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Realização do parto e desigualdade social

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Academic year: 2021

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Realização do parto e desigualdade social

Nilma Dias Leão CostaPaulo César Formiga RamosMaria Célia de Carvalho Formiga•

Neir Antunes Paes⊗ Glenda Fernanda Alves Coelho Lins♠

PALAVRAS-CHAVES: parto desejado; parto realizado; cesárea; parto normal; desigualdade social e parto.

Resumo

Este estudo tem como principal objetivo mostrar a trajetória do tipo de parto, não somente o desejado e o realizado, mas também, a desigualdade social existente em relação ao serviço procurado. O estudo caracterizou-se como longitudinal prospectivo, onde foram aplicadas três entrevistas: no início da gestação, no mês anterior à data provável do parto e até um mês após o parto. A população do estudo foi composta de mulheres grávidas de 18 a 40 anos que procuraram o serviço público ou privado para realização do pré-natal. A análise, realizada de forma descritiva, apresenta uma discussão sobre a trajetória do desejo à realização de um determinado parto no que se referiu ao Q2 e Q3, entrevistas do segundo e terceiro momento, respectivamente. O parto mais desejado foi o parto normal. Das 251 mulheres que foram acompanhadas em relação às trajetórias, o percurso NN ou NC, cobriu um contingente de 192 (76,5%), a maioria delas (67,7%) oriundas do serviço público, observando-se a concretização do parto normal para 113 (58,9%) do grupo inicial de mulheres, sendo a maioria do serviço público (83,2%). Por outro lado, a trajetória para cesárea CC foi percorrida com mais facilidade pelas mulheres do serviço privado (58,6%), observando-se também, que a decisão final pela cesárea sofre influência do setor de atendimento. Os resultados mostram os grandes diferenciais existentes entre essas categorias, com claro favorecimento do setor privado. Constatou-se que a cesárea é realizada muito mais por uma decisão médica e que a paciente não interfere nesta decisão. Chama-se atenção não só para uma preparação do obstetra para a prática do parto normal, especialmente para os que atendem no serviço privado, no sentido de favorecer uma maior abertura para participação da gestante na escolha pelo tipo de parto.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

UFRN/CCS/Dep. De Saúde Coletiva e Grupo de Estudos Demográficos-GED/DEST (Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - PPGCSa/CCS/UFRN)

UFRN/CCET/Grupo de Estudos Demográficos-GED (Co-Orientador do PPGCSa/CCS/UFRN)

UFRN/CCET/Grupo de Estudos Demográficos-GED

UFPB/Departamento de Estatística (Orientador do PPGCSa/CCS/UFRN)

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Realização do parto e desigualdade social

Nilma Dias Leão CostaPaulo César Formiga RamosMaria Célia de Carvalho FormigaNeir Antunes PaesGlenda Fernanda Alves Coelho Lins

Introdução

A Organização Mundial de Saúde admite um percentual entre 6,0% a 16,0% do total de parto, como índice ideal de número de cesáreas (Conselho Federal de Medicina, 2006). Para se chegar a este patamar, muito ainda tem de ser feito, não só em relação à prática em si, à hospitalização ou honorários médicos, mas em relação aos argumentos de danos para a saúde da mulher que são colocados, como a incontinência urinária, queda da bexiga e alterações na posição do reto, como preferência para o parto cesáreo. É visível a mudança na procriação e isso tem sido objeto de exaustivas análises demográficas, mas pouco tem despertado atenção no impacto sobre a saúde em si, das mulheres brasileiras. Documento produzido pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2002) mostra que a drástica queda da fecundidade fez acompanhar o aumento do uso da pílula e a esterilização cirúrgica, bem como do aborto, como métodos muitas vezes habitual. Porém, muitos estudos internacionais têm mostrado o efeito do consumo da pílula no aumento do risco para as doenças cardiovasculares e os co-fatores no processo de desenvolvimento de câncer de colo de útero.

Para desmistificar a condição de preferência pelo parto cesáreo no Brasil, em 1998 foi realizado um estudo prospectivo em quatro capitais brasileiras, com 1.136 gestantes que mostrou não existir tal preferência. Entre 70% a 80% das gestantes, independentemente do serviço, expressaram o desejo pelo parto normal e a cesárea só ganha força quando submetida à uma cesárea anterior (Potter, Berquó, Perpétuo, Leal et al, 2001; Potter et al, 2006).

A decisão de um profissional médico optar por uma cesariana, muitas vezes é decorrente da utilização de recursos de diagnósticos, através de monitorização e de ultra-sonografia, de modo a evitar o sofrimento fetal. Não se pode deixar de reforçar a questão da comodidade, devido ao agendamento prévio, da rapidez com que o parto é resolvido e ainda da falta de experiência ou de uma melhor qualificação, para realizar um parto normal. Mesmo não tendo vantagens nos honorários médicos para nenhum tipo de parto, o que se pode verificar é que existe uma diferença entre os períodos de internação, quando a maioria das mulheres submetidas a um parto normal muitas vezes com menos de 12 horas após o parto, já é encaminhada para casa. No caso da cesárea, a condição da internação poderá levar até 72 horas, dependendo do restabelecimento da mulher. Desta forma, esta condição é uma questão muito relevante para o Conselho Federal de Medicina, quando defende a melhor

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

UFRN/CCS/Dep. de Saúde Coletiva e Grupo de Estudos Demográficos-GED/DEST (Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - PPGCSa/CCS/UFRN)

UFRN/CCET/Grupo de Estudos Demográficos-GED (Co-Orientador do PPGCSa/CCS/UFRN)

UFRN/CCET/Grupo de Estudos Demográficos-GED

UFPB/Departamento de Estatística (Orientador do PPGCSa/CCS/UFRN)

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forma de diminuir a incidência de parto cesáreo, aumentando os honorários médicos para aqueles que realizarem o parto normal (Conselho Federal de Medicina, 2006).

Souza (2002), analisando os resultados do estudo multicêntrico, das entrevistas realizadas em São Paulo, revelou que existe uma participação sim, do médico, na decisão e intervenção ao parto cesáreo, constatado que três dentre quatro primíparas do serviço privado e oito dentre dez do serviço público, que realizaram uma cesárea, externaram o desejo por um parto vaginal.

Em relação ao município de Natal, estado do Rio Grande do Norte, estas abordagens têm sido feitas muito mais voltadas para um perfil da saúde reprodutiva da mulher do que como uma visão do conhecimento, da decisão quanto ao parto escolhido por ela, ou mesmo, em relação ao grau de informação dada pelo profissional ginecologista-obstetra no acompanhamento do pré-natal. Com o propósito de mostrar a trajetória do tipo de parto, não somente o desejado e o realizado, mas também, a desigualdade social existente entre aquelas que procedem de um serviço público ou privado, será feita uma análise dos fatores que modificam a decisão do parto, a partir das principais razões mencionadas pelas gestantes do município de Natal-RN, Brasil, em 2000. Com os resultados obtidos, espera-se contribuir para o estabelecimento de políticas públicas mais efetivas para melhoria do bem-estar e da saúde reprodutiva da mulher.

Método

Este estudo caracterizou-se como estudo longitudinal prospectivo, no qual as gestantes foram acompanhadas desde o momento que procuraram um serviço de saúde para a realização do pré-natal, até o pós-parto.

O banco de dados é proveniente de um estudo multicêntrico para o Brasil, que contou com a participação de pesquisadores do Núcleo de Estudos Populacionais – NEPO (UNICAMP), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR (UFMG), do Núcleo de Pesquisas em Antropologia do Corpo e da Saúde – NUPACS (UFRS) e do Grupo de Estudos Demográficos - GED (UFRN), encabeçada pelo Population Research Center da Universidade do Texas/USA, iniciado em 1998 e se estendeu até 2000. Este trabalho se refere apenas às entrevistas realizadas em Natal, tomando-se como referência o ano 2000.

A população do estudo foi composta de mulheres em idade fértil, moradoras em Natal-RN, que tinham de 18 a 40 anos, que estavam grávidas e que procuraram o serviço público ou privado para a realização do pré-natal. Para compor a amostra da pesquisa, as mulheres precisaram atender aos seguintes critérios de elegibilidade ou de inclusão, adotados na pesquisa: a) possuir diagnóstico confirmado de gravidez; b) residir na área envolvida do estudo; c) ter a intenção de parir em um hospital ou maternidade da respectiva cidade de residência; d) ter idade entre 18 e 40 anos; e) ter realizado no máximo, duas consultas de pré-natal; f) estar, no máximo, até o 5° mês de gestação ou na 22a semana de gravidez (inclusive) e g) estarem realizando pré-natal em ambulatórios/consultórios “regulares”. Foram adotados como critérios de exclusão: a idade da mulher abaixo de 18 anos, pela falta de autonomia para assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e o corte na idade acima dos 40 anos, pois nessa faixa etária existe uma queda natural na fertilidade, sendo menor a probabilidade de gravidez e de uso de anticoncepcionais de alta eficácia. Outro aspecto que foi levado em consideração foi o número de consultas de pré-natal, considerando que as consultas, em razão da gravidez, poderiam modificar o padrão de atendimento em virtude das intercorrências, excluindo-se as mulheres com mais de três consultas de pré-natal. Foram

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excluídos do estudo os ambulatórios especiais, como o de AIDS, de alto risco, reprodução assistida e outros serviços especiais.

Todo o protocolo de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A determinação do tamanho amostral baseou-se na conveniência e não em critérios probabilísticos, tendo em vista a limitação dos recursos disponíveis e o elevado custo de um estudo prospectivo com três momentos de entrevistas.

A pesquisa foi realizada com uma amostra inicial de 433 mulheres gestantes na faixa etária de 18 a 40 anos.

Para a coleta dos dados foram utilizados três instrumentos específicos de pesquisa, consubstanciados em questionários, para cada um dos três momentos em que as mulheres foram abordadas. Este acompanhamento foi realizado através da aplicação de três entrevistas em momentos distintos, nos quais as entrevistadas expressaram sua opinião a respeito do parto: no início da gestação (Q1), no mês anterior à data provável do parto (Q2) e até um mês após o parto (Q3).

As entrevistadoras receberam instruções para proceder todo o preenchimento dos questionários e tiveram oportunidades de participar de treinamentos, reuniões e seminários relacionados aos temas do projeto e ainda toda uma orientação junto à equipe composta por profissionais médicos e de apoio técnico, para procedimento de busca em relação às cotas referentes ao tipo de serviço, local e parturição.

Os serviços de saúde selecionados foram visitados previamente e mantido um contato com o médico através da equipe de pesquisadores, para facilitar na intermediação entre a instituição e os pesquisadores envolvidos, atuando como um representante legal para dar esclarecimento nas comissões de ética dos respectivos estabelecimentos.

Toda a análise foi realizada de forma descritiva, buscando apresentar uma discussão sobre a trajetória do desejo à realização de um determinado tipo de parto por serviço, utilizando-se apenas das entrevistas realizadas em Q2 e Q3.

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Resultados e Discussões

Das 251 mulheres que foram acompanhadas nos três momentos da pesquisa e expressaram seu desejo pelo tipo de parto almejado, 66,9% (168) foram atendidas no serviço público e 33,1% (83) no serviço privado (Gráfico 1). As mulheres multíparas foram mais numerosas no serviço público (53%), enquanto as primíparas o foram no serviço privado (60%). O total de cesáreas nesse grupo de mulheres (251) foi de 43%, sendo a maioria delas (55,6%) realizadas no serviço privado. Além disso, quando o foco ficou restrito ao serviço privado, a realização de partos cesáreos chegou a 72,3%, contra 27,7% de partos normais. Numa tendência totalmente oposta, observa-se a ocorrência de 71,4% de partos normais entre as mulheres do serviço público, contrapondo-se a 28,6% de partos cesáreos. Esses resultados extrapolam, em muito, as recomendações da OMS de, no máximo 16% de partos cesáreos. Assim, percebe-se que, mesmo no serviço público o percentual de partos cesáreos extrapola em 91,3% ao recomendado pela OMS. O serviço privado, com uma taxa 4,8 vezes superior ao recomendado excede em 382% a citada recomendação.

Gráfico 1

Distribuição das entrevistadas, segundo paridade e tipo de serviço, município de Natal-RN, 2000. 53,0 47,0 39,8 60,2 66,9 33,1 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 % Mu ltípa ras Prim ípar as Mult ípar as Prim ípara s Públic o priv ado

Público Privado Todas as mulheres

Fonte: UFRN/GED, 2000.

Diante desses resultados levanta-se a questão: as mulheres estão satisfeitas com o desfecho de suas gestações, mais especificamente, com o tipo de parto a que têm sido submetidas? A resposta pode ser dada ao se investigar a chamada trajetória dos desejos “conceptivos”1 dessas mulheres ao longo dos três momentos da pesquisa. Apesar de se haver obtido da mulher resposta ao tipo de parto desejado nesses três momentos da pesquisa, optou-se por realizar algumas análises centradas apenas nos dois últimos momentos, ou seja, Q2, entrevista realizada cerca de 30 dias antes do parto e Q3, que se refere ao desfecho do tipo de parto. Mesmo assim, em algumas análises retoma-se o desejo expressado pela mulher na primeira entrevista Q1 (aplicada no início da gestação), até mesmo para verificar como a opinião médica possa ter tido influência na sua mudança de desejo no segundo momento da pesquisa (Q2).

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Denominou-se de trajetória do desejo conceptivo ou trajetória conceptiva, o desejo expressado pela mulher pelo tipo de parto nos três momentos da entrevista, quando das aplicações dos respectivos instrumentos, Q1, Q2 e Q3, associada ao seu desejo pelo tipo de parto (N=normal e C=cesárea) conforme referido na metodologia.

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A investigação da trajetória conceptiva permite saber se o desfecho do parto, definido no Q3, ocorreu de acordo com o desejado pela mulher e por ela expressado no Q2. As trajetórias conceptivas foram investigadas sob duas óticas quanto ao desejo da mulher: realizado – para parto normal NN e para parto cesáreo CC; frustrado – em relação ao desejo pelo parto normal NC (a mulher desejava o parto normal e teve o bebê por uma cesárea) e frustrado em relação ao parto cesáreo CN (desejava o parto cesáreo e teve o bebê por via vaginal). Investigar a opinião da mulher no Q2 significa a captação de seu desejo de modo mais concreto, uma vez que ao longo da gestação e das prováveis consultas de pré-natal, a mulher pode amadurecer e melhor firmar sua posição sobre o tipo de parto que deseja ter.

Para responder à questão sobre se o “tipo de parto realizado correspondeu ao desejo da mulher”, fez-se necessário observar os dados sob diversas óticas. Convém acrescentar que além do tipo de serviço (público e privado) os dados foram observados também por condição paridade da mulher, ou seja, se ela era multípara (já havia tido uma ou mais gestações anteriores) ou primípara (nenhuma gestação anterior).

Assim, quando se investiga as trajetórias conceptivas sob a ótica do desejo e da realização (Tabelas 1 e 2 e Gráficos 2 e 3), percebe-se que das 76,5% (192) das mulheres que expressaram o desejo de um PN no Q2, 58,9% (113) conseguiram realizar o seu desejo (trajetória NN), a maioria delas do serviço público (83,2%), tendo sido no serviço público aonde se concentrou o maior contingente de mulheres que expressaram o desejo de PN por ocasião do Q2 (67,7%). Dessa forma, dentre as 62 mulheres do serviço privado que disseram desejar um PN no Q2, apenas 30,6% (19) conseguiram realizar seu desejo, de modo que chama a atenção o fato de 69,4% (43) dessas mulheres, apresentarem frustração em seu desejo pelo PN (percorrendo a trajetória conceptiva NC). Sendo, portanto, resultados que mostram a clara preferência da mulher por um PN. Entretanto, na maioria das vezes, não conseguem ver seu desejo realizado, mesmo estando numa condição socioeconômica de certa autonomia, uma vez que estão recebendo atendimento de um serviço privado.

Tabela 1

Distribuição absoluta e relativa das entrevistadas, segundo a paridade, setor de atendimento e trajetórias realizadas, município de Natal-RN, 2000.

Trajetórias Multíparas Primíparas Todas as mulheres Q2-Q3 Público (%) Privado (%) Público (%) Privado (%) Público (%) Privado (%) Total (%) Desejo de PN - Q2 Realizado - NN 47 (85,5) 7 (36,8) 47 (62,7) 12 (27,9) 94 (72,3) 19 (30,6) 113 (58,9) Frustrado - NC 8 (14,5) 12 (63,2) 28 (37,3) 31 (72,1) 36 (27,7) 43 (69,4) 79 (41,1) Total 55 (100,0) 19 (100,0) 75 (100,0) 43 (100,0) 130 (100,0) 62 (100,0) 192 (100,0) Desejo de PC - Q2 Realizado - CC 12 (35,3) 12 (85,7) 0 (0,0) 5 (71,4) 12 (31,6) 17 (81,0) 29 (49,2) Frustrado - CN 22 (64,7) 2 (14,3) 4 (100,0) 2 (28,6) 26 (68,4) 4 (19,0) 30 (50,8) Total 34 (100,0) 14 (100,0) 4 (100,0) 7 (100,0) 38 (100,0) 21 (100,0) 59 (100,0) Total geral* 89 (100,0) 33 (100,0) 79 (100,0) 50 (100,0) 168 (100,0) 83 (100,0) 251 (100,0) Fonte: UFRN/GED, 2000.

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Tabela 2

Distribuição absoluta e relativa das entrevistadas, segundo a paridade, setor de atendimento e o desejo pelo tipo de parto expressado em Q2, município de Natal-RN,

2000.

Trajetórias Multíparas Primíparas Todas as mulheres

Q2-Q3 Público (%) Privado (%) Público (%) Privado (%) Público (%) Privado (%) Total (%) Desejo de PN Q2 55 (28,6) 19 (9,9) 75 (39,1) 43 (22,4) 130 (67,7) 62 (32,3) 192 (100,0) Desejo de PC Q2 34 (57,6) 14 (23,7) 4 (6,8) 7 (11,9) 38 (64,4) 21 (35,6) 59 (100,0) Total geral* 89 (35,4) 33 (13,1) 79 (31,5) 50 (19,9) 168 (66,9) 83 (33,1) 251 (100,0) Fonte: UFRN/GED, 2000.

Quando, além do tipo de serviço, observa-se a paridade da mulher, constata-se que foram as primíparas do serviço público que mais expressaram o desejo por um PN, no Q2 (39,1%), seguida das multíparas desse serviço (28,6%). Concentrando-se na paridade, foram as multíparas do serviço público que mais tiveram seu desejo por um PN, realizado, 85,5%, seguido pelas primíparas desse mesmo serviço (62,7%) – todas percorrendo a trajetória conceptiva NN. Por sua vez, a maior frustração pela realização do PN foi registrada dentre as primíparas do serviço privado, 72,1%, seguida das multíparas desse serviço, 63,2% (aquelas mulheres que percorreram a trajetória conceptiva NC). Novamente, desponta o desejo pelo PN, mesmo entre mulheres em sua primeira gestação, as quais, no entanto, vêem o seu desejo frustrado. Até entre as mulheres do serviço público, percebe-se a ocorrência de frustração em seu desejo pelo PN, da ordem de 14,5% entre as multíparas, chegando a 37,3% entre as primíparas. (Tabela 1).

Investigando o desejo pelo parto cesáreo expressado na segunda entrevista (Q2) (Tabela 2), observa-se um contingente de 59 mulheres (23,5%), das quais 29 (49,2%) conseguiram realizar seu desejo (trajetória conceptiva CC), a maioria delas (58,6%) atendidas no serviço privado. Dentro de cada tipo de serviço, constata-se que enquanto 81% das mulheres do serviço privado que desejaram um PC conseguiram realizar seu desejo, apenas 31,6% daquelas do serviço público estiveram nessa mesma condição de satisfação, o que reporta a um contingente de 68,4% de desejos por um PC frustrado (referente à trajetória conceptiva CN). Para o serviço privado essa frustração foi inferior a 20%.

Analisando a distribuição, segundo paridade, percebe-se um maior nível de satisfação de realização do PC para as multíparas do serviço privado, 87,7%, seguida das primíparas desse mesmo serviço 71,4% (correspondem à trajetória CC). Em contraposição, o maior nível de frustração pela realização de uma cesárea (trajetória conceptiva CN) é encontrado entre as primíparas do serviço público, onde todas (100%) tiveram seu desejo frustrado. Sequencialmente foram as multíparas desse serviço que mais apresentaram frustração (64,7%). (Gráfico 3)

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Gráfico 2

Distribuição relativa das trajetórias conceptivas, segundo a realização do desejo pelo parto normal, por parturição e setor de atendimento, município de Natal-RN, 2000.

85,5 14,5 36,8 63,2 62,7 37,3 27,9 72,1 72,3 27,7 30,6 69,4 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 %

Público Privado Público privado Público privado Multíparas Primíparas Todas as mulheres

Realizado - NN Frustado - NC

Fonte: UFRN/GED, 2000.

Gráfico 3

Distribuição relativa das trajetórias conceptivas, segundo a realização do desejo pelo parto normal, por parturição e setor de atendimento, município de Natal-RN, 2000.

35,3 64,7 85,7 14,3 0,0 100,0 71,4 28,6 31,6 68,4 81,0 19,0 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 %

Público Privado Público privado Público privado Multíparas Primíparas Todas as mulheres

Realizado - CC Frustado -CN

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Desses resultados, fica claro que o PN foi o mais desejado pelas mulheres dos dois tipos de serviço e o mais realizado, especialmente no serviço público. Por sua vez, o PC configurou-se como o parto típico do serviço privado, onde a satisfação do desejo por esse tipo de parto suplanta, em muito, o obtido pelas mulheres do serviço público, revelando, de forma clara, a desigualdade de tratamento dado pelo profissional médico às pacientes oriundas desses dois tipos de serviço.

Fazendo uma análise com base nas características socioeconômicas (estado civil, cor, classe social, idade e anos de estudo), e as demais variáveis do estudo como paridade, tipo de serviço e trajetórias, verificou-se que, considerando a multípara do serviço público, seja na trajetória plena ou semiplena para o parto normal, não foi observada diferença social entre elas. Tem-se, nesses dois grupos, um grande contingente de casadas, de cor não branca, de classe social C, D, E, com escolaridade entre 0 e 8 anos de estudo, idade acima de 25 anos e o parto pago pelo SUS. Para aquelas que percorreram a trajetória plena para cesárea, elas diferem do grupo como um todo, pela concentração do parto cesáreo entre as mais escolarizadas. Entre as mulheres multíparas do serviço privado, a trajetória para o parto normal, plena ou semiplena, só diferenciou-se na questão da classe social, enquanto que para a trajetória semiplena ou plena para cesárea, houve uma interferência da classe social, escolaridade e fonte pagadora do parto, demonstrando mais uma vez, que estas categorias podem interferir entre o desejo e a realização do parto. O perfil das mulheres que fizeram parte desse estudo já foi descrito em outras publicações (COSTA, 2006a e 2006b).

Na condição primípara do serviço público, a trajetória de normal plena ou semiplena, ou ainda cesárea semiplena, só apresentou diferenças na questão da escolaridade para aquelas que desejavam um parto normal nas entrevistas iniciais e o parto realizado foi uma cesárea, condição que talvez possa ser respaldada, pela condição da gravidez da mulher. Finalmente, para as primíparas do serviço privado, não houve predominância de classe social, idade ou etnia, mas a escolaridade ser mais de 9 anos de estudo e a fonte pagadora do parto ser o convênio, foram predominantes entre esse grupo. Logo, pode-se concluir que fatores como escolaridade elevada e fonte pagadora, foram fatores determinantes para a realização do parto.

Notou-se que a condição apresentada para o município de Natal, difere um pouco daquela do município de São Paulo. No estudo realizado por Souza (2002), onde foi mostrado um predomínio de mulheres do serviço público perfazendo uma trajetória de desejo por normal e finalizar em cesárea, foi de 23,3% para as multíparas e 27,9% para primíparas. Para Natal a situação se inverte, quando esta trajetória é percorrida por primíparas (78,8%) e com uma ligeira vantagem para aquelas do serviço privado (40,8%). Outra situação que merece destaque é que, em São Paulo, a trajetória de um desejo por cesárea desde a primeira consulta e a finalização em parto normal, não mereceu uma análise por não ter relevância alguma, enquanto para Natal, esta foi uma trajetória importante de análise quando foi predominantemente composta por mulheres do serviço público. Este fato demonstrou a existência de uma frustração perante o desejo pela realização de uma cesárea.

A amostra final da pesquisa foi composta por um percentual maior de primíparas (52,8%) do que multíparas (47,3%), distribuídas entre o serviço público (SUS) e o privado, respectivamente 65,0% e 35,0%. Esta composição apresentou percentuais aproximadamente iguais para o município de São Paulo Souza (2002).

No percurso dessas trajetórias, as razões que fizeram as mulheres optarem pelo parto normal foi por ter uma recuperação mais rápida e por desejar ter outros filhos por parto

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normal, enquanto a cesárea é desejada como forma de se fazer uma LT (ligadura de trompas) e por sentir menos dor, demonstrando um despreparo da mulher para a hora do parto, quando o médico só explicou, para menos de 10,0% das mulheres entrevistadas em Q2, sobre os diversos partos a que esta mulher poderia ser submetida e o que era relevante para uma tomada de decisão.

De um modo geral, a opinião do médico foi manifestada no sentido de “aguardar o desenvolvimento da gestação”. Contudo, a maior freqüência dessa recomendação foi para aquelas do serviço privado, independente da parturição, quando na verdade as mulheres mais carentes, do serviço público, deveriam ter sido igualmente orientadas. Em relação à indicação do profissional médico ou ginecologista/obstetra para o parto normal (PN), esta opinião prevalece para todas as primíparas e multíparas do serviço público, enquanto a indicação da cesárea (CS) prevalece para as multíparas do serviço privado.

Souza (2002) aponta em seu estudo para o município de São Paulo que, se existe a influência do parto anterior para definição de um subseqüente, isso levanta uma preocupação futura, haja vista que o grupo maior de mulheres do estudo concentrou-se em primíparas para todo o Brasil, das quais 44,2% tiveram filho via cesárea. Na verdade, esta deverá ser uma preocupação, não somente do município de São Paulo, onde 54,4% de suas primíparas foram submetidas a uma cesárea, mas também do município de Natal, aonde este percentual chegou a 61,3%.

Observou-se que 72,6% das mulheres vivenciaram uma única parturição, 22,1% duas parturições e com três parturições, o percentual foi de 5,3%. Tomando o cruzamento de números de partos anteriores, por condição de pretensão a outros filhos, verificou-se que apenas 16,9% tinham tido um parto anterior e que dessas mulheres, 74,7%, mesmo tendo apenas um filho, não pretendiam mais ter outros filhos, naquele instante da entrevista. Um percentual de menos de 20,0% tinham tido de dois a três filhos anteriores e também não desejavam outros filhos.

Quanto à divisão por setor, 56,3% dos partos das mulheres multíparas foram em estabelecimentos privados e os demais em estabelecimentos públicos, destacando-se entre os estabelecimentos públicos, aquele que realizou 95 partos das mulheres entrevistadas, dos quais 30,5% foram por cesárea. No setor privado, a média de partos cesáreos por estabelecimento foi de 76,5%.

Os resultados sugerem a existência de uma modificação entre o desejo e a realização do parto, em relação às trajetórias NN, NC, CC e CN, quando consideradas as variáveis sociais (estado civil, etnia, idade, escolaridade, estrato social, condição de trabalho) e as demais variáveis do estudo como a paridade, serviço de atendimento e parto anterior por cesárea.

A cor não interferiu na finalização do tipo de parto. Na condição de trabalho, o fato da mulher “não estar trabalhando” por ocasião da pesquisa, favoreceu ao desejo e realização de um parto normal. Quanto à classe social, o fato da composição amostral ter sido predominante de mulheres na classe social C, D e E, com um percentual maior entre aquelas da classe C, também favoreceu ao parto normal. Observou-se, em relação à escolaridade, que só houve significância estatística para aquelas mulheres de trajetórias (NC e CN), ou seja, só existiu associação, estatisticamente significante, entre as trajetórias citadas anteriormente e a escolaridade da mulher, no sentido de que, a concretização de uma cesárea, mesmo que a

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mulher tenha demonstrado o desejo inicial por parto normal, ocorre mais frequentemente para as mulheres com maior escolaridade (9 anos e +), com predominância de casadas.

O serviço de atendimento (público ou privado) apresentou uma associação estatisticamente significante (p-valor<0,05), para todas as categorias de trajetórias estudadas, demonstrando que a mulher atendida no serviço público, tem uma maior tendência a ser submetida a um parto normal, enquanto aquela do serviço privado prevalece o parto cesáreo. Desta forma, a realização da cesárea está diretamente associada com o serviço de atendimento. Houve uma associação, estatisticamente significante, tanto para as trajetórias semiplenas como para as plenas, em relação à parturição. E o que se constatou foi que, mesmo tendo-se um número um pouco maior de primíparas, o parto normal é mais realizado entre as multíparas. Entre as primíparas, mesmo que seu desejo inicial fosse pelo parto normal, existiu uma tentativa maior pela realização de cesárea. O fato de ter havido parto anterior por cesárea, também apresentou uma associação, estatisticamente significante, para as trajetórias (CC e NC), confirmando o já descrito na literatura, que “uma vez cesárea sempre cesárea”.

Considerações Finais

Existe, comprovadamente, um declínio das taxas de cesárea nos serviços públicos do Brasil, provenientes dos efeitos das portarias baixadas pelo Ministério da Saúde, ao longo dos últimos anos, como forma de conter um pouco a epidemia de parto cirúrgico, que cresceu assustadoramente nas décadas de 70 e 80 e só começou a declinar em fins da década de 90.

Avaliando as cesáreas deste estudo por serviço, verificou-se que são muito mais freqüentes entre aquelas do serviço privado do que do público, representando um percentual de 57,1% e de 42,9%, respectivamente, salientando-se, porém, que este valor, para o serviço público, ainda é muito superior ao daquele permitido para hospitais públicos, quando admite taxa de 30,0% e de menor ou igual a 40,0%, quando este é um hospital de referência para o estado (Faundes, Pádua, Osis, Cecatti, et al, 2004). Para a Organização Mundial de Saúde é aceitável uma taxa de cesárea entre 6% e 16%, quando se tem de levar em consideração um conjunto de fatores que possam levar a indicar uma cesárea (Brasil, 2001).

A ocorrência da cesárea, talvez não passe só pelo desejo da mulher, uma vez que esta demonstrou, no decorrer desta pesquisa, que existe um desejo muito maior pelo parto normal do que por uma cesárea e a justificativa para tal é por considerar o parto normal mais natural e sua recuperação ser muito mais rápida.

Ao apresentar a diferença existente entre o parto desejado e o realizado, em relação à paridade, serviço de atendimento, classe social e idade têm-se com mais clareza a interferência da decisão do parto, em relação à condição social e não somente em relação às razões médicas, fato igualmente comprovado porFreitas, Dracher, Leite e Grassi (2005). Na maioria das vezes, a realização do parto cesáreo se concentrou em falta de dilatação, na ocorrência de cesárea anterior e na falta de superação da dor, fatos estes que carecem de uma melhor justificativa, pois quando a dilatação pode ser considerada “duvidosa” segundo Faúndes e Silva (1998) a questão da cesárea só ocorre para multíparas e a dor, como justificativa, poderia ter sido amenizada com uma analgesia, que foi um procedimento pouco utilizado nos partos normais analisados neste estudo.

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Como formas de justificar o fato destas mulheres não terem realizado seu desejo inicial, podem-se apontar, na maioria das vezes, as razões sociais como os fatores determinantes pela decisão por determinado tipo de parto, principalmente para a realização de uma cesárea, a exemplo daquelas atendidas no serviço privado, que têm seu parto pago por um plano de saúde ou um convênio. Por outro lado, essas mesmas mulheres do serviço privado, sofrem com a frustração de uma não realização de seu desejo pelo parto normal, em decorrência da clara preferência pessoal do médico ginecologista-obstetra em agendar um parto cesáreo. O inverso ocorre com aquelas atendidas pelo serviço público.

Em torno de 53% das entrevistadas, na aplicação do Q2, entrevista realizada poucos dias antes da ocorrência do parto, afirmaram ainda não terem tido conversa alguma com o médico sobre o tipo de parto a que elas seriam submetidas. Esta conversa, quando aconteceu partindo da iniciativa médica, foi apenas para 20,2% delas, concentrando-se um pouco mais entre aquelas provenientes do serviço privado (65,0%) do que do público. A questão referente ao “não saber” o tipo de parto a que ela provavelmente será submetida, demonstra o quanto esta relação entre paciente e médico ainda precisa ser modificada para tornar a hora do parto, mais humanizada e com a participação dela neste momento ímpar em sua vida. Por se ter, no estudo em análise, um número maior de primíparas, é com maior razão que se esperaria aconselhar a uma preparação ao trabalho de parto – PTP, para que esta viesse a ter mais confiança no médico e ele pudesse repassar uma maior segurança, fazendo-a crer que a decisão do parto se dará muito mais por necessidade do que por vontade própria, conforme enfocado pelos autoresPires, Cecatti e Faúndes (1999).

É provável que esta falta de esclarecimento sobre o tipo de parto esteja sendo refletida por essa demanda frustrada de mulheres da trajetória de desejo por um parto normal e finalizar em cesárea, que atingiu um contingente de 68%. Esta decepção foi mais expressada entre aquelas do serviço privado. As primíparas justificam esta decepção com a conduta médica, pelo entendimento de ter sido “melhor para o bebê”, enquanto para as multíparas, elas se expressam com conformismo, uma vez que até poderiam imaginar fazendo uma cesárea, em decorrência ao “parto anterior ter sido cesárea” (50,0%), o que não reflete sua verdadeira vontade, pelo fato dela ter sempre expressado o desejo por um parto normal. Na verdade, não se tem uma resposta concreta para a ocorrência do fato, pois o mesmo não acontece para aquelas provenientes do serviço público, onde existe um maior contingente de mulheres (71,6%) e estas percorrendo a trajetória NNN, ou seja, de normal para Q1, Q2 e Q3. Por isso, é difícil afirmar que esta contradição não aconteça, em virtude de haver uma política não muito favorável ao parto normal ou mesmo a uma tomada de decisão médica. Isto decorre da falta de experiência médica com o parto normal, pois o que se pode constatar é que a falta de uma prática maior e mais efetiva na PTP, poderá levar a um a risco significativo de ocorrência de cesárea, quando olhando fatores como hora do parto, falta de uma analgesia, uma cicatriz uterina prévia (Cecatti, Andreucci, Cacheira, Pires et al, 2000).

As mulheres do estudo também não dispõem de informação mais completa, apesar de 70,7% ter tido acesso a alguma matéria sobre gestação. Esta informação foi proveniente de jornais/revistas para 65,0% e 48,0% mencionaram a TV, como meio de informação. Os demais meios de comunicação como o rádio, livros, as palestras, vídeos ou outras fontes, não foram informativos para as entrevistadas numa média de 88,6%, o que demonstra uma necessidade de intervenção, quando o próprio serviço de saúde deveria promover este tipo de ciclos de palestras, apresentação de vídeos ou folhetos explicativos.

Não se pode afirmar, de forma contundente, que exista a interferência do parto anterior na trajetória por dado tipo de parto. Contudo, é possível dizer que esse pode ser um

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fator que leva a esta decisão, especialmente pela cesárea, uma vez que 36,4% das mulheres que fizeram cesárea, naquela ocasião, já haviam sido submetidas a uma cesárea anterior.

Para a decisão da realização de uma cesárea, fica clara a interferência do profissional obstetra e a pouca interferência da paciente ou de alguém mais próximo como o marido ou a mãe, quando 50,4% das mulheres pesquisadas, não participam dessa decisão, o marido foi ouvido em 16,8% e a família em apenas 6,7%. O número de cesáreas realizadas atendendo a um pedido da mulher foi de 16,0% na amostra investigada. Logo, na verdade, quem decide a que tipo de parto a mulher deverá ser submetida é o médico. Essa é uma questão que necessita ser enfrentada e debatida especialmente porque são as primíparas do serviço privado que mais negam ter pedido para fazer uma cesárea. Esta situação foi similar àquela encontrada em São Paulo (Souza, 2002), revelando a atuação do fator econômico, como determinante na definição do tipo de parto.

Esses resultados poderão contribuir para entender o retrato da satisfação das mulheres (119) por terem conseguido realizar o parto cesáreo, tanto pelo serviço público como pelo privado. O relato de satisfação ou insatisfação mostrou que existe mais insatisfação naquelas provenientes do setor privado (71%) do que naquelas do SUS (29%). Com relação à concordância com o procedimento médico, foram também as mulheres atendidas pelo serviço privado que expressaram maior grau de satisfação (55%). Das 224 mulheres que responderam sobre a satisfação com o procedimento de acordo com a trajetória percorrida, foi a da trajetória NNN, ou seja, normal sempre e que teve 93,3% de mulheres satisfeitas, seguida da NNC, que parte de um desejo por normal e finaliza em cesárea com 66,2%. Porém, foi também nesta trajetória o maior grau de insatisfação (19,7%) e de indiferentes (14,1%).

Não existe uma razão única que seja predominante entre elas. Cada grupo de mulher, primípara ou multípara, do serviço público ou privado, tem uma razão predominante, o que na verdade, não garante que a cesárea tenha sido feita por uma necessidade. Nas justificativas apontadas para a realização da cesárea, as multíparas do serviço público predominaram com a inadequada “posição do bebê”. Para aquelas do serviço privado foi referida a “falta de dilatação”. Entre as primíparas do serviço público a “pélvis estreita” e do privado a “falta de dilatação”.

Vale destacar que a cesariana não foi o parto predominante em Natal e nem também o mais solicitado a pedido. Portanto, pode-se afirmar que ele é realizado muito mais por uma decisão médica e que a paciente, ou qualquer familiar seu, não interfere nesta decisão. Assim, este estudo chama atenção não só para uma maior preparação do obstetra para a prática do parto normal, mas também, para sua consciência ética nos procedimentos obstétricos, especialmente para os que atendem no serviço privado (conveniado ou particular), não se pretendendo, porém, invadir o seu poder de decisão frente às evidências médicas, por si só, incontestáveis.

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Referências Bibliográficas

1. Conselho Federal de Medicina. Taxas de cesarianas no Brasil são as mais elevadas do mundo. Brasília, 2006, 21(158): 20-21. jan./mar.

2. Brasil, Ministério da Saúde. Saúde das Mulheres no Brasil: subsídios para as políticas públicas de saúde. Leão EM. E Marinho, LFB. Revista do MS. Ano.3 n.6.out.2002.

3. Potter JE, Berquó E, Perpétuo IGHO, Leal OF, Hopkins K, Souza MR, et al. Unwanted cesarean section among public and private patients in Brazil: prospective study. BMJ. 2001; 323 (7322):1155-8.

4. Potter, JE et al. Unwanted cesarean sections among public and private patients in Brazil: Prospective study. BMJ, 323:1155-1158, 2001Cury AF e Menezes PR. Fatores associados à preferência por cesareana. Rev. Saúde Pública: 2006; 40(2):226-32.

5. Souza, MR. Parto: entre o desejo e a realização. XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), ANAIS, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 20002.

6. Costa, NDL; Formiga, MCC; Ramos, PCF; Paes, NA. Desejo, intenção e comportamento na saúde reprodutiva: a prática da cesárea em cidade do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 5, vol.28, nº7, Rio de Janeiro, Julho de 2006, p 388-3396.

7. Costa, NDL; Paes, NA; Ramos, PCF e Formiga, MCC. A prática da cesárea e a desigualdade social: o caso de Natal, cidade do Nordeste do Brasil. XI Congresso Mundial de Saúde Pública e VIII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, ANAIS – Livro de Resumos, realizado no Rio de Janeiro, Brasil de 21 a 25 de agosto de 2006.

8. Faudes A; Pádua, KS de; Osis, MJD; Cecatti, JG e Sousa, MH de. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Rev. Saúde Pública, v(38), n(4), São Paulo, Agosto 2004.

9. Brasil, Ministério da Saúde/CEBRAP. Estudo multicêntrico para avaliação das cesáreas no país após as portarias nº. 2816 e nº. 867 do ministério da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. (relatório final de pesquisa).

10. Freitas PF, Dracher ML, Leite JCC, Grassi PR. Desigualdade social nas taxas de cesariana em primíparas no Rio Grande do Sul. Rev. Saúde Pública. São Paulo, 2005; 39(5):761-7.

11. Faúndes, A.; Silva, JLP. O equilíbrio entre o parto vaginal e a cesárea na assistência obstétrica atual. Femina, 1998; 26: 669-73.

12. Pires, HMB, Cecatti JG e Faúndes A. Fatores associados à prova do trabalho de parto em primíparas com uma cesárea anterior. Rev. Saúde Pública. São Paulo, 1999; 33(4):342-8. 13. Cecatti, JG; Andreucci, CB; Cacheira, PS; Pires, HMB; Pinto e Silva, JL; Aquino, MMA de. Fatores Associados à Realização de Cesárea em Primíparas com uma Cesárea Anterior. Rio de Janeiro. Rev. Bras. de Ginecol. e Obstet. 22(3): 175-179, 2000.

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14. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. Departamento de Estatística. Grupo de Estudos Demográficos. Banco de Dados do Estudo Multicêntrico sobre Saúde Reprodutiva do Brasil: dados do Rio Grande do Norte. Natal, 2000.

Agradecimentos:

Os autores agradecem o consentimento da coordenação geral do Estudo Multicêntrico sobre a Saúde Reprodutiva no Brasil, para trabalhar as informações referentes à Natal, no estado do Rio Grande do Norte, cujos resultados são parcialmente apresentados neste trabalho. Esta pesquisa teve o apoio financeiro do Population Research Center (PRC), do National Institute of Health (NIH) e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Contou com o apoio da PROPESQ/UFRN, ao conceder uma bolsa de Iniciação Científica no período de 2 anos.

Endereço para correspondência:

NILMA DIAS LEÃO COSTA.

Rua Graciliano Ramos 2899. Capim Macio, Natal/RN. CEP. 59080-070. Fone/fax residencial: (0xx) 84. 3217.4324.

Departamento de Saúde Coletiva da UFRN. Fone/fax. (0xx) 84. 3215.4321. e-mail: nilma@ufrnet.br

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