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Indícios sincrônicos de gramaticalização: o uso do verbo chegar em orações coordenadas e na perífrase verbal [chegar (e) + v2]: contribuições para o ensino de gramática.

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM. INDÍCIOS SINCRÔNICOS DE GRAMATICALIZAÇÃO: O USO DO VERBO CHEGAR EM ORAÇÕES COORDENADAS E NA PERÍFRASE VERBAL [CHEGAR (E) + V2]: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA. AURICÉLIA DE MACEDO. NATAL 2008.

(2) 2. INDÍCIOS SINCRÔNICOS DE GRAMATICALIZAÇÃO: O USO DO VERBO CHEGAR EM ORAÇÕES COORDENADAS E NA PERÍFRASE VERBAL [CHEGAR (E) + V2]: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA. Por AURICÉLIA DE MACEDO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Lingüística Aplicada. Orientadora: Tavares.. NATAL 2008. Profª. Drª. Maria. Alice.

(3) 3. AURICÉLIA DE MACEDO. INDÍCIOS SINCRÔNICOS DE GRAMATICALIZAÇÃO: O USO DO VERBO CHEGAR EM ORAÇÕES COORDENADAS E NA PERÍFRASE VERBAL [CHEGAR (E) + V2]: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA. Dissertação de Mestrado, defendida por Auricélia de Macedo, aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de Lingüística Aplicada, aprovada pela banca examinadora.. Apresentada em: ___/___/___. BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Profa. Dra. Maria Alice Tavares Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora ___________________________________ Profa. Dra. Maria Medianeira de Souza Universidade Estadual do Rio Grande do Norte Examinador externo ____________________________________ Profa. Dra. Maria Angélica Furtado da Cunha Universidade Federal do Rio Grande do Norte Examinador interno.

(4) 4. Dedico este trabalho a Vinicius, porque, apesar das dificuldades, não imagino a vida sem você..

(5) 5. AGRADECIMENTOS. À professora Maria Alice Tavares, em primeiro lugar, pela orientação, ao mesmo tempo tranqüila e segura, pelo estímulo e a dedicação. À Maria do Céo, pela amizade leal e sincera e por acreditar no meu potencial. À Aurizete, pelo apoio sincero que só uma grande irmã pode oferecer. À minha mãe, Maria, pela compreensão, porque sem seu apoio este trabalho não seria possível. Agradeço..

(6) 6. RESUMO Com base no referencial teórico do Funcionalismo Lingüístico norte-americano, nossa proposta é descrever e analisar o uso do verbo CHEGAR em perífrases verbais do tipo [CHEGAR (E) + V2], em que CHEGAR não manifesta significado ligado a movimento físico. Na literatura lingüística, a tais perífrases têm sido atribuídas funções variadas, relacionadas à aspectualização, à ênfase de trechos narrativos e à construção de espaços mentais, entre outras. Neste estudo, consideramos que a função do verbo CHEGAR nas perífrases em questão é indicar aspecto global, ressaltando um leque de nuanças semântico-pragmáticas como o caráter repentino, instantâneo ou até brusco do evento referido pelo verbo principal da construção (V2), e/ou a tomada de iniciativa (súbita) do agente (no papel sintático de sujeito da perífrase), e/ou avaliações subjetivas que vão da surpresa à frustração. Nossos objetivos são: (i) descrever e analisar as relações semânticopragmáticas, morfossintáticas e sociais que caracterizam o uso de CHEGAR em perífrases verbais do tipo [CHEGAR (E) + V2] e em orações coordenadas/justapostas em que CHEGAR é o verbo principal da primeira oração e um verbo de elocução é o verbo principal da segunda oração; (i) identificar, com base nessa descrição e análise, indícios sincrônicos da gramaticalização de CHEGAR como verbo auxiliar nas referidas perífrases. Observamos haver forte similaridade entre as construções coordenadas/justapostas e perifrásticas. Tais similaridades fortalecem a hipótese de que o uso de CHEGAR como verbo lexical na estrutura coordenada/justaposta é a fonte dos usos de CHEGAR na estrutura perifrástica, uma vez que várias das propriedades que encontramos com grande freqüência no uso lexical estão também presentes com grande freqüência no uso auxiliar. Todavia, entre as duas construções sob enfoque observam-se diferenças suficientes para se considerar que CHEGAR, na perífrase [CHEGAR (E) V2], comporta-se como verbo auxiliar, pois manifesta propriedades típicas desse tipo de verbos: (i) não seleciona complemento em 100% das ocorrências; (ii) possui sujeito correferencial ao de V2 em 100% das ocorrências; (iii) não aparece com material interveniente entre si e V2. Com inspiração nos resultados obtidos, propusemos estratégias para a abordagem da perífrase [CHEGAR (E) V2] nas escolas de nível fundamental e médio. Palavras-chave:. perífrase. [CHEGAR. gramaticalização, ensino de gramática.. (E). V2],. oração. coordenada/justaposta,.

(7) 7. ABSTRACT Based on North American Functional Linguistic Theory, our proposal is to describe and analyze the use of verb CHEGAR in verbal periphrasis such as [CHEGAR (E) + V2], where CHEGAR does not demonstrate a significance linked to physical movement.. In. linguistic literature, such periphrasis has been attributed several functions, related to aspectualization, emphasis of negative segments, and construction of mental spaces, among others. This study considers that the function of verb CHEGAR in the periphrasis in question is to indicate a global aspect, emphasizing a range of semantic-pragmatic nuances such as the sudden, instantaneous, or even abrupt character of the events refered to by the principal verb of the construction (V2), and/or the taking of initiative (sudden) by the agent (in the syntactic role of periphrastic subject), and/or subjective evaluations which go from surprise to frustration. Our objectives are the following: i) to describe and analyze the semanticpragmatic, morphosyntactic and social relationships which characterize the use of CHEGAR in verbal periphrases like [CHEGAR (E) + V2] and in coordinated/juxtaposed speech in which CHEGAR is the principal verb of the first utterance and is an elocution verb and the principal verb of the second; ii) identify, based on this description and analysis, synchrony proof in the grammaticalization of CHEGAR as an auxiliary verb in the periphrasis refered to. There was observed to be a strong similarity between coordinate/juxtaposed and periphrastic constructions. Such similarities strengthen the hypothesis that the use of CHEGAR as a lexical verb in coordinate/juxtaposed structures is the origin of the use of CHEGAR in the periphrastic structure, since the many properties encountered with higher frequency in lexical use are also just as frequently used as auxiliaries. Nevertheless, between the two constructions being studied, sufficient difference can be observed to see that CHEGAR, in the periphrasis [CHEGAR (E) V2], is behaving like an auxiliary verb, and shows typical properties of these types of verbs: i) in 100% of occurrences, it does not have a complement; ii) it has a co-referential subject in 100% of cases; iii) it does not appear with intervening material between it and V2. Besides this, CHEGAR, in periphrases, is predominant in nonneutral evaluation contexts, denoted by V2. Inspired by the results obtained, we propose strategies for the discussion of the [CHEGAR (E) V2] periphrases in both elementary and high schools. Key. words:. periphrasis. [CHEGAR. grammaticalization, teaching of grammar.. (E). V2],. coordinated/juxtaposed. speech,.

(8) 8. LISTA DE TABELAS Tabela 1: Relação referencial entre os sujeitos de V1 e de V2 Tabela 2: Forma de expressão do sujeito de V1 e de V2 Tabela 3: Pessoa do sujeito de V1 e de V2 Tabela 4: Tempo/modo de V1 e V2 Tabela 5: Presença da conjunção E entre V1 e V2 Tabela 6: Presença de pausa entre V1 e V2 Tabela 7: Presença de material interveniente entre V1 e V2 Tabela 8: Extensão do material interveniente Tabela 9: Natureza da avaliação do falante Tabela 10: Tipo de discurso Tabela 11: Modalidade da língua Tabela 12: Plano do discurso Tabela 13: Sexo dos informantes Tabela 14: Idade/escolaridade dos informantes.

(9) 9. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10. 2. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................ 19 2.1 A GRAMATICALIZAÇÃO .................................................................................. 20 3. GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO ............................................................... 24 3.1 VERBOS LEXICAIS E VERBOS GRAMATICAIS ........................................... 24 3.2 TRAJETÓRIAS DE MUDANÇA: O CASO DO VERBO ................................... 28 3.3 PROPOSTAS REFERENTES AO VERBO CHEGAR ........................................ 30 3.3.1 ASPECTO .......................................................................................................... 31 3.3.2 ASPECTO INCEPTIVO E ASPECTO GLOBAL ............................................. 33 3.3.3 ÊNFASE/REALCE DE TRECHOS NARRATIVOS ....................................... 35 3.3.4 CONSTRUÇÃO DE ESPAÇO MENTAIS ....................................................... 37 3.3.5 NUANÇAS SEMÂNTICO-PRAGMÁTICAS DO ASPECTO GLOBAL ....... 38 4. METODOLOGIA ................................................................................................. 42 5. CONSTRUÇÕES COORDENADAS/JUSTAPOSTAS VERSUS CONSTRUÇÕES PERIFRÁSTICAS ........................................................ 49 5.1 ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................................... 49 5.2 CONCLUSÕES RELATIVAS À ANÁLISE DOS DADOS .............................. 75 6. CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA ............................ 78 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 84.

(10) 10. 1. INTRODUÇÃO. [...] os vestígios da mudança lingüística estão dispersos, como relíquias de outrora, ao longo da paisagem sincrônica. (GIVÓN, 1979, p. 83) [...] a polissemia sincrônica e a mudança histórica de significado realmente fornecem os mesmos dados. (SWEETSER, 1990, p. 9). Neste capítulo, apresentamos nosso objeto de estudo, nossas justificativas para a realização desta pesquisa, o objetivo geral, os objetivos específicos e as hipóteses. Além disso, também apresentamos as razões pelas quais optamos pela realização de uma pesquisa de natureza sincrônica. Com base no referencial teórico do Funcionalismo Lingüístico norte-americano, nossa proposta é descrever e analisar aspectos semântico-pragmáticos e morfossintáticos que caracterizam o uso do verbo CHEGAR em perífrases verbais do tipo chegou e disse, em que CHEGAR não manifesta significado ligado a movimento físico. Na literatura lingüística, a tais perífrases têm sido atribuídas funções variadas, relacionadas à aspectualização, à ênfase de trechos narrativos e à construção de espaços mentais, entre outras. Discutimos e exemplificamos essas funções no terceiro capítulo, porém antecipamos aqui que optamos por adotar uma delas, a que diz respeito ao plano da aspectualização. Além de descrever e analisar ocorrências dessas perífrases, que tanta polêmica têm gerado na literatura da área, pretendemos, com base nessa descrição e análise, mapear indícios reveladores de como CHEGAR passou a ser utilizado nas perífrases sob enfoque, isto é, pretendemos mapear indícios das etapas de seu percurso de gramaticalização de verbo pleno a verbo auxiliar. A gramaticalização é o processo de rotinização pelo qual uma palavra ou construção lexical freqüentemente utilizada em contextos específicos pode passar a integrar a gramática de uma língua e, uma vez tendo se tornado parte dessa gramática, pode adquirir funções ainda mais gramaticais. Entre outros, a gramaticalização envolve processos de transferência da referência de um universo mais concreto para um mais abstrato no plano do significado, e processos de transformação de colocação sintática relativamente livre a construções altamente fixas em termos morfossintáticos, inclusive através da fusão de termos (cf. HOPPER; TRAUGOTT, 2003; BRINTON; TRAUGOTT, 2005). A gramaticalização é abordada mais detidamente no segundo capítulo, em que apresentamos nosso referencial teórico..

(11) 11. Observem-se os seguintes dados, extraídos de textos escritos:. (1) Hoje em dia as pessoas não pensam mais em namorar, só querem chegar beijar, sem compromisso. (Vestibular UFRN, 2004) (2) Podemos dizer que o significado de “seis” nesse contexto é convencionado para um certo grupo de pessoas que compartilham um conhecimento específico. Por exemplo, se alguém diz: “seis é o resultado da adição de três mais três” (3+3=6), ou “seis é um elemento do conjunto dos números naturais”, acredita-se que tais significados serão bem aceitos pela maioria da população. Certamente, o mesmo não ocorrerá se alguém chega e diz: “seis significa dedicação e proteção”. Tal enunciado causará no mínimo um estranhamento (exceto para aquelas pessoas que, como já foi dito, detêm um mesmo conhecimento específico). (N., 2° semestre de 2004, aluno do quarto período do Curso de Letras, UFRN)1. O que os trechos destacados acima possuem em comum? Neles, temos a perífrase alvo deste estudo, que é composta pela adjunção de dois verbos, sendo um deles, o primeiro, CHEGAR. Nessa perífrase, CHEGAR atua como verbo auxiliar, caracterizando o evento referido pelo segundo verbo, o verbo principal, como de ocorrência súbita e/ou inesperada, entre outras nuanças passíveis de serem adicionadas por CHEGAR ao verbo principal ao qual serve como auxiliar (cf. terceiro capítulo). Doravante, passaremos a nos referir a essa perífrase como [CHEGAR (E) V2]. Há outros verbos que desempenham a mesma função de CHEGAR, como IR, VIRAR e PEGAR. Vejamos alguns exemplos, também provenientes da modalidade escrita da língua:. (3) Quando cheguei em casa, tentei não fazer barulho, mas minha mãe estava me esperando, pois minha roupa estava toda manchada. Depois de levar uma bronca de manhã bem cedo, eu e minha mãe fomos comprar uma roupa igual aquela, mas quando cheguei na loja era a última roupa e a moça foi e comprou. Essa é a minha estória muito azarada. (Rio de Janeiro, informante F., de 9 a 12 anos, 4ª série do ensino fundamental) (4) Querida, o sujeito não pediu seu telefone por um motivo muito simples: ele não está interessado e não vê diferença entre você e a samambaia da sala da mãe dele. E se ele não pediu você não vai virar e dar o número, certo? 1. Os dados de CHEGAR, IR, VIRAR e PEGAR de textos escritos foram extraídos de Tavares (2007)..

(12) 12. Aliás, esse já seria um bom motivo para parar de falar dele para todas as suas amigas. (UMA, ano 8, n° 77, fevereiro 2007, p. 71, “9 dicas de etiqueta para o sexo casual”). Consoante Tavares (2007), Nessa função, os verbos em tela (V1) não selecionam argumentos, sendo a estrutura argumental da perífrase atribuída a V2, um verbo pleno que ocupa a posição de núcleo do sintagma verbal, isto é, trata-se do verbo principal. V1 geralmente exibe marcas de tempo, aspecto, modo, pessoa e número idênticas às de V2, e comporta-se como uma espécie de auxiliar, cujo papel gramatical é ainda pouco claro, razão pela qual vem recebendo denominações variadas, de aspectualizador a enfatizador de eventos.2. Neste estudo, focalizamos as perífrases em que o primeiro verbo é CHEGAR e em que o segundo verbo é um verbo de elocução,3 pois, na amostra de dados por nós selecionada, o Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998),4 apenas mapeamos ocorrências da perífrase [CHEGAR (E) V2] em que V2, o verbo principal, é de elocução. Vejamos alguns exemplos provenientes da amostra de dados utilizada nesta pesquisa:. (5) o que a gente vê demais e que tá sendo apregoado por aí é que a pessoa é ruim... ruim... ruim... ruim... aí resolve ficar bom e passa pra outra religião... né... no caso... tão procurando a Assembléia de Deus... porque é a única que diz que na hora que você se arrepende de seus pecados... você passa a ser bom... automaticamente... eu acho que não é assim... sabe Sheila? Não é você chegar e dizer assim... vou ficar bom agora... e de repente ficar bom... primeiro você tem que se descobrir... esse lado bom que você tem (Informante D., Terceiro grau). 2. Conferir a distinção entre verbo pleno e verbo auxiliar no terceiro capítulo.. 3. Verbos de elocução, enunciação ou dicendi são introdutores de discurso direto ou discurso indireto, isto é, são. usados em orações que descrevem uma transferência de informação iniciada por um sujeito agente. O complemento direto representa a informação transferida, o conteúdo do que se diz. Alguns exemplos: dizer, falar, perguntar, responder, sussurrar, exclamar, declarar, afirmar, etc. 4. Descrevemos o Corpus Discurso & Gramática detalhadamente no quarto capítulo, referente aos procedimentos. metodológicos que adotamos..

(13) 13. (6) “vocês esse ano vão ter uma premiação diferente... não como todos os outros anos... mas... tem esse ano... eu quero o congressista modelo... não é... o congressista que mais participa... que tava presente em tudo... que tá sempre ali ajudando a algum jovem... a organizar as coisas... as outras ( ) e tudo mais... então eu observei isso em uma pessoa... aí a gente queria entregar o prêmio a uma pessoa... a gente vai chamar o pastor Martins que é pastor da igreja pra entregar o prêmio a essa pessoa”... aí Regina chegou e disse bem assim... “é Gerson... pastor Antônio Martins não sabe quem é não?” aí eu pensei que era Júnior... (Informante G., Segundo Grau) (7) aí eu sei que passaram uns dias... tudo bem... aí quando ela tava tomando banho de espuma... já tava bem habituada né? bem íntima dele... aí já tava na banheira de espuma... e tudo tomando um belo de um banho... aí ele chegou e disse... aí propôs de novo pra ela ficar... mesmo os três dias e disse... aí ela repetiu... “eu fico por tanto”... aí ele disse... “eu dou tanto”... ela... muito mais do que ela pediu... ela chega caiu assim na espuma sabe? Aí ficou super contente... aí ele começou a tomar amizade né? (Informante R., Segundo Grau). Além de considerar os dados referentes à perífrase [CHEGAR (E) V2] que mapeamos no Corpus Discurso & Gramática/Natal, levamos em conta também ocorrências em que CHEGAR é o primeiro verbo de um par de orações coordenadas ou justapostas, nas quais o segundo verbo é de elocução. Observem-se os exemplos:. (8) aí nesse dia... havia comemoração cívica... era dia sete de setembro e a minha amiga Tâmara... ela tinha um irmão que era taifeiro da marinha... e cozinhava muito bem...... então ela chegou lá e disse... “aí... hoje... meu irmão fez um bolo de batata muito gostoso e a gente vai lanchar lá... lá em casa”... porque ela morava perto... então todo mundo se animou pra comer o bolo de batata que o irmão de Tâmara tinha feito... (Informante D., Terceiro Grau) (9) quando a gente faz pesquisas por aí a fora... a gente pergunta às pessoas... se você acredita em Deus eles dizem... né... então se a gente chega numa penitenciária e a genta pergunta...se eles crêem em Deus... eles vão dizer que crêem... né... eu creio em Deus...né... só que eles dizem que até antes mesmo de praticar o que praticaram... eles também criam em Deus...não é? Só que aí não fazem exatamente aquilo... não... não... a prova.

(14) 14. que eles não... não crêem realmente em Deus... é que eles não obedeceram o mandamento quando fala que nós devemos amar o nosso próximo... né... (Informante S., Segundo Grau) (10) mas ô rapaz tímido... tímido demais... mais tímido do que eu... mulher ó eu... porque eu sou tímida... que eu num vou... num sou de chegar assim pro rapaz e falar as coisa... menina...quando eu cheguei perto desse menino... porque eu pensava que ele sabia dançar num sabe? Aí... eu num sabia de nada... aí eu cheguei... menina... eu cheguei...TRUUU((imitação de tremedeira))... porque dá logo uma tremedeira sabe? Quando eu chego perto de homem minha filha... eu começo logo a gelar... ficar fria... me tremendo toda... aí eu cheguei perto dele e disse... “ei... ei vamos dançar?” ele disse... “eu num sei dançar”... aí eu disse... “ai meu Deus do céu”... eu digo... “a então lá vai”... e ficamo conversando lá... (Informante L., Oitava Série). Nesses casos, CHEGAR denota ação; trata-se de um verbo que denota a ação de ‘aproximar-se de um ponto no espaço’, ‘atingir um ponto no espaço’, ‘atingir o termo de ida ou vinda’, ou seja, denota movimento físico. Em contraste, nos exemplos (5), (6) e (7), CHEGAR não expressa movimento físico e não possui a autonomia de um verbo principal, ao integrar-se à conjunção E, e, juntos, somarem-se a um verbo principal. Ocorrências desse tipo inserem-se dentro do que Givón (2001) chama de predicação complexa, fenômeno em que dois verbos são usados simultaneamente e partilham, de vários modos, a carga funcional do complexo verbal. É o que ocorre em (5), (6) e (7), em que há um predicado complexo formado por um verbo aspectualizador (CHEGAR) + a conjunção E + um verbo principal (DIZER). Este último traz o significado referencial do complexo verbal mencionado. Dessa forma, tem-se que, em (8), (9) e (10), há, para codificar cada um dos dois eventos mencionados, duas orações. Essas orações compõem um par coordenado que possui dois verbos: chegar em algum lugar (indicação de movimento físico) e dizer algo, ação que se sucede, em termos temporais, à primeira. Em (5), (6) e (7), por outro lado, há apenas um evento representado por uma única oração. CHEGAR, nesse caso, não expressa um evento diferente do de DIZER, mas sim perde sua autonomia para, via reanálise estrutural, adjungindo-se à conjunção E, originar a perífrase [CHEGAR (E) + V], como ilustrado em (11) e (12) a seguir:. (11) [chegar (lá)] e [dizer] (12) [chegar e dizer].

(15) 15. As relações sintáticas manifestadas no conjunto formado pelos exemplos (8), (9) e (10) e no conjunto formado pelos exemplos (5), (6) e (7) estão representadas em (11) e (12), respectivamente. Em (11), temos duas orações unidas pela conjunção coordenativa E, sendo o núcleo da primeira oração o verbo CHEGAR (cujo significado é ‘aproximar-se de um ponto no espaço’, ‘atingir um ponto no espaço’, ‘atingir o termo de ida ou vinda’), e sendo o núcleo da segunda o verbo DIZER (significando ‘exprimir por palavras’, ‘proferir’). Em (12), temos orações transitivas que têm como núcleo o verbo DIZER, a que se junta CHEGAR para fornecer um traço de caráter súbito e/ou inesperado ao evento a que DIZER se refere. Nesse caso, quanto ao seu papel, CHEGAR atua não como núcleo de sintagma verbal e sim como auxiliar de um verbo pleno. Não é difícil perceber que há similaridades entre as construções em (5), (6) e (7) e as construções em (8), (9) e (10): em ambos os grupos de construções, há dois verbos flexionados, o primeiro dos quais é CHEGAR; esses verbos geralmente codificam o mesmo tempo, aspecto e modo; e pode haver ou não a conjunção E interligando as duas metades de cada estrutura; ademais, o segundo verbo de cada grupo de construções é um verbo de elocução. Dadas tais semelhanças morfossintáticas entre as construções sob enfoque, podemos tecer a hipótese de que as perífrases do tipo [CHEGAR (E) V2], representadas em (5), (6) e (7), derivam historicamente, via gramaticalização, de construções coordenadas ou justapostas, como as representadas em (8), (9) e (10). Essa hipótese nos guia em nossa análise, em que averiguamos indícios sincrônicos da gramaticalização de construções como (5), (6) e (7), através da comparação de suas propriedades morfossintáticas e semântico-pragmáticas com propriedades morfossintáticas e semântico-pragmáticas de construções como (8), (9) e (10). O que nos faculta abordar a gramaticalização das perífrases [CHEGAR (E) V2] de um ponto de vista unicamente sincrônico? Itens ou construções gramaticais passaram por uma evolução lingüística ao longo de sua história, cujos sinais revelam-se, em algum ponto sincrônico, na forma e no significado que assumiram. Daí, conseqüentemente, espera-se que as formas gramaticais sejam polissêmicas, preservando em seus usos atuais traços de significados anteriores. Tais traços permitirão estabelecer os possíveis percursos de gramaticalização percorridos por esses itens, muito embora não haja evidência direta acerca de sua fonte e desses percursos. Segundo afirmam Bybee. et al. (1994), muitas vezes. observam-se evidências esparsas nos múltiplos usos sincrônicos, os quais podem ser tomados como etapas distintas de possíveis trajetórias de gramaticalização. Ou seja, é o que, por hipótese, ocorre com o verbo CHEGAR, atualmente, na fala e na escrita natalense..

(16) 16. Assim, pela viabilidade da realização de um estudo sincrônico, como defendido por Bybee et al., e também por questão de tempo, pois um estudo diacrônico demanda muito tempo para ser realizado, e, ademais, pela provável dificuldade de se encontrar dados da perífrase [CHEGAR (E) V2] em textos escritos em períodos de tempo anteriores ao atual (essa perífrase é freqüente na fala contemporânea, mas bastante rara em textos escritos mesmo nos dias de hoje), decidimos levar a cabo um estudo unicamente sincrônico. Também nos motiva a tratar a relação entre as construções sob análise como uma trajetória de gramaticalização em que CHEGAR tem usos como verbo pleno no ponto de partida (caso, por exemplo, de (8), (9) e (10)) e, no ponto de chegada, usos como verbo auxiliar (caso, por exemplo, de (5), (6) e (7)), o fato de que há relações de significado do tipo +concreto versus +abstrato entre o segundo e o primeiro conjunto de construções. O sentido mais concreto, que tende a ser primário em casos de gramaticalização, é apresentado em (8), (9) e (10), em que CHEGAR expressa movimento físico; já em (5), (6) e (7), o verbo em questão é empregado com um sentido mais abstrato, como aspectualizador de outro verbo, pertencendo, assim, a outra categoria: não se trata de um verbo lexical e sim de um verbo auxiliar. Essa relação entre os significados expressos por CHEGAR reforça nossa hipótese de que ele segue um percurso de mudança via gramaticalização em que ocorre uma transferência de um uso como verbo pleno (em orações coordenadas e justapostas) a um uso como verbo auxiliar na perífrase [CHEGAR (E) V2]. Justificamos a necessidade de nossa pesquisa, em primeiro lugar, por seu ineditismo: não há estudos que abordam a perífrase [CHEGAR (E) V2] no Rio Grande do Norte. Todavia, temos observado a ocorrência freqüente dessa perífrase no português falado na cidade do Natal. Dada a sua freqüência, consideramos que esse uso de CHEGAR já esteja rotinizado na língua portuguesa, o que nos incentiva a desenvolver um estudo que descreva e analise suas propriedades morfossintáticas e semântico-pragmáticas e que evidencie similaridades e diferenças entre as construções coordenadas/justapostas e as construções perifrásticas em que o verbo CHEGAR é o primeiro verbo e há um verbo de elocução como segundo verbo. Ademais, trazemos uma contribuição para o ensino de Língua Portuguesa voltado à reflexão sobre a gramática da língua, uma vez que apresentamos, no sexto capítulo, propostas de aplicação em sala de aula, a partir dos resultados obtidos após a análise do fenômeno em estudo. Nesse capítulo, discorremos acerca da importância de uma abordagem a tópicos gramaticais da língua portuguesa com base em textos de gêneros orais e escritos variados, e fornecemos sugestões de atividades práticas, exemplificando com o caso do verbo CHEGAR na perífrase [CHEGAR (E) V2]..

(17) 17. É importante salientar ainda que, além das propriedades morfossintáticas e semânticopragmáticas, consideramos, em nossa análise, também semelhanças e distinções entre as construções coordenadas/justapostas e perifrásticas no que se tange ao contexto social, considerando dois fatores dessa natureza, o sexo dos informantes componentes de nossa amostra, bem como seu nível de escolaridade/idade. Foi possível que realizássemos a averiguação desses fatores de ordem social porque o Corpus Discurso & Gramática/Natal os controla. Em termos de gramaticalização, é válida a investigação de aspectos sociais, pois esse fenômeno de mudança pode ser condicionado por “tipos semânticos, contextos sociolingüísticos, gêneros do discurso, e outro fatores.” (HOPPER; TRAUGOTT, 2003, p. 115). Nosso objetivo geral é descrever e analisar as relações semântico-pragmáticas e morfossintáticas que caracterizam o uso de CHEGAR em perífrases verbais do tipo [CHEGAR (E) + V2] e em orações coordenadas/justapostas em que CHEGAR é o verbo principal da primeira oração e um verbo de elocução é o verbo principal da segunda oração, e identificar, com base nessa descrição e análise, indícios sincrônicos da gramaticalização de CHEGAR como verbo auxiliar nas referidas perífrases. Como objetivos específicos, temos: (a) verificar em quais contextos de ordem lingüística e social predominam o uso das perífrases [CHEGAR (E) + V2] e o uso das orações coordenadas/justapostas sob enfoque; (b) identificar, nos contextos lingüísticos e sociais em que predominam o uso das perífrases [CHEGAR (E) + V2] e o uso das orações coordenadas/justapostas sob enfoque, indícios de ocorrência de um processo de gramaticalização; (c) subsidiar propostas de aplicação pedagógica com base nas reflexões que serão feitas e nos resultados quantitativos e qualitativos que serão obtidos após a análise da construção [CHEGAR (E) + V2].. Temos por hipótese que haverá diversas semelhanças entre as perífrases verbais do tipo [CHEGAR (E) + V2] e as orações coordenadas/justapostas em que CHEGAR é o verbo principal da primeira oração e um verbo de elocução é o verbo principal da segunda oração, o que poderá ser atribuído à relação fonte-alvo que, por hipótese, existe entre tais construções. Todavia, acreditamos que encontraremos também diferenças entre essas construções tanto no plano morfossintático quando no semântico-pragmático e no plano social, as quais poderão ser atribuídas ao resultado da ação da gramaticalização. Se as propriedades de ambas as.

(18) 18. construções sob enfoque fossem as mesmas, teríamos apenas uma construção em jogo e não poderíamos levantar a hipótese de ocorrência de gramaticalização. Alem disso, cremos que a análise da distribuição social das construções em estudo (quanto ao sexo e ao grau de escolaridade/idade dos informantes) permitirá que obtenhamos evidências acerca do grau de disseminação dessas construções na comunidade de fala e escrita natalense. Lembremos que a disseminação social das inovações também é um aspecto significativo do processo de gramaticalização, e, apesar disso, pouco considerado pelos estudos voltados ao tema. Por fim, acreditamos que os resultados que obtivermos e as conclusões a que chegarmos em nossa pesquisa possibilitarão uma discussão rica a respeito do ensino de gramática nas escolas de nível fundamental e médio, e proporemos, com base nesses resultados e conclusões, sugestões práticas para o tratamento de tópicos gramaticais na escola, exemplificando com o caso do fenômeno aqui focalizado. A seguir, temos o referencial teórico (segundo capítulo); uma síntese de estudos que abordam o verbo, especialmente daqueles que o fazem do ponto de vista da categoria aspecto, bem como uma síntese de estudos que tomam como objeto perífrases do tipo [CHEGAR (E) V2] (terceiro capítulo); os procedimentos metodológicos adotados (quarto capítulo); a análise dos dados (quinto capítulo); reflexões e sugestões voltados ao ensino de gramática nos níveis fundamental e médio (sexto capítulo); as considerações finais e as referências bibliográficas..

(19) 19. 2. REFERENCIAL TEÓRICO. Nossa pesquisa tem como referencial teórico os pressupostos do Funcionalismo Lingüístico de vertente norte-americana. Tomando a linguagem como uma atividade sóciocultural e a estrutura lingüística como não-arbitrária, a serviço de funções cognitivas e/ou comunicativas, esse funcionalismo, de orientação especialmente no trabalho dos pesquisadores Talmy Givón, Paul Hopper, Elizabeth Traugott, Sandra Thompson, Bernd Heine e seus correligionários, ao conceber a gramática, parte do princípio de que esta não é autônoma mas dependente do discurso. Em outras palavras, a gramática é, para os funcionalistas, o resultado do processo de regularização que decorre das pressões de uso, portanto, é emergente e jamais estável. Givón (2001) considera como funções principais da linguagem humana a representação e a comunicação do conhecimento. Esta última se concretiza por meio de dois subsistemas: o sistema de representação cognitivo e o sistema de codificação comunicativo, cada um dos quais envolvendo níveis, conforme o quadro abaixo:. Sistema de representação cognitivo Léxico conceptual Informação proposicional Discurso multiproposicional. Sistema de codificação comunicativo Código sensório-motor periférico Código gramatical Código gramatical. Segundo Givón, o léxico consiste numa espécie de mapa cognitivo de nosso universo de experiências, as quais envolvem as físicas/externas, as sócio-culturais e as mentais/internas. Tais experiências são, quanto ao tempo, estáveis, partilhadas socialmente e bem-codificadas (o que significa dizer que há uma correlação, apesar de gradual, mais ou menos estável entre forma e significado). Tem-se daí os conceitos lexicais revelando-se como uma rede de nós interconectados e representados tipicamente por: nomes (entidade relativamente estável no tempo – objeto físico, planta, pessoa, instituição, ou conceitos abstratos); verbos (ação, evento, processo ou relação mais temporária); e adjetivos (qualidade estável ou estado temporário) - memória semântica permanente. Quando conceitos (palavras) são combinados formando a oração, que codifica estados ou eventos dos quais as entidades participam, temos a informação proposicional ou memória episódica. Surge daí o que se pode chamar de discurso multiproposicional, que é a combinação de orações num discurso coerente. Segundo Givón (op. cit., p. 24),.

(20) 20. Pode-se entender o significado de palavras independentemente da proposição à qual pertencem, mas não se pode entender uma proposição sem entender o significado das palavras que a compõem. [...] Pode-se entender o significado de orações independentemente do discurso ao qual pertencem, mas não se pode entender o discurso sem entender as proposições que o compõem.. Qual seria, então, o papel da gramática? Sua função seria a de codificar, simultaneamente, a semântica proposicional e a coerência discursiva (a pragmática). Teríamos, assim, subsistemas gramaticais orientados para o discurso, dos quais eis alguns considerados como os maiores: a) papéis gramaticais (sujeito, objeto direto); b) definitude e referência; c) anáfora, pronome e concordância; d) tempo, aspecto, modalidade e negação; e) transitividade; f) topicalização; g) foco e contraste; h) relativização; i) atos de fala; j) junção oracional e subordinação. Esses subsistemas desempenham funções, simultaneamente, nos níveis oracional e discursivo. Um de nossos objetos de estudo, a perífrase [CHEGAR (E) V2], relaciona-se ao subsistema referente a tempo, aspecto, modalidade e negação, e, mais especificamente, ao aspecto. Já as orações coordenadas em que CHEGAR é o verbo principal da primeira oração relacionam-se ao sub-sistema referente à junção oracional.. 2.1 A GRAMATICALIZAÇÃO. Como a gramática resulta da regularização, em papel funcional, motivada por pressões de uso, de palavras e construções outrora lexicais, ela está em um processo permanente de mudança, sofrendo, constantemente, segundo Givón (1979), perdas e ganhos. A gramaticalização constitui um desses processos de mudança lingüística e é definida como o processo através do qual itens lexicais e construções sintáticas são levados a servir, em contextos lingüísticos específicos, a funções gramaticais, e, uma vez gramaticalizados, podem voltar a desenvolver novas funções gramaticais. (HOPPER; TRAUGOTT, 2003). A trajetória da evolução lingüística que acontece via gramaticalização possui um caráter unidirecional, que é representado através do seguinte esquema processual (GIVÓN, 1979): discurso > sintaxe > morfologia > zero. Explicando esse esquema, temos que um item lexical passa, em determinado contexto, a servir a certa função gramatical ainda não totalmente fixada, mas cujo uso vai, aos poucos, tornando-se mais previsível e regular, donde resulta uma nova construção sintática, que vai.

(21) 21. evoluindo para uma forma ainda mais dependente; com o passar do tempo e o aumento da freqüência de uso, essa construção vem a sofrer desgaste formal e funcional, ocasionando, com o seu desaparecimento, o início de um novo ciclo. O caráter unidirecional desse movimento cíclico apresenta-se quando se postula que, no percurso da gramaticalização, a manipulação conceitual atua sempre se movendo do significado lexical, ou menos gramatical, para outro mais gramatical, e nunca o contrário. Admite-se, entretanto, que uma forma não passa necessariamente por todas essas etapas, podendo, por exemplo, tornar-se um verbo auxiliar sem, mais tarde, virar um morfema. Segundo Givón (2001), a visão de que a gramaticalização é responsável pela migração de itens lingüísticos de categorias lexicais a categorias gramaticais é incompleta por duas razões: (i) formas gramaticais podem originar formas ainda mais gramaticais; (ii) uma vez que as formas lingüísticas demandam contextos e construções específicos para sofrer gramaticalização, a teoria da gramaticalização também se preocupa com o ambiente pragmático e morfossintático em que esse processo ocorre. Sobre gramaticalização, na realidade, existem várias orientações teóricas que foram se desenvolvendo ao longo dos anos, e as quais Heine (2003.) divide em: primeira fase – que corresponde aos estudos dos filósofos franceses e ingleses do século XVIII (Condillac, Tooke); segunda fase – que se deu com os lingüistas alemães do século XIX (Bopp, Schlegel, Humboldt,. Wüllner,. Whitney,. Gabelentz),. quando. Meillet. introduziu. o. termo. gramaticalização e, juntamente com Kurylowicz (1965 apud Heine et al., 1991), valeu-se de descobertas acerca da gramaticalização em estudos de lingüística histórica; terceira fase – com Givón, que abriu uma nova perspectiva para o entendimento da gramática, com seu slogan A morfologia de hoje é a sintaxe de ontem; quarta fase – com os estudos voltados principalmente para a mudança morfossintática nos anos 80 e 90. Tais estudos fundamentamse nas seguintes concepções:. (i). a língua é um produto histórico e deve ser analisada primeiramente em relação às forças históricas que são responsáveis por sua estrutura atual;. (ii). descobertas em termos de gramaticalização devem substituir descobertas confinadas à análise sincrônica;. (iii). o desenvolvimento de categorias gramaticais é unidirecional, indo de significados concretos/lexicais a significados abstratos/gramaticais..

(22) 22. De acordo com Heine (2003), há várias orientações teóricas afiliadas a essas concepções: (i) para alguns, a principal contribuição do campo é oferecer novos modos de reconstruir a mudança semântica (Traugott); (ii) a teoria de gramaticalização é um meio de descrever e explicar a estrutura de categorias gramaticais translingüisticamente (Bybee); (iii) a gramaticalização é (quase) sinônimo de gramática: é gramática emergente (Hopper); (iv) a gramática é o resultado de uma interação entre conceitualização e comunicação, e a teoria da gramaticalização fornece um instrumento para a reconstrução de algumas das bases extralingüísticas da gramática (Heine). Para. aprofundar. as. características. do. processo. de. mudança. denominado. gramaticalização, vejamos outra definição, proposta por Brinton e Traugott (2005, p. 99):. Gramaticalização é a mudança através da qual, em certos contextos lingüísticos, os falantes usam partes de uma construção com uma função gramatical. Ao longo do tempo, o item gramatical resultante pode se tornar mais gramatical ao adquirir mais funções gramaticais e expandir suas classes de hospedeiros.. As principais características da gramaticalização implicadas na definição acima, segundo Brinton e Traugott (2005, p. 99-100), são as seguintes:. (1) A gramaticalização é concebida como uma mudança histórica que resulta na produção de novas formas funcionais. Ela não é simplesmente um processo de adoção ou incorporação de elementos não alterados no inventário. (2) O input (ponto de partida) da gramaticalização pode ser qualquer item armazenado no inventário, de cadeias (be going to) a construções (let us ‘deixe-nos’ > let’s hortativo) e itens lexicais (magan ‘ter força para’ no inglês antigo > may verbo auxiliar no inglês contemporâneo). No entanto, os itens no input devem ser semanticamente gerais. (3) Uma vez que os itens gramaticalizados estejam formados, freqüentemente sofrem mudança posterior em direção ao pólo gramatical do contínuo léxico-gramatical (por exemplo, podem sofrer processos de fusão, etc). Essa é uma mudança de menos para mais gramatical em uma escala de gramaticalidade (G1>G2>G3). (4) O output (resultado) da gramaticalização é uma forma “gramatical”, isto é, uma forma funcional. Em casos mais avançados, a forma pode se tornar semanticamente esvaziada, isto.

(23) 23. é, “desbotada”, e até mesmo não-referencial (por exemplo, do em Did she leave?), ou pode se tornar fonologicamente esvaziada, mas ainda com significado (por exemplo, o morfema zero). (5) O output da gramaticalização pode ser uma forma com qualquer grau de complexidade. Formalmente, esses itens variam de construções gramaticais ou perífrases (G1) a palavras funcionais e clíticos (G2) e a flexões (G3). (6) A gramaticalização é gradual no sentido de que não é instantânea e se desenvolve através de passos bem pequenos e tipicamente sobrepostos, intermediários e, às vezes, indeterminados. (7) A gramaticalização tipicamente envolve fusão com um hospedeiro (em geral, um nome ou um verbo), às vezes seguida de coalescência/redução de seqüências fonológicas (por exemplo, a fusão da perífrase latina (cant)-are habeo ‘infinitivo + haver + 1ª pessoa do singular’ e a subseqüente redução fonológica a um afixo de tempo, como no francês (chant)-erai ‘futuro de primeira pessoa do singular’). Freqüentemente as formas reduzidas e fundidas passam a ser parte de um padrão mais geral de marcação gramatical, como o paradigma de caso ou o de tempo, um fenômeno que Lehmann (1995[1982], p. 135) denomina “paradigmatização”. (8) A gramaticalização também comumente envolve a perda de significados concretos e literais (idiomatização, desbotamento), contrabalançada pelo fortalecimento e eventual semanticização de significados mais abstratos e gerais contextualmente derivados em contextos “ponte” (por exemplo, tornaram-se salientes implicaturas de futuridade contextualmente derivadas de certos usos da expressão be going to com significado de movimento literal). (9) Como a gramaticalização sempre envolve “expansão de hospedeiros”, também envolve aumento na produtividade padrão e de token (produtividade de ocorrências).. A gramaticalização ocorre em duas etapas indissociáveis: (i) a emergência de estratégias gramaticais inovadoras quando da negociação e da adaptação de formas e funções lingüísticas pelos interlocutores em situação de interação; (ii) o processo de disseminação dessas inovações em diferentes âmbitos lingüísticos e sociais. (cf. TAVARES, 2003).

(24) 24. 3. GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO. Nas próximas seções, abordamos os seguintes tópicos: diferenças entre verbos lexicais e verbos gramaticais, trajetórias de mudança por gramaticalização envolvendo verbos, e diferentes propostas quanto à classificação do verbo CHEGAR encontradas na literatura referente à língua portuguesa. 3.1 VERBOS LEXICAIS E VERBOS GRAMATICAIS Como abordamos, nesta pesquisa, o processo de gramaticalização do verbo CHEGAR, que parte de um uso lexical e chega a um uso gramatical, urge definir esses conceitos. O vocabulário das línguas é composto por palavras de dois tipos: lexicais (de conteúdo) e gramaticais (funcionais). Palavras lexicais referem-se a coisas do universo humano – entidades, ações, qualidades –, em seus aspectos biofísicos e sócio-culturais. Os nomes e os verbos costumam ser considerados palavras típicas do âmbito lexical. Em contraste, as palavras gramaticais atuam na organização dos itens lexicais no discurso, participando da estrutura gramatical das orações. Como tal, desempenham papéis variados, entre os quais se destacam: relacionar nomes (preposições), interligar partes do discurso (conjunções), indicar se as entidades e participantes de um discurso já foram identificados ou não (pronomes e artigos), mostrar se eles estão próximos do falante ou do ouvinte (demonstrativos), indicar tempo, aspecto e/ou modalidade (verbos auxiliares, clíticos, afixos, entre outros), sinalizar papel semântico, gênero e número (clíticos, afixos), etc. Tomemos o exemplo da classe dos verbos. São lexicais os verbos correr em Eu posso correr, falar em Eu comecei a falar, refletir em Eu vou refletir, ao passo que são gramaticais os verbos poder (indicando modalidade epistêmica), começar (indicando aspecto inceptivo) e ir (indicando tempo futuro) nos mesmos exemplos..

(25) 25. O quadro a seguir destaca diferenças comumente encontradas entre palavras lexicais e gramaticais: Critério. Palavras Lexicais. Palavras Gramaticais. a. status mórfico. livre. presa. b. extensão fonológica. longa. pequena. presente. ausente. complexa; específica. simples; geral. e. tamanho da classe. grande. pequena. f. entrada de novos membros. aberta. restrita. visão de mundo. gramática. c. acento d. dimensão semântica. g. função. Diferenças entre palavras lexicais e gramaticais Adaptado de Givón (2001, p. 45). Cumpre mencionar ainda que, relativamente ao critério de dimensão semântica, Givón (2001, p. 45-46) informa que as palavras lexicais são semanticamente complexas por agruparem muitos traços semânticos altamente específicos, do que resulta serem membros de muitos campos semânticos.5 Por outro lado, as palavras gramaticais tendem a ser semanticamente mais simples e mais gerais, codificando, comumente, um único traço semântico ou um conjunto pequeno de traços. Quanto ao critério de entrada de novos membros, a incorporação de elementos em uma categoria lexical é relativamente comum, pois palavras surgem periodicamente, bem como desaparecem ou têm seu significado alterado (o que pode implicar mudança de categoria). Segundo Givón, a principal causa da adição de novos membros em uma categoria lexical são modificações no plano sócio-cultural. Em contraste, a entrada de um novo membro em uma categoria gramatical é relativamente restrita e não reflete modificações no plano sócio-cultural e sim no instrumento comunicativo em si. Geralmente, as pressões adaptativas que levam ao surgimento de uma nova palavra gramatical resultam de: (i) elaboração criativa do código; (ii). 5. Givón exemplifica com o caso da palavra “elefante”: seus traços semânticos (isto é, mamífero, herbívoro,. grande, com presas, marfim, tronco, cascos, caça, circo, África/Índia, etc) levam-na a ser membro de vários campos semânticos (por exemplo, classificação biológica, alimentação, tamanho, dentes, material de constituição dos dentes, nariz, casco, caça, entretenimento, geografia, etc)..

(26) 26. truncamento de elementos do código como resultado de processamento rápido; (iii) simplificação das relações entre código e mensagem. Consoante Schlesinger (1995), os significados denotados por verbos lexicais podem ser organizados hierarquicamente em uma escala que parte de verbos que se referem a eventos com maior grau de ação e chega a verbos que denotam eventos com grau baixo de ação. O autor fundamenta-se na proposta de Quirk et al. (1985), com sete tipos verbais, atividade, momentâneo, evento transitório, processo, cognição e percepção inerte, relacional, sensação corporal. Schlesinger faz acréscimos a essa proposta, subdividindo três das categorias, além de acrescentar mais uma, do que resultaram atividade específica e atividade difusa, evento transitório intencional e evento transitório não intencional, estímulo mental e experimentação mental, instância. Tavares (2003) modifica a escala organizada por Schlesinger. A autora estabelece mais duas subdivisões: (i) distingue dos verbos de atividade específica os verbos dicendi, que introduzem discurso direto ou discurso indireto, isto é, são usados em orações que descrevem uma transferência de informação iniciada por um sujeito agente; (ii) diferencia dos verbos de experimentação mental os verbos de atenuação, como achar e pensar, que revelam um distanciamento por parte do falante em relação àquilo que diz ou uma suavização de sua opinião a respeito de certo tema (eu acho que isso é verdade, ao invés de isso é verdade, por exemplo); (iii) adiciona, no final da hierarquia, os verbos de existência e os verbos de estado, desprovidos de traços de ação. A configuração final dessa escala pode ser conferida a seguir:. 1. Momentâneo œ refere-se à atividade repentina, de curta duração: saltar, chutar, bater, derrubar, golpear, quebrar (intencional) 2. Atividade específica œ evoca uma imagem específica escrever, jogar, beber, desenhar, nadar, andar, sorrir 3. Dicendi œ precede a citação ou discurso direto dizer, falar, responder, ordenar, perguntar 4. Atividade difusa œ não evoca uma imagem específica aposentar-se, trabalhar, aprender, mendigar, estudar 5. Instância œ posição corporal estática deitar(-se), recostar(-se), sentar(-se) , pousar (-se), reclinar(-se) 6. Estímulo mental œ o sujeito da oração é o estímulo da experiência mental de outrem impressionar, agradar, surpreender, assustar, espantar, aborrecer.

(27) 27. 7. Evento transitório intencional œ indica se o sujeito permanece em certo lugar permanecer, residir, situar, estar (em um lugar) 8. Evento transitório não intencional œ refere-se a ações não intencionais morrer, cair, desmaiar, adormecer, acordar, quebrar (não intencional) 9. Processo œ mudança não intencional sofrida por um corpo (mais ou menos animado) deteriorar, crescer, amadurecer, transformar, ferver, congelar 10. Experimentação mental œ o sujeito da oração é o experienciador adorar, odiar, desejar, pensar, lembrar, entender 11. Atenuação œ distanciamento ou suavização da opinião achar, pensar 12. Relacional œ representa relações assinaladas pelos homens em seu processo de percepção da realidade: identidade, analogia, comparação, posse, causa, finalidade, conseqüência, etc depender de, merecer, precisar; servir como, assemelhar-se, causar, igualar 13. Sensação corporal œ sensação física machucar-se, doer, ferir, sofrer 14. Existência œ ter, haver, existir 15. Estado œ ser, estar, parecer, ter (olhos azuis) Escala de traços semântico-pragmáticos verbais Fonte: Tavares (2003, p. 234-235). A noção de papéis semânticos é fundamental para o entendimento da estrutura básica do sintagma verbal. Sobre os papéis semânticos que mais dizem respeito ao uso lexical do verbo CHEGAR, quais sejam AGENTE e LOCATIVO, Givón (2001) explicita que AGENTE é o papel atribuído ao participante, tipicamente animado, que age deliberadamente para iniciar o evento e, assim, assume a responsabilidade por esse evento. O nome que codifica esse papel semântico desempenha prototipicamente a função de sujeito de uma oração que denota um evento simples, como em Maria chutou João. Por sua vez, LOCATIVO é o papel atribuído ao “lugar, tipicamente concreto e inanimado, em que o evento ocorre” (GIVÓN, op. cit., p. 107). O nome que codifica esse papel semântico desempenha a função de adjunto adverbial, como em Maria mora em São Paulo. Bybee et al. (1994) apontam que, formalmente, as palavras gramaticais podem ser afixos, reduplicações, auxiliares, partículas, ou construções complexas como be going to do inglês. Os verbos que desempenham papel gramatical são ditos auxiliares e os domínios semânticos mais recorrentemente codificados por eles são tempo, aspecto e modo. Os autores.

(28) 28. apontam a necessidade de distinção entre a perda geral de autonomia decorrente da gramaticalização e a fusão de um item com o verbo. A perda de autonomia ou cliticização gera a dependência e a afixação de um elemento a outro, ao passo que, no processo de fusão, alguns elementos, por sua posição no sintagma e/ou por sua baixa relevância para o verbo, tornam-se dele dependentes, mas não necessariamente se afixam a ele. A fusão é uma etapa avançada de gramaticalização, e não ocorre necessariamente com todos os verbos que se tornam auxiliares.. 3.2 TRAJETÓRIAS DE MUDANÇA: O CASO DO VERBO. Exemplos de certos percursos de gramaticalização são encontrados em diferentes grupos de línguas, o que pode ser atribuído à existência de padrões cognitivos e comunicativos comuns subjacentes ao uso da língua. Tipicamente, verbos lexicais dão origem a verbos auxiliares, via gramaticalização, ao longo da seguinte trajetória de mudança:. VERBO PLENO > VERBO AUXILIAR > AFIXO. Givón (2001), comentando essa trajetória de gramaticalização, defende que verbos auxiliares podem ser entendidos como representando um estágio morfossintático transitório diacronicamente, um estágio que preenche a lacuna entre os verbos principais que possuem argumentos e os afixos de tempo, aspecto e modo. Esses afixos surgem quase universalmente de verbos principais que se gramaticalizam inicialmente como auxiliares e eventualmente se cliticizam antes de atingir o estágio afixal. O autor menciona ainda que os verbos auxiliares exibem. muitas. características. morfossintáticas. de. seus. verbos. fontes.. Bastante. freqüentemente, porém, é preciso considerá-los clíticos verbais, uma vez que não são acentuados e aparecem adjacentes ao verbo. Payne (1997) também cita o fato de que verbos auxiliares normalmente derivam de verbos plenos/lexicais e indica como as fontes mais prováveis para a auxiliarização os verbos que se referem a situações estáticas como ser e sentar, os verbos de movimento como ir e vir e os verbos que tomam complementos, como dizer, acabar, começar, permitir, fazer, querer. Abordando os aspectos semântico-pragmáticos implicados nessas trajetórias de mudança de categoria, Heine et al. (1991) afirmam que a evolução de formas lingüísticas verbais rumo à gramática invariavelmente parte de significados concretos/lexicais (os do verbo pleno/lexical) rumo a significados gradualmente mais abstratos/gramaticais (típicos de.

(29) 29. categorias como verbos auxiliares, clíticos e afixos). Segundo os autores, as fontes translingüisticamente mais recorrentes nos processos de emergência das construções gramaticais em geral são itens lexicais que designam partes do corpo; verbos dinâmicos, de postura e de processos mentais; quantificadores e demonstrativos básicos. Por sua vez, Bybee et al. (1994) apontam a existência de um pequeno conjunto de fontes mais recorrentes, nas línguas do mundo, para a emergência de novos verbos auxiliares, conjunto esse que engloba, em especial, verbos de movimentação, localização física, existência, volição e posse. Heine e Kuteva (2007) apresentam as seguintes trajetórias de gramaticalização envolvendo verbos: verbo > adposição, verbo > advérbio, verbo > aspecto, verbo > marcador de caso, verbo > complementizador, verbo > negação, verbo > marcador de voz passiva, verbo > subordinador, verbo > tempo. Segundo os autores, essas trajetórias são as mais comuns translingüisticamente. No que diz respeito à trajetória verbo > aspecto, de grande interesse para este estudo, Heine e Kuteva informam que. A maioria das línguas do mundo têm sofrido esse processo, pelo qual verbos lexicais assumem a função de auxiliar de outros verbos e se transformam em marcadores de funções aspectuais como progressivo, durativo, habitual, completivo, perfectivo, iterativo, entre outras. (2007, p. 13). Bybee et al. (1994) tecem alguns comentários sobre o significado de morfemas comumente envolvidos em processos de gramaticalização. Segundo os autores, morfemas lexicais geralmente possuem significados muito ricos e específicos que restringem seus contextos de uso. Tal é o caso dos verbos walk (caminhar) e swim (nadar), que codificam vários detalhes sobre a natureza de um movimento, tornando-se, assim, apropriados apenas para certos tipos de sujeito. Todavia, há morfemas lexicais que possuem significado mais generalizado, como os verbos go (ir) e come (vir), que codificam um menor número de especificidades e são, portanto, apropriados em um conjunto de contextos muito maior. Como decorrência, esses verbos são os mais freqüentes entre os verbos de movimento no inglês. Itens lexicais que manifestam tão alto grau de generalidade em termos de significado são os que mais comumente são empregados em construções que sofrem gramaticalização. Por sua vez, os itens gramaticais, descendentes dos itens lexicais, perdem a maioria se não todas as especificidades do significado lexical que codificavam anteriormente; o significado que resta é bastante geral e freqüentemente abstrato ou relacional..

(30) 30. Os autores descrevem o caso do verbo go no sintagma gramaticalizado be going to ou gonna, que possuía, originalmente,. valor semântico pleno de movimento no espaço, e a construção significava ‘o sujeito está em um percurso se movendo em direção a um ponto no espaço’. No uso corrente, porém, não é mais válida a restrição de que o sujeito esteja se movendo no espaço em direção a um ponto, ou seja, essa restrição sofreu erosão ou foi perdida, e o significado da construção é mais geral, qual seja o de que o sujeito está, em qualquer sentido (espacial ou outro), em um curso em direção a um certo ponto final no futuro. Com sujeitos humanos ou animais (agentes capazes de comportamento intencional), o curso pode ter sido estabelecido pelo fato de o sujeito ter decidido fazer algo ou por ser ele um participante em um processo que já tinha começado, como em (1) e (2): (1) I’m gonna be a pilot when I grow up. (2) She’s gonna have a baby. O significado mais generalizado também permite sujeitos que não são capazes de movimento físico e eventos que não envolvem movimento no espaço, como em (3) e (4) (3) The tree is gonna lose its leaves. (4) That milk is gonna spoil if you leave it out. Na verdade, uma forma em estágio mais avançado de gramaticalização não possui restrições selecionais por si só (por exemplo, para selecionar o sujeito); quaisquer que sejam as restrições selecionais que estão em vigor, elas são aquelas do item lexical do qual a forma gramaticalizada é dependente.. A seguir, constam algumas propostas de classificação do verbo CHEGAR na perífrase [V1 (E) + V2] encontradas na literatura referente à língua portuguesa.. 3.3 PROPOSTAS REFERENTES AO VERBO CHEGAR. Na literatura lingüística, o uso de verbos como CHEGAR na construção [V1 (E) + V2] tem sido vinculado à indicação aspectual, mas não há concordância quanto à natureza do tipo de aspecto em jogo. Na seção 3.3.1, tecemos algumas considerações sobre a categoria aspecto. A seguir, nas seções 3.3.2, 3.3.3, 3.3.4 e 3.3.5, apresentamos as classificação de.

(31) 31. CHEGAR e de verbos similares que têm sido propostas na literatura referente à língua portuguesa.. 3.3.1 ASPECTO. O aspecto é uma categoria gramatical não dêitica responsável por descrever a configuração temporal interna dos eventos quanto a graus de desenvolvimento (início, duração, conclusão), em oposição a sua localização temporal (presente, passado, futuro), tarefa esta que é levada a cabo pela categoria dêitica tempo. O aspecto pode ser codificado, dependendo da língua, através de verbos auxiliares, de clíticos e/ou de afixos. Em algumas línguas, o aspecto pode ser combinado com alguma outra categoria, em geral tempo. Conforme Comrie (1981, p. 16), há duas classes aspectuais principais: perfectiva e imperfectiva. Para o autor, “perfectividade indica a visão de uma situação como um todo único, sem distinção das fases que a constituem”; ao passo que o aspecto “imperfectivo presta especial atenção à estrutura temporal interna da situação”. Uma vez que não expressa a estrutura interna de uma situação, o aspecto perfectivo, independentemente da complexidade objetiva dessa situação (isto é, se ela dura por um período considerável de tempo ou não, se ela inclui um número distinto de fases internas ou não), tem o efeito de reduzi-la a um único ponto: todas as suas partes são apresentadas como um todo único. Givón (2001) diferencia aspecto perfectivo de imperfectivo da seguinte forma: o perfectivo focaliza a terminação e a delimitação do evento, e manifesta forte associação com o passado, ao passo que o imperfectivo centra o foco fora da terminação e da delimitação. O autor menciona ainda os aspectos progressivo, durativo e contínuo, ligados à codificação de processo em curso, os aspectos habitual e repetitivo, ligados à codificação de eventos que se repetem; e certos aspectos costumeiramente codificados por verbos auxiliares: iniciação (começar, principiar, etc), duração (continuar, persistir, etc), terminação (acabar, parar, etc), êxito (lembrar, ser capaz de, etc), falha (evitar, recusar, esquecer, etc). Travaglia (1981, p. 150-153) apresenta uma proposta de classificação dos verbos da língua portuguesa quanto ao aspecto, vinculando essa noção à de tempo. Para o autor, o presente do indicativo e o pretérito imperfeito do indicativo geralmente expressam aspecto imperfectivo e o pretérito perfeito do indicativo normalmente marca o aspecto perfectivo. O futuro do presente e o futuro do pretérito não marcam qualquer aspecto, pois esses verbos “[...] marcam o tempo futuro que atribui à situação uma realização virtual, até certo ponto abstrata”, o que anula ou dificulta a percepção das noções aspectuais. Segundo o autor, nos.

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