XXIV ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI - UFS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
LUIZ FERNANDO BELLINETTI
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Garantias fundamentais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS;
Coordenadores: Edinilson Donisete Machado, Luiz Fernando Bellinetti, Margareth Anne Leister – Florianópolis: CONPEDI, 2015.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-057-2
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Garantias fundamentais. I. Encontro Nacional do CONPEDI/UFS (24. : 2015 : Aracaju, SE).
XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Apresentação
APRESENTAÇÃO
O desafio de se efetivarem as garantias fundamentais previstas no ordenamento jurídico de
nosso país exige um amplo engajamento dos diversos setores e instituições jurídicas
contemporâneas.
A academia tem colaborado decisivamente para este processo e o Conpedi tem se firmado, ao
longo de mais de duas décadas, como um espaço fecundo para o debate sobre o tema e sua
consequente implementação como instrumento transformador para que se possa alcançar a
sociedade livre, justa e solidária preconizada em nossa Constituição Federal.
O Grupo de Trabalho Garantias Fundamentais, cujas atividades foram realizadas durante o
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI, em Aracajú/SE, no período compreendido entre os
dias 03 e 06 de junho de 2015, confirmou essa trajetória.
As contribuições de pesquisadores de diversos Programas qualificados de pós-graduação em
Direito enriqueceram a apresentação e discussão dos trabalhos do Grupo, possibilitando a
troca de experiências, estudos e investigações visando esse contínuo processo de efetivação
das garantias fundamentais.
Do exame e discussão dos trabalhos selecionados foi possível identificar a riqueza dos textos
com investigações realizadas desde o âmbito da filosofia até as especifidades da dogmática
jurídica.
Foram apresentados e discutidos vinte e um trabalhos, que veicularam percucientes estudos e
análises sobre as garantias fundamentais vinculadas às mais diversas searas do universo
jurídico.
Gostaríamos que as leituras dos trabalhos aqui apresentados pudessem reproduzir, ainda que
em parte, a riqueza e satisfação que foi para nós coordenarmos este Grupo, momento singular
É por isso que temos imensa satisfação de levar à publicação mais uma obra coletiva, que
testemunha o conjunto de esforços do CONPEDI e seus associados, reunindo estudos e
pesquisas sobre a temática das Garantias Fundamentais.
Esperando que a obra seja bem acolhida, os organizadores se subscrevem.
Prof. Dr Edinilson Donisete Machado UNIVEM
Prof. Dr. Luiz Fernando Bellinetti UEL
RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
EXTRAJUDICIAL RECOGNITION OF AFFECTIVE RELATIONSHIPS MEMBERSHIP
Andréa Silva Albas Cassionato José Francisco de Assis Dias
Resumo
Há muito a Constituição Federal Brasileira previu a igualdade entre os filhos, havidos ou não
do casamento (art. 227, § 6º). Dessa forma, o legislador constituinte permitiu o
reconhecimento de filhos e o tratamento igualitário entre eles, independente de sua origem.
De igual sorte tornou o estado de filiação um direito fundamental do indivíduo humano. O
Código Civil manteve na legislação infraconstitucional referida igualdade entre os filhos
através do artigo 1.596. No entanto, acrescentou o art. 1.593 segundo o qual o parentesco
poderá ser natural (se houver vínculo por consanguinidade) ou civil (se resultar de outra
origem). Essa expressão "de outra origem" permite o reconhecimento da filiação em
decorrência exclusiva dos laços de afinidade entre "pais" e "filho", ainda que não exista entre
eles o vínculo biológico ou decorrente de adoção. Diante dessa permissividade legal, alguns
estados membros da Federação já editaram Provimentos nos quais autorizam o
reconhecimento voluntário da filiação decorrente da socioafetividade no Registro Civil de
Pessoas Naturais. Ou seja, já existe no Brasil a possibilidade de reconhecimento de filiação
na esfera administrativa, sem necessitar de processos judiciais. Nesse mesmo sentido, o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de sua Corregedoria Geral de Justiça,
emitiu parecer recente favorável ao reconhecimento de filiação socioafetiva perante o
Registro Civil de Pessoas Naturais. Nota-se, portanto, que todo o Poder Judiciário está
empenhado em tornar as previsões constitucionais e legais acerca desse direito fundamental
legítimas e concretas.
Palavras-chave: Filiação; igualdade entre filhos; socioafetividade; reconhecimento jurídico
e extrajudicial.
Abstract/Resumen/Résumé
A long time ago Brazilian Federal Constitution provided for the equality of the children,
accruing or not the marriage (art. 227, § 6). In this way, the constitutional legislator allowed
the recognition of children and equal treatment regardless of their origin. They also turned
the filiation status into a fundamental right of the human individual. The Civil Code
remained in the legislation this equality among children in the Article 1596. However, it
added article 1593 that says the relationship can be natural (relationship by blood) or civil (if
it results from another source). This expression "another source" allows the recognition of
the biological or adoption bond. Given this legal protections, some States of the Federation
have edited Appointments in which authorize the voluntary recognition of filiation arising
from socio-affectiveness direct to the Register of Natural Persons Registry. In other words,
there is already in Brazil the possibility of filiation recognition at the administrative level,
without the need for litigation. To that end, the Court of the State of São Paulo, through its
General Office of Justice issued a favorable opinion on the recent recognition socio-affective
filiation in the Civil Registry of Natural Persons Registry. It can be noticed, therefore, that
the entire judiciary is committed to making the constitutional and legal provisions legitimate
and concrete about this fundamental right.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Filiation; equality between children;
1 INTRODUÇÃO
O estudo sobre a filiação tornou-se necessária no meio jurídico em face das modificações
ocorridas na sociedade nas últimas décadas.
A Constituição Federal de 1988 previu o tratamento igualitário entre os filhos de qualquer
origem e protegeu a família ainda que não constituída pelo casamento (por união estável, entre
heterossexuais e homossexuais, com apenas um pai ou uma mãe, etc.). Por essa razão, o sistema
precisou se adequar a nova realidade jurídica e social.
O reconhecimento da filiação tornou-se, assim, um direito fundamental do indivíduo
humano, ainda mais da criança recém nascida, e um direito de personalidade (indisponível e
irrenunciável).
Tanto o texto constitucional como infraconstitucional coadunam no sentido de que
qualquer origem de filiação deve ser considerada para fins de reconhecimento extrajudicial do
parentesco socioafetivo.
Diante disso, a fim de desenvolver o tema proposto será abordado o direito de família e sua
adequação à nova realidade social, o reconhecimento da filiação como direito fundamental e
personalíssimo e a filiação socioafetiva, com ênfase na possibilidade do reconhecimento
administrativo dessa filiação, além de outros aspectos importantes deste tema novo, que vem sendo
discutido em nossos Tribunais.
2 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
2.1 A MODIFICAÇÃO DA SOCIEDADE E DO DIREITO
O principal objetivo do Direito é a busca pela pacificação social através de regras de
conduta, que devem ser contemporâneas sob pena de serem inócuas.
Desde o ano de 1916 as relações familiares eram regradas pelo Código Civil (Lei nº
3.071/1916) por meio de normas de ordem pública, o que implica dizer que os regramentos ali
existentes não poderiam ser alterados pelas vontades das partes. Única exceção era a possibilidade
Ante as inovações sociais o Estado viu-se obrigado a editar leis que satisfizessem as
necessidades sociais, tendo em vista que o Código Civil vigente não atendia os anseios da
população.
Diante disso, nos casos de desquite judicial não havia previsões legais a respeito da guarda
dos filhos menores, motivo pelo qual foi editado o Decreto 9.701/46. Contudo, não havia legislação
sobre como regulamentar os alimentos a esses filhos menores. Para regularizar a situação foi
promulgada a Lei 5.478/68.
Com o passar dos anos as previsões existentes a respeito da dissolução da sociedade
conjugal e do matrimônio já não eram satisfatórias, e, então, surgiu a necessidade da Lei 6.5154/77
(Lei do divórcio).
Contudo, a maior inovação legislativa foi a Constituição Federal de 1988, que tratou do
Direito de Família de forma ímpar ao criar novas entidades familiares, protegê-las juridicamente e
coibir qualquer tipo de discriminação.
Óbvio que a Constituição Federal não esgotou todos os assuntos relativos ao Direito de
Família, até mesmo porque esta não era sua função.
Portanto, continuaram sendo editadas leis que protegiam a entidade familiar e seus
membros. Podemos citar, ainda, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei
8.560/92 (dispõe sobre a averiguação oficiosa de paternidade), a Lei 8.971/94 (regula o direito dos
companheiros a alimentos e à sucessão) e a Lei 9.278/96 (regula as situações daqueles que vivem
em União Estável).
Por fim, podemos citar como a segunda maior inovação legislativa no que diz respeito ao
Direito de Família a Lei 10.406/02, responsável pela implantação do novo Código Civil Brasileiro.
Essa lei atualizou todo o Direito Civil Brasileiro, inclusive o Direito de Família.
Os dois marcos no Direito de Família Brasileiro (Constituição Federal de 1988 e o Código
Civil atual) trouxeram inovações de extrema importância sobre as relações familiares. Entretanto,
para fins do presente trabalho, será considerado especialmente o princípio da isonomia em relação
aos filhos, uma novidade da Constituição Federal de 1988 e referendada pelo Código Civil.
2.2. CONCEITOS LEGAIS DE FAMÍLIA
O ordenamento jurídico brasileiro apresenta vários conceitos de família, conforme a
conveniência do Estado ou do particular.
Por essa razão, a família para fins fiscais é formada pelos cônjuges, filhos menores,
maiores inválidos ou que ainda estão matriculados em curso universitário à custa dos pais até a
idade de 24 anos, ascendentes inválidos que vivam sob dependência do contribuinte e filho que não
more com o contribuinte, se pensionado em razão de condenação judicial (art. 35, Lei nº. 9.250/95;
art. 1º, Lei nº. 11.119/05; art. 77, § 1º RIR/1999; art. 38, IN SRF nº. 15/2001).
Ainda tratando do interesse estatal, para o Direito Previdenciário1, a família é constituída
pelo cônjuge, pelos filhos com até 21 anos (não emancipados ou inválidos), pais, irmãos menores de
21 anos (não emancipados ou inválidos e companheiro(a) do trabalhador), enteados ou menores de
21 anos que estejam sob tutela do segurado, desde que não possuam bens para garantir seu sustento
e sua educação.
Sob enfoque do interesse particular, o direito sucessório estabelece que família consiste em
todas as pessoas ligadas pelo vínculo matrimonial, pela união estável e pela consangüinidade em
linha reta descendente e ascendente até o infinito e na colateral até o 4º grau (art. 1.829 e seguintes,
CC e art. 7º, Lei nº. 9.278/96).
Por fim, para fins de alimentos a família é formada pelos cônjuges ou companheiros e
todas as pessoas ligadas por vínculo de consangüinidade na linha reta ascendente e descendente até
o infinito e na linha colateral até o 2º grau (CC, arts. 1.695 a 1.697)2.
O ponto em comum entre qualquer das abrangências familiares elencadas é a existência do
filho como integrante da família. Sempre este membro é protegido, quer seja por interesse estatal,
quer seja por interesse particular. Além da classificação quanto a abrangência, há outras
classificações que tratam das espécies de família.
2.3. ESPÉCIES DE FAMÍLIA
Dentre as espécies de família estudadas pelo Direito destacamos duas classificações:
a) Quanto a causa de sua constituição: existem as famílias matrimonial (cônjuges
legalmente casados) e não matrimonial (não há o casamento legal).
b) Quanto aos membros que a compõem: existe a família biparental (cônjuges ou
companheiros coabitam com ou sem filhos) e a família monoparental (um dos pais e o filho ou
filhos, ou alguém que tenha sob seus cuidados pessoa que não seja filho (guardião/guardado,
curador/curatelado, tutor/tutelado)).
c) Quanto a sua constituição: as famílias podem ser heteroafetivas (constituída por
cônjuges de sexo oposto) ou homoafetivas (constituída por cônjuges do mesmo sexo).
Essa classificação é importante para se entender quais as famílias que devem ser
protegidas. O tratamento igualitário entre essas famílias refletirá, necessariamente, no tratamento
igualitário entre os filhos.
2.4 AS NOVAS FAMÍLIAS
Ainda que tardiamente o Direito passou a considerar em seus estudos as novas famílias da
sociedade brasileira.
Características até então comuns em toda família tornaram-se antiquadas e cada vez mais
escassas. Analisar a família sob novos aspectos e com novas referências tornou-se crucial para a
evolução e eficácia do direito de família contemporâneo.
Assim, as principais características dessas novas famílias são:
a) retração: a família patriarcal foi substituída pela família nuclear (apenas pais e filhos);
b) democratização: ao invés da hierarquia comum nas famílias antigas há o
companheirismo pautado na isonomia social;
c) dessacralização: o elemento sagrado é deixado de lado e passa-se a valorizar as
manifestações de vontade dos membros da família;
d) desencarnação: a família deixou de ser formada apenas pelo elemento biológico e
passou a ser formada, também, elemento psicológico ou afetivo, sendo este último ainda mais
valorizado do que o primeiro.
Conclui-se, portanto, que o subjetivo, o sentimento, o afeto, tornaram-se mais importantes
nas relações familiares do que o objetivo, a genética, o sangue. Por óbvio que essa mudança
também influi na formação da família, quer seja no momento de sua constituição (através dos
cônjuges/companheiros), quer seja quando se tem filhos.
A filiação é, assim, a relação familiar mais importante para o Direito, para o Estado e para
o indivíduo, justamente pelo aspecto sentimental.
3 A FILIAÇÃO
Para compreender melhor a filiação no direito brasileiro é necessário lembrar de como esta
era tratada antes do advento da Constituição Federal de 1988.
Para o Código Civil de 1916 os filhos eram classificados como:
a) legítimos: os nascidos na constância do casamento;
b) legitimados: os nascidos antes do casamento, em que o casamento posterior dos pais
legitimava os filhos;
c) naturais: filhos de pessoas não casadas legalmente, mas sem qualquer impedimento
legal;
d) espúrios: filhos de origem "imoral", que se subdividiam em adulterinos (decorrentes de
relação adúltera) e incestuosos (oriundos de relação entre parentes);
e) adotivo: os recepcionados por casais que não são pais naturais.
A esse respeito é interessante lembrar que a pessoa casada não podia reconhecer filho
adulterino, exceto para fins de alimentos. Ainda assim era formada apenas relação de dependência
e não de vínculo familiar.
Além disso, os filhos adotivos, mesmo que adotados plenamente, não possuíam direitos
sucessórios caso os pais possuíssem filhos naturais. Por essa razão o filho adotivo era considerado
um filho de “segunda classe”.
Após a Constituição Federal de 1988 não há mais que se falar em qualquer diferença entre
os filhos. O artigo 227, § 6º permitiu o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento e todos
os filhos, sejam eles legítimos, legitimados, naturais, espúrios adulterinos, espúrios incestuosos ou
adotivos, e os considerou iguais perante a lei, não podendo haver discriminação entre eles, nem
mesmo em assentamentos de documentos.
Atualmente a única classificação doutrinária aceita é para fins sucessórios na qual os filhos
podem ser matrimoniais e extramatrimoniais. Assim, todos são apenas e tão-somente “filhos”,
havidos ou não na constância do matrimônio.
Essa previsão constitucional representa até os dias de hoje um grande avanço do
ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito a filiação e a família, corroborando a tendência
mundial em garantir aos seus cidadãos, principalmente à criança, o respeito à dignidade da pessoa
3.1 FILIAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E PERSONALÍSSIMO
O direito ao reconhecimento da filiação, qualquer que seja sua natureza, constitui tanto
direito fundamental quanto direito personalíssimo do indivíduo humano.
O direito fundamental consiste, a priori, em um direito reconhecido constitucionalmente,
que visa proteger o indivíduo dos abusos que poderiam ser cometidos pelo Estado.
O direito de personalidade, por sua vez, trata dos direitos individuais por excelência, que
são protegidos em face do Estado e dos particulares, a fim de garantir ao indivíduo humano o
respeito pleno à sua dignidade.
Não resta dúvidas de que conhecer suas origens biológicas e/ou socioafetivas constitui
direito fundamental uma vez que garante ao indivíduo proteção de todos os direitos a elas inerentes.
Conhecer seus ascendentes e ser por eles reconhecido juridicamente preserva os direitos
previdenciários e fiscais do filho. O Estado deve reconhecer essa filiação e respeitar todos os
direitos dela decorrentes.
Da mesma forma, estabelecer e reconhecer os vínculos familiares do indivíduo constitui
direito de personalidade, uma vez que garante ao cidadão sua individualidade, sua existência
jurídica no mundo e todos os direitos dela decorrentes.
No Código Civil está estampado no artigo 16 o direito ao nome e prenome 3. Por óbvio
que, para se ter prenome é necessário conhecer suas origens. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery lecionam que: "a forma fundamental para adquirir-se o patronímico é a filiação.
Pode-se adquiri-la, também, pela adoção, pelo casamento, por designação administrativa e pelo
uso" (NERY; NERY, 2011, 237).
Mais uma demonstração do direito fundamental e personalíssimo da filiação é o fato do
Código Civil4 reproduzir o texto legal constante no artigo 227, § 6º da Constituição Federal5.
O primeiro documento legislativo trata do direito privado e o segundo do direito público.
Em ambos há previsão de tratamento igualitário entre filhos e a proibição de quaisquer
3
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
4 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
discriminações em respeito ao princípio da dignidade humana constante no artigo 1º, inciso III da
Constituição Federal6.
3.2 HIPÓTESES DE RECONHECIMENTO DE FILHO
A legislação em vigor estabelece hipóteses de reconhecimento de filho de qualquer origem
(artigo 1.607 e seguintes do Código Civil). São elas:
a) Por presunção legal: artigo 1.597 do Código Civil. O filho biológico havido na
constância do matrimônio possui filiação presumida do cônjuge. Essa presunção também ocorre
quando há inseminação artificial homóloga e heteróloga (quando autorizado pelo cônjuge). Assim,
não é necessário formular um reconhecimento específico e expresso.
b) Por declaração espontânea: se o filho biológico for havido em relação extramatrimonial
faz-se necessária a declaração de reconhecimento da filiação expressa perante o registrador ou o
magistrado (se na esfera judicial), nos atermos da Lei 8.560/1992.
c) Por via judicial: quando o reconhecimento se dá mediante sentença judicial transitada
em julgado proferida em ação de investigação de paternidade ou maternidade, que é imprescritível,
de direito personalíssimo e indisponível conforme dispõe o artigo 27 da Lei 8069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente). Apesar de rara a ação de investigação de maternidade, uma vez que é de
fácil constatação, há a possibilidade de se ingressar com referida ação judicial para estabelecer a
real ascendência do indivíduo. Se por via judicial, o reconhecimento será irrevogável.
Tendo em vista que o reconhecimento implicará necessariamente na constituição de
parentesco entre genitor(a) e filho, tem-se que a finalidade do reconhecimento é a aquisição do
estado de filiação, “não podendo comportar condição ou termo, ou qualquer cláusula que venha a limitar ou alterar os efeitos admitidos por lei" (GOMES, 1981, p. 365).
Os meios juridicamente reconhecidos para que seja estabelecida a filiação estão previstos
nos incisos do artigo 1.609 do Código Civil, a saber: no registro de nascimento, por escritura
pública ou escrito particular, por testamento e por manifestação direta e expressa perante o juiz.
Diniz (2003-2004, p.) enumera as consequências do reconhecimento do filho, que são:
1- estabelecer liame de parentesco entre o filho e seus pais;
2- dar ao filho reconhecido, que não reside com o genitor que o reconheceu, direito à assistência e alimentos;
3- sujeitar o filho, se menor ao poder familiar (art.1616);
4- conceder direito à prestação alimentícia tanto ao genitor que reconhece como ao filho reconhecido (1694);
5- equiparar para efeitos sucessórios, os filhos de qualquer natureza (art.1829, I e II e 1845);
6- autorizar o filho a propor ação de petição de herança.
Inquestionável que, além dos efeitos acima elencados, há consequências de foro íntimo do
filho reconhecido. Este tornar-se-á um indivíduo humano conhecedor de suas origens, genética ou
socioafetiva, ocorrendo, portanto, a satisfação do direito fundamental e personalíssimo de possuir
uma identidade pessoal.
3.3 A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
Antes de tentar conceituar ou delimitar a filiação socioafetiva, necessário estabelecer
primeiramente o que é considerado parentesco sob o ponto de vista jurídico.
Inobstante o Código Civil não possuir conceito legal de parentesco, o artigo 1.593 inaugura
o tema estabelecendo como se dá o parentesco. Para fins deste trabalho é importante transcrevê-lo:
Art. 1.593. “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
Diante disso, Lôbo (2003, P. 26) conceitua parentesco como:
[...] o vínculo jurídico, estabelecido pela lei ou por decisão judicial, entre pessoas, principalmente em decorrência de relações familiares, que as identificam como pertencentes a um grupo social que as enlaçam num conjunto de direitos e deveres. [...] Para o direito, [...] o parentesco não se confunde com família, ainda que seja nela que radique suas principais interferências, pois delimita a aquisição, o exercício e o impedimento de direitos variados, inclusive no campo do direito público. Por outro lado, a família, para diversas finalidades legais, pode estar contida na relação entre pais e filhos, constitutiva do mais importante parentesco, a filiação.
Corroborando o entendimento doutrinário acima, Dias (2011, p. 345), inclusive citando a
mesma obra jurídica, trata do assunto da seguinte forma:
Ambos os autores em comento destacam que a filiação, constitui a relação de parentesco
mais importante.
Sob o ponto de vista da filiação Boeira (1999, p. 60) entende que “a filiação é a relação de
parentesco que se estabelece entre pais e filhos, sendo designada, do ponto de vista dos pais, como relação de paternidade e maternidade”.
A atual redação do artigo 1.593 do Código Civil foi proveniente do III Congresso
Brasileiro de Direito de Família7 organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM) que sugeriu a substituição da expressão “adoção” pela expressão “outra origem”,
ficando referido dispositivo assim:
O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem (grifo nosso).
O termo "outra origem" é decisivo para o reconhecimento de parentesco além dos previstos
legalmente - biológico e por afinidade. Portanto, no que diz respeito especificamente a filiação, é
possível reconhecer o parentesco decorrente de adoção, de inseminação artificial heteróloga e,
também, de relação socioafetiva (artigo 1.609 do Código Civil).
A abrangência do texto legislativo permite sua adequação as novas famílias brasileiras no
sentido de garantir direitos a todos seus os membros, principalmente das crianças, que devem ser
sempre protegidas primordialmente em face dos princípios da proteção integral da criança e do
adolescente e da prevalência dos interesses do menor.
Por esse motivo é que as mais modernas legislações e súmulas vinculantes editadas tratam
da filiação socioafetiva sob os mais diversos aspectos.
O afeto passou a ser o tema central de qualquer discussão jurídica a respeito do direito de
família, e não foi diferente ao tratar da filiação. A possibilidade de se reconhecer juridicamente um
filho com o qual se possui apenas vínculos afetivos transcende qualquer expectativa dos cientistas
jurídicos e aplicadores do direito. E é justamente o que vêm ocorrendo.
Não há dúvidas a respeito da relação jurídica criada pela adoção, na qual não existe vínculo
biológico-genético entre genitores e filho, mas há o vínculo afetivo.
A discussão sempre ocorreu em relação a vínculos afetivos entre pais que convivem
diariamente com o filho, dirigindo-lhe carinho, cuidados e provendo-lhe o sustento material de
maneira incondicional e voluntária. Almeida (2001, p. 159-160) traduz de forma translúcida o que
significa a paternidade socioafetiva:
O novo posicionamento acerca da verdadeira paternidade não despreza o liame biológico da relação paterno-filial, mas dá notícia do incremento da paternidade socioafetiva, da qual surge um novo personagem a desempenhar o importante papel de pai: o pai social, que é o pai de afeto, aquele que constrói uma relação com o filho, seja biológica ou não, moldada pelo amor, dedicação e carinho constantes.
Como fundamento para o entendimento acima transcrito, que é o predominante na
atualidade, há, além da previsão legislativa constante no Código Civil, os princípios constitucionais
que passam a ser elencados:
a) Princípio da igualdade (art.5º, caput);
b) Princípio da proibição de discriminação entre filhos (art.227 §6º);
c) Princípio da supremacia do interesse dos filhos (art. 227, caput);
d) Princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art.1º, II e III).
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus alicerces a garantia dos direitos
fundamentais dos indivíduos humanos e, para que esta se sustentasse, não poderia agir de outra
maneira que não estabelecendo o princípio da igualdade em toda e qualquer esfera de atuação do
direito, inclusive no direito de família e na filiação, abolindo as discriminações e as diferenças de
direitos entre os filhos.
3.4 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E
SUAS CONSEQUENCIAS
Através do reconhecimento voluntário o(s) genitor(es) assume(m) a ascendência do filho.
É o ato daquele que registra o seu filho voluntariamente.
Impossível tratar do assunto sem relembrar que a filiação constitui direito fundamental e
personalíssimo, e do princípio da proteção integral da criança e do adolescente previsto no artigo
227 da Constituição Federal. Diante disso, conclui-se que há interesse da sociedade e do Estado em
legalizar os vínculos afetivos criados entre o "filho" e os "pais".
Por essa razão, vários estados da Federação já regulamentaram a possibilidade de se
reconhecer filho socioafetivo diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. Assim,
Pernambuco, Maranhão, Ceará e, mais recentemente, do Amazonas já editaram provimentos nos
quais autorizam o reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva na esfera administrativa.
O Provimento 09/2013 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco possui
a seguinte redação:
PROVIMENTO Nº 009/2013
Dispõe sobre o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva perante os Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Pernambuco.
O DESEMBARGADOR JONES FIGUEIRÊDO ALVES, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, EM EXERCÍCIO, no uso de suas atribuições legais;
CONSIDERANDO o disposto no art. 226 da Constituição Federal segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado;
CONSIDERANDO que a Carta Magna ampliou o conceito de família, contemplando o princípio de igualdade da filiação, através da inserção de novos valores, calcando-se no princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana;
CONSIDERANDO que o instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar;
CONSIDERANDO que, segundo assente na doutrina e na jurisprudência pátrias, não há, a priori, hierarquia entre a paternidade biológica e a socioafetiva, tendo esta como fundamento a afetividade, a convivência familiar e a vontade livre de ser pai;
CONSIDERANDO que é permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o Oficial de Registro Civil, devendo tal possibilidade ser estendida às hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que ambos estabelecem relação de filiação, cujas espécies devem ser tratadas com igualdade jurídica; CONSIDERANDO que as normas consubstanciadas nos Provimentos nº 12, 16, e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam a facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação;
CONSIDERANDO o disposto no art. 10, inciso II do Código Civil em vigor, segundo o qual “os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público”;
CONSIDERANDO o disposto no Enunciado Programático nº 06/2013, do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, segundo o qual “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade
parental”;
CONSIDERANDO, por fim, a existência de um grande número de crianças e adultos sem paternidade registral estabelecida, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada;
RESOLVE:
Artigo 1º - Autorizar o reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais no âmbito do estado de Pernambuco.
Artigo 2º - O interessado poderá reconhecer a paternidade socioafetiva de filho, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação de documento de identificação com foto, certidão de nascimento do filho, em original ou cópia.
§2º - Em qualquer caso, o Oficial, após conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento oficial de identificação do requerente, juntamente com cópia do termo por este assinado.
§3º - Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados da genitora e do filho, devendo o Oficial colher a assinatura da genitora do filho a ser reconhecido, caso o mesmo seja menor.
§4º - Caso o filho a ser reconhecido seja maior, o reconhecimento dependerá da anuência escrita do mesmo, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§5º - A coleta da anuência tanto da genitora como do filho maior apenas poderá ser feita pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§6º - Na falta da mãe do menor, ou impossibilidade de manifestação válida desta ou do filho maior, o caso será apresentado ao Juiz competente.
§7º - O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz dependerá de assistência de seus pais, tutor ou curador.
Artigo 3º - O reconhecimento da paternidade socioafetiva apenas poderá ser requerido perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado.
Artigo 4º - Sempre que qualquer Oficial de Registro de Pessoas Naturais, ao atuar nos termos deste Provimento, suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé, não praticará o ato pretendido e submeterá o caso ao magistrado, comunicando, por escrito, os motivos da suspeita.
Artigo 5º - Efetuado o reconhecimento de filho socioafetivo, o Oficial da serventia em que se encontra lavrado o assento de nascimento, procederá à averbação da paternidade, independentemente de manifestação do Ministério Público ou de decisão judicial.
Artigo 6º - A sistemática estabelecida no presente Provimento não poderá ser utilizada se já pleiteado em juízo o reconhecimento da paternidade, razão pela qual constará, ao final do termo referido, declaração da pessoa interessada, sob as penas da lei, de que isto não ocorreu.
Artigo 7º - O reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Artigo 8º - Deverão ser observadas às normas legais referentes à gratuidade de atos. Artigo 9º - Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação.
Publique-se. Cumpra-se. Recife, 02 de dezembro de 2013. DES. JONES FIGUEIRÊDO ALVES Corregedor Geral da Justiça em exercício
O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por sua vez, editou o Provimento nº
21/2013 que disciplina:
PROV - 21/2013
Código de validação: E1A6EBD4C4
Dispõe sobre o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva perante os Ofícios de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Maranhão, e dá outras providências.
O DESEMBARGADOR CLEONES CARVALHO CUNHA, CORREGEDOR- GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, no uso de suas atribuições legais e regimentais:
CONSIDERANDO o disposto no art. 226 da Constituição Federal, segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado;
CONSIDERANDO que o instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar;
CONSIDERANDO que, segundo assente na doutrina e na jurisprudência pátrias, não há, a priori, hierarquia entre a paternidade biológica e a socioafetiva, tendo esta como fundamento a afetividade, a convivência familiar e a vontade livre de ser pai;
CONSIDERANDO que é permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o oficial de Registro Civil, devendo tal possibilidade ser estendida às hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que ambos estabelecem relação de filiação, cujas espécies devem ser tratadas com igualdade jurídica;
CONSIDERANDO que as normas consubstanciadas nos Provimentos n° 12, 16, e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam a facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação;
CONSIDERANDO o disposto no art. 10, inciso II, do Código Civil em vigor, segundo o qual "os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público”;
CONSIDERANDO o disposto no Enunciado Programático n° 06/2013, do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, segundo o qual "do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à
autoridade parental”;
CONSIDERANDO, por fim, a existência de grande número de crianças e de adultos sem paternidade registral estabelecida, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada;
RESOLVE:
Art. 1° Autorizar o reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva de pessoas maiores de dezoito anos que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, perante o oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Maranhão.
Art. 2° O interessado poderá reconhecer a paternidade socioafetiva de filho, perante o oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação de documento de identificação com foto, certidão de nascimento do filho, em original ou cópia. § 1° O oficial deverá proceder à minuciosa verificação da identidade da pessoa interessada que perante ele comparecer, mediante coleta, no termo próprio, conforme modelo anexo a este Provimento, de sua qualificação e assinatura, além de rigorosa conferência de seus documentos pessoais.
§ 2° Em qualquer caso, o oficial, após conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento oficial de identificação do requerente, juntamente com o termo por este assinado, do qual constarão, além dos dados do requerente, os dados da genitora e do filho.
§ 3° O reconhecimento dependerá da anuência escrita do filho maior, perante o oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§ 4° A coleta da anuência do filho maior apenas poderá ser feita pelo oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§ 5° Na falta ou impossibilidade de manifestação válida do filho maior, o caso será apresentado ao juiz competente.
§ 6° O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz dependerá de assistência de seus pais, tutor ou curador.
Art. 3° O reconhecimento da paternidade socioafetiva poderá ser requerido perante qualquer ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Maranhão, independentemente do lugar do assento de nascimento no Estado do Maranhão.
Art. 5° Efetuado o reconhecimento de filho socioafetivo, o oficial da serventia em que se encontra lavrado o assento de nascimento, procederá à averbação da paternidade, independentemente de manifestação do Ministério Público ou de decisão judicial. Art. 6° A sistemática estabelecida no presente provimento não poderá ser utilizada se já pleiteado em juízo o reconhecimento da paternidade, razão pela qual constará, ao final do termo referido, declaração da pessoa interessada, sob as penas da lei, de que isto não ocorreu.
Art. 7° O reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Art. 8° Deverão ser observadas às normas legais referentes à gratuidade de atos.
Art. 9° Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação. Publique-se. Cumpra-se.
Desembargador CLEONES CARVALHO CUNHA Corregedor-geral da Justiça Matrícula 13557
Documento assinado. SÃO LUÍS - TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 19/12/2013 09:23 (CLEONES CARVALHO CUNHA)
O Provimento nº 15/2013 editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Ceará
possui redação semelhante, como é possível verificar:
PROVIMENTO Nº 15/2013
Dispõe sobre o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Ceará.
O DESEMBARGADOR FRANCISCO SALES NETO, CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, no uso de suas atribuições legais;
CONSIDERANDO o disposto no art. 226 da Constituição Federal segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado;
CONSIDERANDO que a Carta Magna ampliou o conceito de família, contemplando o princípio de igualdade da filiação, através da inserção de novos valores, calcando-se no princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana;
CONSIDERANDO que é permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o Oficial de Registro Civil, devendo tal possibilidade ser estendida às hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que ambos estabelecem relação de filiação, cujas espécies devem ser tratadas com igualdade jurídica;
CONSIDERANDO que as normas consubstanciadas nos Provimentos nº 12, 16 e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam a facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação;
CONSIDERANDO o disposto no art. 10, inciso II do Código Civil em vigor, segundo o qual "os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público";
CONSIDERANDO o disposto no Enunciado Programático nº 06/2013, do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, segundo o qual "do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental"; CONSIDERANDO, por fim, a existência de um grande número de crianças e adultos sem paternidade registral estabelecida, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada;
RESOLVE:
Artigo 1º - Autorizar o reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais no âmbito do Estado do Ceará.
§ 1º - O oficial deverá proceder à minuciosa verificação da identidade da pessoa interessada que perante ele comparecer, mediante coleta, no termo próprio, conforme modele anexo a este Provimento, de sua qualificação e assinatura, além de rigorosa conferência de seus documentos pessoais.
§ 2º - Em qualquer caso, o Oficial, após conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento oficial de identificação do requerente, juntamente com cópia do termo por este assinado.
§ 3º - Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados da genitora e do filho, devendo o Oficial colher a assinatura da genitora do filho a ser reconhecido, caso o mesmo seja menor.
§ 4º - Caso o filho a ser reconhecido seja maior, o reconhecimento dependerá da anuência escrita do mesmo, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§ 5º - A coleta da anuência tanto da genitora como do filho maior apenas poderá ser feita pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
§ 6º - Na falta da mãe do menor, ou impossibilidade de manifestação válida desta ou do filho maior, o caso será apresentado ao Juiz competente.
§ 7º - O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz dependerá de assistência de seus pais, tutor ou curador.
Artigo 3º - O reconhecimento de paternidade socioafetiva apenas poderá ser requerido perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado.
Artigo 4º - Sempre que qualquer Oficial de Registro de Pessoas Naturais, ao atuar nos termos deste Provimento, suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé, não praticará o ato pretendido e submeterá o caso ao magistrado, comunicando, por escrito, os motivos da suspeita.
Artigo 5º - Efetuado o reconhecimento de filho socioafetivo, o Oficial da serventia em que se encontra lavrado o assento de nascimento, procederá à averbação da paternidade, independentemente de manifestação do Ministério Público ou de decisão judicial.
Artigo 6º - A sistemática estabelecida no presente Provimento não poderá utilizar se já pleiteado em juízo o reconhecimento da paternidade, razão pela qual constará, ao final do termo referido, declaração da pessoa interessada, sob as penas da lei, de que isto não ocorreu.
Artigo 7º - O reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Artigo 8º - Deverão ser observadas as normas legais referentes à gratuidade de atos. Artigo 9º - Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação.
Publique-se. Registre-se. Cumpra-se. Fortaleza-CE, 17 de dezembro de 2013.
DESEMBARGADOR FRANCISCO SALES NETO Corregedor-Geral da Justiça
E, por fim, o mais recente Provimento editado com a finalidade de permitir o
reconhecimento da filiação socioafetiva mediante o oficial de Registro Civil é o de nº 234/2014
providenciado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, cujo texto é o seguinte:
PROVIMENTO Nº 234/2014-CGJ/AM
CONSIDERANDO que compete à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Amazonas baixar provimentos e instruções necessários ao bom funcionamento da Justiça, na esfera de sua competência, nos termos do art. 74, inciso XXIV, da Lei Complementar n.º 17/97; CONSIDERANDO o disposto no art. 226 da Constituição Federal, segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado;
CONSIDERANDO que a Carta Magna ampliou o conceito de família, contemplando o
princípio de igualdade da filiação, através da inserção de novos valores, calcando-se no
princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana;
CONSIDERANDO que o instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar;
CONSIDERANDO que, segundo assente na doutrina e na jurisprudência pátrias, não há, a priori, hierarquia entre a paternidade biológica e a socioafetiva, tendo esta como fundamento a afetividade, a convivência familiar e a vontade livre de ser pai;
CONSIDERANDO que é permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o
Oficial de Registro Civil, devendo tal possibilidade ser estendida às hipóteses de
reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que ambos estabelecem relação
de filiação, cujas espécies devem ser tratadas com igualdade jurídica;
CONSIDERANDO que as normas consubstanciadas nos Provimentos nº 12, 16, e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam a facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies
de filiação;
CONSIDERANDO o disposto no art. 10, inciso II do Código Civil em vigor, segundo o
qual “os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público”;
CONSIDERANDO o disposto no Enunciado Programático nº 06/2013, do IBDFAM -
Instituto Brasileiro de Direito de Família, segundo o qual “do reconhecimento jurídico da
filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”;
CONSIDERANDO a existência de um grande número de crianças e adultos sem paternidade registral estabelecida, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada;
CONSIDERANDO, por fim, a existência no âmbito dos Tribunais de Justiça do Maranhão, Pernambuco e Ceará de atos normativos (provimentos) que facilitam o reconhecimento de paternidade socioafetivo, inclusive com menção pelo do Conselho Nacional de Justiça, RESOLVE:
Artigo 1º. Autorizar o reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva de filhos
registrados sem paternidade estabelecida, perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas
Naturais do Estado do Amazonas.
Parágrafo único. As regras deste Provimento são aplicáveis pelos magistrados que
conduzem, no âmbito deste Tribunal, o projeto “Pai Presente” desenvolvido pelo Conselho
Nacional de Justiça.
Artigo 2º. O reconhecimento da paternidade socioafetiva somente poderá ser requerido perante o Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado.
§ 1º O interessado deverá comparecer pessoalmente perante o respectivo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais munido de documento de identificação oficial com foto, certidão de nascimento do filho, original ou cópia autenticada.
§ 2º. O oficial procederá à minuciosa verificação da identidade da pessoa interessada,
mediante coleta, no termo próprio, conforme modelo anexo a este Provimento que será fornecido gratuitamente pela serventia, de sua qualificação e assinatura, além de rigorosa conferência de seus documentos pessoais.
§ 3º. O oficial do Registro manterá em arquivo cópia devidamente autenticada do documento oficial de identificação do interessado, juntamente com cópia do termo por este assinado.
§ 5º. Caso o filho seja maior de idade, o reconhecimento dependerá da anuência escrita do mesmo, também colhida perante o oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais respectivo. § 6º. Apenas o oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais competente poderá realizar a coleta da anuência da genitora ou do filho maior de idade.
§ 7º. Na falta da mãe, ou impossibilidade de manifestação válida desta ou do filho maior, o pedido será encaminhado ao Juiz competente para deliberação.
§ 8º. O reconhecimento de filho socioafetivo por pessoa relativamente incapaz dependerá da assistência de seu outro genitor, tutor ou curador.
Artigo 3º. Sempre que qualquer oficial de Registro de Pessoas Naturais, ao atuar nos termos deste Provimento, suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé, deixará de praticar o ato de reconhecimento pretendido e submeterá o caso ao magistrado competente, expondo, por escrito, os motivos da sua recusa.
Artigo 4º. Efetuado o reconhecimento de filho socioafetivo, o oficial da serventia em que se encontra lavrado o assento de nascimento deste, procederá à averbação da paternidade no registro respectivo, independentemente de ordem judicial.
Artigo 5º. Este Provimento não se aplica caso o reconhecimento da paternidade socioafetiva seja objeto de demanda judicial em tramitação ou já transitada em julgado. Parágrafo único. O interessado declarará, sob as penas da lei, a inexistência de processo judicial no qual se discuta o reconhecimento da paternidade socioafetiva do filho.
Artigo 6º. O reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Parágrafo único. O reconhecimento da paternidade socioafetiva efetivado nos moldes deste Provimento é irrevogável.
Artigo 7º. Deverão ser observadas as normas legais referentes à gratuidade de atos. Artigo 8º. Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação.
REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE.
Gabinete do Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Amazonas, 05 de dezembro de 2014 Desembargador FLÁVIO HUMBERTO PASCARELLI LOPES
Corregedor-Geral de Justiça
Apesar de já existir a necessidade de se facilitar o reconhecimento voluntário da filiação
socioafetiva, essa tornou-se ainda maior com o julgamento da ADI 4277-DF que equiparou o
casamento e a união estável de casais homoafetivos aos de casais heterossexuais.
Com o reconhecimento jurídico da família homoafetiva a filiação socioafetiva ganhou
ainda mais destaque e importância para o mundo jurídico, uma vez que os filhos havidos dessa
união não são biológicos por um motivo ou outro.
Inobstante a presunção de filiação por filho havido através de inseminação artificial
heteróloga ocorrida durante o casamento valer para casamento homoafetivo (artigo 1.597, V,
Código Civil), há circunstância em que seria impossível o reconhecimento voluntário do filho já no
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Caso marcante para o estudo que ora se apresenta é o Parecer nº 321/2014-E emitido pela
Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, elaborada pelo Juiz Assessor da
Corregedoria Gustavo Henrique Bretas Marzagão.
Nesse parecer foi discutida a possibilidade de uma das mães, que constituía união
filho havido por sua companheira através de fertilização in vitro com doador anônimo durante a
união estável.
Ou seja, a criança era filha do casal homoafetivo. Juntas as companheiras planejaram,
desejaram e lutaram para terem um filho, o que ocorreu, como dito, graças a fertilização in vitro.
Contudo, apenas uma era reconhecidamente mãe biológica da criança e, por essa razão, apenas ela
constava na certidão de nascimento como mãe. Juridicamente a outra mãe não possuía qualquer
relação com o filho.
Assim, uma vez comprovada nos autos a ligação afetiva entre mãe e filho não há como
deixar de reconhecer a filiação socioafetiva como solução para o caso em concreto.
Questão interessante tratada no referido parecer diz respeito ao receio em discriminar o
casal homoafetivo e seus "filhos". O Douto Juiz Assessor da Corregedoria, em suas
fundamentações, defendeu que:
Assim, de acordo com a lógica construída na r. decisão e acatada pelo D. Procuradoria Geral de Justiça, se a presunção da paternidade contida no art. 1.597, V, do Código Civil, vale também entre companheiros, e se aos casamentos e uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo são garantidos os mesmos direitos, não se pode recusar à mãe socioafetiva o direito de reconhecer como seu o filho havido nessas circunstâncias.
Do contrário, criar-se-ia a seguinte situação injustificada de desigualdade: os cônjuges ou companheiros de sexos diferentes (relacionamento heterossexual) teriam acesso à via mais rápida do reconhecimento direto perante o registrador, ao passo que os companheiros ou cônjuges de mesmo sexo (relacionamento homoafetivo) teriam de trilhar a morosa e dispendiosa via judicial.
De forma brilhante o autor do parecer fundamentou a possibilidade de reconhecimento
voluntário da filiação socioafetiva do caso analisado no princípio da igualdade e na presunção de
paternidade elencada no Código Civil.
O parecer não possui caráter coercitivo. Para que realmente o Registro Civil de Pessoas
Naturais possa formalizar esse reconhecimento sem ordem judicial é necessário a edição de um
provimento, tal como nos estados já citados.
Até lá os tabeliães somente poderão registrar a filiação socioafetiva mediante ordem
judicial.
De uma forma ou de outra, uma vez reconhecido, o filho socioafetivo tem os mesmos
direitos e deveres que os demais filhos, devendo o aplicador do direito se pautar na aplicação de
princípios constitucionais anteriormente citados para tanto.
Assim, será feito ou alterado o registro civil de nascimento para que nele se conste o
destituição do poder familiar dos pais jurídicos ou biológicos que no referido registro constem, nos
termos do artigo 10 c.c. 1.603 c.c. 1.605, todos do Código Civil:
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação. Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.
Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. (Grifos nossos)
Inobstante o direito personalíssimo do filho socioafetivo em conhecer sua origem genética,
uma vez declarada a existência do estado de filho afetivo esta será irrevogável conforme os artigos
226, §§ 4º e 7º, e 227, § 6º e, de modo infraconstitucional, encontra fundamento nos princípios do
melhor interesse da criança e do adolescente, conforme os artigos 1º, 6º, 15 e 19 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Se assim não fosse haveria total desrespeito aos princípios da igualdade entre as filiações e
da boa-fé objetiva, já que a adoção e a paternidade biológica (quando comprovada através de um
exame de DNA), não são suscetíveis de revogação Exceção se faz somente nos casos de falsidades
ou de vícios de vontade ou de consentimento.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL - DESCONSTITUIÇÃO DE PATERNIDADE REGISTRAL.
despender afeto, de ser reconhecido como tal. Em outras palavras, as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte do indivíduo que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe da criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai consubstancia pressuposto à configuração de filiação socioafetiva no caso aqui analisado. Dessa forma, não se concebe a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o queira. Além disso, como a filiação socioafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em apreço. Por fim, ressalte-se que é diversa a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das
Pessoas Naturais (“adoção à brasileira”), estabelecendo com esta, a partir daí, vínculo da
afetividade paterno-filial. Nesta hipótese – diversa do caso em análise –, o vínculo de afetividade se sobrepõe ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação socioafetiva (hipótese, aliás, que não comportaria posterior alteração). A consolidação dessa situação – em que pese antijurídica e, inclusive, tipificada no art. 242 do CP –, em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Trata-se de compreensão que converge com o posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe 23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014). REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe 19/2/2015.
Uma importante observação a ser realizada é a de que, se o filho socioafetivo desejar
conhecer uma origem genética, não poderá firmar com o(s) pai(s) biológico(s) qualquer vínculo
jurídico, uma vez que tais vínculos já existem com os pais socioafetivos8.
Inquestionável, também, que os pais socioafetivos, uma vez formalizada a filiação,
passarão a ser titulares do poder familiar e de todos os direitos e deveres dele decorrentes: obrigação
alimentar, direitos sucessórios, obrigação de ter o filho sob sua guarda e vigilância, de educar, etc.
O direito/dever aos alimentos será recíproco entre pais e filhos socioafetivos nos termos do
artigo 1.694 do Código Civil, observados sempre o binômio necessidade/possibilidade e a
possibilidade de prisão civil se descumprida a obrigação, conforme estabelece o ordenamento
jurídico brasileiro.
8 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO. Autora que, ao início do feito, já contava com mais de 50 anos de idade, tendo durante mais de meio século, constado como filha do marido de sua mãe, que a registrou como tal. POSSE DO ESTADO DE FILHO. A filiação, mais do que um fato biológico é um fato social. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO, NO CASO CONCRETO. Conteúdo imoral na demanda, que, convenientemente, como de regra ocorre, busca a troca de um pai pobre por um pai rico. Apelo desprovido, por maioria, vencida a Relatora. (Apelação cível nº 70004989562, tribunal de justiça do RS, Relator: Maria
Caso a convivência dos genitores socioafetivos com seus filhos seja prejudicada todos os
direitos e deveres com relação à prole serão mantidos incondicionalmente nos termos dos artigos
1.579 e 1.632 do Código Civil.
4 CONCLUSÃO
A evolução social gerou uma inovação incontestável no direito de família brasileiro. A
promulgação da Constituição Federal de 1988 aliada à ocorrência fática da filiação socioafetiva e ao
reconhecimento jurídico da união homoafetiva como família, o poder público e o direito viram-se
na necessidade urgente de regulamentar juridicamente a situação dessas novas famílias.
Com base nos princípios constitucionais do tratamento isonômico aos filhos (art. 227, § 6º,
CF.), da dignidade humana (art. 1º, inciso III, CF), e da proteção integral da criança e do
adolescente (art. 1º, Lei 8.069/90) a filiação socioafetiva tornou-se uma realidade plenamente viável
juridicamente.
Essas relações fundamentadas no afeto recíproco, sem qualquer vínculo biológico, já
podem ser reconhecidas perante o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais em alguns estados
da Federação, gerando os mesmos direitos e deveres estabelecidos para os filhos consanguíneos e
adotivos, inclusive os direitos ao nome, alimentos e também o direito à sucessão aberta.
A facilidade de se reconhecer a filiação socioafetiva já em Cartório, sem a necessidade de
recorrer ao Poder Judiciário, é um avanço magnífico em favor da garantia à dignidade humana da
5 REFERÊNCIAS
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