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Viver o trauma e superá-lo

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Academic year: 2022

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Cicatrizes que marcam para sempre a vida

Viver o trauma e superá-lo

20ZEN ENERGY Fevereiro 2014

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choque traumático, ou Trauma de Choque, ocorre quando se vivenciam acontecimentos potencialmente ameaçadores à vida que superam a capacidade para responder de modo eficaz. Existem situa- ções traumáticas relacionadas com o meio ambiente no qual a criança está inserida, como sejam vivências de abuso sexual, morte de pessoas significativas, doenças prolongadas, acidentes ou testemunhar actos violentos que podem marcar para sempre o ser em desenvolvimento. Em contraste, pessoas traumatizadas por abuso continuado na infância, em especial se o abuso ocorreu no contexto familiar, podem sofrer de Trauma de Desenvolvimento e decorrem de cuidados inadequados durante os períodos críticos de desen- volvimento infantil.

Apesar de os efeitos a longo prazo no corpo e na mente poderem ser avassaladores, o trauma transformado pode levar a uma vivência de quase iluminação, podendo a pessoa regressar à vida com mais flexibilidade, mais compaixão e um sentido amplificado do significado da vida humana.

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Carência de maternage como vivência traumática

O termo maternage refere-se ao conjunto de relações afectivas que se desenvolvem entre a mãe e o seu bebé aquando da experiência da maternidade, sendo que cada mulher atravessará este momento da sua vida, em função da sua história pessoal, da estrutura da sua personalidade, da sua situação afectivo-familiar presente e das próprias características do seu bebé.

Acredito assim que, na idade adulta, todas as formas de violência (passiva ou activa, concreta ou subtil), têm génese na falta de maternage, ou seja, surgem a partir da falta de qualidade da atenção, da falta de doçura, de amor, de colo, de generosidade, de paciência, de com- preensão, de leite, de pele/corpo, de olhar e de apoio, desde o momento do nascimento e durante toda a fase de infância. Infelizmente, ninguém pode dar o que não tem, pelo que esta realidade se vê muitas vezes perpetuada de geração em geração. A verdade é que se o bebé não

Vivência traumática e sintomatologia

No momento da ocorrência de um acontecimento traumático, a mente associa-o a sentimentos, imagens, sons, cores determinados.

Situações ou sensações semelhantes podem mais tarde despoletar a recordação do acontecimento ou apenas dos sentimentos e sensações dolorosas ao mesmo associadas, o que pode ser bastante avassalador.

No trauma, a mente sofre profundas alterações. No período imediatamente a seguir à vivência traumática, a mente protege-se da reacção emocional e sensorial, criando mecanismos de defesa, como a ‘dissociação’ e a ‘negação’ que permitem atravessar os períodos críticos. Da mesma forma, o corpo reage profundamente ao trauma: fica em tensão, pronto para agir, contrai-se com medo, congela e colapsa cheio de terror. Quando a reacção protectora da mente, frente à sobrecarga vivenciada numa situação traumática, volta ao normal, a resposta do corpo deveria normalizar-se. Porém, quando esse processo restaurador é bloqueado, os efeitos do trauma fixam-se, surgindo, mais tarde, sintomatologia variada: mudanças de humor, tristeza profunda, confusão, dificuldades de concentração, insensibilidade emocional, isolamento, sensação de desconexão, insónia e/ou pesadelos, dores físicas, sobressaltos súbitos, ansiedade e agitação psicomotora, tensão muscular, somatizações, cansaço extremo, evitamento de pessoas ou lugares, crises de pânico.

recebe atenção suficiente de acordo com as suas necessidades reais e subjectivas, essa carência poderá vir a converter-se, mais tarde, na impossibilidade de dar a outrem algo que não tem. Apesar de tudo, alguns bebés com falta de amor e cuidados primários poderão vir a ser adultos sem aparentes sequelas desta vivência precoce. Para um bebé, toda a experiência sem apoio e atenção su- ficientes é violenta, uma vez que não suprime as suas necessidades básicas no que à sobrevivência diz respeito. De referir que a sobrevivência do bebé não é só uma questão física, mas também psico-emocional: além da necessidade

de alimento, sono, higiene e cuidados de saúde, um bebé necessita da proximidade com outro corpo, do calor do mesmo, do

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não puderam expressar na figura dos seus cuidadores. No geral, uma mãe que não procura satisfazer as necessidades básicas da criança, dá prioridade às suas próprias necessidades, pelo que nesta díade mãe-bebé apenas há lugar para o desejo de um. O bebé reage com um sentimento de frustração que, mais tarde se irá converter em zanga per- manente, a qual fará necessariamente parte dos futuros vínculos relacionais que irá construir.

2. Violência passiva (vítimas) – pes- soas que baseiam os seus vínculos com os outros, como se fossem o depósito onde estes descarregam a sua zanga.

Constitui a outra face da violência para fora, pelo que se verificam muitos re- lacionamentos com estes dois tipos de

O funcionamento psico-emocional e mental

Dependendo da estruturação de personalidade e do modo de sentir e pensar (timidez, ansiedade, agressividade, obses- sividade), a criança vai-se posi- cionando de forma diferente face às eventuais vivências traumáticas da sua vida, mos- trando uma maior ou menor tolerância à dor e à frustração.

Neste caso, as diferenças vão decorrer de variáveis inatas e não relacionadas com o meio ambiente e as vivências familiares.

olhar, das palavras, de alguém que o veja, o sinta, que cuide dele e com quem possa entrar em fusão emocional, necessária nesta fase à sua sobrevivência.

Formas tardias e distorcidas de procura de amor

Quando o bebé não tem esta possibili- dade de ser cuidado suficientemente bem, o seu funcionamento psicológico pode organizar-se de 4 formas diferentes, as quais remetem para 4 formas possíveis de expressar a violência interior que resulta dessa vivência precoce traumática.

1. Violência exterior (destruição do outro) – são os indivíduos cómodos no papel de agressor, que colocam sempre no exterior (nos outros ou no tecido so- cial) a culpa do seu mal-estar, para quem transferem a raiva que sentiram mas que

O bebé reage com um sentimento

de frustração que, mais tarde se irá converter

em zanga permanente

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organização: o agressor e a vítima, duas modalidades de agir diferentes, mas que se equivalem na perpetuação do desamparo primordial. Quando apenas há lugar para o desejo de um, há vio- lência. Assim, não há vítima sem algoz, numa perpétua dança de dois seres que em comum entendem a linguagem do desamparo, desprovidos na sua infância de uma maternage calorosa.

3. Violência para dentro (auto-des- truição) – muitas vezes a única forma que um bebé tem de chamar a atenção da mãe é ficando doente, o que faz com que a doença se torne no principal alia- do para obterem amor, atenção, afecto, olhar, toque. Na vida adulta, o outrora mal cuidado e mal-amado bebé, irá continuar a usar a doença para manipular a relação com os outros, tornando-se muitas vezes numa pessoa excessivamente exigente e crítica.

4. Adições (devorar ‘amor’) – um bebé vive na imediatez e cada necessidade é uma questão de vida ou morte e por ela clama a plenos pulmões. Como apenas existe o seu próprio mundo (a mãe é um prolongamento de si mesmo), não cabe lugar ao desejo do outro. Apenas o seu desejo, chave da sua sobrevivência, existe, pelo que se torna cada vez mais voraz de leite, de braços e, mais tarde, de doces, brinquedos ou jogos de vídeo, os quais substituem o amor ausente, deslocando,

assim, para objectos as suas necessidades básicas, na urgência de se acalmar. Se o bebé elege a adição como mecanismo de sobrevivência e obtém com isso sa- tisfação, poderá vir a ser um adulto que irá perpetuar este modo dependente de se relacionar com os objetos ou pessoas.

A adição acaba por ser a forma mais invisível de violência, retratando a busca voraz pela mãe eternamente ausente, numa expressão directa da criança interior desamparada.

O trauma do nascimento

A importância da infância acaba por ser óbvia na formação das estruturas psíquicas, porém as carências na fase adulta não dependem apenas da ausência ou pouca qualidade da mater- nage. Crianças criadas com bastante amor podem crescer com a dificuldade de viver com menos. Nestes casos, pensa-se que a sensação de incompletude e vazio, tão própria do ser humano (e tão falada no mito da meia- -laranja) poderá ser atribuída a outros factores, como a vivência traumática do nascimento, esse corte umbilical primordial que poderá ser vivenciado como desamparo, levando a toda a sorte de inseguranças futuras.

Abordagem psicoterapêutica dos traumas

Os traumas e as adversidades ocorridas na infância podem deixar cicatrizes que marcam para sempre a vida, pese embora

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Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta, Terapeuta Transpessoal

Lúcia da Costa Soares

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nem todos os sobreviventes de traumas ex- perimentarem dificuldades na vida adulta.

Ninguém pode dizer que nunca vivenciou uma situação traumática emocional e os efeitos do trauma podem ser curados, existindo vários tipos de intervenção, consoante a conceptualização teórica do trauma em si. A finalidade da psicote- rapia é a de ajudar a pessoa a adquirir autoridade sobre as suas recordações e sentimentos relacionados com o trau- ma, de maneira a poder seguir em frente com a sua vida, desvinculando-se desta pesada âncora. No geral, o círculo vicioso e repetitivo, que reflecte a experiência traumática, pode ser transformado, mas não poderemos entender profundamente, ou curar o trauma, sem que o corpo e a mente sejam abordados conjuntamente como uma unidade.

A Experiência Somática (Peter Levine) é uma abordagem mais corporal, que coloca a tónica no facto de o trauma ser um acontecimento que sobrecarrega

a nossa capacidade de sobrevivência, deixando uma marca impressa no nosso sistema nervoso. Desta forma, parte- se do princípio de que o trauma está no sistema nervoso e não no evento gerador da experiência traumática, trabalhando-se a descarga energética do mesmo. Aprende-se a usar e trans- formar as surpreendentes energias do corpo, superando a força destruidora do trauma, confiando no potencial que transportamos.

A Análise Bioenergética (Alexan- der Lowen) parte do pressuposto de que cada pessoa é o seu corpo, abordando o indivíduo como uma unidade psicossomática: o que afecta o corpo afecta a mente

e o que afecta a mente tem repercussões no corpo. Os conflitos e os traumas que acon- tecem no decurso da infância influenciam e afectam a auto-

percepção, as atitudes e os com- portamen-

tos adultos, criando ten- sões musculares crónicas e comprometendo a qua- lidade da vida relacional.

As tensões musculares cró- nicas, diferentes das tensões ocasionais a que todos os in- divíduos estão sujeitos no seu percurso de vida, nem sempre são sentidas, pois tornaram-se parte do tónus muscular habitual.

No decurso do processo psico- terapêutico, o paciente tomará

uma consciência progressiva dessas tensões, sentindo-as e aproximando-se do seu signi-

ficado psicológico, pelo que a abordagem se focaliza nos padrões musculares do corpo e na respectiva relação com o movimento, a respiração, a pos- tura e a expressão emocional.

A Terapia Regressiva permi- te recordar vivências recalcadas e esquecidas e, desta forma, come- çar a compreender a sintomatologia

dolorosa e os padrões automáticos de funcionamento (repetidos vezes sem conta na vida), iluminando verdades ocultas e resignificando a experiência original. Através de diferentes técnicas, paralelas à contenção e posterior elabo- ração e compreensão do problema, a Terapia Regressiva mostra-se adequada na resolução de situações e sintomas decorrentes de vivências traumáticas.

Na Terapia Transpessoal, pretende-se resignificar a história pessoal, agora que somos adultos e que podemos enfrentar os nossos demónios e sombras, num caminho de cura das nossas feridas, acolhendo essa criança interior que levamos dentro e enfrentando as suas crenças mais enraiza- das. Somos ainda seres em evolução, nascidos num planeta de trans- formação, e as experi- ências do nascimento e da infância poderão deixar marcas doloro- sas. A criança, muitas vezes, poderá ter sido rejeitada e magoada.

Outras vezes, as ex- periências físicas ou psicológicas não foram tão negativas, mas foram perce- bidas como tais pela criança, seja pelos ciúmes, egoísmo, ou condicionamentos anteriores, deixando na psique o registo de uma criança ferida. Contudo, indepen- dente do grau de dificuldade vivido no plano real ou imaginário, a emergência da criança divina poderá purificar a alma, resgatando a fonte original de poder e transformação.

O trauma pode ser um inferno na Terra, mas o trauma resolvido é um dom dos deuses – uma jornada heróica que pertence a cada um de nós.

O que afecta o corpo afecta a mente e o que afecta a mente tem

repercussões no corpo

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Referências

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