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O referencial de competências-chave de nível secundário no reconhecimento de adquiridos experienciais : sentido e pertinência

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Trabalho de Projecto

O referencial de competências-chave de nível secundário no

reconhecimento de adquiridos experienciais: sentido e

pertinência

António Manuel Florindo Casimiro

CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Área de especialização em Formação de Adultos

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Trabalho de Projecto

O referencial de competências-chave de nível secundário no

reconhecimento de adquiridos experienciais: sentido e

pertinência

António Manuel Florindo Casimiro

CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Área de especialização em Formação de Adultos Orientadora: Prof. Doutora Carmen Cavaco

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Índice

Dedicatória _____________________________________________________ 5 Resumo _______________________________________________________ 6 Abstract _______________________________________________________ 7 Introdução _____________________________________________________ 8

Capítulo I: Educação e Formação de adultos, entre teorias e práticas ___ 9 1. Percursos ___________________________________________________ 10 1.1 Da informalidade inicial à escolarização _________________________ 10 1.2 À procura de um espaço próprio _______________________________ 12 1.3 As campanhas de alfabetização _______________________________ 13 1.4 O movimento de Educação Permanente _________________________ 18 1.5 A Aprendizagem ao Longo da Vida _____________________________ 20

2. A educação de adultos em Portugal, tendências __________________ 23 2.1 A educação popular _________________________________________ 23 2.2 De volta à educação controlada e escolarizada ___________________ 24 2.3 A educação e formação de adultos na agenda política _____________ 29 2.4 Elementos de Síntese _______________________________________ 33

3. O reconhecimento de adquiridos experienciais ___________________ 34 3.1 O princípio ________________________________________________ 34 3.2 A institucionalização destas práticas ____________________________ 34 3.3 A visibilidade social _________________________________________ 36 3.4 A avaliação de competências _________________________________ 39

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4 3.5 A experiência ______________________________________________ 43 3.6 As histórias de vida e o balanço de competências _________________ 45

Capítulo II: Narrativa autobiográfica centrada no meu percurso

profissional ___________________________________________________ 48

Capítulo III: Trabalho Empírico ___________________________________ 81 1. Clarificação _________________________________________________ 82

2. Centro Novas Oportunidades de Arraiolos _______________________ 84 2.1 Enquadramento ____________________________________________ 84

3. Esclarecimentos sobre o referencial ____________________________ 88

4. Leitura da Grelha Geral _______________________________________ 90 4.1 Profissões actuais dos adultos certificados _______________________ 90 4.2 O efeito de continuidade formativa _____________________________ 94 4.3 Validação de aprendizagens formais ___________________________ 94 4.4 Número de competências/créditos obtidos na área de CLC __________ 97 4.5 A formação complementar ____________________________________ 99 4.6 A língua estrangeira e as competências de escrita ________________ 100

5. Análise da grelha: Domínios de Referência/Número de Adultos ____ 104 5.1 Abordagem crítica aos núcleos geradores, competências e domínios de referência ___________________________________________________ 115 5.2 Outras práticas ____________________________________________ 119

Conclusão ___________________________________________________ 123

Bibliografia ___________________________________________________ 129

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Dedicatória

Ao meu pai, exemplo claro do valor dos adquiridos experienciais.

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Resumo

Decorrente do Mestrado em Ciências da Educação, área de especialização em Formação de Adultos, foi elaborado o presente documento que pretende mostrar, através de uma análise crítica e reflexiva ao Referencial de Competências-chave de nível secundário, área de Cultura, Língua e Comunicação (CLC), o sentido e pertinência deste no processo de adquiridos experienciais, assim como algumas singularidades e complexidades inerentes ao processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC).

Neste sentido foram apresentados um conjunto de elementos conceptuais ligados à educação e formação de adultos que permitem compreender e enquadrar a importância actual do reconhecimento de adquiridos experienciais.

Através de uma reflexão pessoal sobre o percurso profissional, sempre ligado à educação de adultos, no Ensino Secundário Recorrente e agora no processo de RVCC, e partindo de uma abordagem inspirada no método biográfico, compreendeu-se melhor o processo de formação enquanto professor e formador e interiorizou-se eficazmente diferentes modalidades de educação e formação de adultos. Para além disso, a realização da narrativa biográfica proporcionou uma melhor compreensão de uma metodologia utilizada com os adultos nas práticas de adquiridos experienciais.

Verificou-se, através da análise documental de processos de adultos certificados no processo RVCC de nível secundário, do qual resultou a construção de duas grelhas com um conjunto de informações passíveis de confrontação com o Referencial de Competências-chave da área de Cultura, Língua e Comunicação (CLC), um conjunto de potencialidades e fragilidades, que, no meu entender, o referencial citado apresenta. Nesse sentido apresentam-se algumas propostas, sustentadas teoricamente, que pretendem melhorar o referencial e, consequentemente, todo o processo de RVCC.

Palavras-chave: Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências; Referencial de Competências-chave; Área de Cultura, Língua e Comunicação (CLC); Adquiridos experienciais.

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Abstract

The present dissertation was written resulting from the Master’s degree in Education, specialization in Adult Education. This document intends to show through a critical and reflexive analysis of the Key-competences referential, Culture, Language and Communication Area, the meaning and relevance of this guide in the life-long acquired competences/experiences, as well as some complexities and peculiarities inherent to the recognition, validation and certification of competences process.

In this regard were presented a set of conceptual elements related to adult education and training, that allows to understand and frame the actual importance of recognizing life-long acquired competences/experiences.

During a reflection over my professional trajectory, always connected with adult education and training through the recurrent secondary level and recently through RVCC process, starting from an approach inspired by the biographical method, it was better understood the training process as a teacher and as a trainer and were effectively internalized different forms of adult education and training. In addition, making a biographical narrative offered a better understanding of a methodology used with adults based on life-long acquired competences/experiences.

It was verified, throughout the documental analysis of adults processes certificated by RVCC secondary level process, which resulted in the creation of two grids with a set of information that can be confronted with the key-competences referential, Culture, Language and Communication Area, a set of potentials and weaknesses, which in my point of view, the cited referential shows. In this sense, there are presented some proposals, theoretically supported, that seek to improve the same guide and therefore the whole RVCC process.

Key words: Recognition, Validation and Certification of Competences Process; Key-Competences Referential; Culture, Language and Communication Area; Life-long acquired competences/experiences.

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Introdução

O trabalho que se apresenta resultou da actividade realizada no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação, na área de especialização em Formação de Adultos, “Educação de jovens e adultos pouco escolarizados”, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Num domínio tão abrangente como a educação e formação de adultos irei dar particular atenção às práticas de reconhecimento de adquiridos experienciais, às suas especificidades e complexidades. O contexto português, mais precisamente o Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências de Nível Secundário, na área de Competência-chave de Cultura, Língua e Comunicação (CLC) será objecto de análise mais detalhada.

A valorização de aprendizagens não formais e informais, a crítica ao domínio da escolarização, a defesa de uma educação e formação de adultos livre de condicionalismos de ordem económica e virada para a cidadania democrática são algumas das ideias que “guiam” estruturalmente este trabalho.

Este estudo está estruturado em três capítulos.

O primeiro trata-se de um quadro conceptual ligado a teorias e práticas de educação e formação de adultos, que considero relevantes para sustentar teoricamente todo o meu trabalho subsequente.

No segundo será apresentada uma narrativa autobiográfica centrada no meu percurso profissional como professor, do ensino secundário no Ensino Regular, e formador de Cidadania e Profissionalidade e de Cultura, Língua e Comunicação no Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, de Nível Secundário num Centro Novas Oportunidades. Esta abordagem biográfica funciona como metodologia de formação, onde a partir de uma reflexão sobre a minha prática profissional, procurarei destacar aspectos significativos que permitiram a minha evolução enquanto profissional da educação.

No terceiro capítulo será desenvolvido o trabalho de projecto que corresponde a um conjunto de preocupações relacionadas com a minha prática profissional enquanto formador de Cultura, Língua e Comunicação no Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências de Nível Secundário, a propósito do Referencial de Competências-chave.

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Capítulo I: Educação e Formação de adultos, entre teorias

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1. Percursos

1.1 Da informalidade inicial à escolarização

Embora a educação de adultos como hoje a concebemos tenha surgido a partir da segunda metade do século XX, podemos afirmar que ela sempre existiu. Na antiguidade

“Platão dedicou-se a reflectir sobre a dia viou paedeia, que era algo como a obrigação que todo o cidadão tinha de aprender a empenhar-se até ao fim da sua vida em benefício da cidade. Sócrates, na Grécia, não ensinava propriamente as crianças a escrever, mas sim os adultos a pensar. Quintiliano, em Roma, ensinou pessoas adultas” (Sanz Fernández, 2006, p.7).

Também na Idade Média se procedeu à aprendizagem de pessoas adultas como refere Sanz Fernández (2006).

A aprendizagem não conhecia ainda uma especificidade muito própria virada para o público juvenil, como aconteceu depois. Segundo Sanz Fernández (2006), será nos séculos XVII e XVIII que isso irá acontecer quando “a infância adquire identidade própria” (p.10) e se começa a pensar em espaços específicos para a aprendizagem das crianças, o que terá como consequência uma escola de massas. Daí até à identificação exclusiva (ou quase) de aprendizagem com este público infantil vai um pequeno passo. É claro que sempre houve quem alertasse para esta visão redutora da aprendizagem, mas ela, como sabemos, foi-se consolidando.

O modelo de aprendizagem baseado no público infantil ganha tal evidência que é ele mesmo que se utiliza, mesmo quando, esporadicamente, se pensa em aprendizagem para os adultos. Desta forma “até meados do século XX predominou este referente académico da escola infantil na educação de pessoas adultas” (Sanz Fernández, 2006 p.14). É a partir daqui que a educação e formação de adultos começa a ganhar um espaço e metodologias próprias, embora tenha de “lutar”, por vezes, contra um modelo que está de tal forma enraizado na nossa sociedade, que continua a fazer-se sentir de forma muito dominante como refere Rui Canário (1999):

“O crescimento exponencial e a diversidade das ofertas educativas que marcam

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11 ‘monopólio’ educativo da instituição escolar, o que não pode, contudo, ser identificado com um processo de ‘desescolarização’ “(p.97).

A ideia de que o sistema escolar e a educação formal são a única forma de aprendizagem ainda subsiste. Convém aqui lembrar a crítica de Ivan Illich à educação institucionalizada, expressa em Finger e Asún (2003) ao mencionar que ”a escola, e a escolarização, em termos mais gerais, adquiriu, ou foi-lhe outorgado pelo Estado, o monopólio institucional da educação. Deu como resultado que conseguiram fazer crer que a aprendizagem apenas pode resultar da escolarização” (p.22). Esta ideia é partilhada por Canário (1999), ao mencionar que se continua “a viver em sociedades escolarizadas que como afirmou Perrenoud (1984) são incapazes de pensar a educação de outra maneira que não seja a partir do paradigma escolar” (p.97).

A educação de adultos em Portugal dos finais do século XX é um exemplo disso. A “Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em 1986, contribui para a formalização e escolarização do sector da educação de adultos (Lima, 2005, p.41). Rui Canário vai mais longe e chega mesmo a chamar-lhe “Lei de Bases do Sistema de Ensino e não do sistema educativo” (2006, p.168), e uma das razões para isso deve-se ao facto de a educação estar reduzida à educação escolar. Carmen Cavaco (2009) reforça esta tendência dando relevância ao esquecimento que a educação não formal foi votada:

“A Lei de Bases, enquanto instrumento que visava enquadrar a globalidade de dimensões educativas da responsabilidade das políticas públicas, omitiu importantes domínios da educação de adultos enquadrados na educação não formal e não assumiu a formação profissional como uma modalidade de educação de adultos. Na sequência desse reducionismo, durante a década de 80 e 90, as políticas públicas de educação de adultos restringiram-se, essencialmente, à educação de carácter formal orientada para a lógica de segunda oportunidade” (p.627).

Numa investigação que resultou num mestrado em Ciências da Educação, Carmen Cavaco (2002), referindo-se a adultos pouco escolarizados que frequentaram cursos de alfabetização no âmbito do ensino recorrente, refere o seguinte:

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12 “Os cursos de alfabetização frequentados, atendendo às referências dos entrevistados, assentavam no modelo escolar, registando-se um conjunto de fragilidades que normalmente lhe estão associadas, tais como o tratamento dos adultos como se fossem crianças, sem se reconhecerem e valorizarem os seus saberes, os currículos desadequados face a públicos-alvo, a percepção dos indivíduos como objectos e não como sujeitos de acção (p.99).

A escolarização das práticas do ensino recorrente é evidente. Todos os estudos efectuados sobre o ensino recorrente “são unânimes em considerar que esta oferta é marcadamente influenciada pelo modelo escolar e, nesse sentido, extremamente desadequada face ao público que visa servir, os adultos (Cavaco, 2009, p.268).

No domínio da Formação, e já neste século, a escolarização faz-se sentir de forma muito vincada condicionando o seu próprio papel. A propósito de alguns estudos efectuados neste âmbito, Rui Canário (2006) afirma: “No sentido de melhorar a eficácia da formação, recomenda-se a adopção de modalidades de trabalho pedagógico que permitam superar o carácter escolarizado que continua a dominar a oferta” (p.188).

Através destas considerações nota-se, portanto, que não é fácil deixar de cair na “tentação” de formalizar e escolarizar em demasia a educação de adultos, mesmo sabendo que outras lógicas e práticas existem e que se adequam a esta modalidade de educação. Estas novas lógicas e práticas vão no entanto, a pouco e pouco, implantando-se e começam a contrariar o domínio do paradigma escolar. É chegada a hora das aprendizagens não formais e/ou informais surgirem no terreno e reclamar a sua importância na educação e formação de adultos.

1.2 À procura de um espaço próprio

Como consequência a escola deixa de ter a importância que tinha. A partir dos “anos setenta e oitenta delineia-se um novo caminho em direcção a uma sociedade da aprendizagem permanente onde o referente já não é a escola mas sim a vida” (Sanz Fernández, 2006, p.14). A educação de adultos

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13 conquista um espaço próprio, “há efectivamente uma reivindicação de autonomia e de, digamos, validação, reconhecimento de práticas de aprendizagem que se desenvolvem fora da escola, nos vários níveis da sociedade, nos vários quadrantes das sociedades” (Melo, 2005, p.99). Defende-se uma aprendizagem na acção, a experiência é valorizada, ela que não tinha nenhum protagonismo no modelo escolar, pelo contrário, “a afirmação hegemónica do modo de socialização escolar produziu-se à custa de uma ruptura com modalidades de aprendizagem experiencial” (Canário, in Cavaco, 2002, p.10). Volta-se agora a dar atenção à experiência como já tinha acontecido no passado, antes da modernidade, há uma “revalorização epistemológica da experiência” (Cavaco, 2009, p.48).

Todas estas práticas tiveram o seu início (não todas ao mesmo tempo) a seguir à segunda guerra mundial num contexto de grande desenvolvimento económico e de optimismo em relação ao futuro em que se acreditava plenamente num crescimento ilimitado sendo a educação uma mais valia para a concretização desses desígnios. É de realçar o papel da UNESCO no campo da educação e formação de adultos, ”marcado numa primeira fase pelas campanhas de alfabetização e que viria a conhecer um momento culminante com a afirmação, no início dos anos 70, do movimento de educação permanente” (Canário, 2006, p.160).

1.3 As campanhas de alfabetização

As campanhas de alfabetização caracterizaram-se por ser ofertas educativas de segunda oportunidade. Havia que escolarizar um público adulto que poderia ser de alguma forma um entrave ao desenvolvimento. Desta forma, não se deve estranhar, que,” durante muito tempo, educação de adultos e alfabetização fossem entendidos como sinónimos” (Canário, 1999, p.49).

Estas campanhas, de acordo com as orientações “definidas no âmbito das Conferências da UNESCO, reflectem a tendência da educação de adultos na Europa” (Cavaco, 2009, p.98), Esta tendência assentava, segundo Finger e Asún (2003), em “duas ideias nucleares: emancipação e compensação” (p.88).

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14 Nas primeiras conferências, “o discurso oscila entre a promoção da emancipação, numa perspectiva de mudança social, e a importância de medidas compensatórias, numa perspectiva de adaptação social” (Cavaco, 2009, p.98).

Carmen Cavaco (2009) enquadra ainda esta temática nos modelos que, segundo Florentino Sanz Fernández (2006), caracterizam o trabalho educativo com pessoas adultas no século XX, são eles o modelo receptivo alfabetizador, o modelo dialógico social e o modelo económico produtivo.

O modelo receptivo alfabetizador, como o próprio nome sugere, tem mais a ver com o receber, com uma mera transmissão de conhecimentos aos adultos, “dá prioridade, no adulto, à aprendizagem do uso de códigos de leitura, mais do que aos da escrita, aos códigos de recepção de mensagens, em detrimento de códigos de emissão” (Sanz Fernández, 2006, pp.16-17). É uma alfabetização para compensar o que não se tem. O alfabetizar é aqui “mais parecido com compensar, consertar ou curar que com preparar ou prevenir” (Sanz Fernández, 2006, p.17). Este modelo está na linha do que Paulo Freire designou, e que tanto crítica, de “concepção bancária de educação”, e, como refere Cavaco (2009), “é marcado pela lógica da compensação” (p.88).

O modelo dialógico social vai promover “aprendizagens de competências que permitam interagir, de uma forma reflexiva e imaginativa, na vida quotidiana e estrutural da sociedade” (Sanz Fernández, 2006, p.17). Dá-se “prioridade à consciência crítica, ao pensamento, à participação e gestão social” (Sanz Fernández, 2006, p.17). Este modelo enquadra-se na perspectiva de educação problematizadora de Paulo Freire, onde se pretende formar pessoas para as tornar activas em sociedade. Há que “aprender a ler para intervir no mundo. A aprendizagem da leitura e escrita incide sobre os saberes e a cultura dos adultos, a lógica de emancipação é predominante neste modelo” (Cavaco, 2009, p.88).

O “modelo económico produtivo concentra-se no domínio de competências relacionadas com a participação da população activa no sector produtivo” (Sanz Fernández, 2006, p.18). Está aqui claramente formulada uma lógica de gestão de recursos humanos.

Segundo Carmen Cavaco (2009), estes três modelos aparecem nas Conferências da UNESCO, umas vezes constata-se o “predomínio de um

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15 modelo sobre os restantes, outras vezes, num registo marcado pela coexistência de vários modelos” (p.88).

A temática da alfabetização e da educação de base dos adultos levanta ainda outras questões importantes. Uma delas foi analisar a distribuição geográfica do analfabetismo. Constatou-se facilmente que as regiões do terceiro mundo eram territórios com forte presença de analfabetos e que nos países desenvolvidos a sua presença era notória “nas zonas rurais menos acessíveis e nas periferias degradadas das áreas urbanas” (Cavaco, 2009, p.100). Coincidem aqui analfabetismo com pobreza, fome e desemprego, o que leva a fazer-se uma associação entre estes conceitos e a tirar conclusões de que analfabetismo é causa de subdesenvolvimento, tudo isto é transformado num ciclo vicioso (Canário, 1999). Foi precisamente esta associação que a UNESCO interiorizou daí resultando “uma perspectiva economicista e portanto redutora deste fenómeno” (Cavaco, 2009, p.100). A partir daqui o elevado índice de analfabetismo passou a ser visto como um obstáculo ao desenvolvimento económico, o que vai fazer com que se aposte fortemente em projectos da alfabetização. Países em vias de desenvolvimento e, à época, em processos de independência, são prioritários nesses projectos, até porque existe uma necessidade política de dar estabilidade a democracias emergentes. Só “um povo alfabetizado poderia legitimar uma democracia, pois só este poderia receber mensagens e votar em consonância” (Sanz Fernández, 2006, p.21).

A relação entre alfabetização e desenvolvimento ganha cada vez maior importância para a UNESCO. A “educação de adultos em geral, e a alfabetização em particular, deixam de ser entendidas como um fim em si mesmo e passam a ser tidas como instrumentos ao serviço do desenvolvimento” (Cavaco, 2009, p.103). Já enquadrado no movimento de educação permanente, surge o conceito de alfabetização funcional, mais contextualizado, a pensar numa utilização dos saberes que se adquirem e também “como uma estratégia para contornar a ineficácia que tem vindo a ser preponderante nas campanhas de alfabetização” (Cavaco, 2009, p.105). Mas isso não significa que realmente se tenha tido sucesso em baixar significativamente as taxas de analfabetismo. A intenção de substituir o modelo receptivo alfabetizador pelo modelo dialógico social não resolveu o problema, o

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16 número de analfabetos continuou a aumentar e começa-se a admitir a complexidade do problema: “a alfabetização é um problema complexo e que não depende só do meio ambiente mas também de elementos históricos, culturais, políticos de cada povo” (UNESCO, 1985, p.61 in Cavaco, 2009, pp.108-109). No entanto, ainda se pensa em “eliminar o analfabetismo até ao ano 2000, o que indicia também o carácter retórico do discurso político da UNESCO neste domínio” (Cavaco, 2009, p.109).

Surge o conceito de analfabetismo funcional para caracterizar a existência de analfabetos nos países desenvolvidos que começam a causar preocupação. Outro conceito surge, o de “iletrado”. O “carácter pejorativo associado ao termo analfabetismo justifica o surgimento do termo “iletrado” para falar dos analfabetos funcionais dos países desenvolvidos (Cavaco, 2009, p.110). Estes conceitos e o de alfabetização tendem a tornar-se variáveis conforme as sociedades, “as definições possíveis para analfabetismo e iletrismo obedecem, fundamentalmente, a critérios de natureza social, variáveis no tempo e no espaço” (Canário, 1999, p.54). Nos países desenvolvidos, o número de analfabetos é reduzido, no entanto, “há um número considerável de pessoas que não dominam as competências consideradas básicas, de leitura, escrita e cálculo” (Cavaco, 2009, p.110). Para além disso, há “indivíduos sujeitos a uma escolarização de vários anos que, por um processo de regressão, perdem competências adquiridas devido à sua sistemática não utilização” (Canário, 1999, p.52). Face a esta realidade começa-se a perceber que “a alfabetização de adultos não funciona enquanto medida isolada, tornando-se necessário um investimento permanente para garantir o aperfeiçoamento e o uso social das competências adquiridas, daí a importância atribuída às medidas de pós-alfabetização” (Cavaco, 2009, p.111).

Outras estratégias são tentadas para eliminar o analfabetismo, nos anos 80, a UNESCO apresenta uma proposta tida como inovadora, essa “perspectiva visava a actuação em dois domínios complementares, na prevenção do analfabetismo (com a aposta na alfabetização das crianças) e na correcção do analfabetismo (com a aposta na alfabetização dos adultos)” (Cavaco, 2009, p.112). Tratava-se de acções complementares e interdependentes.

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17 A preocupação pelo sucesso educativo começa a fazer-se notar, o direito de aprender sobrepõe-se ao direito à educação, “pretendia-se promover práticas mais centradas nas aprendizagens dos adultos, do que no processo educativo, mais centradas na promoção do sucesso educativo, do que na igualdade de oportunidades de acesso” (Cavaco, 2009, p.112).

Em 1990, as metas irrealistas de acabar com o analfabetismo em 2000, que tinham sido proferidas na IV Conferência da UNESCO realizada em 1985, caem para números bem mais modestos, “ a redução para metade do número de analfabetos em 2000, tendo por referência o ano de 1990” (Cavaco, 2009, p.112), no entanto ainda se podem considerar números um pouco irrealistas.

A alfabetização de adultos, a partir daqui, começa a introduzir no seu discurso, um entendimento diferente do que são competências de base, a leitura, a escrita e o cálculo são insuficientes, surgem outras “tais como a resolução de problemas e a preparação para a vida activa, o que antecipa já o discurso assumido na V Conferência da UNESCO” (Cavaco, 2009, p.113). Pelo facto de estar enquadrada numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, a referida Conferência, que se realizou em 1997, irá ser abordada mais à frente quando essa temática vier à tona em contraposição ao movimento de educação permanente.

Podemos afirmar, no que diz respeito à alfabetização e à educação de base de adultos, que a UNESCO teve um papel preponderante na sua visibilidade, do ponto de vista social e político, contribuindo para que a comunidade internacional lhe desse a importância merecida, e ter ela própria “concebido e lançado programas internacionais de diminuição do analfabetismo, baseados numa perspectiva, teórica, de educação integral, humanista e emancipadora” (Cavaco, 2009, p.113). No entanto, temos de ter em consideração que tanto discurso sobre os analfabetos em que se foca intensamente as suas limitações do ponto de vista de conhecimentos e de competências não venha a provocar “a estigmatização social das pessoas nestas condições e a progressiva desvalorização dos seus saberes e da sua cultura” (Cavaco, 2009, p.114). Segundo Rui Canário (1999), “as campanhas de alfabetização, conduzidas a partir do pressuposto da ignorância dos destinatários, se traduzem por deslegitimar os saberes próprios das populações, que assim se tornam ainda mais marginalizadas” (p. 55). A

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18 desvalorização destes saberes influenciou as práticas de alfabetização, o modelo dialógico social que era suposto estar por detrás dos programas de alfabetização, na prática, foi substituído pelo modelo alfabetizador receptivo (Cavaco, 2009). Ao contrário do que era defendido, uma escolarização generalizada, esteve na base dos projectos de alfabetização. Aqueles que foram “promovidos pela UNESCO, embora defendessem a ruptura com o modelo escolar, foram, em grande medida, pervertidos e provocaram precisamente o contrário do que proclamavam, a escolarização da sociedade” (Cavaco, 2009, p.115).

1.4 O movimento de Educação Permanente

Foi na III Conferência da Unesco, realizada em Tóquio em 1972 que surge o conceito de educação permanente e que se define como sendo “o conjunto de meios e métodos que permitem dar a todos a possibilidade de compreender o mundo em evolução e de estar em condições de poder participar na sua transformação e no progresso universal” (UNESCO, 1972, p.44 in Cavaco, 2009, p.90). Como o próprio nome indica pretende ser “um processo contínuo que, desde o nascimento até à morte se confunde com a existência e a «construção da pessoa» ” (Canário, 1999, p.87). Depreende-se, desde logo da sua definição, que é um movimento de forte inspiração humanista. Finger e Asún (2003) defendem a ideia de que foi concebida como resposta a alguns desafios que a sociedade estava a colocar. Desafios colocados pela ciência, pela tecnologia, pela informação podem ter como resposta a educação permanente, a sua tarefa de humanizar, controlar e tirar partido de algumas características que estavam a sobressair na sociedade é um dos seus objectivos. A educação e a aprendizagem podem ajudar “a «humanizar» a informação, da mesma forma que humanizam a ciência e a tecnologia” (Finger e Asún, 2003, p.31). Há todo um discurso para o fomento da educação, “não apenas pela aprendizagem, mas pelo «aprender a aprender» “ (Finger e Asún, 2003, p.31), os conteúdos são menos importantes, o que se pretende são pessoas mais interventivas do ponto de vista social, que

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19 ganhem uma permanente dimensão cívica. Tudo isto tem enormes consequências no processo educativo, começando pelo facto de a partir daqui a educação ser permanente e não ser apenas referente a um determinado período da vida, passando pelo surgimento de outras modalidades de educação que não apenas a formal, designadamente as não formais e informais e o facto de a vida de uma pessoa poder proporcionar situações de aprendizagem (Finger e Asún, 2003).

Tal como referimos a propósito da alfabetização e da educação de base de adultos, no plano prático a educação permanente revelou algumas fragilidades. Aliás, o que se referiu sobre a escolarização da alfabetização e educação de base de adultos já se enquadra no movimento da educação permanente, faz parte dela. Ao contrário do “que se defendia no plano teórico, as práticas de educação de adultos sujeitaram-se a um processo de crescente institucionalização e de subordinação ao modelo escolar” (Cavaco, 2009, p.115). Continua-se assim a ter uma lógica escolarizante, “faltou uma reflexão epistemológica sobre a natureza do acto formativo” (Cavaco, 2009, p.117). Também Finger e Asún (2003) se referem a esta temática quando afirmam:

“Contrariamente a Illich, a educação permanente não critica instituições. Se é verdade que se apresenta como um discurso não institucional e aceita as aprendizagens não formais – não institucionais – como experiências de aprendizagem significativas, o facto é que acaba por encurralá-las numa estrutura formal e fundamentalmente institucional” (p.34).

O que está aqui também em causa é que pelo facto de haver uma maior institucionalização das práticas educativas, possa haver “efeitos perversos, porque como refere Ivan Illich (1971), contribui para subestimar o poder que cada pessoa tem para se educar” (Cavaco, 2009, p.116).

A descolarização pretendida pelo movimento da educação permanente, segundo os autores aqui mencionados, acabou por ter um efeito contrário, serviu para ajudar a consolidar uma sociedade capitalista e autores como Paulo Freire chegam mesmo a referir que “a Educação Permanente não surge por acaso nem por obra voluntarista de educadores, mas como resposta necessária a certos problemas das sociedades capitalistas avançadas” (Freire, 1984, p.16 in Cavaco, 2009, p.116). Faltou à educação permanente a

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20 realização de uma leitura crítica ao desenvolvimento industrial (Finger e Asún, 2003).

De uma forma geral temos no entanto de considerar que “a educação permanente foi, decididamente, o momento federador da educação de adultos” (Finger e Asún, 2003, p.34). Contribui ainda para a formação de um grande movimento humanizante e proporcionou “à educação de adultos uma identidade política – e, mais importante do que isso, uma identidade internacional e institucional” (Finger e Asún, 2003, p.34).

1.5 A Aprendizagem ao Longo da Vida

A expressão aprendizagem ao longo da vida surge na V Conferência da UNESCO, realizada em 1997, em que há uma clara mudança de perspectiva no que diz respeito à educação de adultos.

As transformações políticas, económicas e sociais dos últimos anos estão na base para que se comece a ver sobre outro prisma a educação de adultos e se tente adaptar esta a uma realidade diferente daquela onde se movimentava a educação permanente. Neste sentido é de referir que:

“Os fundamentos iniciais do movimento da educação permanente assentavam, essencialmente, numa visão utópica e humanista. A actual perspectiva da aprendizagem ao longo da vida assenta numa visão pragmática de resolução de problemas, sobretudo os referentes à competitividade económica e ao desemprego” (Cavaco, 2009, p.119).

Esta visão da educação de adultos é também salientada por Rui Canário:

“Actualmente as políticas e práticas de educação escolar inscrevem-se num conjunto mais vasto e coerente de políticas de educação/formação funcionalmente subordinadas aos imperativos da racionalidade económica dominante e, portanto, às exigências de “produtividade”, de “competitividade” e da “empregabilidade” (Canário, 2006, pp.198-199).

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21 No caso da alfabetização e educação de base de adultos há uma orientação “para o desenvolvimento de competências básicas que favoreçam a empregabilidade” (Cavaco, 2009, p.122), a educação integral, bandeira da educação permanente, é aqui posta em segundo plano apesar de algumas referências. Considera-se também “ o domínio da informática, de línguas, de códigos visuais entre outras” (Cavaco, 2009, p.122), como competências essenciais no campo da alfabetização.

Associado ao conceito de aprendizagem ao longo da vida surge a ideia de responsabilização individual. A educação deixa de ser apenas um direito mas também um dever. Se antes, “por exemplo, falava-se em direito à educação, hoje em dia fala-se mais em aprendizagem ao longo da vida, em que a própria pessoa é responsável pela sua própria formação e pela sua própria aprendizagem” (Melo, 2005, p.109). Começa a notar-se cada vez mais um distanciamento com os ideais da educação permanente,

“é muito importante observar que o direito à educação permanente, desde sempre reivindicado pelos movimentos sociais e pelas organizações dos trabalhadores, tende a transformar-se num dever e numa imposição de sociedades que olham para as pessoas apenas como «activos» ou como «recursos humanos» “ (Rodrigues e Nóvoa, 2005, p.12).

Esta responsabilização individual acarreta consequências, “subentende-se que cada um individualmente deve responsabilizar-“subentende-se pelo “subentende-seu sucesso e pelo seu fracasso e esta lógica conduz ao agravamento das desigualdades sociais” (Cavaco, 2009, p.124). Devem ser as pessoas a interessar-se e a gerir os seus percursos de aprendizagem, devem ser “responsáveis pela sua aprendizagem, se elas não investem na formação contínua e se encontram no desemprego, então é problema seu, é da sua própria responsabilidade” (Finger, 2005, p.26).

Na mesma linha de orientação, o papel do Estado irá também sofrer uma forte remodelação na educação e formação de adultos. Partindo do princípio que o indivíduo é responsável pela sua própria formação e que deve encontrar o seu próprio caminho, então “já não é tanto o Estado que deverá criar as ofertas”(Melo, 2005, p.109). E começa aqui o reforço das parcerias e

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22 um apelo a uma maior responsabilização da sociedade civil que levarão à privatização deste domínio,

“a educação de adultos está a ser privatizada por estar a tornar-se uma necessidade óbvia e universal, uma necessidade na qual se participa voluntariamente e individualmente. Aprender está a tornar-se uma questão privada ou puramente pessoal, assim se abandonando todas as suas dimensões colectivas, enquanto que, paralelamente, esta tendência é reforçada pela pressão do mercado para a privatização, pois a educação de adultos deixou de ser da responsabilidade da administração pública e passou para a de corpos privados (p. ex., organizações de caridade ou lucrativas)” (Finger e Asún, 2003, p.111).

Se as políticas e práticas educativas já estavam orientadas para uma lógica de carácter económico não é de estranhar que “ a própria educação se organize adoptando a racionalidade económica do mercado” (Canário, 1999, p.90).

Esta diminuição do papel do Estado na educação e formação de adultos decorrente de uma progressiva privatização deste domínio irá afectar principalmente a área da alfabetização e da educação de base de adultos. A “existência de uma oferta educativa de qualidade não é suficiente para assegurar o direito de todos à educação” (Cavaco, 2009, p.127). Finger e Asún (2003), referem mesmo que a “erosão do Estado não significa necessariamente o fim da educação de adultos, mas significa certamente o fim de uma agenda de educação pública como parte de um projecto de desenvolvimento social” (p. 103). O problema que se levanta com o reforço da privatização e a diminuição do papel do Estado aparece expresso em Florentino Sanz Fernández da seguinte forma:

“o mercado não fará uma oferta social massiva, como tinham feito os Estados até ao momento actual, mas farão uma oferta restringida às próprias necessidades do mercado. Pelo que o modelo de formação orientado para a produtividade estará afectado por uma dualização caracterizada de «efeito Mateus» que supõe que aquele que mais tem mais terá e aqueles que têm menos continuarão a ter menos no futuro” (Sanz Fernández, 2006, p.80).

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23 Pode dizer-se que o conceito de aprendizagem ao longo da vida, corresponde em Sanz Fernández, ao último modelo da sua tipologia, o modelo económico produtivo. Os “documentos europeus sobre a aprendizagem ao longo da vida estão impregnados de códigos mercantilistas, competitivos, produtivos” (Sanz Fernández, 2006, p.18).

2. A educação de adultos em Portugal, tendências

A educação de adultos em Portugal foi sempre tida em pouca consideração a nível político apesar das orientações das primeiras Conferências da UNESCO para o efeito. Como consequência tem sido quase sempre desvalorizada, por vezes praticamente esquecida, no sistema educativo público, “sem lugar no quadro das políticas educativas ou objecto de uma presença apagada e intermitente, em geral marcada por ausências, descontinuidades e abandonos” (Lima, 2005, p.32).

Cerca de um quarto da população portuguesa era analfabeta aquando da revolução de Abril de 1974, era assim que interessava ao sistema político vigente. Tratava-se, no dizer de Alberto Melo, de “uma situação de «obscurantismo programado» ” (Lima, 2005, p.31).

2.1 A educação popular

Logo a seguir à revolução de Abril de 1974 a educação de adultos conheceu um momento marcante na sua acção. A revolução trouxe uma mobilização popular que “constituiu um imenso e dinâmico processo colectivo de aprendizagem” (Canário, 2006, p.173). A educação de adultos assume lógicas de educação popular, “baseadas em dinâmicas participativas e num activismo socioeducativo que se traduziu numa miríade de iniciativas de auto-organização, de tipo local, dotadas de grande autonomia e, frequentemente, de assinalável criatividade (Lima, 2005, p.37). Carmen Cavaco (2009) refere-se a estas iniciativas deste modo:

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24 “Estas iniciativas, muitas delas inspiradas nas ideias de Paulo Freire e na perspectiva humanista, tinham como finalidades a formação cívica e política, a conscientização, a emancipação e a promoção da participação das pessoas na construção de uma sociedade democrática” (Cavaco, p.165).

Todo este dinamismo viria a ser devidamente apoiado, entre 1975 e 1976, pelo Ministério da Educação através da Direcção-Geral de Educação Permanente, optando por uma política não directiva, mais no sentido de apoio e cooperação com o que se estava a desenvolver no terreno. Esta descentralização, “pioneira e excepcional no âmbito do Ministério da Educação, aspirava a atingir a definição de uma política governamental para a educação de adultos capaz de integrar os grupos de base, não governamentais, na construção e operacionalização dessa política” (Lima, 2005, p.39). São reconhecidas como extremamente importantes a educação popular e a alfabetização numa política educativa nacional, há uma tomada de “consciência da importância da educação de adultos no País, nomeadamente, da educação de base, promovida numa lógica de participação e envolvimento das comunidades” (Cavaco, 2009, p.165).

Durante este curto período temos, no que diz respeito à política pública de educação de adultos e usando a tipologia de Licínio Lima (2005), a lógica da educação popular e do associativismo. Podemos identificar esta lógica na tipologia de Florentino Sanz Fernández (2006) com o modelo dialógico social (Cavaco, 2009). No plano internacional, esta lógica “é evidente entre a I Conferência Internacional de Educação de Adultos da UNESCO (1949) e a III Conferência (1972) ” (Cavaco, 2009, p.164).

2.2 De volta à educação controlada e escolarizada

No final de 1976 assiste-se ao começo da normalização política e institucional. Embora seja evidente “o dinamismo e o elevado potencial socioeducativo das associações locais no desenvolvimento de programas e acções de educação de adultos, o seu papel irá sofrer, progressivamente, uma

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25 considerável diluição” (Lima, 2005, p.39). Há toda uma intervenção no sentido de contrariar as “consequências negativas da instabilidade política e social vivida no período revolucionário para o sistema educativo” (Cavaco, 2009, p.148). Para além da lógica da educação popular, uma outra, oposta a esta, surge no período posterior à revolução de 74, a lógica de controlo social e de escolarização compensatória (Lima, 2005), ou de “reorganização” (Stoer, 1982 in Cavaco, 2009) que “registou sempre muitos adeptos entre os políticos, esperançados nos resultados rápidos das campanhas na diminuição do analfabetismo” (Cavaco, 2009, p.167). Tinha-se a ilusão da eliminação do analfabetismo ou na sua redução bastante significativa, num curto espaço de tempo. Gradualmente, “a lógica dominante entre os políticos assumiu um progressivo protagonismo e levou ao desinvestimento e abandono das medidas que tinham subjacente a lógica da educação popular” (Cavaco, 2009, p.170), há um voltar ao modelo escolar propriamente dito. As esperanças de obtenção de resultados significativos no combate ao analfabetismo foram contudo infundadas e esta lógica revelou algumas fragilidades como por exemplo: “as tendências excessivamente centralizadoras; a inadequação das metodologias, orientadas com base numa lógica escolar; os conteúdos não respeitavam os saberes nem a identidade cultural dos analfabetos” (Cavaco, 2009, p.168). A lógica da educação popular foi assim substituída, embora “alguns dos seus traços mais característicos tenham persistido em certas práticas de sectores associativos e comunitários, em situação de resistência activa” (Lima, 2005, p.33). Assiste-se então a

“uma lógica de controlo social, de regresso a orientações escolarizadas, sob o controlo centralizado da política e da administração da educação, do que resultou um processo de forte redução do campo de educação de adultos considerado legítimo e passível de apoios públicos, a partir de então crescentemente formalizado em torno de uma educação escolar de segunda oportunidade, conhecida por «ensino recorrente» “(Lima, 2005, p.33).

Segundo Carmen Cavaco (2009), esta lógica de controlo social e de escolarização compensatória referida por Licínio Lima (2005) pode ser identificada no modelo alfabetizador de Florentino Sanz Fernández (2006).

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26 Esta lógica da escolarização compensatória vai-se reforçando cada vez mais e ganha ainda maior relevância quando, nos meados dos anos 80, “surge a preocupação com os jovens que, após insucessos repetidos, abandonavam a escola sem a conclusão da escolaridade obrigatória” (Cavaco, 2009, p.171). É assim importante reter que:

“O início do predomínio da lógica de controlo social e de escolarização social coincide com a IV Conferência da UNESCO (1985), onde se propôs a aposta na educação dos jovens e adultos pouco escolarizados dos países desenvolvidos, na sequência dos estudos realizados sobre a literacia” (Cavaco, 2009, p.172).

É neste contexto que surge a Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986, num período de adesão à União Europeia “e era aguda a percepção da necessidade de introduzir mudanças profundas e sistemáticas no sistema educativo português, como forma de combater o ‘atraso’ e promover a ‘modernização’ do país” (Canário, 2006, p.166). A Lei de Bases era vista, à época, como uma prioridade nacional. Era uma época em que os “políticos tentaram associar ao País uma imagem de modernidade e de convergência relativamente aos outros países da Europa (Cavaco, 2009, p.157). Decorrente de tal leitura, a Lei de Bases do Sistema Educativo “apresenta uma perspectiva muito limitada e redutora da educação de adultos” (Cavaco, 2009, p.157), não fosse isso dar uma imagem de “atraso” aos parceiros europeus. A este propósito Licínio Lima (2005) refere:

“As questões relativas à alfabetização, à educação de base e à educação popular da população adulta passaram a ser representadas, do ponto de vista de políticas públicas, como matérias genericamente incompatíveis com o lugar idealizado e com o estatuto almejado para um país da Europa Comunitária, cujos maiores desafios foram identificados com a sua modernização económica e em termos de infra-estruturas, com a eficácia e a eficiência da gestão pública e privada, com o aumento da produtividade, a internacionalização e a competitividade na economia” (Lima, p.40).

Na Lei de Bases do Sistema Educativo, “todo o texto se estrutura em função da dimensão escolar das gerações jovens, menorizando a importância concedida à educação e à formação de adultos, bem como às modalidades educativas não formais” (Canário, 2006, p.167). O analfabetismo e a educação

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27 de base de adultos foram esquecidos, “conferindo-se destaque ao «ensino recorrente» de adultos e à formação profissional, em ambos os casos maioritariamente frequentados por jovens-adultos, também na sua maioria pouco escolarizados” (Lima, 2005, p.40). A escolarização sai reforçada, “a política pública de educação de adultos dirige-se apenas a dois tipos de práticas, por um lado, o ensino recorrente de adultos, tido como uma modalidade especial de educação escolar e, por outro lado, a educação extra-escolar” (Cavaco, 2009, p.172).

Ao ser entendido como modalidade especial de ensino escolar, o ensino recorrente fica desde logo “refém do modelo escolar” (Cavaco, 2009, p.173). Neste sentido, esta oferta vai revelar-se, com o passar do tempo, pouco condizente para o fim a que foi proposta e cada vez mais é procurada por jovens que abandonaram o ensino regular. Ao transformar-se assim numa espécie de “’escola nocturna, inviabiliza-se enquanto alternativa à escola e dificilmente poderá funcionar como uma segunda oportunidade, tanto para os adultos como para os jovens pouco escolarizados” (Cavaco, 2009, p.270). Um dos problemas sentidos foi a distanciação das práticas face às orientações legais, os formadores têm dificuldades “para se descentrarem das práticas escolarizadas” (Cavaco, 2009, p.269). A falta de formação na área da educação de adultos faz com que o ensino se torne demasiado expositivo, os formadores são, na sua maioria, professores do ensino regular.

No que diz respeito à educação extra-escolar, Rui Canário (2006) realça o facto de ser a única referência que surge no texto da Lei de Bases à educação não formal. A “educação extra-escolar inclui a alfabetização e a educação de base, a formação contínua nos domínios cultural e científico, abrangendo iniciativas de natureza formal e não formal” (Cavaco, 2009, p.173).

Em relação à formação profissional, esta “tende a ser assumida como uma via autónoma e paralela face à educação e à formação geral” (Lima, 2005, p.41).

De uma forma geral podemos dizer que a Lei de Bases trouxe muito pouco à educação de adultos e nomeadamente a modalidades de educação não formal. No entanto, estudos realizados em 1987, os Estudos Preparatórios no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, através de um grupo de trabalho, elaborou um documento em que se dá extrema importância

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28 aos processos educativos não formalizados para a educação de adultos. Entre outros assuntos, procura-se, “valorizar as potencialidades educativas dos vários grupos sociais, famílias, associações e comunidades” (Canário, 2006, p.169) e perceber a importância das comunidades locais como recursos para a concretização de programas de educação de adultos. Este documento valorizou “a riqueza educativa” (Canário, 2006, p.169) da educação popular do período revolucionário assim como o seu acompanhamento realizado pela Direcção Geral de Educação Permanente. Apresenta-se ainda uma proposta de “reorganização de um subsistema de educação de adultos «não subjugado ao sistema escolar» “(Canário, 2006, p.170), onde se destacam as propostas de criação de uma Universidade Aberta e de um Instituto público de educação de adultos.

Rui Canário (2006), considera que:

“apesar das omissões que marcam o texto da Lei de Bases do Sistema Educativo, não foi por ausência de estudos fundamentados, de diagnósticos precisos, de propostas de estratégia e de medidas de curto prazo que à educação não formal e à educação de adultos não foram conferidos a importância e a prioridade que as circunstâncias e os antecedentes justificavam” (p.171).

Também a falta de recursos não pode servir de desculpa para esse facto, pois vivia-se em plena época de “recursos financeiros «generosamente» abundantes, por via do Fundo Social Europeu” (Canário, 2006, p.171) com a entrada de Portugal na União Europeia.

Para Rui Canário (2006), “é possível compreender as omissões da Lei de Bases do Sistema Educativo enquanto escolha política deliberada e consciente de um rumo construído em ruptura com o passado recente, percepcionado como perturbador e incómodo” (p.171).

Carmen Cavaco (2009), entende que “ o raciocínio de Rui Canário dá-nos uma chave de interpretação para compreender a «ausência» de uma política pública de educação de adultos integrada e consistente nos últimos trinta anos em Portugal” (p.147). O afastamento deliberado de práticas de educação de adultos de “cariz emancipatório e associativo”, prende-se com o

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29 facto de “esta estar demasiado associada ao movimento popular do período revolucionário” (Cavaco, 2009, p.147).

Sobre esta temática Licínio Lima (2005) refere:

“os apoios à educação popular e ao associativismo socioeducativo por parte de políticas públicas cessarão quase totalmente no que aos departamentos e serviços do Ministério da Educação se refere, criando um vazio que, até hoje, não chegou a ser substantivamente preenchido em termos de políticas educativas” (p.41).

Durante uma década a educação de adultos é despojada de identidade própria, há “uma progressiva perda de visibilidade, fragmentação e subordinação ao modelo escolar” (Cavaco, 2009, p.159). Segundo Licínio Lima (2005), “o ensino recorrente, (…) e a formação profissional tendem agora a esgotar o sector, diluído e marginalizado, da educação de adultos, silenciando todas as restantes áreas de intervenção” (p.46). Em relação à formação profissional acreditava-se que “seria suficiente para resolver as baixas qualificações escolares e profissionais” (Cavaco, 2009, p.159).

2.3 A educação e formação de adultos na agenda política

Em 1996 há um voltar da educação de adultos à agenda política dos nossos governantes, prometem “uma política de desenvolvimento, a promoção da educação extra-escolar, da educação para o desenvolvimento, o apoio ao movimento associativo. Em suma, prometem o renascimento da educação de adultos” (Lima, 2005, p.46). Criou-se uma equipa de trabalho para se inteirar da situação e sugerir propostas de intervenção. Neste sentido, aponta-se ao Estado a responsabilidade de criar “um sistema nacional, financie e desenvolva parcerias, combinando uma «lógica de serviço público» com uma «lógica de programa» e abrangendo quatro áreas principais: a formação de base, o ensino recorrente, a educação e formação ao longo da vida, a educação para a cidadania” (Lima, 2005, p.47).

Coube ao Grupo de Missão que se criou na altura, a tarefa de construção da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos

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30 (ANEFA). Criou-se assim a ANEFA em 1999, só que, e isso não é novidade na educação e formação de adultos em Portugal, há um desfasamento entre aquilo que é preconizado e o que é realmente efectivado. Dessa forma:

“As lógicas modernizadoras, de simples indução e, especialmente, de qualificação de recursos humanos, subordinadas à empregabilidade e à aquisição de competências para competir, predominaram claramente sobre outras vertentes educativas que estavam presentes nos projectos iniciais para a ANEFA. A indução predominou sobre a intervenção, a «lógica de programa» inibiu a «lógica de serviço público», a anunciada política de desenvolvimento foi limitada à produção de orientações estratégicas com vista à criação de condições de intervenção de terceiros, tal como a anunciada articulação entre a educação e formação cedo veio revelar a subordinação da primeira às agendas da segunda” (Lima, 2005, pp.48-49).

Também Carmen Cavaco (2009) se refere a esta discrepância:

“O Grupo de Trabalho apresentou um modelo de ANEFA inspirado numa política pública de educação de adultos global, integrada e descentralizada. Os decisores políticos optaram por uma ANEFA que permitisse o desenvolvimento de uma política pública de educação de adultos segmentada e orientada para lógicas de modernização, de simples indução e particularmente, de gestão de recursos humanos.” (p.177).

Começa aqui o predomínio da lógica de modernização económica e de gestão de recursos humanos (Lima, 2005), que, segundo Carmen Cavaco (2009), vai ao encontro do modelo de Florentino Sanz Fernández (2006), o modelo económico produtivo. Esta tendência irá reforçar-se a partir de agora até estar completamente assumida quando se dá “a extinção da ANEFA e a sua substituição pela Direcção Geral de Formação Vocacional” (Cavaco, 2009, p.178). Tudo isto está enquadrado na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida. A educação de adultos começa a ser progressivamente instrumentalizada “em função das políticas activas de emprego” (Cavaco, 2009, p.175). Estamos numa “lógica de mercado e de subordinação da educação a orientações pragmáticas, de empregabilidade, de emulação e de competitividade económica” (Lima, 2005, p.49). Temos no entanto de ter em consideração o interesse que o domínio da educação de adultos despertou aos

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31 nossos governantes tendo em conta o desinteresse a que estava votada. É neste contexto que surgem os Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC) e os cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), os concursos de boas práticas de educação e formação de adultos e as Acções S@ber+. São práticas educativas que “embora baseadas em metodologias de valorização da experiência e com potencialidades nas questões de emancipação, foram apropriadas, em termos políticos, sobretudo numa lógica de qualificação de recursos humanos” (Cavaco, 2009, p.178).

Quando a ANEFA é extinta e se cria a Direcção Geral de Formação Vocacional (DGFV), emerge de forma muito clara a perspectiva redutora e instrumentalizada da educação de adultos, “na medida em que ela é entendida como um instrumento das políticas activas de emprego e das políticas sociais” (Cavaco, 2009, pp.161-162). O discurso muda, a terminologia passa a ser outra, “quando se explicitam as funções e competências da DGFV não se faz referência à política de educação de adultos, mas sim à «política de formação vocacional» quer de jovens, quer de adultos” (Cavaco, 2009, p.162). Como refere Lícínio Lima (2005), “ a educação de adultos volta a sucumbir enquanto política educativa pública, encontrando-se de novo sitiada, drasticamente reduzida a certas dimensões da «formação de adultos» “ (p.49).

Os CRVCC e os cursos EFA são agora as ofertas mais destacadas da educação e formação de adultos. Estão enquadrados “nas orientações políticas da Comunidade Europeia, mais concretamente nas orientações definidas na Estratégia de Lisboa (Conselho Europeu, 2000) e no Memorando da Aprendizagem ao Longo da Vida (2000)” (Cavaco, 2009, pp.186-187). A substituição da DGFV pela Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) irá acentuar ainda mais a tendência vocacionalista destas políticas. Embora haja uma tradição humanista implícita nos cursos EFA e nos CRVCC, ao valorizar-se a pessoa e a sua experiência de vida, o discurso político “inscreve-valorizar-se e filia-se de um modo mais directo, e mais próximo, em orientações de responsabilização individual, procurando ensinar aos indivíduos a gerirem-se a si próprios como um capital e incitando-os a tornarem-se empresários de si mesmos” (Canário, 2006a, p.42 in Cavaco, 2009, p.187). Tudo isto tem como pano de fundo, uma perspectiva de desenvolvimento económico em que a

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32 “lógica do «aprender a ter» se sobrepõe à lógica do «aprender a ser» “ (Canário, 1999, p.90).

Há claramente com a criação dos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC) um enfoque para a integração profissional e para a empregabilidade e também “uma estratégia para incentivar a conclusão de percursos incompletos de formação e como motivação para outros percursos ao longo da vida” (Cavaco, 2009, p.184). O público alvo são jovens e adultos maiores de 18 anos, mais propriamente “adultos activos, empregados e desempregados” (Cavaco, 2009, p.184). Pode-se obter nos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC), depois designados de Centros Novas Oportunidades (CNO), que surgem para responder ao baixo nível de qualificações, o 1º, 2º e 3º ciclo do ensino básico (respectivamente B1, B2 e B3) e o nível secundário.

Os cursos EFA articulam a formação de base com a formação profissional e atribuem o 1º, 2º e 3º ciclo e o nível secundário.

Em Portugal há um grande empenho em aumentar os níveis de escolaridade dos adultos, a escolaridade obrigatória concluída apresenta uma taxa relativamente baixa comparativamente com outros países da União Europeia, “a educação de base é um pré-requisito considerado fundamental para assegurar a procura de formação ao longo da vida” (Cavaco, 2009, p.188). Há uma lógica de certificação que não se compadece com uma lógica humanista que está subjacente às metodologias do processo de reconhecimento, validação e certificação de competências, uma lógica de valorização da pessoa, de abertura a modalidades de educação não formal e informal. Isto pode trazer problemas, “contribuiu para a sobrevalorização dos diplomas e certificados, para a formalização dos saberes e para colocar pessoas, individualmente, perante uma situação de avaliação complexa, que pode ter resultados desastrosos, nos casos de negação de reconhecimento” (Cavaco, 2009, p.187). É preciso ter muito cuidado com o fracasso e o insucesso dos adultos neste processo.

Temos no entanto de realçar, que, mesmo dentro desta lógica de qualificações e diplomas, emergem alguns aspectos bastante positivos no que diz respeito a uma melhoria de literacia, o melhor domínio da oralidade, da linguagem escrita e da informática são, em parte, resultado do processo RVCC.

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33 “O processo (…) ajuda a despertar novos interesses e o desenvolvimento de competências de leitura e escrita” (Cavaco, 2009, p.684). A auto-estima dos adultos envolvidos no processo também pode ser um aspecto muito positivo se se tiver em conta as suas especificidades e não se desprezar os seus saberes.

2.4 Elementos de Síntese

Assistiu-se em Portugal, ao longo das últimas três décadas, a diferentes lógicas políticas-educativas, existiu sempre o predomínio de uma em relação às anteriores num determinado período histórico. Essas lógicas foram aqui apresentadas como sendo a lógica da educação popular, a lógica de controlo social e de orientações escolarizantes e a lógica de qualificação e de gestão de recursos humanos. No entanto, “ as lógicas subordinadas não desapareceram pura e simplesmente de cena, tendendo a uma sobrevivência marginal, umas vezes em situação de resistência activa, outras vezes, apenas de forma circunscrita, implícita ou apagada” (Lima, 2005, p.50). Actualmente domina a lógica de qualificação e gestão de recursos humanos que “remete a educação para uma função meramente adaptativa e a cidadania para um modelo de mercado de liberdades, estritamente económicas, dos consumidores” (Lima, 2005, p.51). Não há “políticas públicas de médio e longo prazo fundamentais para o desenvolvimento de práticas globais e integradas” (Cavaco, 2009, p.188). É necessário uma política de educação de adultos democrática que efectivamente melhore as capacidades básicas de leitura, escrita e cálculo, condição essencial à autonomia e à participação dos cidadãos. Ignorar isto e

“insistir na lógica da gestão dos recursos humanos e da formação profissional como estratégia de substituição ou de superação da educação de adultos, da educação popular e da educação de base (amiúde fortemente desvalorizadas com o estatuto de utopias progressistas ou de antiguidades modernistas) representará o verdadeiro facilitismo de uma política educativa pública que, de forma mágica, inventaria um processo célere e eficaz de fazer em pouco tempo o que se recusou a realizar ao longo de várias décadas” (Lima, 2005, p.36).

Se é certo que a educação é necessária à modernização económica, “ela não é subsumível a programas de formação e qualificação” (Lima, 2005,

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34 p.56). O desenvolvimento pessoal e social precisa de uma educação desprendida, livre de condicionalismos de racionalidade económica.

3. O reconhecimento de adquiridos experienciais

3.1 O princípio

O reconhecimento de adquiridos experienciais não é uma prática recente, embora a projecção social que lhe é dada efectivamente o seja. Com efeito, as primeiras práticas surgiram no pós guerra, nos Estados Unidos da América, nos anos 50, para recolocar veteranos de guerra na vida activa e também no Quebec, nos anos 60, em relações a mulheres que queriam ver as suas competências reconhecidas para prosseguimento de estudos. Foram nestes casos práticas muito localizadas que não tiveram “nem uma grande visibilidade social nem a sua posterior disseminação” (Cavaco, 2009, p.138). Surgiram das motivações das pessoas, com orientações humanistas muito acentuadas de valorização do ser humano. Não houve aqui razões políticas para a sua aparição.

3.2 A institucionalização destas práticas

Foi no Livro Branco da Educação e Formação, em 1995 e na V Conferência da UNESCO em 1997 que começou a falar-se novamente em reconhecimento de adquiridos experienciais e, passou a estar na agenda da política educativa da União Europeia e a ser enquadrado na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida. É a partir daqui que estas práticas ganham grande visibilidade social. Começa a reconhecer-se a importância das competências adquiridas por vias não formais e informais para conclusão e prosseguimento de estudos, para acesso a empregos e para a formação profissional. Muitos jovens “que saem do sistema educativo sem diploma

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