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José Luiz Ribeiro – cinco décadas de teatro

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Academic year: 2021

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Entrevista

José Luiz Ribeiro – cinco décadas de teatro

São 71 anos de vida, 47 anos do Grupo Divulgação, mais de 200 espetáculos, uma mulher e 2 filhos. E um núcleo de teatro da terceira idade que existe há 18

anos (“muito mais de idosas, os homens não as enfrentam”). Esse é José Luiz Ribeiro, autor, ator e diretor (e professor), de Juiz de Fora, Minas Gerais.

Texto de Guilherme Salgado Rocha Fotos: arquivo pessoal

ma das minhas mais fortes lembranças da época de faculdade, aluno do

então Departamento de Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (naquela época nem faculdade éramos, apenas um braço, um apêndice do Direito) são as aulas de José Luiz Ribeiro e de sua mulher, Malu. Sem dúvida. Indo na contramão (e que fértil contramão) de muitos de nós, alunos contestadores, lideranças do movimento estudantil, ambos começavam a aula na hora exata (a do José Luiz, por exemplo, começava às 7h10 (da manhã), e às 7h09 ele já estava preparado; às 7h10 iniciava não a aula, mas a chamada... Sim, a chamada!), exigiam presença, incentivavam o debate e a participação, passavam e cobravam

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trabalhos. A disciplina, sem dúvida, é um dos motivos que o fazem, aos 71 anos, e ao seu Grupo Divulgação, referências nacionais. Como ele mesmo comenta na entrevista, gosta de uma caipirinha de lima. Pois muito bem, um brinde a esse inesquecível professor...

Portal – É uma grande alegria, 35 anos depois de ser seu aluno, mostrar nesta entrevista que continua, felizmente, batendo na mesma tecla. Obrigado! Agora, por favor, os dados pessoais. Onde nasceu?

José Luiz – À disposição... Sou geminiano, do dia 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, protetora das causas impossíveis. Nasci em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Minha família era de imigrantes portugueses. Meu pai, Luiz Ribeiro, era viajante, e minha mãe, Filomena Augusta do Patrocínio Ribeiro, era dona de casa, mas fazia doces e confeitava bolos nos anos 50. Tenho uma irmã, Maria dos Prazeres, que hoje, aos 79, vive em minha casa.

Portal - Um homem de múltiplas atividades. Como se define?

José Luiz - Tenho um temperamento eclético. Circulei pelo jornalismo, educação e teatro com a mesma paixão. Gosto de ter contato com alunos e espectadores de todas as faixas de idade. Sou uma pessoa de hábitos simples, bom cozinheiro e amante de cinema, música - indo da composição erudita à MPB - poesia, teoria do teatro e da comunicação. Por força de hábito sou observador, franco e brincalhão. Dotado da ira santa que me faz um rebelde diante da injustiça e hipocrisia. Tenho uma formação jesuítica que me faz ir a fundo nas causas que abraço.

Portal - E os estudos? Sempre em Juiz de Fora?

José Luiz - Minha formação tem início no Educandário Santa Rita de Cássia, uma escola que nos anos 40 ainda fazia uso de uma régua em substituição à palmatória. Depois fui para o Ginásio Mariano Procópio, próximo da minha residência, uma rua de bairro vizinha ao Museu Mariano Procópio. Nos jardins do museu estudei muitos pontos de história e geografia. Motivado por doença de meu pai interrompi os estudos e fui trabalhar em um hotel, o Rocha Hotel, e depois nas Casas Regente. Reiniciei meus estudos no Colégio Machado Sobrinho, formando-me em Técnico em Contabilidade. Descobri o curso de Jornalismo na Faculdade de Filosofia e Letras, num momento efervescente. Trabalhava nos escritórios do Moinho Vera Cruz e cursava a faculdade, na chamada Fafile. Ali fui presidente do Diretório Acadêmico Tristão de Athayde, conheci Maria Lucia Campanha da Rocha, com quem me casei em 1971, e criamos com outros colegas, em 1966, o Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação.

Portal - Formou-se em jornalismo, portanto?

José Luiz - Sim, formado em jornalismo estagiei no Jornal do Brasil, e em 1968 tive uma experiência de quase morte, vitimado por uma hemorragia

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gástrica. Essa experiência vivida por muitos outros veio me dar tranquilidade diante da morte. Enquanto recuperava a saúde fui para um jornal de Juiz de Fora, o Diário Mercantil, no qual me tornei o primeiro diagramador da cidade. Antes o jornal era feito pelos paginadores na oficina. Fiz reportagens especiais, assinei uma coluna diária sobre teatro e me tornei editor de uma página de cultura que, mais tarde, se transformou no segundo caderno do jornal.

Portal - Boas lembranças?

José Luiz - Uma delas a de ter trabalhado com o professor Murílio Hingel, que depois veio a ser ministro da Educação na gestão do ex-prefeito de Juiz de Fora, Itamar Franco, quando se tornou presidente da República. Trabalhei dirigindo o Departamento de Cultura e Promoções, que veio a se transformar na Secretaria de Cultura da Prefeitura de Juiz de Fora.

Portal - E há uma carreira de docente...

José Luiz - Sou mestre em Teatro pela UniRio, doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Fui professor da Faculdade de Comunicação e da Faculdade de Serviço Social, ministrei diversas disciplinas para os cursos de Serviço Social, Artes e Comunicação. Quando completei 70 anos me expulsaram do paraíso das aulas da graduação, me permitindo continuar no programa de pós- graduação.

Portal - E o casamento?

José Luiz - Sou casado desde 1971 com a Malu e temos dois filhos, Tarsila e Federico. Dois nomes queridos: Tarsila em homenagem à pintora modernista, e Federico em homenagem ao poeta espanhol Federico Garcia Lorca. Tarsila formou-se em medicina, é professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Federico é advogado no exercício da profissão e flamenguista por paixão. Portal - Como surgiu o teatro em sua vida?

José Luiz - Ele surgiu em minha vida pela via do terror. Não sei se Dionísio, o deus da possessão, estava enviando uma mensagem da qual eu nunca mais esqueceria. Existia nos anos 40, e durou mais umas duas décadas, o Salão São Geraldo, que ficava em frente a uma igreja em Juiz de Fora, a Igreja da Glória. Ali se fazia o que se chamava de teatrinho. Fui deixado lá por um tio postiço, que pertencia à Liga Católica Jesus, Maria e José, para eu assistir a um espetáculo feito por meninos de grupo escolar. Essa é a minha mais remota recordação do meu encontro com o teatro. A cena ficou gravada em minha memória. Um personagem mascarado, com chapéu de colonizador inglês e uma espingarda, ameaçava uma menina loura, que gritava em desespero numa floresta cenográfica de latas de tinta cheias de areia com bambus fincados. Só muito mais tarde intuí que se tratava da Branca de Neve e do caçador.

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Portal - Isso com que idade?

José Luiz -Tinha quatro ou cinco anos, e o desespero foi tão grande que o porteiro acabou por me levar até o meu tio Paladino, que estava na reunião da Liga na Igreja da Glória. Esse Salão ficou marcado em minha história. Lá participei do Grupo Jovem do Contato e ensaiei meus primeiros passos em direção a um espetáculo que considero o marco do meu caminho, como experiência de empreendedorismo. Ensaiou-se um ano para duas únicas apresentações, em 1963.

Portal - E a régua da escola?

José Luiz - Entre o episódio do terror e os primeiros passos no teatro existiu uma grande paixão pela pintura, pela música, pela dança, pela história da arte e pelo cinema. Mas o Educandário Santa Rita de Cássia, onde estudei, não poderia ser uma escola que incentivasse o aprendizado risonho e franco. Havia a figura de dona Mariquinha, de dona Isolda e da terrível régua que cumpria a função da palmatória. O grito dos internos que apanhavam por que tinham urinado na cama chegava do dormitório à sala de aula como ameaça aos que infringissem as regras da ordem e disciplina. No primeiro ano só me lembro de uma projeção de um filme do Gato Felix e um teatro de fantoches contando a história do Chapeuzinho Vermelho. Existia, ainda, uma vitrine de história natural com bichos empalhados. O jacaré, um trauma que me fazia subir os pés na cadeira do cinema nos filmes de Tarzan, ficou pregado em minha memória.

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Portal - Essa ligação, que começava, se intensificou na adolescência?

José Luiz - Na adolescência, mais do que ver teatro, eu lia teatro. Existiam representações de grêmios amadores, e só mais tarde vi encenações. As peças teatrais na TV mostrando grandes autores me aguçaram a paixão.

Portal - Aí vem a faculdade?

José Luiz - Na faculdade iniciamos o trabalho do Grupo Divulgação. A Faculdade de Filosofia e Letras naquela época era um núcleo ativo de manifestações culturais. Existiam Semanas do Folclore, da Literatura Brasileira, da História Medieval, e nesses eventos o grupo foi convidado para fazer apresentações. Escrevi, a pedidos, uma história de Juiz de Fora para ser representada por um grupo de alunos de um colégio, o Colégio de Aplicação João XXIII. “Canção para uma princesa” foi muito bem recebida. Depois, para a Semana do Folclore montamos “Morte e Vida Severina”, no ano seguinte “Cancioneiro de Lampião”. Assim, sem a menor pretensão, surgiu o Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação, que existe há 47 anos, em um trabalho ininterrupto, com mais de 200 espetáculos apresentados e várias premiações nacionais. Hoje, o grupo possui cinco projetos de extensão, sendo que o “Escola de Espectador” atende a 200 núcleos comunitários e escolares, recebendo espectadores e formando, no que se transformou em escola de cidadania.

Portal - Um dos motivos desta entrevista é o seu trabalho com o que se chama terceira idade. Pode nos falar a respeito, por favor?

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José Luiz - O trabalho com a terceira idade teve início em 1973, quando fui convidado a ministrar um curso de História da Arte em um projeto de outro colégio em Juiz de Fora, o Colégio Magister. Era um curso de Atualização da Mulher. Elas tinham criado os filhos e agora se sentiam sozinhas. O trabalho revelou-se um milagroso transformador de comportamentos. Muitas daquelas senhoras voltaram para estudos acadêmicos e algumas voltaram a ser professoras ou redimensionaram sua vida. Anos mais tarde surgiu um projeto para idosos na Universidade de Juiz de Fora e fomos convidados a fazer uma palestra sobre teatro. Os alunos, ao fim do semestre, elegiam uma disciplina de aprofundamento. No semestre seguinte a turma pediu uma oficina. Eles continuaram a manifestar interesse e o trabalho cresceu. Temos um núcleo de terceira idade que funciona há 18 anos.

Portal - As histórias devem ser fascinantes...

José Luiz - Esse projeto não nasceu da impetuosidade juvenil, mas dos gritos lancinantes de Lear, diante do fragor da tempestade, tentando fazer valer sua voz oprimida. É um trabalho que procura investigar a fala e a identidade de receptores que pareciam mudos, mas que emergiram tonitruantes como o trovão que abala o universo e achata para sempre a redondeza do mundo. Iniciamos a caminhada por uma pequena vereda que norteia o comportamento de uma tribo que se formou como público-alvo, consumidor de um lazer estrategicamente programado para suprir espaços carentes. Mas que vem superando, pelo resgate da memória e da libertação de preconceitos, uma identidade cultural sedimentada, imprimindo a ele movimento e transformação.

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Os espetáculos temáticos, adequados ao imaginário feminino, tiveram na música um instrumento motivador, por meio do reconhecimento, do prazer e do afeto. Para a geração dos anos dourados, o rádio, os discos e o cinema serviram de âncora, quer como modelo, quer como instrumento de fuga do cotidiano. Anualmente são produzidos dois espetáculos, que despertam o orgulho e a alegria do público e do grupo.

Portal - Onde esse grupo da terceira idade se apresenta?

José Luiz- O grupo continua a trabalhar a todo vapor. Há trabalhos com apresentações em temporadas de uma semana. Eles se apresentam no Fórum da Cultura, em Juiz de Fora, sede do Grupo Divulgação, e em outros espaços, inclusive no Rio de Janeiro. Temos uma média de 25 participantes, sendo a maioria de senhoras. Os homens não conseguem enfrentá-las. Veja a nossa produção: Minha sogra é da polícia, de Gastão Tojeiro; O tempo, de Malu Ribeiro; Versos do guardador de rebanho, de Alberto Caiero. E outras 25 peças que escrevi para o grupo, como Versos e Cantigas, Oh! A mulher!, Sassaricando, Viva o Zé Pereira, I love you, Juju, Cantando Cecília, É isso aí, seu Ary!, Geringonça Tour, Rádio Mulher, A Trambiqueira da Itapiru, Fados e Desgarradas, Alô, Alô, quem fala?, Hospital S.O.S., Drummonianas, e Jorge e Caymmi, amados da Bahia.

Portal - Como encara a velhice?

José Luiz - Velhice? Que velhice?! Quando se trabalha uma média de 12 horas por dia fazendo teatro com paixão, lidando com adolescentes de 14 anos, universitários de 19 e terceira idade de até 80 anos, cantando, dançando e decorando textos, a gente não tem tempo para ficar velho, doente ou

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cansado. Como já passei pela EQM vi, com muita tranquilidade, que o futuro é um só. Assim, continuo a brigar contra políticos safados, a tentar debater questões de cidadania para melhorar nosso país. Sinto falta dos meus alunos de graduação da Faculdade de Comunicação, uma vez que continuo a orientar na pós. Mas o teatro não me deixa sentir saudades porque ele é hinc et nunc, ou seja, agora ou nunca.

Portal - E quando não está no teatro?

José Luiz - Quando não estou no teatro ocupo meu tempo lendo jornal, vendo séries em DVD, assistindo a filmes, óperas, ouvindo música, escrevendo meus textos e falando no “face” com muitos amigos. Vou à feira, me horrorizo com a inflação que a presidanta (é assim mesmo: presidente + anta) diz não existir. Bebo com moderação uma cachaça com torresmo ou caipirinha de lima em companhia do meu elenco ou amigos mais novos, porque os antigos saem pouco. E aqui dou uma boa risada, pois saem pouco mesmo...

Data de recebimento: 24/07/2013; Data de aceite: 10/08/2013.

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Guilherme Salgado Rocha - Jornalista e revisor. Formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) em 1979, tem 54 anos. Desde dezembro de 2011 passou a integrar a equipe do Portal do Envelhecimento. E-mail:

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