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Garantias constitucionais do processo nas ações acidentárias trabalhistas: meio ambiente do trabalho, direito à prova e dignidade humana

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LUCIANA PAULA CONFORTI

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO NAS AÇÕES ACIDENTÁRIAS TRABALHISTAS: MEIO AMBIENTE DO TRABALHO,

DIREITO À PROVA E DIGNIDADE HUMANA

Dissertação de Mestrado

Recife 2012

(2)

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO NAS AÇÕES ACIDENTÁRIAS TRABALHISTAS: MEIO AMBIENTE DO TRABALHO,

DIREITO À PROVA E DIGNIDADE HUMANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito

Linha de Pesquisa: Estado, Constitucionalização e Direitos Humanos.

Orientador: Dr. Sergio Torres Teixeira

Recife 2012

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C748g Conforti, Luciana Paula

Garantias constitucionais do processo nas ações acidentárias trabalhistas: meio ambiente do trabalho, direito à prova e dignidade humana / Luciana Paula Conforti. – Recife: O Autor, 2012.

201 f. : quadros.

Orientador: Sergio Torres Teixeira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2012.

Inclui bibliografia e anexos.

1. Acesso à justiça. 2. Direitos fundamentais - Brasil. 3. Direitos e garantias individuais. 4. Dignidade. 5. Direito do trabalho - Acidentes. 6. Direitos humanos. 7. Bem estar social. 8. Acidentes do trabalho - Segurança do trabalho - Brasil. 9. Previdência social. 10. Doenças profissionais. 11. Ambiente de trabalho. 12. Segurança do trabalho. I. Teixeira, Sergio Torres (Orientador). II. Título.

344.8102 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2012-032)

(4)
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estudos.

À minha mãe Raphaela, motivo da minha existência, maior incentivadora, por doar toda a sua vida a mim e à nossa família.

Ao meu marido Ronaldo, maior admirador, dedicado, companheiro de todas as horas, mesmo sofrendo com as minhas ausências, prova inequívoca de que o amor verdadeiro não impede que o outro cresça e se realize plenamente.

Ao meu filho Felipe, amoroso, meu orgulho, meu afeto, minha inspiração e desejo de felicidade.

Agradeço a todos os amigos que me incentivaram, acreditaram no meu trabalho e contribuíram para a sua concretização.

Ao querido colega, professor e orientador, Sergio Torres Teixeira, pela pronta disposição em ajudar aos que necessitam dos seus ensinamentos, sempre com muita generosidade e simplicidade.

Ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, minhas homenagens a todos os colegas Juízes do Trabalho, inclusive aos professores José Soares Filho e Ivo Dantas, na pessoa da Desembargadora Eneida Melo, pelas pesquisas empreendidas na época em que foi Presidente do Egrégio Regional, com o intercâmbio de informações e experiências, indispensáveis à realização da presente pesquisa.

(6)

de Pós Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

RESUMO:

O objetivo geral da dissertação se consubstancia na demonstração sobre a necessidade de as ações acidentárias trabalhistas serem apreciadas com base nas garantias constitucionais do processo, de forma a dar efetividade ao pleno acesso à justiça e à proteção do direito fundamental à saúde e à dignidade do trabalhador. Para tanto, o estudo se baseia na inserção do meio ambiente do trabalho como elemento integrante do conceito de meio ambiente, trabalhando igualmente com os conceitos de prevenção e precaução. A dissertação investiga a atuação do magistrado trabalhista na moderna teoria geral do processo, voltando os olhos para o ativismo judicial, para o princípio da colaboração e direito fundamental à prova, partindo da necessidade de adoção da interpretação constitucional, inclusive da adoção do princípio da proporcionalidade na colisão de direitos fundamentais. Demonstra o interesse pelo estudo após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, a partir de quando teve início a análise de casos envolvendo acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e houve a constatação da necessidade de apreciação da matéria conforme a constituição e não com base na regra clássica da distribuição do ônus da prova. Reafirma a exigência de prova judicial do cumprimento da legislação sobre medicina e segurança do trabalho, com a adoção da inversão do ônus processual nos casos de doenças ocupacionais e acidentes-tipo e da responsabilidade objetiva do empregador, quando ocorrer dano ambiental e nas atividades de risco. O estudo se baseia em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a última realizada em sites dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, assim como na coleta de dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, na utilização de questionários e na análise direta de processos envolvendo os temas tratados. Amparado no alto número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, revela a importância da redução dos riscos inerentes ao trabalho através das normas de saúde, higiene e segurança. A dissertação indica caminhos para a proteção judicial da saúde do trabalhador, com o ajuizamento de tutelas inibitórias, por parte dos Sindicatos dos Empregados e do Ministério Público do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Garantias constitucionais do processo, ações

acidentárias trabalhistas, meio ambiente do trabalho, dignidade do trabalhador.

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law, Center of Juridical Sciences / Recife Law School, Federal University of Pernambuco, Recife, Brazil, 2012.

ABSTRACT:

The general objective of the dissertation is embodied in the demonstration of the need for labor accident cases to be examined based on constitutional guarantees of due procedural methods in order to give effectiveness to the right to full access of justice and provide protection to the fundamental right to health and dignity of the employee .In order to do so, the study is based on the insertion of the labor environment as an element that integrates the overall concept of environment, and also works with the concepts of prevention and precaution. The dissertation investigates the role of the labor judge in the modern general theory of judicial process, focusing on judicial activism, the principle of collaboration and the fundamental right to produce proof, starting from the need for adoption of constitutional interpretation, including the adoption of the principle of proportionality in the collision of fundamental rights. Demonstrates interest in this study after the expansion of the jurisdictional competence of the Labor Justice, with the enactment of Constitutional Amendment 45/2004, from when it began the review of cases involving labor accidents and occupational diseases and there was the recognition of the need to appreciate the matter in accordance to the Constitution and not based on the traditional rule of the distribution of the burden of proof. Reaffirms the need for judicial proof of following the brazilian legislation on medicine and labor safety, with the adoption of procedural reversal of the burden of proof in cases of occupational diseases and accidents-type and strict liability of the employer, when there is environmental damage and in activities of risk. The study is based on research in specialized literature and jurisprudence, the last undergone on the sites of the Regional Labor Courts and the Superior Labor Court, as well as the collection of data from the Ministry of Social Welfare, the use of questionnaires and direct analysis of processes involving the respective themes. Supported by the high number of labor accidents and occupational diseases, the study reveals the importance of reducing the labor risks through the standards norms of health, hygiene and safety. The dissertation suggests the paths for judicial protection of employee health, with the filing of injunctions by Labor' Trade Unions and the Public Prosecutor of Labor Cases..

Key-Words: Constitutional guarantees of due procedural methods, labor

(8)

Delimitação do tema ... 13

Síntese dos capítulos ... 20

CAPÍTULO I DIREITO DE AÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA 1.1 Direito de ação ... 22

1.2 Direto de ação como direito humano fundamental ... 23

1.3 Jurisdição, processo e procedimento ... 25

1.4 Significado de acesso à justiça ... 27

1.5 Evolução do significado de acesso à justiça no Brasil ... 29

1.6 Instrumentalidade e acesso à justiça ... 32

1.7 Princípios constitucionais de acesso à justiça e a convenção americana sobre direitos humanos (Pacto José de Costa Rica) ... 34

CAPÍTULO II DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO E TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO 2.1 Considerações sobre a constitucionalização do processo ... 37

2.2 Direito processual constitucional e direito constitucional processual ... 38

2.3 Tutela constitucional do processo e devido processo legal ... 41

2.4 Contraditório e ampla defesa ... 47

2.5 Motivação das decisões judiciais ... 49

2.6 Princípio da legalidade ... 50

CAPÍTULO III DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO À SAÚDE 3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental ao trabalho digno sob a perspectiva da justiça social ... 53

3.2 Direito à saúde do trabalhador como um direito humano e corolário do direito fundamental à vida ... 58

3.3 Convenções internacionais de proteção à saúde do trabalhador ... 60

3.3.1 Convenção n.° 148 da OIT ... ... 62

3.3.2 Convenção n.° 155 da OIT ... ... 62

3.3.3 Convenção n.° 161 da OIT ... ... 63

3.4 Meio ambiente do trabalho ... 64

(9)

CAPÍTULO IV

TUTELA JUDICIAL DA SAÚDE DO TRABALHADOR

4.1 Princípio da participação e a atuação da Justiça do Trabalho na proteção à saúde

do trabalhador ... 82

4.2 Ética do juiz sobre a aplicação do direito ... 91

4.3 Tutela judicial da saúde do trabalhador ... 95

4.3.1 Reclamação trabalhista com pedido cominatório ... 96

4.3.2 Dissídio coletivo ... 97

4.3.3 Ação civil pública ... 98

4.4 Tutela inibitória na Justiça do Trabalho ... 100

4.4.1 Irrelevância da culpa e dano para a inibitória ... 103

4.4.2 Inibitória e ato ilícito: o princípio da legalidade como limite à concessão da inibitória ... 104

4.4.3 Inibitória como corolário do dever geral da cautela ... 104

CAPÍTULO V PROCEDIMENTO PROBATÓRIO NAS AÇÕES ACIDENTÁRIAS TRABALHISTAS 5.1. Considerações sobre o procedimento probatório ... 106

5.1.1 Princípio da igualdade e o papel do juiz na produção de provas ... 106

5.1.2 Princípio dispositivo ... 115

5.1.3 Princípio da imparcialidade ... 116

5.1.4 Inafastabilidade do Poder Judiciário ... 118

5.1.5 Duração razoável do processo ... 120

5.2. Justiça gratuita, antecipação dos honorários periciais e direito à prova nas ações acidentárias trabalhistas ... 123 5.2.1 Justiça Gratuita ... 123

5.2.2 Considerações sobre a antecipação dos honorários periciais ... 124

5.2.3 Direito à prova nas ações acidentárias trabalhistas ... 130

5.2.3.1 Direito à prova pericial nas ações acidentárias trabalhistas ... 130

5.2.3.2 Antecipação dos honorários periciais e juntada dos documentos obrigatórios pelo empregador ... 132 5.2.3.3 Direito à prova como um direito fundamental ... 135

(10)

5.3.3 Responsabilidade civil objetiva do empregador... 141

5.3.4 Presunção juris tantum de culpa patronal e inversão do ônus da prova ... 147

5.4 Princípio da cooperação, presunção de boa-fé processual e ônus da prova ... 152

ÐQXVGDSURYDQDVDo}HVDFLGHQWiULDV 156 5.5.1 Considerações iniciais sobre a busca da verdade real ... 156

5.5.2 Alguns princípios aplicáveis em matéria de prova ... 164

5.5.3 Inversão do ônus da prova nas ações acidentárias ... 161

5.5.4 Conseqüências da omissão do empregador na emissão da CAT... 166

5.5.5 Considerações sobre o NTEP e realização da prova pericial nas ações acidentárias trabalhistas ... 168 CONCLUSÕES ... 171 REFERÊNCIAS ... 174 Anexo I – JURISPRUDÊNCIAS ... 184

Anexo II – NOTÍCIA SOBRE CRIAÇÃO DE CAMPANHA PREVENTIVA ... 191

Anexo III – DIMENSÃO DO PROBLEMA ACIDENTÁRIO NO BRASIL ... 193

Anexo IV – ENTREVISTA COM OS MINISTROS DO TST ... 195

Anexo V – NOTÍCIA SOBRE ABERTURA DE SEMINÁRIO NO TST ... 196

Anexo VI – CARTA DE BRASÍLIA ... 198

Anexo VII – DECRETO SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO – PNSST... 199

(11)

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANAMATRA Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do

Trabalho

CAT Comunicação de Acidente do Trabalho

CC Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor

CLT Consolidação dos Leis do Trabalho

CPC Código de Processo Civil

CR/88 Constituição da República de 1988

CSJT Conselho Superior da Justiça do Trabalho

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

EC Emenda Constitucional

EPI Equipamento de Proteção Individual

FAP Fator Acidentário Previdenciário

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

IN Instrução Normativa

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

MPS Ministério da Previdência Social

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

NTEP Nexo Técnico Epidemiológico

OIT Organização Internacional do Trabalho

OJ Orientação Jurisprudencial

RAT Risco de Acidente do Trabalho

SDI-I Seção de Dissídios Individuais I

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TST Tribunal Superior do Trabalho

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

NR Norma Regulamentar

(12)

“A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir. Por muito tempo pois que o direito ainda esteja ameaçado pelos ataques da injustiça – e assim acontecerá enquanto o mundo for mundo – nunca ele poderá subtrair-se à violência da luta. A vida do direito é uma luta: luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos. O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a importância do direito.” (IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito, trad. João Vasconcelos, 23. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1)

(13)

Os aspectos sociais foram priorizados na Constituição Federal de 1988, com o abandono das influências do individualismo e do formalismo jurídico. O Estado brasileiro baseia-se em uma ordem de valores reais e atuais, em que a justiça social é o fim último da norma.

A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho estão dentre os fundamentos básicos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV) e a ordem econômica também é fundada na valorização do trabalho humano (art. 170).

A preocupação com a efetividade das normas foi acolhida na Constituição, que estabeleceu expressamente a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º). 

De acordo com o art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro1, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

O direito processual tradicional mostrou-se insuficiente e inadequado para solucionar todos os tipos de conflitos, evidenciando o fenômeno da constitucionalização do processo, para dar efetividade ao acesso à justiça.

A mudança da interpretação ocorreu a partir do aprofundamento do estudo sobre as garantias constitucionais do processo. A nova postura passou a ser adotada com o surgimento de três ondas renovatórias: a melhoria para o acesso dos necessitados à assistência judiciária; a proteção legal aos interesses difusos e coletivos do consumidor e do meio ambiente; e as alterações nos procedimentos, mediante sua simplificação, para garantia da justiça distributiva.2

O princípio do acesso à justiça influenciou com intensidade a corrente instrumentalista que atribui à inafastabilidade do Poder Judiciário um significado próprio e abrangente, para considerar a função social da jurisdição como condição da ordem jurídica justa.

 Com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45/2004 houve ampliação da competência da Justiça do Trabalho. De acordo com a atual redação do art. 114

1

Redação dada pela Lei 12.376, de 30.12.2010, que alterou a ementa do Decreto 4.657, de 4.9.42, Lei de

Introdução ao Código Civil.

(14)

da Constituição de 1988, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar, as ações oriundas das relações de trabalho, inclusive as ações de indenização por dano moral ou patrimonial.

Após a ampliação da sua competência e principalmente depois do histórico julgamento do Conflito de Competência n. 7.204-1-MG, em 29.06.2005, no qual o Tribunal Pleno do E. STF reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para o conhecimento das ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho3, o Judiciário trabalhista recebeu diversos processos oriundos da Justiça Comum do Estado, inclusive a distribuição de novas ações, a partir de quando os magistrados passaram a se deparar com casos gravíssimos envolvendo a matéria, o que impõe o aprofundamento do estudo sobre a atuação da Justiça do Trabalho na apreciação de tais casos.

Apesar dos direitos consagrados na Constituição de 1988, no exercício das suas funções judicantes, a magistratura muitas vezes se limita a interpretar as leis de modo restritivo e não conforme a constituição, o que não atende às aspirações do Estado Social.

Nas diversas reclamatórias que tramitam na Justiça do Trabalho brasileira, são inúmeros os processos que versam sobre indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. Na verdade, a discussão se limita à reparação dos danos já sofridos, mas é imprescindível que a matéria seja analisada amplamente e sob o prisma constitucional, não só para que o cidadão obtenha a adequada reparação dos danos, como também para a conscientização acerca da necessidade de prevenção dos riscos e, conseqüentemente, maior proteção ao meio-ambiente do trabalho, à saúde e à vida do trabalhador.

Delimitação do tema

 

A questão acidentária no Brasil revela problemas de diversas ordens. Muitas vezes os acidentes de trabalho ocasionam invalidez permanente ou até a morte do trabalhador, gerando graves conseqüências familiares, sociais e econômicas.

3

Em 10.12.2009 houve a edição da Súmula vinculante 22 do STF: “A Justiça do Trabalho é competente para

processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho

propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em

primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04.”

(15)

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, em 2009 foram registrados 723.452 acidentes e doenças do trabalho, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social, sendo que neste número alarmante, não estão incluídos os casos de trabalhadores autônomos (contribuintes individuais), as empregadas domésticas e os trabalhadores informais (sem o devido registro na CTPS). Entre os registros citados, consta o afastamento das atividades de 623.026 trabalhadores devido à incapacidade temporária (302.648 até 15 dias e 320.378 com tempo de afastamento superior a 15 dias), 13.047 trabalhadores por incapacidade permanente, e o óbito de 2.496 cidadãos. Para que se tenha uma noção da importância do tema saúde e segurança ocupacional basta observar que no Brasil, em 2009, ocorreu cerca de 1 morte a cada 3,5 horas (7 por dia, 210 por mês, 2.520 por ano), motivada pelo risco decorrente dos fatores ambientais do trabalho e ainda cerca de 83 acidentes e doenças do trabalho reconhecidos a cada 1 hora. Em 2009 também foi observada uma média de 43 trabalhadores/dia que não mais retornaram ao trabalho devido a invalidez ou morte.

Segundo as estatítiscas internacionais o Brasil é o 4º colocado mundial em acidentes fatais, ficando atrás da China, da Índia e da Indonésia (XVII World Congress on Safety and Health at Work).4

Considerando exclusivamente o pagamento, pelo INSS, dos benefícios devido a acidentes e doenças do trabalho somado ao pagamento das aposentadorias especiais decorrentes das condições ambientais do trabalho em 2009, o valor chega à R$ 14,2 bilhões/ano. Com a adição de despesas como o custo operacional do INSS, além das despesas na área da saúde e afins, o custo - Brasil atinge valor da ordem de R$ 56,8 bilhões (Fonte: Previsão MPS).

A dimensão dessas cifras apresenta a premência na adoção de políticas públicas voltadas à prevenção e proteção contra os riscos relativos às atividades laborais. Muito além dos valores pagos, a quantidade de casos, assim como a gravidade geralmente apresentada como conseqüência dos acidentes do trabalho e

4

Disponível em www.tst.jur.br, Acesso em 04 dez. 2011. Seminário sobre Prevenção de Acidente de Trabalho,

(16)

doenças profissionais, ratificam a necessidade emergencial de construção de políticas públicas e implementação de ações para alterar esse cenário.5

Reconhecendo a necessidade de ações no campo da prevenção, em comemoração aos 70 anos de instalação da Justiça do Trabalho no Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho – TST, lançou, no dia 03.05.2011, o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, fruto de iniciativa conjunta com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, em parceria com o Ministério da Saúde, o Ministério da Previdência Social, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Advocacia-Geral da União, visando à formulação e execução de programas e ações nacionais voltadas à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. O principal objetivo do programa é reverter o cenário de crescimento do número de acidentes de trabalho presenciado no Brasil nos últimos anos.6

Em continuidade à referida campanha, o Tribunal Superior do Trabalho realizou, nos dias 20 e 21.10.2011, Seminário de Prevenção de Acidentes do Trabalho, com o objetivo de ampliar o debate acerca do tema e difundir o conhecimento especializado a respeito das causas, conseqüências e medidas preventivas concretas, a fim de subsidiar a implementação de uma política pública permanente voltada à promoção da saúde e da segurança no trabalho. Ao final, os participantes assinaram a Carta de Brasília, alinhando as principais diretrizes para a consecução dos objetivos do encontro.

No dia 07.11.2011, foi promulgado o Decreto nº 7.602, que dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST, para promover a saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes do trabalho.

Em sessão realizada no dia 23.03.2012, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho aprovou, por unanimidade, a Resolução nº 84/2011, que institucionaliza o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho no âmbito da Justiça do Trabalho – Programa Trabalho Seguro. Com a medida, todos os Tribunais Regionais

5

As informações quantitativas apresentadas tem como fonte o Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS

2009. Disponível em: www.mpas.gov.br, Acesso em 25 ago. 2011.

(17)

do Trabalho deverão desenvolver, em caráter permanente, ações voltadas ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, para a redução ou eliminação dos riscos à saúde das pessoas que compõem a força de trabalho dos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus.

Ações do tipo são indispensáveis para a redução do número de acidentes do trabalho no Brasil, sendo necessária uma maior conscientização da população quanto à matéria.

De acordo com Sebastião Geraldo Oliveira:

O acidente mais grave corta abruptamente a trajetória profissional, transforma sonhos em pesadelos e lança um véu de sofrimento sobre vítimas inocentes, cujos lamentos ecoarão distante dos ouvidos daqueles empresários displicentes que jogam com a vida e a saúde dos trabalhadores com a mesma frieza que cuidam das ferramentas utilizadas na sua atividade. 7

No campo processual, também é necessária uma maior conscientização, para garantir efetividade às decisões judiciais. Antes e durante o desenvolvimento do processo, as partes tem asseguradas inúmeras garantias, como inafastabilidade, isonomia, contraditório, ampla defesa, direito à prova, todas inerentes ao devido processo legal. Tais garantias constituem instrumentos processuais que objetivam garantir a legitimidade da tutela jurisdicional e o acesso à ordem jurídica justa.

Mas o que significa uma ordem jurídica justa? Segundo Kelsen:

Significa essa ordem regular o comportamento dos homens de modo a contentar a todos, e todos encontrarem sob ela felicidade. O anseio por justiça é o eterno anseio do homem por felicidade. (...) Se justiça é felicidade, então uma ordem jurídica é impossível, enquanto justiça significar felicidade individual. (...) A felicidade capaz de ser garantida por uma ordem social só o é num sentido objetivo-coletivo, nunca num sentido subjetivo-individual. Isso significa que, por felicidade, somente poderemos entender a satisfação de certas necessidades reconhecidas como tais pela autoridade social – o legislador -, como a necessidade de alimentação, vestuário, moradia e equivalentes.8

7

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de.

Indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional.

5. ed. São

Paulo: LTr, 2009, p. 27.

8

KELSEN, Hans.

O que é Justiça?

A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Trad. Luís Carlos

(18)

Norberto Bobbio assevera que o problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram determinado ordenamento jurídico.9

A partir da nova competência atribuída à Justiça do Trabalho para o julgamento das ações que versam sobre os danos decorrentes dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, o que se vê, em muitos casos, é a análise da matéria com base na teoria da responsabilidade civil subjetiva do empregador, sem qualquer menção aos princípios constitucionais do processo ou aos direitos fundamentais dos cidadãos, o que vai de encontro a diversos dispositivos previstos na Constituição da República.

 O fato de um empregado ter sofrido acidente ou contraído doença ocupacional no trabalho obriga o empregador a indenizá-lo ou é necessário comprovar que o infortúnio aconteceu por culpa da empresa?

A indagação divide tanto doutrina quanto jurisprudência, e ainda não teve consenso no Tribunal Superior do Trabalho.

Entrevista feita pelo Anuário da Justiça, lançado no dia 31.03.2011, demonstrou que 25 dos 27 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho entendiam que o trabalhador deve provar a culpa da empresa nos casos de acidente de trabalho e doenças ocupacionais. Dos 25 Ministros que entendiam que a culpa deveria ser provada pelo empregado, 7 Ministros aplicavam a responsabilidade subjetiva da empresa, em qualquer caso, mesmo nas atividades de risco, negando a aplicação do parágrafo único do art. 927 do CC, no sentido de que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, sob alegação de ofensa ao art. 7º, XXVIII da CF/88, o qual dispõe que haverá o pagamento de indenização pelo empregador, independentemente do seguro contra acidente de trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa. Apenas 2 dos 27 Ministros aplicavam a culpa objetiva em todos os casos de acidente de trabalho, sob o entendimento de que incumbe ao empregador zelar pela saúde e higiene do ambiente de trabalho, devendo provar a existência de excludentes de responsabilidade.

9

BOBBIO, Norberto.

Teoria geral do direito

. Trad. Denise Agostinetti, 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010,

(19)

O Ministro Maurício Godinho Delgado aplica a teoria da responsabilidade objetiva nas atividades de risco e subjetiva nos demais casos (entendimento seguido pela maioria dos Ministros), mas reconhece a tendência da jurisprudência em reconhecer a culpa presumida, dizendo que: “Há presunção de culpa do empregador mesmo quando a atividade não é de risco, porque é ele quem controla e fiscaliza o ambiente laborativo.”10

De acordo com o Ministro Lélio Bentes Corrêa, a expressão “risco da atividade econômica” deve ser compreendida de forma ampla. Assim, “não estão englobados apenas os riscos econômicos propriamente ditos, como o insucesso empresarial ou as dificuldades financeiras, mas também o risco que a atividade representa para a sociedade e, principalmente, para seus empregados.” O Ministro ressaltou que o princípio da responsabilidade objetiva, quando se trata de dano ligado à integridade física do trabalhador, “se justifica plenamente”.11

Aplicando a responsabilidade objetiva em atividade de risco, o Ministro Vieira de Mello construiu uma analogia com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que a responsabilidade objetiva é atribuída à empresa no caso de um produto que oferece risco ao consumidor pela sua elaboração, confecção e utilização. Ele argumentou que se o consumidor compra o pneu, o pneu fura e provoca um acidente, a empresa vai responder objetivamente. No entanto, se o empregado trabalha nessa linha de produção, fazendo testes desses produtos, correndo o risco de um dano físico, pela teoria da responsabilidade subjetiva teria de provar a culpa da empresa. “Seria um contrassenso exigir a prova da culpa da empresa quando se trata de trabalho humano e, ao contrário, não haver essa exigência quando se trata do risco pela simples utilização do produto”, afirmou.12

A controvérsia sobre qual o tipo de responsabilidade é imputada ao empregador no caso de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, influencia diretamente na produção de provas nas reclamatórias trabalhistas com pedidos de indenização por dano moral e material, sendo imprescindível a investigação e o estudo do tema sob a perspectiva jurídico-constitucional, pois, em muitos casos, tem sido negado o verdadeiro acesso à justiça aos trabalhadores, já que não observado o devido processo legal.

10

Disponível em: www.conjur.com.br/2011, Acesso em 19 ago. 2011.

11

MELO, Raimundo Simão de.

Ações acidentárias na Justiça do Trabalho

, São Paulo: Ltr, 2011, p. 78.

12Ibidem

. p79.

(20)

A prova e o ônus da prova devem ser analisados, interpretados e aplicados à luz dos contemporâneos aportes do constitucionalismo do século XXI, destacadamente à luz do regime jurídico dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana e da solidariedade (artigos 1º, III e 3º, I da CF/88). Com a constitucionalização do processo, a carga probatória deve ser exigida daquele que está em melhores condições de produzi-la e não nos estritos termos do art. 333, do CPC.13

Há necessidade de se demonstrar que os princípios constitucionais, em regra, não vêm sendo considerados nas ações acidentárias, tampouco tem sido adotada a correta interpretação do ordenamento jurídico, com base na unidade da Constituição e nas obrigações contratuais do empregador, dentre elas a de proteger a incolumidade física e psíquica dos seus empregados, para efeitos de indenização por perdas e danos.

O estudo procura evidenciar que as ações acidentárias na Justiça do Trabalho devem ser apreciadas com base no Direito Constitucional Processual, na teoria do risco criado (quando do desenvolvimento de atividade de risco, inclusive com dano ao meio-ambiente, face à responsabilidade civil objetiva), na presunção de culpa do empregador, com a conseqüente inversão do ônus da prova, quando não demonstrar o cumprimento da legislação sobre infortunística, face ao descumprimento de cláusula contratual, sem excluir a responsabilidade subjetiva, quando pelas circunstâncias do caso, a culpa do empregador não puder ser presumida.

Apesar de o Direito do Trabalho ser norteado pelo princípio da proteção ao hipossuficiente, vislumbra-se que em parte das ações acidentárias trabalhistas, não tem sido observado o princípio da igualdade material dos litigantes, o direito fundamental à prova, tampouco o direito à tutela jurisdicional efetiva, definida por Canotilho como a conformação justa e adequada do direito à tutela jurisdicional.14

Síntese dos capítulos

O estudo pode ser compreendido a partir da sua divisão em cinco capítulos.

13

HIGINO NETO, Vicente.

Ônus da prova

: teorias da redução do módulo da prova e das provas dinâmicas e

(21)

O primeiro capítulo trata do acesso à justiça, nele compreendido o amplo direito (fundamental) de ação, a jurisdição, o processo (na doutrina da instrumentalidade) e o procedimento, além de trazer um paralelo entre os princípios constitucionais de acesso à justiça e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O segundo capítulo expõe considerações sobre a constitucionalização do processo e acerca do direito processual constitucional e do direito constitucional processual, inclusive com menção às divergências doutrinárias quanto às citadas denominações, passando pela tutela constitucional do processo e sobre o devido processo legal, com algumas garantias a ele inerentes (contraditório, ampla defesa e motivação das decisões judiciais), assim como, discorre sobre o princípio da legalidade.

O terceiro capítulo refere-se à dignidade da pessoa humana e ao direito à saúde, com desenvolvimento relativo ao direito fundamental ao trabalho digno sobre a perspectiva da justiça social, passando pelo princípio da proteção no Direito do Trabalho, conceito de trabalho decente definido pela OIT, direito à saúde do trabalhador como um direito humano e corolário do direito fundamental à vida, fazendo menção às convenções internacionais de proteção à saúde do trabalhador ratificadas pelo Brasil. O mesmo capítulo trata sobre o meio ambiente do trabalho, inserido no meio ambiente geral, bem como, sobre o princípio da proporcionalidade e a colisão de direitos fundamentais e no que diz respeito à interpretação constitucional e o papel dos princípios.

No quarto capítulo discorre-se sobre a tutela judicial da saúde do trabalhador inicialmente tratando sobre o princípio da participação e a atuação da Justiça do Trabalho na referida proteção, sobre a ética do juiz na aplicação do direito e no que diz respeito às tutelas judiciais específicas para a proteção da saúde do trabalhador, com ênfase na tutela inibitória, para a prevenção dos danos.

O quinto capítulo menciona o procedimento probatório nas ações acidentárias trabalhistas, iniciando pelo princípio da igualdade (material) e sobre o papel do juiz na produção de provas no processo, com a demonstração de que o magistrado deve se utilizar dos seus poderes instrutórios, sem qualquer ofensa ao princípio dispositivo e à imparcialidade. Depois, o capítulo trata da inafastabilidade do Poder Judiciário e sobre a duração razoável do processo, discorrendo, ainda, sobre a

(22)

justiça gratuita, com análise sobre a limitação orçamentária da verba destinada pela União, acerca da responsabilidade pela antecipação dos honorários periciais e do direito à prova nas ações acidentárias trabalhistas, passando pela responsabilidade civil (objetiva e subjetiva) do empregador pelo acidente do trabalho, inclusive no tocante à presunção de culpa e sobre a inversão do ônus da prova, com as conseqüências da omissão do empregador na emissão da CAT e considerações sobre o NTEP e realização de prova pericial.

Por fim, são trazidas as conclusões dos temas pesquisados.

O estudo contém, ainda, sete anexos compostos de jurisprudências sobre o tema analisado, reportagens sobre a criação de campanha preventiva de acidentes do trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho e sobre a realização de Seminário de Prevenção de Acidentes do Trabalho com a formalização da Carta de Brasília, quadro estatístico divulgado pelo Ministério da Previdência Social sobre a dimensão do problema acidentário no Brasil, entrevista com os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho acerca da responsabilidade civil do empregador nas ações acidentárias e o Decreto nº 7.602, de 7.11.2011 que dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho - PNSST.

A metodologia utilizada foi, principalmente, a bibliográfica, com a análise de livros, artigos científicos, reportagens e entrevistas em revistas especializadas, pesquisa de toda legislação pertinente e da interpretação aplicada pelos magistrados do trabalho. Aliado a isso, foi empreendida pesquisa no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região com relação às perícias médicas nas ações acidentárias, inclusive para a formalização de convênio com Associação de Peritos Médicos, análise da execução do convênio e motivos que resultaram na respectiva rescisão.

É importante frisar que o estudo não tem a pretensão de esgotar toda a controvérsia que existe em torno do tema, tampouco apontar soluções definitivas, apenas demonstrar um novo olhar para as ações acidentárias na Justiça do Trabalho, especialmente a aplicação dos princípios constitucionais do processo e a necessária interpretação constitucional do ordenamento jurídico, como forma de minimizar o grave problema acidentário no Brasil.

Almedida, 2003, p. 494.

(23)

1. DIREITO DE AÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA

1.1 Direito de ação

O direito de ação na época do Estado liberal era indiferente às necessidades sociais. Era entendido como mero direito de propor a demanda e apenas acessível aos que tinham condições de estar em juízo, pois o Estado não se preocupava com as desigualdades econômicas e sociais. O direito de ação passou a ser visto como privilégio de alguns, foi quando o Estado sentiu a necessidade de agregar outros conteúdos ao referido direito.15

A partir do desaparecimento do Estado liberal e com o surgimento dos Estados sociais surgiram novos direitos fundamentais, abandonando-se a clássica concepção de que o indivíduo apenas possuía direito de impedir a agressão estatal sob a sua esfera privada, passando a exigir do Estado ações ou prestações positivas.

As Constituições do século XX procuraram integrar as liberdades clássicas, inclusive as de natureza processual, com os direitos sociais, objetivando permitir a concreta participação do cidadão na sociedade, mediante, inclusive, a realização do direito de ação, que passou a ser entendido, de modo amplo, como direito de acesso à justiça.16

Eduardo J. Couture, ao discorrer sobre a evolução do conceito do direito de ação, resume dizendo que basta ater-se à circunstância de que o indivíduo tem um poder jurídico que lhe faculta dirigir-se à autoridade e que esse poder, por sua vez, é o único meio legítimo de obter que a injustiça seja reparada.

Couture afirma que os juízes existem no ordenamento jurídico para proferir sentenças reconhecendo ou denegando razão aos que comparecem diante deles e menciona que a “plenitude hermética da ordem jurídica” funda-se, justamente, no fato de que os juízes completam, com a jurisprudência, a referida ordem.

15

MARINONI, Luiz Guilherme.

Teoria geral do processo.

Curso de processo civil, 3. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 184.

(24)

Por outro lado, é evidente que, no complexo das possibilidades de ação de todo sujeito de direitos, o acesso aos tribunais constitui uma das que lhe devem ser outorgadas com a máxima liberdade. Diante dessa faculdade, não cabe perguntar de antemão se o reclamante tem ou não razão, ou se age de boa ou má-fé.

Como ressalta Eduardo Couture, isso só se poderá saber por ocasião da sentença final, asseverando que o ordenamento jurídico seria infinitamente mais perfeito se fosse possível saber desde a propositura da ação sobre o deu desfecho, afastando-se a possibilidade de litígio malicioso, mas que tal possibilidade não existe e instituí-la equivaleria a suprimir o litígio.17

A Constituição Federal de 1988 marcou a travessia de um período autoritário e ditatorial para um novo momento político e jurídico, fundado na democracia, no Estado de Direito, na dignidade da pessoa humana e na revitalização dos direitos fundamentais.

A justiça, estabelecida no texto constitucional como norma principiológica e objetivo permanente do Estado brasileiro, torna imperativa a concretização e a efetivação de seu acesso como fim e tarefa do Estado.

Atualmente não há dúvidas de que o cidadão tem o direito de ação, independente do direito material, contra o Estado-Juiz. Tal direito assume esse valor como fundamental de defesa, dentro de um procedimento especial e diferenciado, para a obtenção da tutela jurisdicional adequada.

Assim, o acesso à justiça é previsto no nosso ordenamento jurídico, como direito humano e fundamental.

1.2 Direito de ação como direito humano fundamental

O direito de ação é um direito fundamental processual e não material como o direito à saúde ou ao meio-ambiente, porém, se sobrepõe aos demais, já que através dele todos os outros direitos podem ser protegidos, garantidos ou tornados efetivos. Por tal motivo, todos os entraves ao regular exercício do direito de ação devem ser afastados, para que não venha a ser mitigado por questões sociais ou econômicas, ou, ainda, prejudicado pelo tempo.

(25)

Mas não adianta simplesmente proclamar que o direito de ação não pode ser inviabilizado por questões sociais. Na verdade, o direito fundamental de ação requer uma postura ativa do Estado não somente voltada à supressão dos obstáculos sociais ao seu uso, mas também à sua plena efetividade e tempestividade (art. 5º, XXXV e LXXVIII, CF).

O direito fundamental de ação, segundo Marinoni, obriga o Estado a prestar a tutela jurisdicional efetiva a todo e qualquer direito que possa ter sido violado ou ameaçado. Ele não é um direito que exige que o Estado atue para protegê-lo, mas sim um direito que requer que o Estado exerça a função jurisdicional de maneira adequada ou de forma a permitir a proteção efetiva de todos os direitos levados ao seu conhecimento.18

Cabe ao Poder Judiciário a tarefa clássica de defender os direitos violados ou ameaçados de violência (art. 5º, XXXV, CF).

Como afirma Paulo Gustavo Gonet Branco:

Os Tribunais detém a prerrogativa de controlar os atos dos demais Poderes, com o que definem o conteúdo dos direitos fundamentais proclamados pelo constituinte. A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível. Sob um ângulo negativo, a vinculação do Judiciário gera o poder-dever de recusar aplicação a preceitos que não respeitem os direitos fundamentais. A vinculação dos tribunais revela-se, também, no dever que se impõe aos juízes de respeitar os preceitos de direitos fundamentais, no curso do processo e no conteúdo das decisões – digam elas respeito a matéria de direito público, de direito privado ou de direito estrangeiro.” A Constituição brasileira de 1988 filiou-se a tendência de outros países, como Espanha e Portugal, da aplicação imediata dos direitos fundamentais em geral, não se restringindo apenas aos direitos individuais.

Gonet Branco salienta que o significado essencial dessa cláusula é ressaltar que as normas que definem direitos fundamentais se fundam na constituição e, não na lei – com o que se deixa claro que é a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais e não o contrário.

Os juízes podem e devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob a sua apreciação. O art. 5º, § 1º da CF autoriza que os operadores do direito, mesmo à falta de comando legislativo, venham a concretizar os direitos fundamentais pela via interpretativa. Os juízes, mais do que isso, podem

17

COUTURE, Eduardo J.

Fundamentos do direito processual civil.

Trad. Henrique de Carvalho,

(26)

dar aplicação aos direitos fundamentais mesmo contra a lei, se ela não se conformar ao sentido constitucional daqueles.19

Diante do que foi dito, é de fundamental importância que os magistrados estejam atentos aos preceitos constitucionais, para que, em nome do cumprimento da lei, não violem os direitos fundamentais dos cidadãos.

1.3 Jurisdição, processo e procedimento

Mesmo na ultrapassada filosofia política do Estado liberal, a Jurisdição sempre esteve incluída como responsabilidade estatal, uma vez que a eliminação de conflitos concorre, e muito, para a preservação e fortalecimento dos valores humanos da personalidade.20

A jurisdição, na concepção de Cintra, Grinover e Dinamarco é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, os autores dizem que é a manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Já como função, que expressa o encargo que tem os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E, por fim, como atividade, ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe compete. O poder, a função e a atividade, asseveram, somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal).21

O direito subjetivo de ação possibilita ao cidadão requerer ao Estado que lhe faça justiça. Através da jurisdição, o Estado cumpre o dever de, após o devido processo legal, se pronunciar sobre a justa composição da lide e de impor o cumprimento das suas decisões.

18

MARINONI, Luiz Guilherme.

Teoria geral do processo.

Curso de processo civil, 3. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 206-207.

19

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de direito constitucional.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,

Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 284-286.

20

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria

geral do processo.

26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 43.

(27)

Athos Gusmão Carneiro conceitua a jurisdição como “a atividade pela qual o Estado, com eficácia vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito em concreto”.22

Segundo Owen Fiss, reconhecido pela doutrina processual moderna como um importante estudioso da jurisdição, a função da jurisdição é atribuir significado concreto e aplicação aos valores constitucionais. Fiss se preocupa com a defesa das minorias, a partir da concepção de que elas não podem ser prejudicadas pelo fato de não participarem do processo de produção da lei, sustentando a tese de que os tribunais devem atuar quando o processo político produz a vitimização das minorias isoladas e sem voz. Assim, a proteção das minorias deve ser buscada na Constituição, com afastamento de eventual defeito de participação no processo legislativo. Como pontua Owen Fiss, citado por Marinoni: “A tarefa não é apenas declarar quem está certo e quem está errado (...) a tarefa é remover a condição que ameaçava os valores constitucionais.” 23

Para a concessão da tutela jurisdicional, o juiz deve interpretar o caso a partir da Constituição e após, tutelar concretamente o direito material, com base no ordenamento jurídico pátrio.

É premissa básica a de que a jurisdição tem por fim a pacificação social. Tal idéia está diretamente relacionada a três questões: a existência do juiz conscientiza os indivíduos de que os seus conflitos devem ser resolvidos através do Estado, eliminando tentativas de soluções individuais, arbitrárias ou violentas; a jurisdição acomoda as disputas, evitando o agravamento das discussões; ainda que um dos litigantes não se conforme com a decisão judicial, tem ciência de que não terá outro caminho e de que de nada adiantará insistir na sua posição.

Apesar do exposto, não se pode fugir da idéia de que o resultado da jurisdição deve ser próprio ao caso concreto e de acordo com as necessidades do direito material. Assim, a pacificação social é o objetivo da jurisdição, mas não é suficiente para caracterizá-la.

Nesse contexto, não basta que o juiz compreenda e aplique a lei de acordo com a Constituição, sendo necessário que promova a tutela efetiva do direito reconhecido, com a adoção do meio executivo adequado à sua proteção.

22

CARNEIRO, Athos Gusmão.

Jurisdição e competência.

São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.

23

MARINONI, Luiz Guilherme.

Teoria geral do processo.

Curso de processo civil, 3. ed. São Paulo: Revista

(28)

Como bem sintetiza Marinoni: “O direito à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o legislador e o juiz, ou seja, sobre a estruturação legal do processo e sobre a conformação dessa estrutura pela jurisdição.”24

Para que se alcance tal objetivo, o processo é indispensável à função jurisdicional. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder). Por outro lado, o procedimento é apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, se desenvolve e termina o processo. O procedimento é o aspecto meramente formal do processo, não se confundindo conceitualmente com este; em um só processo pode haver mais de um procedimento.25

No cenário das instituições jurídicas do país, o procedimento tem o valor do penhor da legalidade no exercício do poder. A lei traça o modelo dos atos do processo, sua seqüência, seu encadeamento, disciplinando com isso o exercício do poder e oferecendo a todos a garantia de que cada procedimento a ser realizado em concreto terá conformidade com o modelo preestabelecido: desvios ou omissões quanto a esse plano de trabalho e participação constituem violações à garantia constitucional do devido processo legal.26

1.4. Significado de acesso à justiça

O acesso à justiça, resumidamente, significa a existência de uma ordem jurídica justa e baseia-se na idéia do cidadão com direitos previstos e respeitados, de forma legítima e lícita.

Para Cândido Rangel Dinamarco, o acesso à justiça é “a síntese de todos os princípios e garantias do processo; pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade.”27

Segundo CAPPELLETTI e GARTH:

A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser

24

MARINONI, Luiz Guilherme.

Teoria geral do processo.

Curso de processo civil, 3. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 17.

25

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria

geral do processo.

26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 301.

26

DINAMARCO, Cândido Rangel.

A instrumentalidade do processo

. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 150.

27Ibid

., p. 359.

(29)

igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.28

Afirmam Cappelletti e Garth que o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e no ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. O direito ao acesso à proteção judicial significava basicamente o direito formal do individuo de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.

Afastar a “probreza no sentido legal”, ressaltam os autores, – incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições – não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.

O estudo era tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemas reais do foro cível.

Na medida em que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de

(30)

reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos. Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha adquirido particular atenção na medida em que as reformas do welfare state tem procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato o direito ao acesso efetivo à justiça tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.29

CAPPELLETTI e GARTH fizeram um estudo sobre as causas da morosidade do Poder Judiciário na Itália em 1973, com base em pesquisas realizadas em Países da Europa.

Dentre as causas identificadas na referida obra e obstáculos a serem superados, foram sugeridas três ondas renovatórias, assim distribuídas: 1ª Onda - Assistência jurídica e superação dos obstáculos decorrentes da pobreza; 2ª Onda – Reformas necessárias para a tutela dos interesses difusos (em especial consumidores e ambiental); 3ª Onda – Procedimentos mais acessíveis, simples e racionais, mais eficientes e adequados a certos tipos de conflitos; superação da excessiva burocratização.

1.5 Evolução do significado de acesso à justiça no Brasil

A evolução do significado de acesso à justiça no Brasil foi bastante lenta. Da época do descobrimento até os séculos XVII e XVIII, período em que fervilhava nos países centrais o culto à liberdade de consciência e religiosa, a idéia de democracia, enfim, a luta contra o absolutismo, que culminou nas revoluções inglesa, americana e francesa, no Brasil nada de relevante acontecia, salvo o movimento conhecido como Inconfidência Mineira, que ocorreu no final do século XVIII. Do ponto de vista

28

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant.

Acesso à justiça.

Trad. Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre:

(31)

legislativo, pouquíssimas eram as referências a um direito próprio e exigível de acesso à justiça.

Os brasileiros influenciados pelos estudos na Europa tiveram considerável influência na luta travada a partir da Vila Rica.

As Ordenações Filipinas que passaram a vigorar no Brasil em 1603 continham algumas disposições relativas a suposto direito de as pessoas pobres terem o patrocínio de um advogado.

Mesmo após a proclamação da Independência do Brasil em 1822, o panorama no tocante ao acesso à justiça pouco se modificara.

Somente a Constituição de 1934, fortemente influenciada pela Constituição de Weimar de 1919, trouxe novidade no campo dos direitos trabalhistas, como o salário mínimo e o sindicalismo, prevendo uma justiça própria do trabalho. No mesmo diploma houve a criação da ação popular e da assistência judiciária, apesar de a Lei 1.060, que trata da assistência judiciária, só ter sido promulgada em 1950.

A Constituição de 1946 além de preservar as inovações da Carta de 1934 alargou fortemente o campo dos direitos sociais, mas foi prejudicada pelos atos institucionais nos 20 anos de duração da ditadura militar.

A Carta de 1967 concentrou como a de 1937, poderes fortíssimos na figura do presidente. O AI n. 5, de 1968 paralisou o funcionamento da Constituição então vigente. A partir da Carta de 1969, com exceção do governo Médici, a ditadura foi recuando progressivamente até a edição da Emenda Constitucional 11/78 que revogou os atos de exceção, seguida da Lei de Anistia 6.683/79, do movimento “Diretas Já”, até a convocação da Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a Carta de 1988, ora vigente.30

Quanto à legislação ordinária, a Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1º de maio de 1943, foi o primeiro diploma legal preocupado com a coletividade, se opondo ao individualismo dominante. Apesar de não ter decorrido de movimentos sociais, foi influenciada por reivindicações e teve origem em compromissos políticos, devido à natureza do governo populista. Do ponto de vista do acesso à justiça, deu ênfase à conciliação extrajudicial através dos sindicatos, por acordos ou convenções coletivas de trabalho.

29

CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant.

Acesso à justiça.

Trad. Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre:

(32)

Na área do contencioso, a CLT foi extremamente avançada à época. O procedimento dos dissídios individuais é simples, rápido, relativamente informal, concentrado, privilegia a conciliação judicial e a oralidade, lembrando a estrutura dos procedimentos das causas afetas aos Juizados Especiais Cíveis de hoje. A previsão de uma ação coletiva como prerrogativa dos sindicatos foi a grande novidade, verdadeira antevisão da Ação Civil Pública atual.

Até a década de 80, os nossos tribunais permaneceram individualistas, tecnicistas, elitizados e conservadores, mesmo com o avanço do Código de Processo Civil de 1973, que substituiu o de 1939.

O individualismo decorre do princípio da igualdade formal, sem qualquer compromisso maior com o efetivo acesso das camadas mais pobres e das coletividades.

O tecnicismo é eivado de uma visão extremamente interna, sem preocupação com as finalidades sociais e políticas que deveria informar a atuação dos Tribunais como instrumento ético para realizar justiça.

Elitizado porque caro, distante, misterioso, desconhecido, verdadeira arena na qual os mais ricos, preparados e com melhores advogados obtêm resultados mais positivos.31

Conservador porque afastado da realidade das ruas, da sociedade, das transformações sociais, e assim utilizado como enfoque conceitual, técnico-científico, estagnado no tempo, longe da efetividade adequada.

Marcelo Neves menciona que a experiência brasileira marca-se por formas de instrumentalização política, econômica e relacional de mecanismos jurídicos, apontando no sentido inverso à indisponibilidade do direito. Afirma que há uma forte tendência de desrespeito ao modelo procedimental previsto no texto da Constituição, de acordo com conformações concretas de poder, conjunturas econômicas específicas e códigos relacionais e que isso está associado à persistência de privilégios e “exclusões” que obstaculizam a construção de uma esfera pública universalista como espaço de comunicação de cidadãos iguais, advertindo que na medida em que os direitos humanos constitucionalmente estabelecidos como

30

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro.

Acesso à justiça

: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova

sistematização da teoria geral do processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 33-34, 38-40.

(33)

fundamentais não se concretizam, fortifica-se o significado dos favores e do clientelismo.

Neves aponta que embora os “subcidadãos” não estejam inteiramente excluídos do ordenamento jurídico, lhe faltam condições reais de exercer os direitos fundamentais constitucionalmente declarados, embora não estejam liberados, por outro lado, das punições previstas.32

1.6 Instrumentalidade do processo e acesso à justiça

Como ensina Cândido Rangel Dinamarco, falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto a disposição das pessoas com vista a fazê-las mais felizes (ou menos felizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas.

Segundo Dinamarco, o que precisa ficar bem claro, como fator de segurança para as partes e como perene advertência ao juiz, é a substancial exigência de preservação das fundamentais garantias constitucionais do processo, expressas no contraditório, igualdade, inafastabilidade de controle jurisdicional e na cláusula do due process of Law. Cada ato do procedimento há de ser conforme a lei, não em razão de estar descrito na lei nem na medida do rigor das exigências legais, mas na medida da necessidade de cumprir certas funções do processo e porque existem funções a cumprir. Daí a grande elasticidade a ser conferida ao princípio da instrumentalidade das formas, que no tradicional processo legalista assume o papel de válvula do sistema destinada a atenuar e racionalizar os rigores das exigências formais; no processo marcado pela liberdade das formas, o princípio da instrumentalidade tem a importância de parâmetro da própria liberdade e serve para amparar o respeito às garantias fundamentais, como penhor da obtenção dos resultados e, portanto, da validade do ato.33

Fredie Didier diz que o processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica para a tutela do direito material, afirmando que a separação entre direito e processo não pode implicar um processo neutro em relação ao direito material que está sob

32

NEVES, Marcelo.

Entre Têmis e Leviatã

: uma relação difícil. Trad. do autor, 2. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2008, p. 246-248.

33

DINAMARCO, Cândido Rangel.

A instrumentalidade do processo.

13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

Referências

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