anulada por decisão sumária proferida 10.12.2019 que concluiu o seguinte:

“- Anular, por deficiência e obscuridade, a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido sobre a matéria de facto respeitante ao ponto 3 da decisão sobre a matéria de facto nos termos em cima enunciados (cfr. art. 662º, nº 1, al. c) do CPC).

- E determinar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, onde o Tribunal deverá convidar o Ministério Público a, querendo, vir concretizar os factos atrás referidos, com vista ao seu aperfeiçoamento, prosseguindo posteriormente os autos seus regulares termos até julgamento dos concretos factos materiais que neles vieram a ser incorporados na sequência desse aperfeiçoamento.

- Nesta sequência, considera-se prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões objecto do presente recurso”.

*

Regressados os autos à primeira instância, foi cumprida a decisão e, na sequência, apresentada nova petição inicial aperfeiçoada pelo Ministério Público.

Procedeu-se à audição das testemunhas arroladas. *

De seguida, foi proferida a seguinte decisão: IV – DECISÃO

Pelo exposto, decreta-se o acompanhamento de e, em benefício desta aplicação das medidas de acompanhamento de B…:

- Representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, Finanças, Segurança Social, Registo Civil, Tribunais e Autarquias;

- Administração dos seus rendimentos, nomeadamente a pensão e que recebe.

Ao abrigo do disposto no artigo 900.º, n.º 1 do C.P.C., fixa-se Outubro de 2017 como a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Para cargo de acompanhante nomeio D…, sobrinha da beneficiária, melhor identificada a fls. 151. Determina-se que se mantenha o contacto da acompanhante com a acompanhada pelo menos quinzenalmente (presencial ou por videochamada/telefone se o contacto pessoal não for possível), fixando-se regime de visitas com tal periodicidade.

Dispensa-se a constituição do conselho de família.

As medidas de acompanhamento aplicadas deverão ser revistas no prazo de 5 anos. Consigna-se que não há registo de que a beneficiária haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde. Sem custas atenta a isenção prevista no artigo 4º, n.º 1, al. l) do R.C.P.

Nos termos dos artigos 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, ambos do C.P.C. fixo o valor da causa em €30.000,01. Registe e notifique.

(5)

Após trânsito em julgado da presente sentença, comunique à Conservatória do Registo Civil, nos termos do disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C do C. Civil (ex vi art.º 153.º, n.º 2 do C. Civil e art.º 902.º, n.º 2 do C.P.C.) e nos artigos 1.º, n.º 1, alínea h), 69.º, n.º 1, alínea g), e 78.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código do Registo Civil”.

*

É justamente desta decisão que a Recorrente D… veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

………. ………. ………. *

Nestes termos, e no mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, - suprindo a arguida nulidade da sentença com todas as consequências legais ou

- revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, designadamente, nomeando como acompanhante da beneficiária outra pessoa que não a aqui recorrente D…”.

*

Não foram apresentadas contra-alegações pela Exma. Magistrada do Ministério Público. *

Cumpre decidir *

II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

*

No seguimento desta orientação, a recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar: 1. nulidade da sentença (art. 615º, nº 1, als. c) e d) do CPC);

2. Saber se a recorrente (não) deve ser nomeada como acompanhante da beneficiária aqui requerida. *

A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO *

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1. A beneficiária nasceu em 22/12/1933, em …, Lousada, é viúva e é filha de E… e de F…. 2. A beneficiária teve um filho, G…, que faleceu em 12-11-2018.

3. A beneficiária apresenta um quadro de Síndrome Demencial com comprometimento cognitivo desde Outubro de 2017 na sequência de acidente vascular cerebral isquémico, para o qual não existe cura à luz da medicina actual.

4. Em virtude da patologia de que padece, a beneficiária necessita de apoio de terceiros para alimentação, higiene, escolha da roupa, toma de medicação, deslocação, comparência em consultas e exames.

5. A beneficiária encontra-se internada na Unidade de Cuidados Continuados Integrados dos Hospitais C…, em …, a aguardar vaga em lar.

6. A beneficiária desloca-se em cadeira de rodas e usa fralda diariamente.

7. A beneficiária frequentou a escola durante 3 anos, onde aprendeu a ler e a escrever. 8. Os défices visuais impedem a beneficiária de ler e escrever.

9. A beneficiária não consegue fazer contas de dividir.

10. A beneficiária apresenta-se desorientada no tempo e no espaço.

11. A beneficiária conhece as moedas e notas, mas não tem noção do respectivo valor.

12. A beneficiária recebe uma pensão no valor mensal de €505,74 e complemento solidário para idosos no valor mensal de €66,76.

13. Não há registo de que a beneficiária haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

14. A beneficiária tem três irmãs: H…, I… e J….

15. H… nasceu em 21-09-1929, apresenta períodos de desorientação e está internada nos Cuidados Continuados do Hospital K…, em ….

16. I… nasceu em 05-10-1931.

17. J… nasceu em 27-04-1939 e tem dificuldades de mobilidade. 18. I… tem dois filhos: L… e M….

19. L… nasceu em 18-04-1970

20. M… nasceu em 02-10-1964 e reside em França. 21. J… tem seis filhos: I…, D…, N…, O…, P… e Q…. 22. A beneficiária escolheu I… para acompanhante.

23. I… nasceu em 14-01-1955 e foi declarada insolvente por sentença de 13-02-2013.

24. I… padece de doença oncológica e declarou que tal circunstância a impede de exercer o cargo de acompanhante.

25. I… contacta a beneficiária por telefone.

26. S… nasceu em 26-04-1951, reside em Gondomar, passa cerca de seis meses por ano na Madeira e visitou a beneficiária duas vezes no Hospital após o falecimento do filho desta.

27. S… requereu “escusa de cargo de vogal do conselho de família/protutor”, por requerimento de 27-04-2020, nos termos constantes de fls. 115 a 116, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

28. O… nasceu em 01-02-1964 e reside na Suíça.

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30. D… nasceu em 10-10-1962, reside no Porto, trabalha em Santa Maria da Feira, é diabética e tem ao seu cuidado a sua mãe.

31. D… visitou a beneficiária no Hospital, há cerca de 1 ano.

32. P… nasceu em 07-02-1967 e encontra-se na Suíça em tratamento de doença oncológica.

33. N… nasceu em 05-04-1968, reside em S. Pedro do Sul e trabalha cerca de seis meses por ano na Suíça. 34. Os restantes familiares não contactam, nem visitam a beneficiária.

*

Nada mais se provou com relevância para a decisão. *

B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A principal questão que tem que ser abordada no presente Recurso diz respeito à nomeação da recorrente como acompanhante da beneficiária, aqui requerida.

Invoca a recorrente, como questão prévia, a nulidade da sentença proferida, porque alegadamente teria omitido a ponderação de factos que, segundo alega, teriam interesse para a discussão da causa.

Tais factos, segundo alega, resultariam provados das suas próprias declarações.

Refere que o facto de se ter omitido a menção dessa factualidade (que por ela foi transmitida ao tribunal), consubstanciaria uma nulidade da sentença, nos termos dos arts. 607º, nº 4 e 615º, nº 1, als. c) e d) do CPC.

Afigura-se-nos que a recorrente não tem razão.

Quanto à invocação da al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC não se atinge como tal preceito tenha aplicação ao caso concreto, tendo em conta as alegações efectuadas pela recorrente.

É que segundo o preceito legal invocado é “…nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível…”. Ora, a recorrente não invoca qualquer um destes fundamentos como causa da nulidade invocada.

De qualquer forma, sempre se dirá que não existe qualquer contradição entre os fundamentos apresentados e a decisão proferida.

Como é sabido, este vício só existirá quando a decisão não decorre logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo aquela consequência lógica destas últimas.

Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pela recorrente é patente, a nosso ver, que o sobredito vício não existe.

Com efeito, compulsada a decisão proferida, podemos constatar que não existe qualquer contradição na mesma, pois que a decisão proferida decorre logicamente das suas premissas argumentativas e da interpretação do quadro legal aplicável, sendo ela absolutamente clara quanto a essa interpretação e aplicação do regime legal, ainda que possa essa sua aplicação ser discutível.

Improcede a arguição da nulidade, com este fundamento.

Quanto à existência de alguma obscuridade ou ambiguidade também não se atinge que esse vício ocorra. Como é sabido, a obscuridade ou ambiguidade da sentença ou do despacho aqui prevista como causa de nulidade da sentença, ocorrerá sempre que a sentença (ou o despacho) contenha algum passo cujo sentido

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não seja inteligível, ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não se sabendo o que o juiz quis dizer, na primeira situação, e hesitando-se entre dois sentidos diferentes e, porventura, opostos, na segunda.

Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz. Neste sentido, a sentença será obscura quando contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste objectivamente a interpretações diferentes.

Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pela ora recorrente, é patente, a nosso ver, que o sobredito vício também não existe.

Improcede a arguição da nulidade da sentença com este fundamento

Concluímos, portanto, que a decisão em apreço não sofre da alegada contradição entre os fundamentos nela expostos e a decisão final nela contida (bem pelo contrário), assim como não sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade, sendo ela clara e linear quanto à interpretação e aplicação do regime legal convocado e quanto ao seu sentido decisório.

*

A recorrente imputa ainda à sentença a nulidade decorrente de uma alegada omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).

Essa nulidade, na tese da recorrente, decorreria do facto de o tribunal ter omitido a ponderação de factos (por ela transmitidos ao tribunal no seu depoimento testemunhal) que, segundo alega, teriam interesse para a discussão da causa.

Salvo o devido respeito, também esta alegação não é susceptível de ser enquadrada na nulidade da sentença invocada.

Na verdade, o que a recorrente pretenderá arguir é a existência de um vício ou deficiência da decisão proferida quanto à matéria de facto coligida pelo tribunal recorrido, vício que não se confunde com a alegada nulidade da sentença.

Com vem sendo referido pelo STJ[1] “… muito embora o actual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afectar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607º, nºs 1 a 4 do CPC…) não configuram as nulidades previstas no art. 615º, do CPC que enuncia – com carácter taxativo – as causas de nulidade da sentença”.

Daí que se venha concluindo que:” as patologias ocorridas no plano da decisão de facto não configuram as nulidades previstas no art. 615º, do CPC”.

De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte quanto à alegada omissão de pronúncia.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A previsão deste art. 615º, nº 1, al. d) do CPC está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do mesmo Código (e não com o nº 4 do art. 607º do CPC invocado pela recorrente), em que se prescreve que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas

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aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Independentemente desta consideração, sempre importaria referir que as questões submetidas à apreciação do tribunal, a que este preceito legal faz alusão, identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas (e não com factos).

Além disso, também não se confunde com a apreciação dos argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, pois que estas também não constituem questões no sentido do art. 608º, nº 2 do CPC.

Feito este enquadramento, cabe referir que a decisão recorrida e ora sob censura não padece, manifestamente, do aludido vício, na estrita medida em que conheceu do objecto do processo nos termos expostos.

Nessa medida é patente que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia da parte do tribunal recorrido. Destarte, improcede também a nulidade da sentença invocada, com este fundamento.

*

Aqui chegados, e como decorre do exposto, importa atender que a recorrente se insurge contra a decisão, alegando que, conforme declarou no depoimento que prestou, deviam ter sido ponderados outros factos que o tribunal recorrido não teve em consideração.

Como já vimos, trata-se de uma alegação que configuraria uma hipótese de vicio da decisão proferida quanto à matéria de facto insusceptível de ser invocada em sede de nulidade da sentença.

Invoca a recorrente que os factos que pretende aditar à matéria de facto deveriam ser considerados provados, alegando que isso resultaria da ponderação das suas próprias declarações.

Julga-se que esta pretensão da recorrente nos termos em que se mostra formulada não mereceria ser acolhida, seja porque a recorrente não logrou atingir o patamar mínimo em relação ao cumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto (art. 640º do CPC), seja porque o meio de prova invocado seria insuficiente para demonstrar os factos invocados.

Sucede que, independentemente dessa deficiência da alegação, o presente tribunal pode, mesmo oficiosamente, proceder à alteração da matéria de facto se esta alteração decorrer dos elementos probatórios constantes dos autos (designadamente, de um documento com valor probatório pleno)[2]. É o que sucede no caso concreto, pois que consta dos autos o assento de nascimento de H…, onde se pode verificar, através do averbamento nele mencionado, que efectivamente a aqui recorrente foi nomeada Acompanhante da sua aludida tia no Processo, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 3- documento junto em 30.7.2020.

É o seguinte o teor do assento: “Averbamento nº 1 de 2020-02-07

Decretada a medida de acompanhamento de representação geral por sentença de 30 de Dezembro de 2019, transitada em 27.2.2020, proferida pelo tribunal da comarca do Porto - Juízo Local Cível de Gondomar Juiz 3 com Administração total dos bens e nomeada como acompanhante D… – Documento nº57, maço 2 ano 2020 da Conservatória do registo civil/predial/comercial de Lousada" - documento junto

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em 30.7.2020.

Nesta conformidade, em aditamento à decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido, importa acrescentar o seguinte facto:

“A aqui recorrente foi nomeada Acompanhante da sua tia H… no Processo, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 3 – cfr. assento de nascimento e respectivo averbamento constante do documento junto aos autos em 30.7.2020”.

*

É, pois, dentro destes pressupostos fácticos, que devemos entrar na apreciação das questões enunciadas. Comecemos, então, por ponderar aa questão principal do presente recurso, qual seja a de saber se se deve manter a nomeação da recorrente como Acompanhante da aqui requerida.

Não vem questionada a necessidade de a beneficiária estar submetida a medidas de acompanhamento, nem o respectivo conteúdo, pelo que, nessa parte, se mantem a decisão do tribunal recorrido que concluiu o seguinte:

“Em resumo, tendo em conta a patologia diagnosticada à beneficiária e a extensão dos seus efeitos na vida desta, afigura-se-nos adequada, proporcional e necessária a aplicação das medidas de acompanhamento de:

- Representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, Finanças, Segurança Social, Registo Civil, Tribunais e Autarquias;

- Administração dos seus rendimentos, nomeadamente a pensão e o complemento solidário para idosos que recebe.

Tais medidas tornaram-se convenientes desde Outubro de 2017 [facto provado n.º 3]”. *

O que constitui objecto do presente recurso é assim a questão de saber se é a recorrente a pessoa mais adequada para exercer as funções de acompanhante.

O tribunal recorrido entendeu que sim, considerando o seguinte:

“Entendemos que deve ser nomeada como acompanhante a sua sobrinha D… que já a visitou no Hospital, mostrando por ela preocupação, por melhor salvaguardar o superior interesse da beneficiária. Ademais, embora D… resida no Porto, padeça de doença crónica e já tenha a seu cuidado a sua mãe, as medidas decretadas são muito pouco amplas e, na maior parte dos casos, os assuntos que elas implicam podem facilmente ser tratados à distância ou de forma não presencial por intermédio da internet ou por escrito. Apesar de a beneficiária ter escolhido I… para acompanhante, esta padece de doença oncológica, problema de saúde grave, que a impede de exercer o cargo de acompanhante, algo que já manifestou nos autos e que constitui fundamento de escusa nos termos do artigo 1934º, n.º 1, al. i) do C. Civil.

Ademais, I… foi declarada insolvente por sentença de 13-02-2013, o que, face às concretas funções atribuídas ao acompanhante no caso concreto, que incluem a administração dos rendimentos da beneficiária, inviabiliza a sua nomeação atento o disposto nos artigos 1933º, n.º 2 e 1970º, al. a), ambos do C. Civil, aplicável ex vi do artigo 145º, n.º 5 do mesmo Código.

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Também o sobrinho S… já manifestou intenção de pedir escusa nos autos (embora por referência ao cargo de vogal de conselho de família), sendo que tem mais de 65 anos, o que configura motivo para tanto (cfr. artigo 1934º, n.º 1, al. g) do C. Civil, inviabilizando igualmente a sua nomeação.

As irmãs da beneficiária já têm todas idades muito avançadas e duas delas problemas de saúde, pelo que consideramos que não se encontram em condições de exercer o cargo.

Os restantes familiares não têm contacto com a beneficiária, sendo que alguns residem no estrangeiro ou lá trabalham parte do ano, não revelando manter com a beneficiária um mínimo de interesse e preocupação que são inerentes ao exercício do cargo.

Por fim, cumpre realçar que, tal como vem sendo entendido pela jurisprudência, “A nomeação do «director» da instituição como acompanhante do maior deve ser a última solução a equacionar, só devendo colocar-se quando estiver totalmente arredada a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha não possa senão recair em estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado.” – Ac. RP de 887/18.0T8PVZ.P1, p. 887/18.0T8PVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt. Em consequência, resultando da posterior instrução dos autos a existência de uma familiar directa da beneficiária, que mostra preocupação pela mesma, entendemos que deve ser nomeada (D…) como acompanhante.

Atendendo a que a beneficiária não reside com o acompanhante, face às circunstâncias do caso concreto deverá manter-se o contacto entre ambas pelo menos quinzenalmente (presencial ou por videochamada/telefone se o contacto pessoal não for possível), fixando-se este regime de visitas”.

*

A recorrente não concorda com a decisão recorrida, alegando as seguintes circunstâncias:

- já é acompanhante de uma tia – H… – nomeada no âmbito do Processo Nº 2033/19.4T8GDM, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 3.

- tem a sua mãe a seu cargo com graves problemas de saúde, - é pessoa doente (padece de diabetes)

- tem de se deslocar diariamente do seu domicílio para o seu local de trabalho, percorrendo diariamente mais de 60 Kms para exercer a sua profissão.

- não dispõe de meios tecnológicos para tratar à distância dos assuntos que a função de acompanhante requer,

- o novo regime veio consagrar como determinante a vontade do beneficiário, seja ela na forma expressa ou presumida e, no caso, a beneficiária, expressamente, escolheu para sua acompanhante I…, pelo que, atendendo às circunstâncias expostas no depoimento da Recorrente, não lhe pode ser imposta um cargo que tornaria ainda mais difícil e complicada a sua vida.

Vejamos, então, se estas circunstâncias podem pôr em causa a decisão do tribunal recorrido, devendo, para tanto, ter-se em consideração quais são os critérios legais aplicáveis a essa nomeação do Acompanhante.

Comecemos por fazer um enquadramento jurídico sintético da situação dos autos.

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eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, e procedendo à alteração de diversos diplomas, aliás, conforme expressamente consignado no seu artigo 1º.

Este regime veio dar concretização a vários princípios internacionais, designadamente consagrados na Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada em Nova Iorque (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de Julho) em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objecto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes nos termos do artigo 4º “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.

Conforme se pode ler na Proposta de Lei n.º 110/XIII (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42175) importava “assegurar o tratamento condigno não só das pessoas idosas, mas também das de qualquer idade carecidas de protecção, seja qual for o fundamento dessa necessidade. O Código Civil não pode ficar indiferente ao aumento das limitações naturais da população, determinante de um acréscimo de patologias limitativas, fruto do aumento da esperança de vida, de um melhor diagnóstico, de uma diminuição da capacidade agregadora das famílias e, em certos casos, das próprias condições de vida prevalecentes”, salientando-se a desadequação do regime das interdições e inabilitações até então previsto no Código Civil perante essa realidade, desde logo a sua rigidez que “obsta à maximização dos espaços de capacidade de que a pessoa ainda é portadora; o carácter estigmatizante da denominação dos instrumentos de protecção; o papel da família que ora dá, ao necessitado, todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, perturbador do recato e da reserva pessoal e familiar que sempre deveria acompanhar situações deste tipo”.

O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, afastou-se assim do sistema dualista até então consagrado da interdição/inabilitação, demasiado rígido, e veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de protecção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade” (v. a Proposta de Lei n.º 110/XIII).

Estabeleceu-se, dessa forma, no artigo 140º do CC que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença (n.º 1) e que a medida não tem lugar sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).

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Tribunal, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 143º do CC.

O artigo 143.º do Código Civil relativo ao «acompanhante» tem a seguinte redacção:

«1- O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.

2- Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto; b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores; f) A qualquer dos avós;

g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado; h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação; i) A outra pessoa idónea.

3- Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.»

O artigo 144.º do Código Civil, dispõe o seguinte sobre a «escusa e exoneração» do acompanhante: «1- O cônjuge, os descendentes ou os ascendentes não podem escusar-se ou ser exonerados.

2- Os descendentes podem ser exonerados, a seu pedido, ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos.

3- Os demais acompanhantes podem pedir escusa com os fundamentos previstos no artigo 1934.º ou ser substituídos, a seu pedido, ao fim de cinco anos.»

O artigo 145.º rege sobre o «âmbito e conteúdo do acompanhamento» estabelecendo o seguinte regime: «1- O acompanhamento limita-se ao necessário.

2- Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:

a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;

b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de actos para que seja necessária;

c) Administração total ou parcial de bens;

d) Autorização prévia para a prática de determinados actos ou categorias de actos; e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.

3- Os actos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e específica.

4- A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família.

5- À administração total ou parcial de bens aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 1967.º e seguintes.»

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O artigo 146.º refere-se ao critério do exercício do cargo definindo o «cuidado e diligência» a observar pelo acompanhante do seguinte modo:

«1 - No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada.

2 - O acompanhante mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.»

O artigo 150.º regula o «conflito de interesses» entre o acompanhante e o acompanhado do seguinte modo:

«1 - O acompanhante deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado. 2 - A violação do dever referido no número anterior tem as consequências previstas no artigo 261.º

3 - Sendo necessário, cabe-lhe requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes.»

Para além das normas legais citadas, importa ter presente, para decidir a questão suscitada, quais foram as medidas de acompanhamento decretadas pelo tribunal recorrido e que não foram questionadas no recurso.

Essas medidas, no caso concreto, são apenas:

“- Representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, Finanças, Segurança Social, Registo Civil, Tribunais e Autarquias;

- Administração dos seus rendimentos, nomeadamente a pensão e que recebe”. *

Como resulta da leitura das normas legais, o Acompanhante deve ser maior e no pleno exercício dos seus direitos, donde resulta que terá de ser uma pessoa singular, não pode ser uma instituição, ainda que hospitalar ou de solidariedade social onde o acompanhado se encontre internado ou colocado – sem prejuízo de se aceitar a designação de pessoas singulares indigitada por estas.

O acompanhante é designado judicialmente, mas, em regra, deve corresponder ao escolhido pelo próprio acompanhado ou pelo seu representante legal[3].

Na verdade, “na procura do respeito pela autonomia da pessoa, o acompanhante, sendo designado judicialmente, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, e, só na falta de escolha, é que passa a ser deferido à pessoa que melhor salvaguarde o interesse do beneficiário, designadamente uma das previstas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 143º do CC”[4].

No caso concreto, está provado que a beneficiária da medida de acompanhamento escolheu I… para Acompanhante.

Mas a verdade é que esta escolha da Acompanhada – que apontava também para uma sua sobrinha (e irmã da recorrente) - não pode ser legalmente acolhida, pois que, como bem referiu o tribunal recorrido, esta não se mostra idónea para salvaguardar os interesses imperiosos da Acompanhada, seja porque padece de doença grave (oncológica), seja porque foi declarada insolvente.

Nestas situações em que se julga que a escolha do Acompanhado é inconveniente, por não se reconhecer ao Acompanhante escolhido suficiente idoneidade para o exercício das funções[5], a nomeação, tal como

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sucede nas situações em que o Acompanhado não escolheu o seu Acompanhante, deve recair sobre a pessoa (idónea) que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

Este é o critério supletivo a observar pelo tribunal, o que significa que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº 2 do artigo 143º do CC é meramente exemplificativo[6] – «designadamente» refere o texto da norma – e, sobretudo, que a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, sem prejuízo de a ordem seguida revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e ser por isso atendível[7].

Como decorre do exposto, a finalidade do acompanhamento do maior é o seu bem-estar e a sua recuperação, razão pela qual a escolha do Acompanhante e o exercício da função do Acompanhante deve nortear-se sempre pela salvaguarda do interesse imperioso do Acompanhado e do seu bem-estar e recuperação[8].

O primeiro fundamento invocado pela recorrente, para não ser ela a nomeada para o exercício do cargo de Acompanhante, no caso concreto, contende com a factualidade atrás adicionada, respeitante ao facto de a mesma já exercer essa função relativamente a uma outra Tia (H…).

De facto, está provado que a recorrente já é “Acompanhante” da sua tia H… por sentença de 30 de Dezembro de 2019, transitada em 27.2.2020, proferida pelo tribunal da comarca do Porto - Juízo Local Cível de Gondomar Juiz 3.

A questão que se coloca é a de saber se tal factualidade afasta a possibilidade de a recorrente poder aqui ser novamente nomeada como Acompanhante da sua outra Tia.

Julga-se que sim, uma vez que esta circunstância constitui causa válida de pedido de escusa por parte da aqui recorrente[9].

Senão vejamos.

Dispõe o art. 144º do CC que os familiares nele indicados (cônjuge, os descendentes ou os ascendentes) não podem escusar-se.

Mas acrescenta o nº 3 deste preceito legal que os demais acompanhantes – em que incluem a aqui recorrente (por ser sobrinha) - podem pedir escusa com os fundamentos previstos no art. 1934º do CC (preceito legal para onde remete o nº 3 do art. 144º do CC e que diz respeito à “escusa da tutela”).

Ora, para o que aqui nos interessa (tendo em conta os fundamentos invocados pela recorrente), este preceito legal permite a escusa da pessoa designada como Acompanhante justamente nas situações em que o designado:

“Exerça outra tutela” – al. f) do nº 1 do art. 1934º do CC (que deve ser lido, por força da aludida remissão, no sentido de a pessoa indicada poder pedir escusa quando tenha sido nomeada Acompanhante noutro processo).

Ora, em face deste normativo legal, e tendo em consideração o facto atrás adicionado, não pode haver dúvidas que a recorrente pode pedir escusa do cargo de Acompanhante, pelo facto de ser já Acompanhante de outra Tia, independentemente de invocar outros fundamentos complementares, como sejam que padeceria de doença ou ocupações profissionais absorventes que não lhe permitiriam exercer a função sem grave incómodo ou prejuízo.

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razão, sendo de reconhecer o seu pedido de escusa e, nessa medida, não podendo a mesma ser nomeada nos presentes autos como Acompanhante da sua tia B….

Por outro lado, quanto aos demais familiares da beneficiária mencionados na matéria de facto provada, apurou-se que nenhuma delas possui condições para assegurar os interesses da acompanhada – seja por razões de doença grave, seja por razões profissionais, seja por residirem no estrangeiro ou nas ilhas, seja ainda por terem sido declarados insolventes.

Aqui chegados, e afastando-se a recorrente e todos os demais familiares mencionados na decisão sobre a matéria de facto, resta, pois, como possibilidade a nomeação do Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”, sita em …, em … – em cumprimento da als. g) e i) do nº 2 do art. 143º do CC).

Ao fazê-lo estamos justamente a cumprir aquela orientação jurisprudencial que vem defendendo que: “a nomeação do «director» da instituição como acompanhante do maior deve ser a última solução a equacionar, só devendo colocar-se quando estiver totalmente arredada a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha não possa senão recair em estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado.” – como concluiu o Ac. da RP 24.10.2019 (Relator: Aristides Almeida), in dgsi.pt.

Cumpre referir que, como já referimos, ainda que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº 2 do artigo 143º do CC seja meramente exemplificativo, e a sequência pela qual eles sejam indicados não constitua uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, a verdade é que a ordem seguida não deixa de revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e deva ser por isso atendível.

Por assim ser é que na decisão a que aqui chegamos (e que o tribunal recorrido também procurou atingir), seguimos esta ordem de ideias, apenas apontando para o Sr. Director da instituição em que a Acompanhada se encontra, após ter afastado todos as demais pessoas que vieram a ser identificadas como potenciais pessoas idóneas a exercer o cargo de acompanhante.

Como decorre dos autos, numa primeira decisão tinha sido essa também a decisão do tribunal recorrido (a qual veio ser anulada justamente para permitir a alegação e averiguação em concreto dos factos relativos ao apuramento da existência de algum familiar que pudesse ser nomeado como acompanhante).

No âmbito do recurso dessa decisão, o Sr. Director veio defender, em síntese, que não podia ser nomeado porque, além da referida questão da não concretização dos factos relativos aos familiares da acompanhada, existiria uma situação de conflito de interesses.

Julga-se, no entanto, que o legislador ao permitir que fosse designado como Acompanhante o Director da Instituição (ou a pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado), não pode deixar de ter tido em consideração a potencial existência de uma situação do tipo conflitual (desde logo, por causa da gestão do dinheiro e os correspondentes pagamentos à Instituição – se for o caso).

Por isso, julga-se que este potencial conflito não pode impedir a nomeação para o cargo por parte das referidas pessoas ligadas à instituição onde o acompanhado esteja integrado.

Além disso, sempre importa ter em atenção que o próprio legislador previu expressamente estas situações de existência de potencial conflito de interesses – o que é um sinal evidente que as mesmas não serão

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impedimento à nomeação do Acompanhante/Director - no art. 150º do CC, onde se estabelece o princípio que “em caso de necessidade, o acompanhante deve requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes”.

Finalmente, não podemos ainda deixar de mencionar que foi este também o parecer da Exma. Magistrada do Ministério Público proferido antes da decisão recorrida: “ Ouvidas que foram todas as pessoas que poderiam, caso a tal anuíssem, ser nomeadas acompanhantes da beneficiária B…, vem pronunciar-se, na falta de tal aceitação e tendo em conta o critério legal estabelecido no art. 143º, pela nomeação da pessoa que a instituição onde se encontra indicar e, no mais, pela manutenção da decisão já proferida nos autos”. Nesta conformidade, e como decorre do exposto, considera-se, tal como também defende a Exma. Magistrada do Ministério Público, que o aludido Sr. Director surge como a (única) pessoa adequada para salvaguardar os interesses daquela no caso concreto (podendo, oportunamente, se assim entender, indicar pessoa da instituição que dirige que acompanhe a Acompanhada).

Repare-se que não será estranho reconhecer que entre o Acompanhado e a própria instituição (funcionários, enfermeiras, auxiliares, directores, etc.) se estabeleça, dentro das circunstâncias, uma ligação afectiva e pessoal bastante próxima.

Aqui chegados, julga-se assim que não existe qualquer obstáculo que impeça esta nomeação, antes decorrendo do que se acaba de explanar que aquele será mesmo actualmente a (única) pessoa adequada e idónea para melhor salvaguardar os interesses imperiosos daquela.

Nesta conformidade, e por todo o exposto, julga-se procedente o recurso e na sequência, decide-se alterar a decisão no sentido de nomear para o cargo de Acompanhante o aludido Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”.

*

III - DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, decide-se:

- julga procedente o recurso e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida e substituí-la nos seguintes termos:

- decreta-se o acompanhamento de, e, em benefício desta aplicação das medidas de acompanhamento de B…:

- Representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, Finanças, Segurança Social e Registo Civil;

- Administração dos seus rendimentos, nomeadamente a pensão que recebe.

Ao abrigo do disposto no artigo 900.º, n.º 1 do C.P.C., fixa-se Outubro de 2017 como a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Para cargo de acompanhante nomeia-se o Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”, sita em …, em ….

Dispensa-se a constituição do conselho de família.

As medidas de acompanhamento aplicadas deverão ser revistas no prazo de 5 anos. Consigna-se que não há registo de que a beneficiária haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

(18)

*

Notifique a Direcção de “Hospitais C…” para identificar a pessoa que exerce actualmente o cargo de Director da Unidade de Cuidados Continuados Integrados de “Hospitais C…”, bem como para informar os autos logo que a beneficiária seja transferida para outra instituição.

*

Após trânsito em julgado, comunique à Conservatória do Registo Civil, nos termos do disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C do C. Civil (ex vi art.º 153.º, n.º 2 do C. Civil e art.º 902.º, n.º 2 do C.P.C.) e nos artigos 1.º, n.º 1, alínea h), 69.º, n.º 1, alínea g), e 78.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código do Registo Civil.

*

Oportunamente, deverá ser procedida à revisão periódica das medidas de acompanhamento. *

Sem custas (Ministério Público). Notifique.

*

Porto, 22 de Março de 2021 Pedro Damião e Cunha Fátima Andrade Eugénia Cunha _________________

[1] Neste sentido, cf., entre muitos, v. os acs. do STJ de 15.2.2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1 e de 10.12.2020 (relatora. Maria do Rosário Morgado), in dgsi.pt. [2] V. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, págs. 241 e ss. que refere que esta alteração oficiosa pode ocorrer, explicitando os seguintes exemplos: “… quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de determinado meio de prova…” (por ex. um documento com valor probatório pleno); “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº1 e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)”; “ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente” (por ex. presunção judicial ou depoimento testemunhal nos termos dos arts. 351 e 393º do CC); “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sustentação noutros meios de prova), alteração que nem

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sequer depende da iniciativa da parte… “; finalmente, acrescenta este autor que “também não oferece dúvidas a possibilidade… de se modificar a decisão sobre a matéria de facto quando for apresentada pelo Recorrente documento superveniente que imponha decisão”..

[3] Ana Luísa Pinto, in “O regime processual do acompanhamento do maior” (Revista “Julgar”, nº 41), pág. 166 “O tribunal deve atender à escolha do beneficiário manifestada na diligência de audição directa e pessoal (escolha essa que deve constar expressamente da acta da diligência, por escrito ou em gravação) ou, previamente, em testamento vital ou procuração para cuidados de saúde … deve ser dada primazia à escolha do beneficiário, sempre que a mesma se não revele desadequada aos seus interesses (no sentido de que ao tribunal compete assegurar a idoneidade do acompanhante para desempenhar as competências que lhe vão ser atribuídas)”. V. ainda, o e-book CEJ sobre o regime jurídico do maior acompanhado, em particular, a conferência de Nuno Ribeiro, in “O maior acompanhado – lei nº 49/2018, de 14 de Agosto”, pág. 96.

[4] Mafalda Miranda Barbosa, in “Maiores acompanhados - primeiras notas…”, pág. 50. No mesmo sentido, v. Pedro Callapez, in “Processos especiais” (Coord. Rui Pinto/Ana Alves Leal), Vol. I, pág. 115.

[5] Apesar de a vontade (escolha) da beneficiária ser, em princípio, “vinculativa” tal só sucede “desde que este (o acompanhante escolhido) se encontre em condições de validamente o fazer” - Pedro Callapez, in “Processos especiais” (Coord. Rui Pinto/Ana Alves Leal), Vol. I, pág. 115.

[6] V. Pedro Callapez, in “Processos especiais” (Coord. Rui Pinto/Ana Alves Leal), Vol. I, pág. 115 que refere que não existe “uma ordem de prevalência” nas pessoas indicadas no nº 2 do art. 143º do CC.

[7] V. sobre a aplicação destes critérios, por exemplo, os acs. da RP de 24.10.2019 (Relator: Aristides Almeida) e da RG 17.9.2020 (Relatora: Raquel Baptista Tavares) e de 29.10.2020 (Relator: Paulo Reis), in dgsi.pt.

[8] Como refere Mafalda Miranda Barbosa, in “Maiores acompanhados – primeiras notas…”, pág. 61 “No exercício das suas funções, e de acordo com o art. 146º, nº 1 do CC, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bonus pater familiae, tendo em conta as circunstâncias da situação concreta. O instituto orienta-se, como não poderia deixar de ser, pelo supremo interesse do acompanhado” [9] “A escusa de tutela (ou, no caso, de Acompanhante) é admitida a pessoas que não estão impedidas de exercer essa função, mas podem pedir para ser delas dispensadas” - Luís Silveira, in “CC anotado” (Coord. Ana prata), Vol. II, pág. 844. Ou seja, “os motivos de escusa da tutela … dão origem a uma faculdade – a de requerer a dispensa de exercer o encargo –e não a uma impossibilidade como sucede nos casos de impedimento ou de incapacidade de que trata o artigo anterior” - A. Varela/ P. Lima, in “CC anotado”, Vol. V, pág. 454.

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