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Dinâmicas de pesquisa em ciências sociais no Moçambique pós – independente: o caso do centro de estudos africanos, 1975-1990

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE POS-GRADUACAO EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS

CARLOS MANUEL DIAS FERNANDES

DINÂMICAS DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS NO

MOÇAMBIQUE PÓS – INDEPENDENTE: O CASO DO CENTRO DE

ESTUDOS AFRICANOS, 1975-1990

Salvador

2011

(2)

CARLOS MANUEL DIAS FERNANDES

DINÂMICAS DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS NO

MOÇAMBIQUE PÓS – INDEPENDENTE: O CASO DO CENTRO DE

ESTUDOS AFRICANOS, 1975-1990

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa Multidisciplinar de

Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos

da Universidade Federal da Bahia para

obtenção do Grau de Doutor em Estudos

Étnicos e Africanos

Orientador: Prof. Dr. Valdemir Donizete

Zamparoni

Salvador

2011

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AGRICOM - Empresa Estatal da Agricultura ANC – Congresso Nacional Africano

BM – Banco Mundial

CAIL - Complexo Agro-Industrial do Limpopo CD – Curso de Desenvolvimento

CCDA - Comissão Coordenadora Distrital da Comercialização Agrária CFMAG - Committee for Freedom in Mozambique, Angola e Guiné-Bissau CEA – Centro de Estudos Africanos

CONCP - Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas EGUM - Estudos Gerais Universitários de Moçambique

EM – Estudos Moçambicanos

FPLM – Forças Armadas de Libertação de Moçambique FMI – Fundo Monetário Internacional

FM-L – Faculdade de Marxismo -Leninismo FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique

IICM – Instituto de Investigação Científica de Moçambique MANU - Mozambique African National Union

MHD - Materialismo Histórico e Dialéctico MNR – Movimento de Resistência Nacional

NATO - Organização do Tratado do Atlântico Norte OMS - Organização Mundial da Saúde

PIDE – Policia Internacional de Defesa do Estado PRE - Programa de Reabilitação Económica, RDA - Republica Democrática Alemã

RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana

SADCC – Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral SGL - Sociedade de Geografia de Lisboa

SAREC – Agência Sueca para a Cooperação na Pesquisa com os Países em Desenvolvimento. SIDA – Agência internacional Sueca para o Desenvolvimento Internacional

TBARN - Centro de Estudos de Técnicas Básicas para o Aproveitamento dos Recursos Naturais

UDENAMO - União Democrática Nacional de Moçambique UEM – Universidade Eduardo Mondlane

ULM – Universidade de Lourenço Marques

UNAMI - União Nacional Moçambicana Independente

UNESCO - Organização das Nações Unidas Para Cultura, Educação e Ciência USAID – Agencia Americana para o Desenvolvimento Internacional

(4)

CARLOS MANUEL DIAS FERNANDES

DINÂMICAS DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS NO MOÇAMBIQUE PÓS – INDEPENDENTE: O CASO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS, 1975-1990

Tese de Doutorado apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia para obtenção do Grau de Doutor em Estudos Étnicos e Africanos

APROVADA EM: _______ de ______________ de 2011

_____________________________________ Prof. Dr. Valdemir Zamparoni - (Orientador) Universidade Federal da Bahia

_______________________________________ Profª Dra. Maria Rosário Gonçalves de Carvalho Universidade Federal da Bahia

_______________________________________ Prof. Dr. Jocélio Teles dos Santos

Universidade Federal da Bahia

_____________________________________ Prof. Dr. Jacques Depelchin

Universidade Estadual de Feira de Santana

_______________________________________ Prof: Dr. Cláudio Alves Furtado

(5)

R

ESUMO

Este estudo pretende examinar as condições sociais da produção de conhecimento científico no Moçambique pós-independente, durante o período da “transição socialista” (1975-1990). O caso em estudo é o do Centro de Estudos Africanos (CEA). O argumento central do trabalho é de que o próprio processo de produção de conhecimento num contexto onde o partido no poder pretendia introduzir transformações radicais na sociedade, ganhou dinâmicas que problematizaram os pressupostos a partir dos quais o CEA deveria produzir conhecimento. Estas inter-relações entre produção de conhecimento e legitimação do Estado poderiam então explicar não só as especificidades do CEA como também as condições em que as Ciências Sociais ganharam contornos em Moçambique como modo privilegiado de produção de conhecimento sobre a sociedade. A partir daí o trabalho crítico do CEA iria mudar radicalmente a dinâmica de pesquisa do Centro permitindo a emergência de um novo campo da pesquisa no pós-independência, ao introduzir três inovações: (1) uma abordagem no “atual” (sem contudo deixar de levar em consideração as suas raízes históricas), em vez de focalizar na história como tal; (2) uma mudança de uma pesquisa individual para uma pesquisa coletiva; e (3) a introdução de um sentido de urgência na pesquisa para responder a preocupações imediatas.

Palavras-chaves: Intelectual Orgânico – Culturas Epistémicas-Engajamento

(6)

A

BSTRACT

This study intends to examine the social conditions of scientific knowledge production in post- independence Mozambique particularly during the period of "socialist transition" (1975-1990). The case study is the Center for African Studies (CEA).

The main thesis of the study is that the very process of knowledge production in a context where the ruling party wanted to introduce radical changes in society, generated dynamics that problematized the assumptions within which the CEA should have produced knowledge. These inter-relationships between knowledge production and legitimation of the state, could then not only explain the specificities of the CEA but also the conditions under which the social sciences gained contours in Mozambique as privileged mode of knowledge production on society.

Thus, the critical work of the CEA would radically change the dynamics of research at the Centre allowing the emergence of a new field of research in the post-independence, introducing three innovations: (1) an approach to the contemporary issues (without, however, fail to take into account its historical roots), rather than focus on history as such, (2) a change in an individual search for a collective research, and (3) the introduction of a sense of urgency in research to answer the immediate concerns of the power politics.

Key-words: Organic Intellectual – Epistemic Cultures – Critical Engagement – Social Sciences-Socialism

(7)

As cortinas do comunismo estão a fechar-se, porém, um mistério permanece: quais eram os atractivos do marxismo revolucionário que captou tantos intelectuais apaixonados para a sua bandeira? Qual era o credo que…convocou tanta gente para morrer por uma causa? Sob um certo ponto de vista, a resposta é simples: aquilo que, em tempos, tinha atraído em nome de Deus passou a estar sob a bandeira da História … O marxismo foi uma religião secular. (Daniel Bell apud, Paul Hollander. O Fim do Compromisso, Lisboa:Pedra da Lua, 2009).

(8)

A

GRADECIMENTOS

Esta Tese não teria sido possível sem a ajuda de várias pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram e alargaram a sua valiosa assistência na preparação e finalização deste estudo. Queria, em primeiro lugar, expressar a minha profunda gratidão ao meu orientador, Prof. Dr. Valdemir Zamparoni pela sua postura crítica, atenta, rigorosa, e sempre também, humana, paciente e carinhosa. Estou grato ainda a sua forma de orientar, possibilitando uma liberdade de acção que foi decisiva para que este trabalho contribuísse para o meu desenvolvimento pessoal.

Este trabalho não teria sido realizado se não fosse também o apoio financeiro, em momentos diferentes, da FASPEB e da CAPES. Não posso deixar de registar o meu reconhecimento pelos professores Jocélio Teles Santos, Lívio Sansone, e Valdemir Zamparoni, que lutaram incansavelmente para que eu sempre tivesse uma bolsa de estudos.

O meu agradecimento sincero, aos investigadores e professores, Dan O’Meara, Marc Wuyts, Luís de Brito, Teresa Cruz e Silva, Fernando Ganhão, Yussuf Adam, Isabel Casimiro, Conceição Osório, Alexandrino José, Carlos Serra, Amélia Souto, Jacques Depelchin, Ana Maria Loforte, Ana Maria Gentili, Aurélio Rocha, Alpheus Manghezi, Calisto Pachaleque, Gerard Liesegang, João Paulo Borges Coelho, António Sopa, Bridget O’Laughilin, Judith Head, José Luís Cabaço, Manuel Araújo, Amélia Souto e Dipac Jeichande, pela vossa simpatia e total disposição em ajudar a esclarecer muitas das minhas inquietações iniciais na formulação do problema e mais tarde quando já tinha o problema relativamente estruturado, nos labirintos do funcionamento de uma organização complexa e interessante como foi o CEA naqueles utópicos anos da transição socialista.

Não posso deixar de estar profundamente grato aos comentários construtivos do Prof. Luís de Brito ao capítulo sobre a Questão Rodesiana, ás professoras Teresa Cruz e Silva e Conceição Osório pela assistência e comentários críticos valiosos, quando este trabalho ainda era um projecto de pesquisa. Ao professor Elísio Macamo que já na licenciatura nos finais dos anos 1990, incentivou-me a explorar este campo da sociologia do conhecimento e das condições sociais da produção do conhecimento científico e pelos ricos comentários que se estenderam até a conclusão do trabalho.

(9)

forma peculiar e cativante de dar aulas. Aos meus colega do Mestrado e do Doutorado do POSAFRO/UFBA, Saravá! Muito obrigado Cristina Mchanon, pela amizade e sugestão de bibliografia pertinente para a construção deste estudo. Um Kanimambo, ao Prof. Georgui Delurguian da Northwestern University, Chicago, pelo carinho, amizade, hospitalidade no seu departamento de sociologia e também sugestões de leitura. Ao pessoal do CEA e do seu Centro de Documentação, especialmente a Deolinda e Teresa, por me deixarem consultar livremente as várias “caixas” de documentação do Centro. Aos funcionários do Arquivo Histórico de Moçambique, na pessoa do seu director Joel das Neves, pela sua ajuda prestimosa na consulta do espólio “Fernando Ganhão”.

Que seria de mim sem a minha família? Meu saudoso pai, José, minha mãe Filomena, irmãos, Zé, Nitinha, Dindinha e Luís e queridas sobrinhas, Liane e Melanie, merecem uma atenção especial pelo seu carinho, amor, amizade e apoio incondicional. Sem vocês não sei se conseguiria levar esta empreitada até ao final!

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...14

1. A EDUCAÇÃO COLONIAL E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS ...30

1.1 O Processo de estabelecimento da administração colonial (1895-1945)...31

1.2 A implantação do Estado Novo e a educação africana...35

1.3 A crise do Estado Novo e a fundação do ensino superior em Moçambique (1960-1975) ...41

1.4 Algumas notas sobre a pesquisa em Ciências Sociais no período colonial...45

2. AS CONDICÕES SOCIAIS DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO PÓS-INDEPENDÊNCIA ...59

2.1 O contexto internacional: Descolonização, Africanistas Radicais e Solidariedade...59

2.2 Moçambique e a Utopia Socialista: Dinâmicas Internas e Regionais...69

2.2.1 Da Luta de Libertação Colonial em Moçambique ao golpe de Estado em Portugal: 1962 – 1974...71

2.2.2 Os primeiros anos “eufóricos” sob a sombra da guerra de “desestabilização”: 1975-1980...73

2.2.3 A Construção do Socialismo…Cada Vez mais Longe: 1980 – 1984...77

2.2.4 A Metamorfose Ideológica da FRELIMO: 1984-1990...81

3. AS CONDICÕES SOCIAS E EPISTÉMICAS DA EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DO CEA...85

3. 1 O Ano de 1976 e a Tentativa de Criação de uma “Universidade para o Povo” ...85

3.2 O Nascimento do Centro de Estudos Moçambicanos (CEA)...88

3.3 Actualidade, Urgência e Colectivo na Emergência de um Novo Campo de Pesquisa em Moçambique92 3.3.1 A Questão Rodesiana e o Contexto Social da sua Produção ...92

3.3.2 A Génese de uma Nova Forma de Fazer Pesquisa...95

3.3.3. Os processos da produção de “O Mineiro Moçambicano”: consolidando o novo campo de pesquisa ..99

3.2 O Retorno Temporário de Ruth First à África Austral…Cada vez mais perto da Toca do Lobo ...99

3.3 Os Antecedentes da Pesquisa sobre O Mineiro Moçambicano ...103

4. “A PEDAGOGIA” DO PROJECTO SOBRE O DESEMPREGO E O CONTEXTO DA SUA PRODUÇÃO ...108

4.1 O Projecto sobre o Desemprego: Uma “encomenda” do Poder ...108

4.2 Os Anos de Alvoroço na Universidade e no CEA: 1979 – 1984 ...113

5. A DUPLA CONTRIBUIÇÃO DO CURSO DE DESENVOLVIMENTO: PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO POLITICAMENTE ENGAJADO ...123

(11)

5.1 O ensino como um acto de investigação...123

5.2 Logo de inicio…Algumas Vozes Discordantes ...126

5.3 Os Objectivos do Curso de Desenvolvimento ...128

5.4 Os Métodos do Curso de Desenvolvimento...130

5.5 A Crítica e Auto-Crítica no Curso de Desenvolvimento ...132

5.6 Os Conteúdos Teóricos do Curso de Desenvolvimento...136

5.7 Ênfase na economia? Ausência de aspectos culturais?...138

5.8 A Contribuição do Curso de Desenvolvimento no Ensino/Pesquisa em Ciências Sociais...140

6. A PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE DESENVOLVIMENTO ...142

6.1 As Principais Linhas de Investigação ...142

6.2 O Projecto sobre o Trabalho Mineiro na África do Sul ...148

6.3 Analisando os Camponeses e a Economia Rural em Moçambique ...152

6.4 Problemas da Transformação Rural na Província de Gaza ...154

6.5 O (s) Projecto (s ) Sobre o Algodão ...157

6.6 A Comercialização Agrária: Estado, Sector Familiar e Privado...160

6.7 Examinando o Falhanço das Aldeias Comunais ...162

7. A OFICINA DE HISTÓRIA: O “HOMEM NOVO” E A NOVA HISTÓRIA ...165

7.1 História e Memória...165

7.2 “Tensões Criativas” no Nascimento da Oficina de História ...171

7.3 Produzir uma História Crítica ao Cânone ...175

7.4 Não vamos Esquecer!: História Social Contada pelos “de baixo” ...178

7.5 Não Vamos Esquecer! nº1: Resistência Africana e Luta armada ...181

7.6 Não Vamos Esquecer! nº2/3: Reconstituindo a História da “Classe Operária Moçambicana” ...183

7.7 Não Vamos Esquecer! nº4: Persistindo na Reconstituição Histórica da Experiencia da Luta de Libertação Nacional ...187

(12)

8. ESTUDOS MOÇAMBICANOS: PENSAR MOÇAMBIQUE NO CONTEXTO DA

ÁFRICA AUSTRAL ...202

8.1 A fundação da revista e a sua linha teórica ...202

8.2 A Hierarquia dos Objectos de Pesquisa...204

8.2.1 Estudos Moçambicanos nº 1: Uma análise sobre como o colonialismo português empobreceu Moçambique ...207

8.2.2 Estudos Moçambicanos nº 2: Olhando para as Formas de Exploração Colonial do Trabalho e Lutas de Liberação na África Austral...210

8.2.3 Estudos Moçambicanos n º 3: Contribuindo na Reflexão sobre a Socialização do Campo ...213

8.2.4 Estudos Moçambicanos nº 4, 1983: Enfatizando a Participação do CEA na “Reflexão de Problemas Nacionais” ...217

8.2.5 Estudos Moçambicanos nº 5/6: A Importância da Investigação Histórica...223

8.2.6 Estudos Moçambicanos nº 7: As Dinâmicas da Política Externa na Região Austral...230

8.2.7 Estudos Moçambicanos nº 8: Moçambique no contexto da África Austral: conflitos, estratégias e perspectivas pós-apartheid ...234

8.3 Estudos Moçambicanos: Uma Revista Interdisciplinar? ...237

9. O TRABALHO CRÍTICO E POLITICAMENTE ENGAJADO DO CEA ...241

9. 1 A emergência de Culturas Epistémicas no Centro: “Facções” e Versões Contestadas...241

9.2 Intelectuais orgânicos e a legitimação do Estado ...247

9.3 Engajamento Critico: Um Oxímoro?...252

CONSIDERAÇÕES FINAIS...259

OBRAS CONSULTADAS ...266

Livros, Teses & Artigos...266

Periódicos e Revistas Consultados ...282

(13)

Í

NDICE DE

Q

UADROS

Quadro 1 - Alunos Matriculados 1930 ...38

Quadro 2 - Movimento de Investigadores do CEA (1976-1990) ...91

Quadro 3 – Principais Linhas de Investigação ...143

Quadro 4 - Não Vamos Esquecer! nº1 (Fevereiro, 1983)...182

Quadro 5 - Não Vamos Esquecer !nº2/3 (Dezembro, 1983) ...185

Quadro 6 - “Não Vamos Esquecer!” nº4 (Julho, 1987)...189

Quadro 7 - Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº1 (1980)...208

Quadro 8 - Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº2 (1981)...211

Quadro 9 - Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº3 (1982)...215

Quadro 10 - Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº4 (1983)...218

Quadro 11 - Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº5/6 (1986)...225

Quadro 12- Índice Temático da Estudos Moçambicanos nº7 (1990)...230

(14)
(15)

I

NTRODUÇÃO

Objecto da pesquisa

O presente estudo pretende reflectir, no âmbito da sociologia do conhecimento, sobre as condições sociais da produção de conhecimento científico em Moçambique e no contexto histórico particular conhecido como o período da “transição socialista” (1975-19901), durante o qual o partido no poder, a FRELIMO2, tentou construir uma sociedade socialista, tendo como guia os princípios teóricos e práticos do marxismo-leninismo.

Esta reflexão teórica - que procura interligar produção científica e existência social - terá como “objecto empírico” o Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Este Centro foi, no período em análise, a mais importante e prolífica instituição de pesquisa e ensino em Ciências Sociais. Como afirmou Teresa Cruz e Silva,

O CEA fundado em 1976, teve um papel fundamental na dinamização da pesquisa, dando assim um novo impulso à produção científica e consequentemente aos programas e métodos de ensino no campo das Ciências Sociais e Humanas3.

Uma das principais causas desta preeminência do CEA no campo da pesquisa e ensino no pós-independência se deveu ao facto deste lugar ter atraído um número considerável de

1 Traçar limites cronológicos rigorosos sobre este contexto histórico pode ser problemático. Neste estudo, por uma questão metodológica, preferimos, olhar para esta fase de uma forma fluida, sem contudo deixar de utilizar como barreiras temporais o ano de 1977, quando a Frelimo no seu III Congresso se transformou num partido marxista-leninista; e, o ano de 1990 quando entrou em vigor a nova Constituição da Republica, preconizando um sistema de democracia multipartidária. Há no entanto outras datas significativas desse período “socialista”, como o ano de 1984 quando se deu a assinatura dos acordos de não-agressão (Acordo de Nkomati) com a África do Sul, que iriam ter - como veremos ao longo deste estudo - grandes repercussões no trabalho crítico do CEA. Não menos importante é o ano de 1986, com a morte do presidente Samora Machel e do director do Centro, Aquino de Bragança. Por fim, poderíamos também mencionar o ano de 1987, quando a Frelimo introduziu um programa de reajustamento estrutural (PRE) financiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Dois anos depois, o partido Frelimo formalmente abandona o marxismo-leninismo, a sua ideologia oficial desde 1977.

2 Frente de Libertação de Moçambique.

3 SILVA, Cruz, Teresa. Instituições de Ensino superior e investigação em Ciências Sociais: A herança colonial,

a construção de um sistema socialista e os desafios do século XXI, o caso de Moçambique, Lusofonia em África Historia, Democracia e integração africana. Dakar, CODESRIA, 2005, p.34-76.

(16)

investigadores estrangeiros (muitos deles já com grande experiência de pesquisa e docência) como, a jornalista, pesquisadora, professora universitária e activista anti-apartheid a sul-africana, Ruth First e que se tornaria a Directora científica do Centro; membros do ANC, como Robert Davies, Dan O´Meara, Alpheus Manghezi e Sipho Dlamini; a historiadora italiana Anna Maria Gentili, a antropóloga americana e professora de Antropologia na prestigiada Universidade de Stanford, Bridget O’Laughilin, o macro-economista belga, Marc Wuyts, o historiador congolês, Jacques Depelchin, o jovem historiador brasileiro Valdemir Zamparoni, dentre vários outros. A congregação destes investigadores no Centro, iria concorrer, para o fortalecimento do ensino e pesquisa em Ciências Sociais, contribuindo assim para a consolidação (durante o periodo de 1975-1990) de um padrão de pesquisa em Moçambique de qualidade, e internacionalmente reconhecido.

É de referir que este estudo, não se propõe avaliar se Moçambique foi, realmente, um Estado socialista, ou mesmo se a FRELIMO foi de facto um partido marxista-leninista. Autores, como Marina Ottaway (1998)4, Catherine Scott (1988)5 e, Michel Cahen (1993)6 na sua análise sociológica sobre o contexto do pós-independência em Moçambique, se debruçaram com maior afinco nas fraquezas do Partido/Estado freliminiano. Por exemplo, na visão de Cahen e Ottaway, a Frelimo nunca tinha chegado a ser um partido de vanguarda e o Estado moçambicano tinha falhado, logo de inicio, em transformar a economia moçambicana em moldes socialistas. Ainda na óptica de Marina Ottaway, tudo não passava de um “socialismo simbólico” e de uma “reforma simbólica”, sem nenhuma modificação real na economia como também no sistema político. Na mesma senda, Catherine Scott (1986), vai aplicar o conceito de soft state e de “política personalista” para definir a primeira década de “transição socialista” em Moçambique. Segundo esta autora, a emergência das características do “Estado fraco” e da “política personalista” em Moçambique deveria ser vista no contexto das tentativas que foram feitas pelo regime frelimista como forma de criar novas instituições sócio - económicas e administrativas.

Assim, neste trabalho o foco esteve mais direcionado em olhar para o contexto da “transição socialista”, na sua dimensão processual, dinâmica, não-essencialista, mais preocupado com uma ordem discursiva (por exemplo, a construção da sociedade socialista, do

4 OTTAWAY,Marina. Mozambique: From Symbolic Socialism to Symbolic Reform. The Journal of Modern African Studies, vol.26, nº2, p.211-226, Junho,1988.

5

SCOTT, Catherine V. Socialism and the 'Soft State' in Africa: An Analysis of Angola and Mozambique. The Journal of Modern African Studies, vol. 26, nº 1, Mar.ço, 1988 p. 23-36.

6 Cahen, Michel. Check on Socialism in Mozambique: What check? What Socialism?, ROAPE, nº57, 1993, p.46-59.

(17)

“homem novo”, etc.,) que se procurava reforçar e legitimar-se regularmente. Em seguida, procuraremos estabelecer as inter-relações entre situação social e produção de conhecimento científico pelo CEA, dando especial ênfase no papel que essa produção de conhecimento desempenhou nesse contexto da “transição socialista”.

Perguntas de Partida

A análise será conduzida a partir de três grandes perguntas de partida:

1. Como as Ciências Sociais colaboraram na “transição para o socialismo”, elas que teriam emergido no bojo das contradições resultantes da experiência colonial/luta de libertação nacional, contexto internacional da “guerra-fria”?

2. Há relação entre o campo científico e o campo politico ou partidário? De qual ordem? Nesse sentido então, poder-se-á falar de uma classe intelectual independente?

3. Há uma produção científica do CEA, que efectivamente esteja orientada para os processos sociais locais, mediante suas distintas expressões e que seja inventiva/criativa, no sentido de não ser mera reprodutora das elaborações teóricas produzidas no ocidente e da ideologia do partido no poder?

Tese do Estudo

O argumento central deste trabalho é de que as “condições sociais7”, e os processos

7 Usamos este termo no seu sentido mais lato, o que incluiria não somente os aspectos sociais, mas também políticos, econômicos e culturais. Neste sentido, estaríamos então falando, grosso modo, basicamente da primeira década do pós -independência (1975-1986) onde se deu a tentativa de construção do socialismo em Moçambique liderado por um partido auto-intitulado “marxista-leninista”, a solidariedade e apoio internacional a causa da “revolução” moçambicana, a emergência de uma guerra civil, a crescente crise econômica, etc.

(18)

(muitas das vezes conflitivos8) da produção de conhecimento adquiriram dinâmicas próprias que problematizaram os pressupostos dentro dos quais o CEA devia produzir conhecimento9 e que isso explicaria não só as especificidades do trabalho científico do CEA (por exemplo a relação de proximidade/distanciamento do CEA com o poder) como também as condições em que as ciências sociais ganharam contornos em Moçambique com o modo privilegiado de produção de conhecimento sobre a sociedade (por exemplo, a emergência no pós – independência de uma nova forma de se fazer pesquisa).

A primeira asserção remete-nos para uma discussão sobre a relação entre produção de conhecimento e contexto politico, o que possibilitará também discutir a questão de que como eram definidas as escolhas dos objectos de pesquisa, os temas eram privilegiados, e quais provavelmente “desclassificados”.A segunda, para uma discussão sobre a contribuição teórica e metodológica do CEA para o panorama das ciências sociais no pós-independência.

Quadro Teórico

Este estudo estará alicerçado em dois principais enunciados teóricos: “intelectual orgânico”, de António Gramsci e “culturas epistémicas”, de Karin Knorr-Cetina. Estes conceitos, possibilitarão em primeiro lugar, e de uma forma geral, olhar para o CEA e seus actores não como se fossem intelectuais “ideólogos10” mas pelo contrário, como agentes do conhecimento, pertencentes a um mesmo “sistema cognitivo”, que no entanto compreendia diferentes práticas, metodologias, objectivos, enfim, distintas “culturas” em relação a produção de conhecimento e sendo capazes de olhar criticamente para a sua prática científica e para as causas que apoiavam.

8 Como vermos ao longo deste trabalho, a estruturação do Centro em”facções”, a relação de complementaridade e de ambiguidades entre o director do CEA (Aquino de Bragança) e a directora científica (Ruth First) a indiferença em relação aos estudos antropológicos, etc.

9 Veja-se por exemplo, a tónica do Reitor da Universidade Eduardo Mondlane na distinção entre a teoria da “transformação social” e a teoria “burguesa” e “reaccionária” da ordem social; mas por outro lado, no interior do CEA em relação as diferentes abordagens teóricas e metodológicas da Oficina de História, do Núcleo da África Austral, e do Curso de Desenvolvimento). GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação em ciências Sociais. Estudos Moçambicanos, nº. 4, Maputo:CEA, 1984, p.5-17 .Este tema será retomado no último capítulo.

10

No sentido usado por Karl Mannheim, como aqueles que defendem o status quo, em oposição aos “utópicos”, os que lutam para mudar uma determina visão de mundo dominante. Vide, MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro:Zahar,, 1982.

(19)

Comecemos então olhando mais especificamente para a relevância neste estudo do primeiro. De acordo com António Gramsci, “todos os homens são intelectuais, mas nem todos têm na sociedade a função de intelectuais11”. António Gramsci pensou a existência de dois

tipos de intelectuais. O “intelectual tradicional” que estaria preso a uma formação econômica superada e que, no contexto em que António Gramsci viveu, seriam os intelectuais “estagnados” no mundo do agrário do sul de Itália, como por exemplo o “clero”, “a casa militar”, voltados a manter os camponeses atrelados a um status quo, que não mais fazia sentido. Em segundo lugar, haviam os “intelectuais orgânicos”, produtos do mundo moderno, dinâmico, prenhe de transformações e vicissitudes. Eram “orgânicos” porque estavam vinculados a uma classe social ou modo de produção específico12. É assim que este autor vai elaborar mais afincadamente na função social dos intelectual, afirmando que,

Cada grupo social nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, simultaneamente, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhes dão homogeneidade e consciência da sua própria função não somente no campo econômico, mas também no social e no político13.

11 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Vol.II, São Paulo:Civilização Brasileira, 2004, p.16.

12 Vide, SEMERARO, Giovanni. Intelectuais Orgânicos em Tempos de Pós – Modernidade. Cad. Cedes, Campinas, Vol. 26, nº 70, p. 373-391, set./dez. 2006. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br.

(20)

Os intelectuais orgânicos seriam uma espécie de “gestores da legitimação14”, eles contribuiriam para tornar a “classe” a qual pertencem na classe dirigente e hegemónica da sociedade. É então a partir desta vinculação de classe que Robert Fatton dá à definição de intelectual orgânico de António Gramsci que precisamos explicitar melhor a posição teórica que este trabalho pretende tomar. Argumentamos logo de partida, que este estudo pretende usar uma definição não restrita deste conceito gramsciniano. Assim, a ênfase na operacionalização do conceito para o caso do CEA, será dada à questão da legitimação do Estado. Assim, “classe” é aqui conceptualizado como “classe do Estado”, pois como asseverou George Balandier, “é o acesso e a luta em torno do poder o que contribui para a formação da única classe bem constituída em África, a classe dirigente.15”

Somente então a partir da ideia de “classe de Estado”, poderemos olhar para os investigadores do CEA como intelectuais orgânicos, uma vez que se usássemos a ideia clássica de classe social (como em Karl Marx e a sua vinculação a questão da propriedade), encontraremos certas limitações. Como podemos ver, apesar de estes investigadores comungarem uma visão não elitista do trabalho de investigação e de defenderem a constituição de uma universidade popular, nunca viram a si próprios como membros da classe trabalhadora.

Como iremos demonstrar ao longo deste trabalho, o CEA teve a particularidade de congregar, no seu interior, um grande número de investigadores cooperantes onde durante os anos 1979 a 198416 chegou a superar o número de investigadores nacionais. E foram os investigadores que de facto tomaram a liderança da pesquisa e ensino no CEA (foram os professores e alguns deles orientadores de tese dos jovens investigadores nacionais do CEA) e que, em última instância, decidiam sobre a definição, planeamento e execução e análise de dados da maior parte das pesquisas levadas a cabo. Podíamos até afirmar que estes investigadores, parafraseando Pierre Bourdieu, por deterem um volume de “capital

14 FATTON, Robert. Gramsci and the legitimization od the State: The case of the Senegalese Passive Revolution. Canadian Journal of Political Science, vol.19, nº4, 1986, p.735.

15 BALANDIER, George. Problematique des classes sociale en Afrique noire », In : Cahier Internatioux de Sociologie, XXXVIII, 1965, P.141, Apud, ZAMPARONI, Valdemir. Entre Narros &Mulungos – Colonialismo e Paisagem Social em Lourenço Marques c. 1890-c.1940.1998, 582f. Tese (Doutorado em História) – São Paulo. Nesta Tese o autor reserva um capitulo, para discutir de forma minuciosa, os eixos centrais na grande discussão em torno do conceito de classe, que segundo ele, tem envolvido não só investigadores como também políticos.

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intelectual” mais elevado, tinham um melhor entendimento da situação social do que os investigadores locais (ou mesmo, melhor do que a própria liderança da FRELIMO.)

Em suma, tendo como elemento definidor a ideia de “classe de Estado” os investigadores do CEA poderão ser considerados intelectuais orgânicos no sentido em que eles se constituíam como produtores de um conhecimento que não só iria ajudar o poder a alcançar os seus objectivos como também justificar as suas opções perante o público.

A sua vinculação à classe do Estado, possibilitará um melhor exame da questão da independência dos intelectuais, e também a relação entre as prioridades de pesquisas definidas pelo CEA e as prioridades políticas traçadas pela FRELIMO para o desenvolvimento socialista de Moçambique, durante o período em análise. E, de facto, a perspectiva gramsciniana nos fornece elementos para enfatizar a postura crítica dos intelectuais orgânicos, e não vê-los simplesmente como reprodutores da ideologia hegemónica do Estado. Daí Gramsci conceber os intelectuais como “consciência crítica”, de um “distanciamento gerador de capacidade de autocrítica, de consciência para si”. António Gramsci fala-nos ainda de “hierarquias intelectuais”, do “lugar contraditório” que os intelectuais ocupam. Uma perspectiva que procura mostrar como os intelectuais são e não normativamente “como deveriam ser”. No que se refere às diferenciações dentro do grupo dos intelectuais, António Gramsci nota,

Por um lado, a existência de uma hierarquia intelectual, que vai desde os ‘grandes intelectuais’ até aos mais humildes ‘administradores’ e, por outro lado, em função do lugar ocupado na hierarquia, uma autonomia relativa destes em relação à classe fundamental de que são ‘intelectuais orgânicos’.17

No contexto moçambicano poderíamos ter como exemplo, Aquino de Bragança diretor do Centro e conselheiro pessoal do presidente da república. Aquino de Bragança funda um núcleo de pesquisa no Centro, a Oficina de História que pretendia resgatar (através das fontes orais) e reescrever a história da luta de libertação nacional em Moçambique. Um dos artigos do CEA, produzido por Aquino de Bragança e Jacques Depelchin, procurava, de uma forma crítica, analisar, a partir de dois livros escritos por africanistas18, “a problemática do

17 SANTOS, op.cit.p.97.

18 HALON, Joseph. Mozambique: Revolution under fire, London :Zed Books, 1984. SAUL, Jonh. (editor), A difficult Road: The transition to socialism in Mozambique, New York : Monthly Review Press, 1985.

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processo revolucionário iniciado pela Frelimo durante a luta armada de libertação nacional.

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Os autores chamavam a atenção para as artimanhas das justificações ideológicas na análise da história de Moçambique, onde segundo eles, “um dos problemas de fundo da História da Frelimo provém, não só da forma vitoriosa como esta história é abordada, mas, sobretudo, da utilização dos seus conhecimentos de forma inquestionável”.20 Encontramos também no CEA, Ruth First, diretora de investigação do Centro, socióloga e esposa de Joe Slovo, chefe do braço armado do ANC (Unmkonto we Sizwe), que desenvolve no Centro um “Núcleo da África Austral”, compreendendo maioritariamente investigadores estrangeiros, procurando estudar a realidade moçambicana no contexto da África Austral, bem como análises mais especificas relacionadas com a luta anti-apartheid na África do Sul. Sob direção de Ruth First foi produzido em 1977, a maior pesquisa levada a cabo no CEA, apresentada na forma de livro como “O mineiro moçambicano21”, um trabalho exaustivo, que procurava grosso modo, medir as implicações para a economia de Moçambique do corte (pelo poder político) do fluxo migratório de mão-de-obra moçambicana para as minas do regime do

apartheid.

Enfim, encontramos no Centro, pesquisadores que procuraram manter um certo distanciamento em relação ao discurso do poder, lendo a realidade social de forma critica e desmistificadora, porém sempre aliada a uma espécie de “militância critica” à causa que apoiavam. Na mesma senda há uma preocupação de ligar o trabalho intelectual, com as estratégias do poder no campo social, econômico e político de transformação socialista da sociedade moçambicana.

É neste sentido que a noção de “conhecimento politicamente engajado” de Allen Isaacman ajudará a traçar melhor os limites da “independência” dos intelectuais do CEA em relação a ideologia “hegemônica” do parido no poder. De acordo com este autor fazem parte deste grupo,

19 BRAGANÇA, Aquino e DEPELCHIN, Jacques.Da idealização da Frelimo à compreensão da História de Moçambique. Estudos Moçambicanos, nº5/6, CEA, Maputo, 1986, p.29-52.

20 Ibid., p.33.

21 O livro foi publicado postumamente. Em 1982 Ruth First foi assassinada no CEA, através de uma carta-bomba. A obra surgiu inicialmente em inglês com o título: The black gold: the Mozambican miner, proletarian and peasant. Esta obra foi o culminar de cerca de seis anos de pesquisa iniciada em 1977 com a chegada desta investigadora ao Centro.

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Os intelectuais que desafiam as hierarquias sociais existentes e instituições opressivas, como também os regimes de verdade e estruturas de poder que as produzem e apoiam. Não se contentando simplesmente em criticar o status quo, esses acadêmicos procuram transformá-lo. O seu trabalho insurgente é assim organicamente e inexoravelmente entrelaçado com a sua produção científica oposicional.22

Até que ponto então estes investigadores conseguiram manter um espaço onde pudessem exercer a crítica e questionamento? Esta é uma das questões que serão discutidas ao longo deste trabalho.

O segundo eixo teórico que guiará este estudo é o de “culturas epistémicas” da socióloga austríaca, Karin Knorr-Cetina. Refira-se antes de mais, que a autora cunha este conceito a partir de uma análise comparativa entre duas disciplinas do campo científico das ciências naturais (física nuclear e biologia molecular)23. Nesse estudo são examinados não somente a construção do conhecimento, mas principalmente os mecanismos sociais, epistémicos, instrumentais e tecnológicos que permitem a produção do conhecimento científico. Na mesma senda, a autora procura saber como os diferentes campos científicos (ou disciplinas) estão organizados e as suas diferentes estratégias para a aquisição de conhecimento. É então a partir de uma análise comparativa entre as duas disciplinas acima referidas que Knorr-Cetina vai argumentar que existem no campo cientifico diferentes culturas epistémicas, quer dizer,

Essas amálgamas de arranjos e mecanismos - delimitados por afinidade, necessidade e coincidência histórica - que, em um determinado campo, constituem/definem como nós sabemos o que

sabemos."24.

22 No original: “engaged scholars as intellectuals who challenge existing social hierarchies and oppressive

institutions as well as the truth regimes and structures of power that produced and \supported them. Not content simply to critique the status quo, these scholars seek to change it. Their insurgent work is thus organically and inexorably intertwined with their oppositional scholarship.”, ISAACMAN, Allen. Legacies of engagement: Scholarship informed by political commitment. African Studies Review, vol. 46, nº.1, p.1-41, p.3, April 2003.

23 Vide, KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make Knowledge, Harvard: President and Fellow of Harvard Collge,1999.

24 KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make Knowledge, Harvard. President and Fellow of Harvard Collge. 1999, p.1.

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Karin Knorr-Cetina defende que há uma “diversidade” entre as “culturas epistémicas, que revelariam a “desunião” dentro das ciências e que apontariam para diferentes estratégias, metodologias, significados simbólicos, enfim, distintas “culturas” que estariam por detrás da constituição de mecanismos na produção do conhecimento científico. Para esta autora o conceito de “disciplina” ou “áreas de especialização”, apesar de serem importantes na organização e produção de conhecimento científico, provaram serem menos felizes em capturar as estratégias no acto de conhecer, que não estão codificados nos textos escolares mas que alimentam as práticas dos especialistas.25” Daí então Knorr-Cetina sugerir o conceito de “culturas epistémicas”, que permitiriam apreender não somente a “maquinarias” (macheneries) ligadas aos aspectos científicos, tecnológicos e instrumentais, mas também as interacções humanas, as contingências, oportunismos, significados simbólicos, enfim realidades também presentes no processo da produção dos mecanismos que permitem a produção de conhecimento. Assim para esta autora o produto da ciência não pode ser entendido como algo separado das práticas que o constituíram26. É então neste âmbito que Karin-Knorr afirma que a distinção entre ciências naturais e sociais deveria ser superada: “a evidência filosófica sugere que o método nas ciências naturais está baseado sob os mesmos tipos de ciclos de interpretação comumente associados às ciências sociais”27.

É, então, a partir da tese de que os campos científicos exibem culturas epistémicas distintas, que Knorr-Cetina (1981) vai propor uma distinção entre o locus da produção do conhecimento (laboratórios, departamentos ou núcleos de pesquisa etc) da pesquisa em si

mesmo (experimentos, pesquisa empírica, colecta e análise de dados). Daí, ambos - o

conhecimento produzido e o “laboratório” - seriam então exemplo de uma “cognição colectiva” (collective cognition), “que ocorreria onde duas os mais pessoas combinando conhecimento individual, não inicialmente partilhado pelos outros28”. Assim, juntos, produziriam um resultado cognitivo (conhecimento cientifico), que nenhum deles poderia produzir sozinho29. Seria o caso, por exemplo, da pesquisa colectiva que levou à produção da

25 KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make knowledge, Harvard:President and Fellow of Harvard Collge, 1999, p.3.

26 Ibid, p.4.

27 Tradução nossa: The philosophical evidence suggest that method in the natural sciences is based upon the same kind of cycles of interpretation commonly associated with the social sciences”.Vide, KNORR-CETINA, K. Social and scientific method or what do we make of the distinction between the natural and social sciences?. Philosophy of the Social Sciences, vol.II, p.335-359, 1981, p.336.

28 GIERE, Ronald. Distributed Cognition in Epistemic Cultures. Philosophy of Science, nº 69, Dezembro, 2002, p. 637–644, p.640.

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grande obra de referência do CEA que foi “O Mineiro Moçambicano”. Como pretendemos mostrar neste trabalho, havia no CEA pessoas que eram consideradas experts em determinadas áreas de conhecimento. Por exemplo Marc Wuyts, nas questões macroeconômicas, Alpheus Manghezi, mais do que ninguém no CEA dominava fluentemente as várias línguas faladas no sul de Moçambique, sendo de extrema importância para pesquisa empírica com as comunidades rurais. Poderíamos também mencionar, Bridget O’Laughilin e Helena Dolny que eram especialistas nas questões agrárias.

A proposta teórica de Knorr-Cetina é ainda pertinente neste estudo, pois possibilitará uma melhor compreensão da emergência de “facções” no âmbito do CEA; quer dizer distintos grupos de pesquisa, organizados não só através de diferentes formas de produzir conhecimento, e de conformidades teóricas, como também ligados a afinidades pessoais, partidárias, linguísticas, etc. Foi então partir da estruturação do CEA em diferentes e por vezes conflituantes nichos epistémicos, que pôde produzir um conhecimento não só socialmente relevante, como também um conhecimento “de “inteligência” sobre a luta política na Africa do Sul, que alimentaria directamente o “núcleo duro” do movimento político e armado do ANC30 na África do Sul.

Recapitulando, estes dois principais alicerces teóricos permitirão compreender o trabalho científico do CEA a partir de duas dimensões. Primeiro, no fato de que estávamos em presença de uma organização complexa, plurivocal, onde coexistiam (e em algumas situações competiam entre si) diferentes pesquisadores com agendas de pesquisa próprias. Segundo, de um “sistema cognitivo” (o CEA) que procurava legitimar o Estado, sem contudo cair numa aderência acrítica e dogmática da ideologia que dele irradiava. Quer dizer, mesmo estando sob o manto da dominação e das repressões e proibições desse Estado, o CEA conseguiu criar um espaço onde pudesse exercer um pensamento critico-social e daí permitir a consolidação de uma nova forma de fazer pesquisa no pós-independência. Enfim, uma pesquisa em ciências sociais “aplicada”, colectiva, actual, urgente e maioritariamente virada para o paradigma da economia política marxista com ênfase na transformação das condições sociais das populações.

30 Congresso Nacional Africano. No original, African National Congress (ANC). Foi fundado em 1912 e com um dos propósitos fundamentais de lutar contras as injustiças contra os negros sul-africanos sob domínio de um governo minoritário branco. Em 1961, o ANC fundou o seu braço armado, Umkhonto We Sizwe, onde teve como seu chefe, Joe Slovo, marido de Ruth First. Vide, ROSS, Robert A concise history of South Africa. Cambridge University Press,1999.

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Metodologia

A colecta do material empírico foi produzida de duas formas. Primeiro, através de uma pesquisa qualitativa das fontes bibliográficas e documentais referentes à produção científica do CEA31 (particular enfoque foi dado às revistas Estudos Moçambicanos e Não

vamos Esquecer!, como também aos vários “Relatórios de Investigação” produzidos no

âmbito do Curso de pós-graduação em Desenvolvimento, criado por Ruth First). Em segundo lugar, através de entrevistas semi-estruturadas aos pesquisadores locais e estrangeiros, aos estudantes do Curso de Desenvolvimento, membros do governo e do partido FRELIMO.

Aos investigadores do CEA foram realizadas vinte entrevistas semi-estruturadas com duração de quarenta e cinco minutos a uma hora. Aos entrevistados foi solicitado que descrevessem duas situações. Primeiro, a sua experiencia de pesquisa, e ou de docência no Centro. Segundo, as interações entre os vários investigadores do Centro como também com outros investigadores da universidade e com outras instituições sociais como o partido FRELIMO, ministérios, direcções províncias etc. Foram num segundo momento realizadas cinco entrevistas com membros do governo (especialmente daqueles que tiveram um papel chave na governação durante o período de analise), da administração pública etc.

O objectivo principal deste estudo que é o estabelecer a conexão entre produção científica e existência social será empiricamente sustentado, a partir da análise de cerca de trinta e dois32 trabalhos científicos produzidos e publicados pelo CEA, desde a sua fundação (1976) até ao fim da auto-proclamada ideologia marxista-leninista da FRELIMO, em que se

31 Esta recolha foi executada, sobretudo no Centro de Documentação do CEA e no Arquivo Histórico de Moçambique (AHM).

32 Uma das principais limitações deste trabalho refere-se ao facto de não fazer uma análise de mais de metade de toda a produção científica do CEA. Colin Darch (1990), na altura documentalista do CEA, produziu um “inventário de todos os trabalhos difundidos externamente ou não, ou pelo CEA no período que vai de 1977 a 1989”. Ainda segundo Darch, nesta compilação do acervo teórico do CEA, estavam “inclusas obras não só do CEA e seus investigadores directos, mas também de outros colaboradores quer sejam estas pessoas singulares, quer sejam instituições que participaram em projectos conjuntos de investigação com o CEA”. Este inventário registou cerca de 267 referências bibliográfica (Cf.., DARCH, Colin, Bibliografia 1977-1989. Estudos Moçambicanos nº7, Maputo, 1990, p.121-136. É de referir que estão aqui incluídas os artigos do CEA publicados na revista, Estudos Moçambicanos (41) e na Não Vamos Esquecer! (13) e os vários Relatórios Científicos produzidos no Curso de Desenvolvimento (35). Uma segunda limitação deste estudo relaciona-se com o facto deste estudo não pretender fazer uma apreciação critica sobre o impacto da produção cientifica do CEA na definição e criação (ou não) de políticas públicas do governo com vista ao tão almejado, “desenvolvimento socialista” na primeira década do pós - independência. O seu objectivo é mais localizado e modesto, no sentido de delinear a história intelectual de uma instituição de produção de conhecimento, como também de estabelecer as várias conexões existentes entre produção de conhecimento e contexto social e político.

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procurou construir uma sociedade socialista em Moçambique (1990).

Estrutura do Estudo

O estudo está estruturado em nove capítulos. O primeiro apresenta de uma forma geral, o panorama do sistema de educação e pesquisa colonial em Moçambique. Começa-se por descrever o processo de estabelecimento do capitalismo colonial, passando pela emergência do Estado fascista e a institucionalização de um sistema de educação na colônia, baseado em princípios racistas e discriminatórios e culminando com a crise do Estado salazarista e a fundação da única universidade no país.

O principal objectivo deste capítulo é de discutir o impacto do sistema colonial no Moçambique pós-colonial, nos âmbitos político, econômico, no sistema de educação com destaque para a emergência do campo da pesquisa científica. Pretende-se ainda, mostrar que a dependência de Moçambique em relação a África do Sul (tema que vai ocupar de forma central o trabalho científico do CEA, na selecção dos objectos de pesquisa, bem como na própria contratação de pesquisadores estrangeiros) tem suas raízes na peculiaridade do sistema colonial português.

O segundo capítulo, descreve o contexto histórico do pós-independência tanto a nível local, como no que se refere ao contexto internacional da guerra fria e da região austral, fortemente dominada pelo regime sul-africano do apartheid. Este período do pós-independência foi também um momento em que começaram a surgir novas escolas de pensamento em África, emergidas no campo das chamadas Ciências Sociais radicais, como a Escola de Dar-es-Salaam, de Economia Política, e que procuraram construir um conhecimento sobre África, de forma soberana e em oposição àquele saber ocidental etnocêntrico.

De facto a Tanzânia tem um significado particular na história de Moçambique e do CEA. Foi neste país da costa oriental africana que a FRELIMO se constituiu e começou a se preparar política e militarmente para a luta de libertação nacional. Por outro lado, muitos dos professores universitários e pesquisadores estrangeiros que passaram pelo Centro tinham primeiro trabalhado em universidades tanzanianas, como foi o caso de Ruth First, directora de investigação do CEA, Jacques Depelchin, Anna Maria Gentilli, Dan O’Meara, Judith Head, Colin Darch, Robert Davies e Sipho Dlamini.

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Ainda neste capítulo abordar-se-á o contexto regional da África Austral e sua determinação na pesquisa em Ciências Sociais no Moçambique independente. O CEA teve, de facto, uma componente de pesquisa sobre a região bastante significativa, tendo criado para o efeito um “Núcleo” de estudos da África Austral. Daí então a nossa intenção de perceber os factores por detrás destas escolhas, e como o trabalho do CEA se intersectava com os desenvolvimentos políticos e econômicos da região. Na mesma senda, não deixaremos de mencionar, ainda que brevemente, o contexto da “guerra fria”, e da dicotomização do mundo em duas “visões de mundo”: o capitalismo e o socialismo/comunismo. Moçambique sem dúvida foi impactado por este contexto internacional e suas escolhas políticas e ideológicas, necessariamente tiveram que dialogar com estas duas grandes posições.

Tencionamos por fim, descrever o contexto político social e econômico de Moçambique, no período da “transição socialista” como forma de melhor entender o trabalho do CEA em relação com o poder político e as várias forças que estiveram em jogo. De facto, não podemos falar desta instituição de pesquisa sem situá-la no contexto político moçambicano, pois só assim poderemos compreender integralmente a sua existência como instituição de pesquisa e ensino. Iremos também discutir a transformação da FRELIMO em partido político de orientação marxista-leninista e como isso se traduziu na sociedade e de uma forma particular, na sua interacção com o CEA.

O terceiro capítulo discute a questão da emergência de um novo campo da pesquisa no período pós-independência, tendo como caso de estudo o primeiro trabalho colectivo do CEA. “A Questão Rodesiana”, levado a cabo em 1976, antes da integração de Ruth First. Argumentamos neste capítulo, que este projecto teve o condão de mudar radicalmente a dinâmica de pesquisa do Centro e permitiu a emergência de um novo campo da pesquisa no pós-independência, ao introduzir três inovações: uma abordagem no “actual” (sem contudo deixar de levar em consideração as suas raízes históricas), em vez de focalizar na história como tal; uma mudança de uma pesquisa individual para uma pesquisa colectiva; e a introdução de um sentido de urgência na pesquisa para responder a preocupações imediatas. Ainda neste capítulo, pretendemos fazer uma reconstituição histórica do Centro, atores em jogo, e os seus objectivos, estrutura organizacional e hierárquica e linhas de pesquisa. Ainda neste capítulo, traremos à discussão, como forma também de mostrar como se deu o processo de consolidação deste novo campo da pesquisa, o mais importante e elaborado projecto colectivo de pesquisa do Centro, “O Mineiro Moçambicano”, produzido em 1979 e que marca simbolicamente a “entrada em cena” de Ruth First no CEA. São discutidos também os

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antecedentes da pesquisa, a interacção com o meio universitário e com o governo, a preparação, delimitação e realização da pesquisa, seus impasses e o seu contributo para o fortalecimento das capacidades de pesquisa dos estudantes. É ainda apresentada em linhas gerais o percurso intelectual de Ruth First até a sua nomeação como directora científica do Centro.

O quarto capítulo focaliza a sua atenção na descrição e análise do “Projecto sobre o Desemprego na Cidade de Maputo”, um dos primeiros relatórios científicos especialmente “encomendado” pelo governo moçambicano com o objectivo expresso de “solucionar” um problema social concreto e actual que Moçambique viveu nos primeiros anos do pós-independência. Mostraremos como este estudo colectivo contribuiu para uma maior dinamização da pesquisa empírica no Centro, e também na criação de um projeto de grande envergadura para a formação de estudantes e quadros administrativos nas técnicas e metodologias de pesquisa. Este capítulo não deixará também de discutir o contexto social e político em que o estudo foi desenvolvido, abordando tema como os anos de “alvoroço” no meio universitário (o partido Frelimo cada vez mais dominante na sociedade, a criação dos círculos do partido na universidade, a criação da faculdade de marxismo-leninismo, e os conflitos com os estudantes; as tensões entre o CEA e a disciplina de Antropologia, etc), consequência de uma maior radicalização do partido FRELIMO na sociedade moçambicana (por exemplo, o aumento da dominação e coerção do Estado com a criação dos “campos de reeducação”, “operação produção33”, o recrudescer da crise econômica e de focos de destabilização perpetrados pela RENAMO e forças armadas sul africanas.

O quinto capítulo pretende trazer elementos para a reconstituição histórica do primeiro curso de pós-graduação em Moçambique, que ficou famoso como o Curso de

Desenvolvimento. Este curso idealizado principalmente por Ruth First iria marcar o seu

retorno definitivo ao CEA. Iremos focalizar nos objectivos, métodos, disciplinas e organização curricular, enfoque teórico, grupo alvo e o seu significado para o campo da

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Segundo José Luís Cabaço, apud Lorenzo Macagno, a operação produção “consistiu no envio forçado de cidadãos considerados improdutivos da cidade para as áreas rurais, em particular, para a província do Niassa.” Ainda na mesma senda, Luís de Brito apud, Macagno, afirmou que “no imaginário dos dirigentes da FRELIMO, aqueles que eles consideravam 'improdutivos' (desempregados e outros) eram os preguiçosos, os bandidos, os criminosos. Assim [...] o objetivo foi também o de eliminar a 'ameaça' que representava, nas grandes cidades, uma camada social potencialmente perigosa e susceptível de apoiar a RENAMO”. Vide, MACAGNO, Lorenzo. Fragmentos de uma Imaginação Nacional. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.24, nº70, São Paulo, Junho, 2009, p.27. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092009000200002#nt35. Acesso em 15-6-2007.

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pesquisa e ensino no pós-independência; uma vez que um dos grandes princípios do curso era de encarar o ensino como um acto de investigação e de formar quadros nacionais para trabalharem em problemas relacionados com o desenvolvimento social e econômico de Moçambique. Por fim, o capítulo irá abordar as tensões existentes neste Curso, tanto no que concerne às críticas (relacionadas com a sua natureza, grupo alvo e abordagem teórica) de outros investigadores e docentes da universidade, como também as críticas vindas do interior do próprio Curso, fundamentalmente dos seus estudantes.

O sexto capítulo na senda do anterior, irá examinar de forma mais detalhada seis Relatórios de Investigação produzidos no âmbito do Curso de Desenvolvimento e que estavam relacionados com as prioridades políticas da FRELIMO para o desenvolvimento socialista de Moçambique. O objectivo é assim o de enfatizar a ligação profunda existente entre prioridades de pesquisas e prioridades políticas. Estes estudos do CEA estavam dentro das seguintes áreas de investigação (que se confundiam com as prioridades politicas do governo): a questão do fluxo migratório para as minas da África do Sul, os camponeses e a economia rural, os problemas da transformação rural, a questão da produção algodoeira (uma das principais culturas de produção no tempo colonial), a problemática da comercialização agrária, a nível distrital e a questão da socialização do campo, especialmente da construção e organização dos camponeses em aldeias comunais.

O sétimo capítulo, traz elementos para a construção de uma “biografia intelectual” da

Oficina de História, um colectivo de historiadores do Centro, que pretendiam reconstituir a

experiência da luta de libertação nacional e de construir uma “nova história, em clara oposição à historiografia colonial. Este grupo de historiadores do CEA iria fundar uma revista intitulada Não Vamos Esquecer!, onde eram publicados artigos científicos, documentos políticos, entrevistas e canções de participantes na luta de libertação nacional, de operários e camponeses moçambicanos. Era assim uma forma de escrever a história social de Moçambique contada a partir dos “de baixo” e de perpetuar a memória dos moçambicanos que viveram o período colonial e que participaram na experiência da luta armada. Por último, são apresentadas as quatro edições da revista e analisados alguns dos seus conteúdos.

O oitavo capítulo, com a mesma lógica que no capítulo anterior, vai focalizar a sua atenção numa outra forma de difusão literária do Centro, a revista científica, publicada duas vezes por ano, Estudos Moçambicanos. Esta revista foi fundada em 1980 e até 1990 publicou oito números onde, através da sua produção científica, o CEA propunha ”construir uma

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economia política de Moçambique34”. Serão deste modo analisados neste capítulo, a linha teórica e de investigação da revista, métodos, objectivos, os artigos publicados e, por fim, seleccionados 12 destes estudos para uma análise crítica.

O nono e último capítulo, operacionaliza os dois principais eixos teóricos do estudo, onde aborda, de forma mais localizada, o trabalho intelectual do CEA e a sua relação com o contexto social e político da “transição socialista” em Moçambique. Este capítulo trata da fase em que novos actores entram em jogo, principalmente Ruth First e a sua entourage. Abordaremos o impacto que a vinda de acadêmicos e pesquisadores estrangeiros teve na estruturação da pesquisa, como também na criação de “facções” dentro do Centro e como estas foram organizando a agenda de pesquisa do Centro. Pretendemos também analisar a ligação do CEA com o poder político, as relações de poder subjacentes, a conexão entre prioridade de pesquisa e prioridades políticas, bem como o significado do conceito de “engajamento crítico” no trabalho intelectual destes investigadores.

1.

A

E

DUCAÇÃO

C

OLONIAL E

P

ESQUISA EM

C

IÊNCIAS

S

OCIAIS

Iremos adiante fazer um desvio histórico, no sentido de descrever, de forma esquemática, a experiencia colonial em Moçambique. O seu principal propósito é o de mostrar como algumas questões estruturais do colonialismo determinaram, por exemplo, a existência de uma fraca capacidade institucional, de infra-estruturas e de formação de quadros locais na área da educação e pesquisa em ciências sociais. Começaremos, no entanto, por abordar primeiro a questão do estabelecimento de mecanismos de dominação colonial em Moçambique, suas formas, instrumentos e legislações que permitiram aos portugueses a implantação do Estado colonial. Por fim, abordaremos a questão da educação e pesquisa colonial, mostrando, por exemplo, que a ideologia colonial, nunca se preocupou na formação educacional da população local e nem no desenvolvimento de um sistema de educação formal ou de pesquisa que beneficiasse a população local. É ainda enfatizada a questão do carácter “retrógrado” de Portugal como potência colonizadora, mostrando por exemplo que mesmo na metrópole o desenvolvimento do ensino e pesquisa em ciências sociais até finais dos anos 1960, era praticamente inexistente. Por outro lado é também referida a questão da pobreza econômica e financeira de Portugal e como isso implicou uma maior dependência em relação

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às colônias africanas como também ao “aluguel” às outras potências europeias.

1.1 O Processo de estabelecimento da administração colonial (1895-1945)

Foi após a conferência de Berlim (1884-85) e consequente partilha de África pelas potências europeias, que Portugal começou a desenhar uma política militarista mais agressiva,35 com o intuito de estabelecer o seu poder colonial em todo o território moçambicano36. Uma nova página na história colonial de Moçambique se abria37. Até então a presença portuguesa em Moçambique limitava-se, como afirmou Lorenzo Macagno (2001), “ a um pequeno número de assentamentos costeiros. Das regiões do interior, o vale do Zambeze era a única parte do país que conservava a aparência de um domínio europeu”38.

Um dos traços mais característicos desta época foi também o estabelecimento das fundações para a predominância dos missionários da igreja católica em Moçambique. A empreitada colonial, na óptica dos seus representantes, deveria trazer a “civilização” para os povos “primitivos” de Moçambique. Os portugueses acreditavam, como afirmou James Duffy (1961), que a sua missão em África era a conquista espiritual sobre as forças da ignorância39. Daí então as primeiras campanhas educacionais para os africanos terem sido relegadas aos missionários católicos. Como observou Valdemir Zamparoni, “Estado e igreja, espada e

35 Por exemplo, a conquista militar portuguesa do Estado de Gaza, no sul de Moçambique (1895-7).

36 Durante a Conferência de Berlin, as grandes potências europeias rejeitaram a reivindicação histórica de Lisboa em relação a Moçambique decretaram que pacificação e controlo efectivo eram pré-requisitos para um reconhecimento como potencia colonial. Vide, ISAACMAN, Allen. Mozambique – from colonialism to revolution, 1900 – 1982, Boulder:Westview Press, 1983.

37 A presença portuguesa em Moçambique remonta ao século XVI, relacionada fundamentalmente a expansão

marítima portuguesa em toda a costa oriental africana em busca de especiarias, assentando-se como afirmou Zamparoni “no sistema de feitoria e portos para o abastecimento desta nova rota”. Esta primeira fase caracterizou-se também pelo estabelecimento de trocas comerciais nomeadamente de ouro, marfim, tecidos e escravos, de exploradores portugueses, caçadores e aventureiros, com os povos africanos, árabes que já se tinham instalado na costa oriental africana e construídos cidades-estados arabo-africanas. Por outro lado, é preciso referir que antes da Conferencia de Berlin, particularmente, “entre 1770 e 1850, o tráfico de escravos constituiu-se na principal actividade econômica da colónia”: Vide, ZAMPARONI, Valdemir. De Escravo a Cozinheiro – Colonialismo e racismo em Moçambique, Salvador : EdUFBA, 2007.

38MACAGNO, Lorenzo. O discurso colonial e a fabricação dos usos e costumes. FRY, Peter (Org.).

Moçambique Ensaios. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.p.63.

39 DUFFY, James. Portuguese Africa (Angola and Mozambique): Somes crucial problems and the role of education in their resolution. The Journal of Negro Education, vol.30, nº3, 1961, p.294-301.

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bíblia, sempre andaram de mãos dadas40”. No entanto, com o estabelecimento dos Jesuítas (1610 a 1760) na Ilha de Moçambique e mais tarde os Dominicanos no Vale do Zambeze, na zona central, os missionários católicos em Moçambique tiveram que contestar a forte influência islâmica que tinha existido por muito tempo por toda a costa do nordeste de Moçambique.41

O envolvimento de missionários protestantes42 na escolarização dos africanos iria criar medo e indignação entre as autoridades portuguesas e os missionários católicos. Por volta de 1876, os portugueses começam a questionar as possíveis implicações políticas do trabalho dos missionários não-católicos43. Estes eram suspeitos de “desnacionalizar os nativos” e de

agirem como agentes de governos estrangeiros44. O Estado colonial não conseguia controlar todas as actividades desenvolvidas no território moçambicano tanto no que concerne à educação como também no trabalho das missões religiosas. Por outro lado, o sistema público de instrução escolar, mais do que um fracasso, se mostrava uma irrealidade, pois que das poucas escolas existentes na colônia, a sua maioria pertencia à Igreja Católica, que se circunscrevia somente ao ensino do catecismo.45 Mouzinho de Albuquerque, um dos arquitectos da política colonial portuguesa do final do século XIX, reproduziu fielmente os propósitos da ideologia colonial quando afirmou, “ o que nós temos que fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver de uma forma prática a sua aptidão para o trabalho manual

40 Não obstante, neste “casamento” entre o Estado e a Igreja católica, Zamparoni adverte-nos da “excepção do período Pombalino (Marquês de Pombal) e do período entre 1911 e 1936, no qual ideias de um republicanismo positivista e de um certo anti-clericalismo abalaram tais relações”. Cf. ZAMPARONI, Valdemir. Entre Narros &Mulungos – Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-c.1940. Tese apresentada para a obtenção do Grau de Doutor em Historia Social junto à Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998, p.416.

41 Vide, ZAMPARONI, 2007, op.cit.

42 Para uma leitura mais atenta sobre missionários protestantes em Moçambique, veja, BUTSELAAR, Jan Van. Africains, Missionaires et Colonialistes. Leiden: E.J. Brill, 1984; Trabalhos mais recentes, veja, CRUZ e Silva, Teresa. “Protestant churches and the formation of political consciousness in Southern Mozambique (1930-1974): the case of the Swiss mission”, Bradford, University of Bradford, PhD thesis, 1996, Mimeo. Na mesma senda, os seguintes artigos: CRUZ e Silva, Teresa. Identity and political consciousness in Southern Mozambique, 1930-1974: Two Presbyterian biographies contextualized. Journal of Southern African Studies, nº24, 1, 1998, p.223-236. CRUZ e Silva, Teresa. Colonizadores e protestantes: o jogo de identidades e diferenças”. SERRA, Carlos ed., Estigmatizar e desqualificar: casos, análises, encontros. Maputo: Livraria Universitária, 1998, p.203-226. CRUZ e Silva, Teresa. Educação, identidades e consciência política – A missão Suíça no sul de Moçambique (1930-1975), Bourdeux: Lusotopie, 1998, p.397-405.

43 ZAMPARONI alerta-nos, no entanto, para o facto de que esta presença missionária protestante em Moçambique data das últimas décadas do século XIX, “embora o protestantismo já se fizesse presente através de alguns indivíduos catequizados nos territórios vizinhos”. ZAMPARONI, Valdemir, 1998, op.cit. p.427. 44 CROSS, Michael. The political economy of colonial education: Mozambique, 1930-1975. Comparative

Education Review, vol.31, nº4,, nov. 1987, p.550-569 op.cit, 1987, p.554 e ZAMPARONI, Valdemir, , op.cit. 1998.

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