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A autonomia como fundamento do consentimento livre e esclarecido: análise em face da resolução 466/12 do conselho nacional de saúde

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PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

CAIO ALMEIDA BARBOSA

A AUTONOMIA COMO FUNDAMENTO DO CONSENTIMENTO

LIVRE E ESCLARECIDO: ANÁLISE EM FACE DA RESOLUÇÃO

466/12 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.

Salvador 2017

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A AUTONOMIA COMO FUNDAMENTO DO CONSENTIMENTO

LIVRE E ESCLARECIDO: ANÁLISE EM FACE DA RESOLUÇÃO

466/12 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Orientadora: Profª. Dra. Mônica Neves Aguiar da Silva

Salvador 2017

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A AUTONOMIA COMO FUNDAMENTO DO CONSENTIMENTO

LIVRE E ESCLARECIDO: ANÁLISE EM FACE DA RESOLUÇÃO

466/12 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em ________ de _________________________ de 2017.

Banca Examinadora

Mônica Neves Aguiar da Silva– Orientadora ____________________________________ Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Professora da Universidade Federal da Bahia

Raphael Rego Borges Ribeiro _________________________________________________ Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Professor da Universidade Federal da Bahia

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes ________________________________________ Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Professor da Estácio/FIB

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Ao encerrar esta etapa significativa do caminho por mim escolhido, escrito em espaços diversos, através de vivencias e experiências singulares, perpasso as lembranças de fato, momento e pessoas e, assim, carrego em meu ser um imenso sentimento de solidariedade e de reconhecimento construído ao longo desses anos.

Por conseguinte, quando penso em agradecer, reservo esse espaço para pessoas que, por acompanharem a minha trajetória, foram relevantes para mim.

Primeiramente, agradeço a Deus pelos desafios e oportunidades em que, efetivamente tive a certeza da sua infinita bondade. Ele é a razão de ser de todas as coisas;

A Mônica Aguiar, pela generosidade acadêmica, pelo cuidado, por ter sido canal para o despertamento dessa temática enquanto estudante da disciplina Bioética e Direito e, pelo exemplo de ser humano que é, dotado de simplicidade e humildade acadêmica;

À professora Jéssica Hind, meu muito obrigado, pela presteza, solidariedade e dicas valiosas que contribuíram de maneira significativa para este trabalho.

A Raphael Rego e Belmiro Fernandes, que aceitaram compor a banca, inspirando-me um olhar critico no âmbito da Bioética que, sobremaneira, contribuíram para melhoria e fortalecimento deste trabalho;

Aos amigos do Bacharelado em Humanidades que me acompanharam até hoje, o meu muito obrigado. Nossa amizade será alem fronteiras acadêmicas.

À minha noiva Vanessa Weber, pelas orientações, pelo incentivo e pelo crédito em mim depositados que só fizeram aumentar a minha auto-estima;

À minha família pelo apoio e amor dispensados, notadamente, às tias Any Prazeres e Vera Almeida por tudo que fizeram no intuito de tornar esse sonho em realidade;

À minha mãe Maria José Almeida e minhas irmãs Kely Almeida e Karina Almeida, eixos fundamentais de minha existência, as quais acreditaram e orgulharam-se de cada conquista por mim galgada ao longo desses anos;

Por fim, a Adalgisa Almeida Prazeres, minha avó, e meu pai Adhemar dos Santos Barbosa por tudo o que representaram, representa e sempre representará em minha vida.

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Nós temos uma grande necessidade de uma ética da terra, uma ética para a vida selvagem, uma ética de populações, uma ética do consumo, uma ética urbana, uma ética internacional, uma ética geriátrica e assim por diante... Todas elas envolvem a bioética, (...) Van Rensselaer Potter

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BARBOSA Caio Almeida. A autonomia como fundamento do consentimento livre e esclarecido: análise em face da resolução 466/12 do conselho nacional de saúde. 2017. 75 f. Monografia (Bacharelado) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO

Nos últimos anos, o desenvolvimento de pesquisas em saúde, bem como a relação médico-paciente vem acompanhada de diversas inovações e limitações: uma delas é a questão da autonomia como fundamento do consentimento esclarecido. Atualmente, a concordância do paciente para prosseguimento do feito, tanto no âmbito da pesquisa, quanto no âmbito dos tratamentos médicos, tem ocupado um lugar de relevância crescente, tornando-se uma necessidade. Sabe-se que, na história da humanidade foram cometidos diversos abusos em nome de uma ciência pseudocientífica, movidos pelos mais diversos interesses, os quais causaram danos incalculáveis a diversas pessoas. Sendo assim, na contemporaneidade, os profissionais de saúde e todos os que desenvolvem pesquisas em seres humanos devem fazer uma profunda reflexão ética para evitar que violações sejam repetidas em favor de um suposto avanço cientifico. O desenvolvimento tecnológico, propiciado pela biotecnociência, colaborou de maneira significativa, para que esta situação passasse a ser controlada por regulamentações a fim de garantir que procedimentos e pesquisas fossem aplicadas de maneira ética. Dessa forma, para garantir o bem-estar dos sujeitos da pesquisa, a obtenção do Consentimento Livre e Esclarecido tornou-se obrigatório. Esta monografia teve por objetivo explicitar esse processo, com vistas a contribuir para uma melhor compreensão do binômio autonomia-consentimento no horizonte da ética em pesquisa que envolve seres humanos. Para tanto, o ponto focal foi desenvolvido através da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Para realização desse estudo, foi necessário ter como suporte metodológico a pesquisa bibliográfica e a análise documental das bases normativas do Conselho Nacional de Saúde (a revogada Resolução 196/1996 e sua substituta, a Resolução 466/2012), que legitimam e regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. Apesar do seu legado histórico, ainda hoje é possível depararam-se em situações que representam um verdadeiro obstáculo aos profissionais, tanto da saúde, quanto pesquisadores, no que diz respeito à aplicabilidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pacientes ou participantes da pesquisa em relação às situações em que é necessário o exercício da autonomia. O presente trabalho, ao contrário da maioria dos estudos que questionam a forma do TCLE, tem por finalidade compreender e analisar a sua função, pois conforme as orientações das diversas resoluções e recomendações, o consentido deve ser emitido de modo que o sujeito compreenda todo o procedimento que será a realizado.

Palavras-Chave: Bioética; ética médica; experimentação humana; consentimento esclarecido; autonomia; tomada de decisões.

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ABANT – Associação Brasileira de Antropologia AMM – Associação Médica Mundial

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CFM – Conselho Federal de Medicina CHS- Ciências Humanas e Sociais

CIOMS – Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas CNS - Conselho Nacional de Saúde

CONEP – Conselho Nacional de Ética em Pesquisa GET- Grupo Executivo de Trabalho

GT- Grupo de Trabalho

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INTRODUÇÃO...8

1 ÉTICA E BIOÉTICA...11

1.1 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS APLICADOS A PESQUISA...13

1.2 AUTONOMIA...15

1.3 BENEFICÊNCIA...16

1.4 NÃO MALEFICÊNCIA...17

1.5 JUSTIÇA...17

1.6 VULNERABILIDADE...19

1.7 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...21

2 NORMAS ÉTICAS APLICADAS À PESQUISA ... 25

2.1 REGULAMENTAÇÕES INTERNACIONAIS ... 25

2.2 REGULAMENTAÇÕES ENVOLVENDO SERES HUMANOS NO BRASIL...28

2.3 ÉTICA NAS PESQUISAS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS...30

3 CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 36

3.1 HISTÓRICO ... 37

3.2 CONCEITO ... 43

3.3 FUNÇÃO ... 47

3.4 ELEMENTOS ... 47

3.5 O QUE DIZ O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA ... 53

4 REQUISITOS INDISPENSÁVEIS PARA UMA DECISÃO AUTÔNOMA...54

4.1 INTENCIONALIDADE...57

4.2 COMPREENSÃO...58

4.3 CONTROLE EXTERNO E INTERNO...59

4.4 MODELOS DE DECISÃO SUBSTITUTA...60

4.5 QUATÉRNIO BIOÉTICO...62

5 ANÁLISE COMPARATIVA DAS RESOLUÇÕES 466/12x196/96 DO CNS REFERENTE AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA...65

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...72

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INTRODUÇÃO

A questão da ética em pesquisa, nos últimos anos, tem sido objeto de importantes debates, principalmente no cenário acadêmico.

Pode-se afirmar que tal movimento é consequência do desenvolvimento tecnológico propiciado pela biotecnociência, que é um “paradigma científico, que cria as condições de possibilidade e orienta o conhecimento dos fenômenos e processos vivos, assim como as intervenções que visam a seu controle e transformação”. (SCHRAMM, 2010, p.189).

É diante desta perspectiva que se justifica a necessidade de pesquisar de forma aprofundada esta temática, de onde surgem às seguintes indagações: como têm sido desenvolvidas as pesquisas em seres humanos? Há limites a esse desenvolvimento científico? Vale tudo pela ciência?

São a partir dessas preocupações que surge a Bioética, como resposta às exigências éticas da comunidade científica e da sociedade em geral e, neste sentido, seus princípios basilares norteiam as pesquisas mais recentes.

Sabe-se que, na história da humanidade, foram cometidos diversos abusos em nome de uma ciência pseudocientífica, em decorrência da busca de uma suposta curiosidade que causou danos incalculáveis a diversas pessoas. Sendo assim, na contemporaneidade os profissionais de saúde e todos os que desenvolvem pesquisas em seres humanos devem fazer uma profunda reflexão ética, para evitar que erros sejam repetidos em favor de um suposto avanço cientifico.

A necessidade de criar a regulamentação sobre as práticas de pesquisas científicas surge, inicialmente, com a preocupação da sociedade em relação à contribuição da ciência na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nesse contexto, emanaram diversas discussões e movimentos internacionais para regulamentar as pesquisas envolvendo seres humanos.

A regulamentação dessas pesquisas, bem como a criação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), se deram por força dos acontecimentos históricos e políticos que chamaram a atenção da sociedade, principalmente no âmbito de realização de pesquisas com seres humanos. A exemplo disso tem-se o Tribunal de Nuremberg que teve a finalidade de julgar os criminosos da Segunda Guerra Mundial. Logo após esses julgamentos, foi divulgada a criação do documento que propôs diretrizes éticas ao desenvolvimento de pesquisas experimentais.

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A repercussão internacional desses fatos corroborou para a edição da Declaração de Helsinque, em 1964, pela Associação Médica Mundial. Esse documento tornou-se fundamental no campo da ética em pesquisa com serem humanos e teve considerável influência na formulação de legislação e códigos regionais, nacionais e internacionais.

Pode-se dizer que a pedra regimental dessas normas é o processo de consentimento livre e esclarecido do paciente ou participante de pesquisas.

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo explicitar esse processo, com vistas a contribuir para uma melhor compreensão do binômio, autonomia versus consentimento livre e esclarecido, no horizonte da ética em pesquisa que envolve seres humanos. No entanto, o ponto focal será feito através da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Para realização desse estudo foi necessário ter como suporte metodológico a pesquisa bibliográfica e a análise documental das bases normativas do Conselho Nacional de Saúde (a revogada Resolução 196/1996 e sua substituta, a Resolução 466/2012) que legitimam e regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. Além dessas referidas normas, analisadas em tópicos específicos, foi necessário trazer a baila outras resoluções e recomendações do sistema de regulação do Brasil.

A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. (FONSECA, 2002, p. 32).

A análise documental, por sua vez, é entendida por Severino (2007, p.122) como: fonte dos documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas, sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nesses casos, o conteúdo dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.

O aporte teórico desse trabalho está dividido em cinco partes relacionadas entre si. No primeiro capítulo, pretende-se apresentar a Bioética ao leitor, trazendo em tela as principais questões norteadoras relacionado-as à gênese do termo, de forma clara e objetiva. Dentro da bioética, apresentar-se-á os diversos modelos explicativos que ensejaram a construção de diversas teorias. Alguns conceitos básicos relacionado à pesquisa em seres humanos serão apresentando e, posteriormente, serão explicitados os princípios fundamentais

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relacionados às questões que envolvem pesquisas em seres humanos. A corrente a ser trabalhada será o principialismo desenvolvido por Beauchamp e James F. Childress.

A segunda parte faz um apanhado geral do histórico da normatização da pesquisa em seres humanos em duas perspectivas: internacional e nacional. Menciona alguns dados de atrocidades cometidas pelo homem contra a humanidade, com o fim de alertar a sociedade sobre os perigos da condução de uma pesquisa antiética. A partir de diretrizes internacionais e princípios universais, documentados em declarações e tratados ratificados por diversos países, busca-se a inserção destes na regulamentação existente no Brasil, com um chamado para a reflexão.

Discorre, ainda, sobre a ética nas pesquisas em Ciências Humanas e Sociais com foco na resolução complementar de número 510/16 do Conselho Nacional de Saúde a qual representa um passo importante da luta que vêm mantendo há anos as Associações de Ciências Humanas e Sociais frente à matriz de avaliação da ética em pesquisa com seres humanos, no Brasil, ser predominantemente biomédica.

O terceiro apresenta ao leitor aspectos essenciais relacionados ao consentimento livre e esclarecido, destacando-se seu histórico, conceito, função, elementos. Ainda neste capítulo, será demonstrado o que diz o Código de Ética Médica, importante documento no contexto do consentimento.

O quarto capítulo apresenta os requisitos indispensáveis para uma decisão autônoma, quais sejam: intencionalidade, compreensão, controle externo e interno. Ainda nesta parte, para concatenar as ideias construídas ao longo do texto, tornou-se necessário trazer a baila a compreensão do quatérnio bioético, teoria desenvolvida pela professora Mônica Aguiar como uma proposta para equilibrar o respeito pela autonomia e o princípio da beneficência, de modo a afastar o paternalismo médico.

O quinto e último capítulo, aborda as principais alterações da resolução 466/12 do CNS, frente a sua revogada 196/96 do CNS, principalmente no que concerne ao princípio da autonomia.

Pela extensão teórica do tema, algumas questões fundamentais não foram citadas no presente trabalho de conclusão de curso. Entretanto, espera-se que a partir desse produto a pesquisa, nesta área do saber, aprofunde-se cada vez mais, nos próximos trabalhos ou, até mesmo, nas pessoas que tiverem acesso a este trabalho, pois o objetivo fundamental é levar à sociedade uma explanação sobre o princípio da autonomia como fundamento do consentimento livre e esclarecido.

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1 ÉTICA E BIOÉTICA

Nos países alicerçados pelo regime democrático de direito, as regulamentações de pesquisas envolvendo seres humanos fazem parte das políticas públicas sociais, que têm como objetivo maior ampliar e garantir os direitos e deveres dos cidadãos, principalmente, no que tange à proteção da vida através da dignidade da pessoa humana.

Falar em ética, em seu sentido mais abrangente, implica um exame dos hábitos da espécie humana e do seu caráter em geral.

Com o avanço das ciências, as questões de ética nas pesquisas se tornaram uma necessária e importante ferramenta para a sociedade contemporânea.

A ética em pesquisa com seres humanos, com seu legado histórico, representa a luta e as conquistas de segmentos da sociedade civil, em prol de extinguir a possibilidade de exploração e de assegurar que os participantes da pesquisa sejam tratados com respeito, enquanto contribuem para o bem social.

A palavra “ética” remete à Grécia Antiga e sua etimologia vem de Ethos “modo de ser”, “caráter”, características morais, sociais e afetivas que definem o comportamento de uma determinada pessoa ou cultura.

Segundo Vasquez (1995, p. 5) “a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano”.

Na obra de Comparato (2006, p. 18), o significado oferecido à palavra ética “é bem largo: ela abrange o conjunto dos sistemas de dever-ser que formam, hoje, os campos distintos – e, na maioria das vezes, largamente contraditórios – da religião, da moral e do direito”.

Em sentido amplo, pode-se dizer que um dos principais objetivos da ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela moral e, consequentemente, pelo Direito, conforme considera Jácome:

Na sociedade ocidental contemporânea, a ética tem sido tema recorrente, seja na esfera pública, seja na esfera privada. A ética na pesquisa científica tem suscitado amplos debates, além do campo estritamente acadêmico, os quais ganharam contornos jurídicos de repercussão nacional e internacional, e ampliaram em muito a discussão que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial. (JÁCOME, 2013, p. 16).

Pode-se notar que a ética passou por diversos entendimentos e conceituações no decorrer dos séculos, os conceitos acima apresentados referem-se à ética como uma experiência moral em termos gerais. No entanto, esse conceito se amplia e abre espaço para surgimento de novas disciplinas ou subdisciplina: a bioética.

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No âmbito do nascedouro dessa nova disciplina, a maioria dos autores afirma seu surgimento de forma dicotômica, ou seja, a bioética teria nascido ao mesmo tempo na Universidade de Wisconsin em Madison e, na Universidade de Georgetown em Washington. (FERRER, ALVAREZ, 2005, p.60)

Destaca-se que o pesquisador Van Rensselaer Potter é o responsável pela descoberta em Wisconsin, ao passo que, em Washington, o responsável é André Hellegers, ambos pesquisadores da área da saúde.

Apesar dessa informação sobre o surgimento da Bioética não restam dúvidas, dentro da academia, de que o primeiro pesquisador a empregar a palavra foi Potter em janeiro de 1971 utilizando como título para um livro: Bioethics: Bridge tothe Future. Vale salientar que o pesquisador oncologista, Hellegers, também no mesmo ano, utiliza o termo em nota de rodapé em um artigo de sua autoria.

Segundo Ferrer e Álvarez (2005, p.61), Hellegers teria sido o fundador do primeiro instituto universitário dedicado ao estudo da bioética, seis meses após a publicação do livro de Potter. Além disso, informa que o pesquisador da universidade de Washington trabalha em outra perspectiva, diferente do que Potter tinha desenvolvido.

Neste sentido, Ferrer destaca que “Potter concebeu a bioética como uma nova disciplina que combinaria os conhecimentos biológicos com o conhecimento dos sistemas de valores humanos. No termo bioética, bio representa os conhecimentos biológicos e ética o conhecimento dos valores humanos” (FERRER,ALVAREZ ,2005,p.61)

É certo que essas contribuições deixaram um legado com duas formas distintas de visualizar a nova disciplina.

Para tanto, no presente trabalho, será apresentado o legado deixado por Potter, tendo em vista que se enquadra melhor no contexto da pesquisa em tela.

Para Potter, existia uma brecha entre a cultura das ciências naturais e a cultura das ciências humanas. Assim, nesse entrave, a bioética seria o liame, ou seja, uma ponte, entre essas culturas.

A Bioética, portanto, carrega consigo o desafio de ultrapassar as fronteiras disciplinares em busca de ideias que sejam suscetíveis de verificação objetiva, em termos de sobrevivência futura da humanidade e da melhoria da qualidade de vida das gerações futuras. É preciso alcançar um consenso entre as disciplinas, baseado, na medida do possível no monitoramento das tendências e na qualidade ambiental (POTTER, 2016, p. 31).

Ferrer (2005, p.81), no seu livro “Para Fundamentar a Bioética” vai apontar que o surgimento da bioética está atrelado a três importantes fatores culturais: o florescimento de

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uma cultura de autonomia e da igualdade, os abusos cometidos na pesquisa científica com seres humanos, e o renascimento do interesse pela ética normativa.

Diante desses três fatores apresentados por Ferrer, podemos entender que o surgimento dos comitês de ética em pesquisa está totalmente ligado aos abusos cometidos na pesquisa científica, principalmente, no período da Segunda Guerra Mundial.

Diante dos crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, a ética em pesquisa vai se consolidar e dará início à criação de diversos documentos de ordem nacional e internacional. A exemplo disso, tem-se “A Declaração de Helsinque de 1975 que foi o primeiro documento a propor que protocolos de estudos com seres humanos fossem avaliados por comitês independentes especializados no tema da ética em pesquisa”. (GUILHEM, DINIZ, 2012, p.37)

Diante do que foi apresentado, pode-se afirmar que, hoje em dia, a bioética é considerada como uma subdisciplina da ética filosófica, com características interdisciplinares e de fundamental importância para sociedade.

1.1 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS APLICADOS À PESQUISA

Embora existam diversas concepções acerca da bioética, não se pode duvidar de que os enfoques e as correntes doutrinárias são diferentes conforme a cultura de cada Estado. Em nível de exemplificação, verifica-se que o estudo da bioética na Europa está relacionado com o agir humano, por meio da antropologia filosófica a qual coloca o homem como sujeito em sua globalidade. Nos Estados Unidos, o enfoque muda, apresentando-se em um aspecto individualista com foco na autonomia da vontade.

Diante dessa diversidade de concepções epistemológicas, os diferentes autores da Bioética utilizam modelos explicativos para elaborar as suas propostas teóricas. Essa categorização é importante para permitir navegar, além fronteiras do conhecimento, onde será possível adquirir uma visão ampla das diferentes concepções teóricas que sustentam o pensamento bioético contemporâneo.

Tom Beauchamp e James Childress propuseram a existência de três modelos de

justificação, quais sejam: Modelo Dedutivista - Principialismo; Modelo Indutivista - Casuística;Modelo Coerentista.

Maria do Céu Patrão Neves da Universidade de Açores/Portugal, em seu livro “A Fundamentação Antropológica da Bioética”, propôs uma listagem de modelos explicativos utilizados pelos diferentes grupos de autores da Bioética. Observa-se uma proposta

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interessante, especialmente para permitir que as diferentes leituras sejam entendidas de acordo com o seu referencial teórico.

Os Modelos Explicativos são os seguintes: Modelo de Princípios - Principialismo; Modelo Autonomista; Modelo da Virtude; Modelo Casuístico; Modelo do Cuidado; Modelo Contemporâneo do Direito Natural; Modelo Contratualista; Modelo Personalista.

No presente capítulo, serão apresentados os princípios ligados à corrente principialista, tendo em vista, a natureza da pesquisa e o objetivo proposto.

O modelo principialista surgiu em 1978, como resposta às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, em um víeis institucional.

Segundo Braz et al, no período de 1932 a 1972, três casos norte americanos mobilizaram todo comunidade cientifica são eles:

a) em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônica, em Nova York, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes;

b) entre 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook, em Nova York, injetaram o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental;

c) Em 1932, no Estado do Alabama, no que foi conhecido como o caso Tuskegee, 400 negros com sífilis foram recrutados para participarem de uma pesquisa de história natural da doença e foram deixados sem tratamento. Em 1972, a pesquisa foi interrompida após denúncia no The New York Times. Restaram 74 pessoas vivas sem tratamento.

Diante dessas atrocidades, “o Governo e o Congresso norte-americanos constituíram, em 1974, a National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and

Behavioral Research. Estabelecido, como objetivo principal da Comissão, identificar os

princípios éticos “básicos” que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos, o que ficou conhecido com Belmont Report “(MARELLI, 2013)

O Relatório Belmont, utilizou como referencial teórico três princípios básicos, que deveriam nortear a pesquisa biomédica com seres humanos: a) o princípio do respeito às pessoas; b) o princípio da beneficência; c) o princípio da justiça.

Apesar do grande avanço alcançado em nível de regulamentação no ano de 1979, Tom L. Beauchamp e James F. Childress publicaram o livro Princípios da Ética Biomédica onde

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apresentam uma teoria composta por quarto princípios: não maleficência; beneficência; respeito à autonomia e justiça.

A partir de então, esses quatro princípios tornam-se parte da fundamentação da Bioética. Nota-se que os referidos autores incluem no rol principiológico do Relatório de Belmont o da não maleficência, pois acreditavam ser este de suma importância assim como os outros estabelecidos pelo documento.

“A bioética principialista é amplamente utilizada desde então e possui grande influência sobre os pensadores em saúde Por exemplo, no Brasil a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 196/96 (Brasil, 1996), que aprovou na época as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos no país, em seu preâmbulo, trata sobre os quatro princípios apresentados como quatro referenciais básicos da bioética” (GARRAFA, 2016, p.444)

Por outro lado, diversos autores já lançaram críticas contra essa corrente de pensamento da bioética perante o enfraquecimento da teoria principialista. Outros modelos de análise teórica, anteriormente citados, como da Prof. Dra Maria do Céu, passaram a ser incorporados às normas em pesquisa.

Não obstante, o estudo sistemático de cada um dos quatro princípios basilares da bioética ainda se faz necessário, eis que sustentam toda uma rede dogmática que possa vir a se estabelecer, além de já serem, de certa forma, uma barreira para práticas abusivas.

Nesse sentindo, vale observar, brevemente, cada princípio citado com enfoque nas pesquisas envolvendo seres humanos. Nesse sentido fundamental será a inclusão posterior dos princípios da Vulnerabilidade e da Dignidade da Pessoa Humana.

1.2

Princípio da Autonomia

O vocábulo autonomia deriva do grego autos (próprio), e nomos (norma, regra, lei), que significa autogoverno, autodeterminação.

Identifica-se que o princÍpio da autonomia passou por diversas transformações conceituais. Por muitas vezes, ele foi citado como Princípio do Respeito à Pessoa, Princípio do Consentimento entre outros.

Nesse contexto, John Stuart Mill é o autor responsável por uma das bases teóricas mais utilizadas para tentar definir o princípio da Autonomia, visto que propôs que “sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”. (GOLDIM, 2004)

Dentro da bioética, o conceito de autonomia será apresentado no contexto da tomada de decisão no âmbito biomédico.

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Entende-se por autonomia, “a capacidade que tem as pessoas para se autodeterminar, livres tanto de influências externas que as controlem, como de limitações pessoais que as impeçam de fazer uma genuína opção”. (FERRER, ALVAREZ, 2005, p.123).

Ou seja, um indivíduo autônomo é aquele que é capaz de decidir, ou deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir em conformidade desses.

“Segundo Munoz e Fortes (1998), “a autonomia materializa-se no consentimento livre e esclarecido, que decorre do direito da pessoa autônoma consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que afetem sua integridade”.

Para Paulo Roney Ávila Fagúndez, “a autonomia do paciente não é apenas o resultado de um Estado Democrático de Direito, mas, sobretudo, um reconhecimento da humildade que deve imperar na ciência” (FAGÚNDEZ, 2002, p.43).

Por muito tempo, a autonomia era vista como um princípio central da bioética contemporânea. No entanto, devido às vicissitudes na sociedade, principalmente no âmbito biomédico, esse princípio tem se relativizado e, nesse aspecto, o princípio da justiça, torna-se cada vez mais forte e fundamental.

Aspectos pontuais sobre o princípio da autonomia serão demonstrados no quarto capítulo do presente trabalho de conclusão de curso.

1.3 Princípio da Beneficência

Considerado como núcleo do juramento Hipocrático dentro da ética médica, entende-se por beneficência fazer o bem ou bonum facere, em outras palavras, busca pelo bem estar do pesquisado.

Diante desse princípio, o pesquisador, ou médico tem o dever de agir em benefício do próximo, dentro de uma perspectiva moral.

Segundo Beauchamp e Childress, a beneficência é qualquer ação humana levada a cabo para beneficiar a outra pessoa, sendo uma obrigação de ordem moral.

Nesse sentido, os autores subdividem o princípio em dois sentidos, o primeiro seria a beneficência positiva anteriormente conceituada, e o segundo da utilidade que obriga a contrabalançar os benefícios e os inconvenientes, estabelecendo o balanço mais favorável possível. (FERRER, ALVAREZ, 2005, p.132).

Isso seria a ponderação dentro das pesquisas com seres humanos, dos riscos e benefícios. Neste caso, o bem jurídico do participante da pesquisa é prioritário em relação aos demais interesses da sociedade e da ciência.

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1.4 Princípio da não maleficência

Alguns autores têm entendido o princípio da não maleficência como um elemento intrínseco ao da beneficência.

Beauchamp e Childress, influenciados pelo Relatório de Belmont de 1978, distinguem os dois princípios. Para os autores, o dever de não causar dano é mais obrigatório e imperativo que o da beneficência.

Consagrado pelo axioma hipocrático primum non nocere (primeiro não prejudicar), cuja finalidade é não infligir danos desnecessários e reduzir os efeitos adversos ou indesejáveis das ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano.

Ferrer e Alvarez (2005, p.136), apresentam a diferença entre os dois princípios, as normas morais baseadas na não-maleficência são: 1) são proibições negativas; 2) devem ser obedecidas imparcialmente; 3) dão ou podem dar margem para estabelecer proibições sancionadas pela lei.

Por outro lado, as obrigações da beneficência são: 1) Impõem ações positivas; 2) nem sempre exigem uma obediência imparcial; 3) em poucas ocasiões dão margem para o estabelecimento de obrigações sancionadas pela lei.

Por fim podemos concluir que “no mais das vezes, o princípio de não-maleficência envolve abstenção, enquanto o princípio da beneficência requer ação. O princípio de não-maleficência é devido a todas as pessoas, enquanto que o princípio da beneficência, na prática, é menos abrangente”. (KIPPER; CLOTET, 1998, p.47)

1.5 Princípio da Justiça

O princípio da justiça parte da ideia de equidade que consiste na distribuição de bens e benefícios, reconhecer as diferentes necessidades do próximo, além de reconhecer os direitos de cada um a partir de suas diferenças. (RAWLS, 1981)

Junqueira (2011, p.20), acrescenta que o princípio da justiça significa “à igualdade de tratamento e à justa distribuição das verbas do Estado para a saúde, a pesquisa etc”.

O autor conclui o entendimento afirmando que é “a partir desse princípio que se fundamenta a chamada objeção de consciência, que representa o direito de um profissional de se recusar a realizar um procedimento, aceito pelo paciente ou mesmo legalizado”.

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A equidade é o fundamento basilar desse marco principiológico, tendo sido estabelecido por John Rawls em sua obra A theory of justice. Segundo ele, equidade é dar a cada pessoa o que lhe é devido segundo suas necessidades.

Isso significa que todas as pessoas envolvidas em experimentações com seres humanos têm como obrigação ética se vestir de total imparcialidade, conduzindo os experimentos de forma equânime para que, no final, obtenha-se um resultado mais justo possível.

O princípio da justiça aparece sempre no centro de qualquer discussão ética, presente tanto na subjetividade humana quanto na ordem política e econômica. (BAÊTA e TEIXEIRA, 2004, p. 92.)

Tal princípio, no seu cerne epistemológico, abarca um sentimento de justiça social que desemborca nos hipossuficientes, os mais vulneráveis. Mas adiante serão abordados aspectos pontuais sobre essa questão.

Difere do princípio utilitarista de Stuart Mill, pois este ordena a atribuição de um maior bem para a maioria, frisando sempre a justiça como uma função do bem estar coletivo, já o princípio da justiça que está se tratando, defende sempre as minorias oprimidas. (PUCCI,2009, p.26).

De acordo com Ferrer (2005), no âmbito biomédico a dimensão desse conceito de justiça está atrelada ao sentido da justiça distributiva. Sendo assim, entende o autor que os problemas de distribuição surgem porque os bens são escassos e as necessidades são múltiplas, surgindo no limite que um determinado bem é insuficiente para todos.

Nesta mesma visão, Ferrer diz que, no momento do surgimento, uma situação problemática na distribuição, ou alocação de encargos e benefícios é necessário recorrer a critérios de justiça que servem para nortear essa situação. Dessa forma, podem ser formais e materiais.

Comumente atribuído a Aristóteles, o aspecto formal diz que casos iguais devem ser tratados igualmente e casos desiguais devem ser tratados desigualmente. Neste sentido, conclui o autor que esse critério carece de conteúdos concretos.

Chamam-se critérios materiais aqueles que especificam características fundamentais e relevantes para se obter um tratamento igualitário.

Na atualidade, muitos pesquisadores têm questionado o sentido deste princípio. Isso se deve ao fato de países poderosos quererem mudar tratados e documentos internacionais para relativizar este preceito, de modo que, conseguindo enfraquecer esse princípio, favorecem significamente a indústrias que desenvolvem pesquisas com seres humanos com obrigações

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de cuidado diferenciadas para com os sujeitos de pesquisa, variando de acordo com o país em que vivem. (PUCCI, 2009, p.26).

Contudo, o princípio da justiça atuando em conjunto com os demais representa uma garantia fundamental para os sujeitos da pesquisa, de modo que as relações da bioética têm sido regulamentadas por tal princípio.

1.1.5 Vulnerabilidade

Etimologicamente a palavra vulnerabilidade vem do latim, vulnerare = ferir, vulnerabilis = que causa lesão.

Neste sentido, podemos afirmar que vulnerável é aquele que pode ser ferido, ser atacado, derrotado, frágil, prejudicado ou ofendido.

“Assim sendo, a vulnerabilidade é irredutivelmente definida como susceptibilidade de se ser ferido. Esta significação etimológico-conceitual, originária e radical, mantém-se necessariamente em todas as evocações do termo, tanto na linguagem corrente como em domínios especializados, não obstante o mesmo poder assumir diferentes especificações de acordo com os contextos em que é enunciado e com a própria evolução da reflexão e da prática bioéticas”. (PATRÃO NEVES, 2006, p.158)

O primeiro texto, no âmbito da bioética, em que a noção de vulnerabilidade surgiu com uma significação ética específica foi o Belmont Report.

O conceito de vulnerabilidade foi posto no debate bioético a partir da década de 1990, devido ao temor provocado pelo crescimento da epidemia causada pelo vírus da AIDS entre populações menos favorecidas no aspecto social e econômico o que pode ter sido um fator determinante para o estabelecimento desse conceito na bioética (BARCHIFONTAINE, 2006, p.435).

Além desse fator citado, o avanço das indústrias farmacêuticas na realização de pesquisas envolvendo seres humanos também contribuiu de maneira decisiva para fortalecimento do debate ético internacional.

Segundo entendimento de Guilhem e Diniz (2012), é possível entender o conceito de vulnerabilidade de duas formas. Primeiro como uma condição humana compartilhada, ou seja, todas as pessoas em situações de fragilidade por doença ou sofrimento seriam vulneráveis na posição de participantes da pesquisa científica.

A segunda forma seria condição de pessoas, grupos ou populações particulares incluídos em experimentos, como exemplo temos idosos, pessoas com retardamento mental, e mulheres em estado gestacional.

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Uma atividade de pesquisa envolvendo seres humanos que leve a sério os princípios bioéticos de proteção e garantia e direitos dos sujeitos deve considerar alguns limites de diferentes naturezas como destacam Guilhem e Diniz.

“individuais (idade,sexo, cor,condição da saúde, capacidade cognitiva); sociais (estrutura de proteção social e bens sociais, como saúde , educação e segurança); legais ( normas e regulamentos que protegem os participantes de pesquisa); e culturais (construções sociais de gênero, raça ou idade bem como representações sobre a ciência). É a partir do cruzamento desses aspectos que se consolida o conceito de vulnerabilidade”.(GUILHEM;DINIZ,2012,p.79)

O princípio da vulnerabilidade excede a lógica preponderante da reivindicação dos direitos que assistem às pessoas e anuncia a lógica da solicitude dos deveres que a todas competem, visando à complementaridade entre uma consolidada ética dos direitos, firmada na liberdade do indivíduo e desenvolvida pelo reforço da autonomia, e uma urgente ética dos deveres, firmada na responsabilidade do outro e desenvolvida pelo reforço da solidariedade. (PATRÃO NEVES, 2006, p.171)

Tendo em vista a importância da Vulnerabilidade nas últimas décadas, no âmbito da bioética, no ano de 2005, a UNESCO estabeleceu na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos o “respeito pela vulnerabilidade humana” como princípio ético.

Neste contexto, aumentou significativamente os desdobramentos a fim de se alcançar um sentido conceitual para vulnerabilidade.

Neste sentido, Patrão Neves (2006) recuou “à noção etimológica do termo como fundamento objetivo da sua significação conceitual e explorou as diferentes modalidades da sua evocação no âmbito da bioética, especificando igualmente a sua capacidade operativa”.

Com isso, a autora desenvolve três dimensões para a vulnerabilidade: característica, condição e princípio.

Em síntese, a noção de vulnerabilidade como característica é introduzida e persiste no vocabulário bioético numa função adjetivante, de utilização restrita ao plano da experimentação humana, tornando-se cada vez mais freqüente na constatação de uma realidade que se pretende ultrapassar ou mesmo suprimir por meio da atribuição de um poder crescente aos vulneráveis.(PATRÃO NEVES, 2006, p.163)

Segundo a autora, a vulnerabilidade na dimensão de condição humana universal vai sofrer uma série de transformação de ordem conceitual:

“de função adjetivante, qualificadora de alguns grupos e pessoas, a vulnerabilidadepassa a ser assumida como substantivo, descrevendo a realidade comum do homem; de característica contingente e provisória, passa a condição universal e indelével; de fator de diferenciação entre

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populações e indivíduos, passa a fator de igualdade entre todos; da consideração privilegiada do âmbito da experimentação humana, passa para uma atenção constante também no plano da assistência clínica e das políticas de saúde; de uma exigência de autonomia e da prática do consentimento informado, passa à solicitação da responsabilidade e da solidariedade”.(PATRÃO NEVES, 2006, p.166)

Diante dessas dimensões apresentadas, tanto no aspecto de característica quanto condição percebe-se que a primeira delas se apresenta em um aspecto de função adjetiva, portanto limitado; o segundo, como condição, é o mais vasto e remete a uma concepção que coloca a responsabilidade e a solidariedade como requisitos válidos no âmbito da assistência clínica e as diversas políticas de saúde.

A junção dessas duas condições vai ensejar a fundamentação da última dimensão, ”com efeito, é na articulação desta sua dupla acepção que a vulnerabilidade veio a ser mais recentemente apresentada como “princípio”, o que, como já indicamos, se verifica com um alcance ímpar na citada Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005”.(PATRÃO NEVES, 2006, p.167)

Apesar dessa tripartite relação no âmbito da vulnerabilidade, percebe-se que existe um diálogo que interliga cada sentido apresentado. No entanto, no aspecto principiológico verifica-se a importância da aplicação deste princípio na prática das relações envolvendo autonomia e consentimento esclarecido, diante disso verifica-se que o fato de consentir ou ter autonomia não elimina em alguns casos a vulnerabilidade.

1.1.6 Dignidade da Pessoa Humana

No contexto atual, a lei, os regulamentos e os princípios se revelam como um importante instrumento para regulamentar as potencialidades da bioética. Neste sentido, a dignidade da pessoa humana representa um importante marco, principalmente no que diz respeito a pesquisas em seres humanos.

A dignidade humana tem seu berço secular na filosofia. Constitui, assim, em primeiro lugar, um valor, que é conceito axiológico, ligado à ideia de bom, justo, virtuoso. Nessa condição, ela se situa ao lado de outros valores centrais para o Direito, como justiça, segurança e solidariedade. É nesse plano ético que a dignidade torna-se, para muitos autores, a justificação moral dos direitos humanos e dos direitos fundamentais

Immunuel Kant (1724-1804) pode ser considerado um dos mais influentes filósofos do Iluminismo e seu pensamento irradiou-se pelos séculos subseqüentes, sendo ainda hoje

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referência central na filosofia moral e jurídica, inclusive e especialmente, na temática da dignidade humana. (BARROSO,2010).

Kant, na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, vai desenvolver uma série de conceitos importantes para construção da filosofia. O conceito de dignidade da pessoa humana vai aparecer na segunda parte de seu livro:

A dignidade da pessoa humana é a “vontade concebida como a faculdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representação de certas leis”. (KANT, 2007, p. 67)

Embora a obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” tenha sido dedicada para abordar a problemática de uma ação moral, o filósofo prussiano, ao notar que a racionalidade era a diferença específica do homem para os outros seres, concluiu que era em virtude da razão que o ser humano deveria ser considerado em fim em si mesmo. (RIBEIRO, 2012)

Pode-se notar que o filosofo, ao construir a idéia de “homem como fim em si mesmo” vai estabelecer esse conceito como elemento central da dignidade, importante destacar que paralelo a este elemento apresentado, ele vai desenvolver o que seria autonomia da vontade como sendo o segundo elemento central.

A autonomia da vontade é considerada pelo filósofo como princípio supremo da moralidade. A vontade só é autônoma se: a) ela puder universalizar a regra que ditou a ação individual; b) ela estiver sujeita à referida lei universal, a qual foi criada por ela mesma. (SARLET, 2008, p.33)

Deste modo, a dignidade da pessoa humana para o filosofo Immanuel Kant é composta da ligação de dois elementos: a finalidade (homem como fim em si mesmo) e a autonomia da vontade.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, na conformidade do art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

Está presente no Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, bem como na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, da UNESCO.

Tornou-se nas últimas décadas um dos grandes entendimentos éticos do mundo ocidental, percebe-se esse movimento no sentido que a Dignidade Humana tem sido referências em diversos documentos internacionais, tratados, resoluções, leis, decisões e jurisprudência. Neste aspecto, acentua Barroso

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Tal fato todavia, não minimiza – antes agrava – as dificuldades na sua utilização como um instrumento relevante na interpretação jurídica. Com freqüência, ela funciona como um mero espelho, no qual cada um projeta sua própria imagem de dignidade. Não por acaso, pelo mundo afora, ela tem sido invocada pelos dois lados em disputa, em temas como interrupção da gestação, eutanásia, suicídio assistido, uniões homoafetivas, hate speech, negação do holocausto, clonagem, engenharia genética, inseminação artificial post mortem, cirurgias de mudança de sexo, prostituição, descriminalização de drogas, abate de aviões seqüestrados, proteção contra a auto-incriminação, pena de morte, prisão perpétua, uso de detector de mentiras, greve de fome, exigibilidade de direitos sociais. (BARROSO, 2010)

O princípio da Dignidade da pessoa humana, nos últimos anos,vem sendo aplicado de forma exacerbada, como visto no trecho acima. No seu campo de aplicação, percebe-se uma atomização do seu conceito e com isso, esse instituto fundamental do sistema normativo brasileiro consequente perda da sua força, e muitas vezes tornam-se banalizados.

Constata-se o quanto não se pode aceitar a crítica genérica de que o conceito de dignidade da pessoa é algo como um cânone perdido e vazio, que se presta a todo e qualquer tipo de abusos e interpretações equivocadas. (SARLET, 2007, p.385)

Para Alexandre de Morais, a dignidade da pessoa humana comporta-se como:

um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, entre outros, aparece como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil.(MORAIS, 2002, p.129)

Já José Afonso da Silva diz que a dignidade da pessoa humana “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2007, p.105)

A presença desse princípio em uma leitura da bioética faz-se muito importante, no momento do desenvolvimento de pesquisas em seres humanos, que, muitas das vezes, envolvem dois dilemas: a vida e a morte.

Adorno (1998, p.53-57), diante dessa afirmação, apresenta um pensamento relacionado a duas correntes filosóficas, em uma perspectiva utilitarista o que

“caberia aqui seria não uma proteção da vida por possuir um valor intrínseco, mas sim a proteção da vida enquanto esta seja capaz de gerar, ainda que sob a ótica do próprio indivíduo, mais benefícios que malefícios,

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mais prazer do que dor. A vida digna seria, por conseguinte, a vida com qualidade”

Em sentido oposto, em uma ótica universalista, a dignidade da pessoa humana passaria a ser tratada “como uma característica intrínseca à própria condição de ser humano, nada mais lhe sendo exigido”

Para alguns autores, o respeito pela dignidade humana, não seria outra a não ser respeitar sua autonomia.

Entretanto,

Ni la noción de “respeto”, ni la noción de “autonomía”, pueden identificarse con la idea de dignidad. Sin duda, como ya se ha dicho, la dignidad humana genera un deber de respeto hacia las personas. Pero tal respeto no es más que una consecuencia de la dignidad. Es decir, la dignidad es la razón que justifica la necesidad de respeto; ambas nociones no son sinónimas, sino que se encuentran en una relación de causa a efecto. (ADORNO, 2012, p.5)

O simples fato de ser humano já carregaria um valor em si, que o faria digno de proteção. Esta afirmação faz remeter à antiga classificação do ser humano enquanto sujeito de direitos, em contraponto à condição de objeto de direitos. Aqui o princípio da dignidade da pessoa humana atua num dos grandes desafios da Bioética que é justamente impedir a coisificação do homem, que passa cada vez mais a figurar em situação similar à de objeto nos estudos das tecnociências. (REQUIÃO, 2011, p.1221)

Neste sentido, a dignidade da pessoa humana, garantia e princípio constitucional fundamental, deve ser encarado como limite à ação do Estado e dos demais indivíduos de modo que o desenvolvimento das pesquisas e da ciência em especial a médica não lese ou desrespeite a integridade física e moral do ser humano.

Na bioética, o conceito de dignidade estará relacionado com a posição ética que se busca, a indispensabilidade da reflexão sobre a importância deste princípio representa dar conta à comunidade cientifica da problemática de articulação entre o próprio conceito e as questões da bioética.

Como visto, é muito diverso os sentidos que se aplicam ao princípio da dignidade da pessoa humana em relação à bioética, uma relação muito importante existente dentro deste campo está relacionada ao conceito de autonomia.

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Após uma breve análise, de ordem conceitual e principiológica referente as pesquisas envolvendo seres humanos, a exposição de alguns conceitos básicos torna-se necessário.

Esses conceitos que serão desenvolvidos estão relacionados aos tópicos subsequentes. No Brasil, as pesquisas envolvendo seres humanos são regulamentadas pelas diretrizes do Conselho Nacional de Saúde, conforme será demonstrado no tópico 2.2.

Atualmente, as pesquisas envolvendo seres humanos são regidas pela resolução 466/12 do CNS, que elenca normas e diretrizes das quais algumas definições são de fundamental necessidade para entendimento do presente estudo.

Segundo a Resolução (BRASIL, CNS, 2012), vigente em todo o país, pesquisa envolvendo seres humanos é aquela que “individual ou coletivamente, tenha como participante o ser humano, em sua totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais biológicos;

2.1 REGULAMENTAÇÕES INTERNACIONAIS

A história revela que as experiências envolvendo seres humanos é marcada por desvios éticos e práticas abusivas (FIGUEIREDO, 2011). Durante a II Guerra Mundial foram cometidos os maiores crimes contra a humanidade ultrapassando todos os limites de crueldades, indignidade e irresponsabilidade contra prisioneiros de guerra em campo de concentração. As atrocidades envolvendo médicos e pesquisadores alemães foram divulgadas para a comunidade, que se organizou para julgar os criminosos de guerra, no Tribunal de Nuremberg, em 1947, julgamento promovido pelos Estados Unidos da América. Pessoas eram obrigadas a participar de experimentos de sofrimentos de dor extrema. Principalmente os médicos alemães conduziam experimentos da medicina pseudocientífica utilizando-os em centenas de pessoas, dentre os prisioneiros dos campos de concentração, sem seus consentimentos. Muitos morreram ou ficaram permanentemente aleijados com os resultados. A maioria das vítimas era judeus, poloneses, russos, romanos e egípcios. (COSTA JÚNIOR, 1999).

No Tribunal de Nuremberg, 20 médicos foram condenados por acusações de “tortura disfarçada de pesquisa” (KOTTOW, 2008). Após as condenações feitas pelo Tribunal de Nuremberg, houve uma preocupação com os direitos dos parentes dos pesquisados e da ética que envolvia essas pesquisas. Segundo Kottow (2008), após as condenações foi criado o Código de Nuremberg – as primeiras normas éticas internacionais para pesquisas envolvendo

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seres humanos – que representa uma ruptura histórica. Neste fica explicitada a exigência da livre vontade do participante em fazer parte do experimento:

O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente. (CÓDIGO DE NUREMBERG, art. 1º – 1947)

Portanto, este documento é um marco na história da humanidade, pois, pela primeira vez, foi estabelecida uma recomendação internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. Schramm, Palácio e Rego (2008, p. 364) reforçam que “O Código de Nuremberg é considerado o princípio-mor da experimentação humana, no qual „o consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial‟, destacando ainda no ponto primeiro que o sujeito, objeto da pesquisa”.

Contudo, sem perder de vista a importância fundamental de reflexão do Código sobre a ética em pesquisa, Kottow enfatiza a respeito do consentimento voluntário que

Não bastava ratificar a livre vontade de participação daquele momento em diante; devia haver a garantia de que uma sociedade não voltaria a perder a orientação moral ao ponto de se corromper e cometer as maldades do nacional-socialismo. A ética em pesquisa não fica suficientemente presente com um consentimento livre e esclarecido robusto, sendo necessário, além disso, assegurar uma sociedade respeitosa dos direitos humanos. (KOTTOW, 2008, p. 10)

Até a década de 70, o Código de Nuremberg, por muito tempo, constituiu-se como indicador da valorização e do respeito ao ser humano no campo da experimentação científica. (XAVIER, 2000). No entanto, apesar da existência de diretrizes internacionais sobre a ética em pesquisa, expressas nesse Código, essas diretrizes não eram amplamente empregadas pelos médicos e cientistas em seus estudos, pois os mesmos não se identificavam com os criminosos de guerra julgados em Nuremberg por sua conduta ética imprópria; isto denota que as pesquisas realizadas em países desenvolvidos não apresentavam critérios éticos normatizados e aceitáveis (COSTA, 2008; BARBOSA et al, 2011)

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Este fato levou a Associação Médica Mundial a elaborar a Declaração de Helsinque, em sua 18ª Assembleia (1964), realizada em Helsinque, Finlândia, com o intuito de estabelecer critérios éticos para subsidiar as pesquisas na área médica. Porém, o grande marco de Helsinque ocorre em 1975, onde se recomenda a criação de comitês de ética em pesquisa. (KOTTOW, 2008; COSTA, 2008).

A Declaração de Helsinque, pela força histórica alcançada, acabou se tornando um documento normativo global, tomado como referência moral e colocado, muitas vezes, acima da própria legislação de países, a partir de sua unânime aceitação mundial. (GARRAFA; LORENZO, 2009) Diferentemente do que aconteceu com o Código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque, desde a sua primeira versão, já passou por nove revisões – a mais recente aconteceu em 2013, na Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (AMM) que aconteceu na cidade de Fortaleza, no Brasil.

Segundo Figueiredo (2011, p. 5), “em sua primeira versão, em 1964, o objetivo era fornecer orientações aos médicos envolvidos em pesquisa clínica, cujo foco central era a proteção dos participantes voluntários de pesquisas científicas”. A primeira revisão foi criticada por não ter a preocupação com as inúmeras denúncias sobre a falta de observâncias dos princípios éticos nas pesquisas. Nessa oportunidade, também foi incluída a exigência de que, para a publicação dos resultados da pesquisa, os projetos deveriam ser aprovados por uma comissão de ética independente. No Brasil, essa obrigatoriedade surgiu apenas em 1996.

Atrelado a esses fatos, ressalta-se que até o século XVIII, a pesquisa científica era uma atividade eminentemente amadora. A partir da segunda metade do século XIX, passou a dispor de métodos partilhados e reconhecidos como válidos por uma determinada comunidade de detentores de saber, tornando-se, assim, uma atividade acadêmica realizada nos grandes centros de estudo universitários. Entretanto, é no século XX que se dá a grande fusão entre universidade e indústria, formando o complexo científico-industrial-tecnológico. (GARRAFA; LORENZO, 2009)

Em 1978, surgiu o relatório de Belmont, apresentando alguns princípios éticos que devem ser exigidos em todas as pesquisas com humanos. Deve-se salientar que, após esse relatório, a Declaração de Helsinque foi revisada mais três vezes, em 1983, 1989 e 2000. (MELGAREJO; SOTT, 2011)

Percebe-se que, em toda a sua trajetória, houve um avanço nas pesquisas médicas e biomédicas realizadas em humanos. No entanto, observou-se que os pesquisadores realizavam experimentos abusivos pela falta de regulamentação e organismos que fiscalizassem suas ações. Notou-se, no decorrer dos anos, a necessidade da criação de comitês de ética em

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pesquisa que seriam fiscalizadores da atuação dos pesquisadores, impedindo experimentos danosos aos entes pesquisados, garantindo-lhes seus direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Os comitês de ética em pesquisa, no Brasil, passaram a ser regulamentados pela resolução 466/12, de 2012, revisando as pesquisas para garantir que fossem realizadas dentro dos princípios da ética.

2.2 REGULAMENTAÇÕES ENVOLVENDO SERES HUMANOS NO

BRASIL

No Brasil, somente na década de 80, manifesta-se o interesse do Conselho Nacional de Saúde pelo controle das atividades em pesquisa. (FREITAS, 2006, p. 11). Havia a preocupação de um grupo de pesquisadores sobre experimentos da indústria farmacêutica, envolvendo seres humanos, já que o Brasil participava de pesquisas, cujos promotores estavam em países centrais que exigiam comprovadamente medidas de proteção para as pessoas envolvidas. Nesse período, países de todo mundo já estavam discutindo sobre questões de ética em pesquisa com seres humanos e seus desdobramentos.

A primeira norma que estabelecia critérios para pesquisa no Brasil – nº 1 de 18 de junho de 1988 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – já previa a criação de comitês de ética em pesquisa para avaliação de projetos na área de saúde. Esse era um assunto relevante para o CNS – instância colegiada com representantes de diferentes segmentos da sociedade –,porque envolvia controle social e participação da comunidade.

Em 1995, através do Grupo Executivo de Trabalho (GET), procedeu-se à revisão da Resolução n.º 1/88 que envolveu revisão da literatura sobre o assunto, análise dos documentos de diversos países, e contribuição nos vários segmentos da sociedade. Assim, foi possível se chegar à elaboração da Resolução CNS n.º 196/96. (BRASIL, 2007).

A amplitude dessa norma está citada em seu preâmbulo:

A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas

Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos

(CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). (BRASIL, 1996, p. 1)

A Resolução foi elaborada com base na multi e interdisciplinaridade – demonstrando a

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não apenas com a pesquisa médica. Instituiu e conceituou os comitês de ética em pesquisa, conforme artigo II.5:

“colegiados interdisciplinares e independentes, com „munus público‟, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. ” (BRASIL, 1996, p. 2).

No mesmo documento foi criada a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) para atuar como órgão de controle social que analisa os aspectos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos, sem ser policialesca (VIEIRA, 2005, p. 4).

O seu teor abrange alguns conceitos importantes como, por exemplo, o entendimento sobre Pesquisa, expresso no artigo II.16 – “processo formal e sistemático que visa a produção, o avanço do conhecimento e/ou a obtenção de respostas para problemas mediante emprego de método científico” (BRASIL, 1996).

Conforme consta no Manual operacional para comitês de ética em pesquisa (BRASIL/MS/CNS, 2002) os CEPs têm o papel de avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos, segundo o estabelecido nas diversas diretrizes éticas internacionais.

A missão do CEP é salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos da pesquisa. Além disso, o CEP contribui para a qualidade das pesquisas e para a discussão do papel da pesquisa no desenvolvimento institucional e no desenvolvimento social da comunidade. Contribui ainda para a valorização do pesquisador que recebe o reconhecimento de que sua proposta é eticamente adequada (BRASIL, 2002, p. 11) É notável o crescimento do número de CEPs registrados junto ao CONEP, a partir da aprovação da Resolução 196/96. Esse crescimento se deve, provavelmente, a uma busca pela adequação dos centros de pesquisa às novas diretrizes do Conselho Nacional de Saúde. Desta maneira e de acordo com a Resolução CNS n.º 196/96, “toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa” (BRASIL, 1996) e cabe à instituição onde se realizam pesquisas a constituição do CEP.

Foi por meio da Resolução n° 196/96 que o sistema de ética em pesquisas no Brasil foi regulamentado; no entanto, depois de 15 anos a resolução foi revisada e revogada pela Resolução 466/12. Considerando que esta última mantém a mesma lógica da Resolução 196/96.

De acordo com Nóvoa (2014), apenas o item III, “Aspectos éticos da pesquisa”, permanece inalterado; todos os demais sofreram modificações com inclusões ou exclusões de

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princípios ou documentações. O item VII da resolução trata “Do sistema CEP-CONEP”, que não existia na Resolução CNS 196/96. A Resolução CNS 466/12 define o CEP e a CONEP, além de enfatizar o caráter de integralidade e de parceria do sistema CEPs/CONEP, o qual deve atuar num trabalho cooperativo e de inter-relação. Ressalta-se que essa resolução não é um código de regras rígidas, mas suas diretrizes norteiam o julgamento ético dos protocolos e estabelecem normas operacionais.

A análise acerca da eticidade de uma pesquisa não pode ser dissociada da análise de sua cientificidade. Assim, o CEP emite pareceres sobre as possíveis implicações ou repercussões éticas decorrentes das opções metodológicas adotadas. Verifica-se que uma das maiores tentativas dos CEPs e dos pesquisadores é adequar as pesquisas aos princípios estabelecidos pelo CNS. Portanto, os CEPs desempenham um papel educativo, no sentido de promover a discussão e a reflexão sobre aspectos éticos na ciência, enfocando estudos que envolvem seres humanos, principalmente através da sua interdisciplinaridade e da missão que lhe compete.

No Brasil, foram elaboradas três resoluções, o que mostra o cuidado do CNS em aprimorar e adequar a norma à realidade contemporânea. Existe um esforço dos CEPs e pesquisadores em adequar as pesquisas aos princípios estabelecidos pelo CNS.

2.3 ÉTICA NAS PESQUISAS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

A dificuldade de construir-se uma regulamentação ética para as questões das ciências Humanas e sociais, pensadas globalmente parece estar presente a todo o momento quando se busca o diálogo dessa área com o atual sistema de revisão bioética vigente no Brasil.

Partindo dos pressupostos estabelecidos nos tópicos anteriores, verifica-se que o sistema CEP-CONEP é o modelo de revisão adotado pelo Brasil para estabelecer e fundamentar critérios de pesquisa envolvendo seres humanos.

Com um olhar atento a história dos comitês de ética no Brasil, pode-se concluir que esta estrutura organizacional de gestão é pautada por normas e documentos nacionais e internacionais, relacionados diretamente à Bioética principialista.

A chamada escola principiológica da Bioética surgiu, no meio acadêmico norte americano, pelos ensinamentos de professores da Universidade de Georgetown em Washington, vinculados ao Instituto Kennedy de Ética.

Inicialmente, a partir do relatório Belmont, produzido na década de setenta como relatório das atividades desenvolvidas pela Comissão Presidencial de

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