XXIV ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI - UFS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
LUIZ FERNANDO BELLINETTI
Copyright © 2015 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos.
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.
Diretoria – Conpedi
Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UFRN
Vice-presidente Sul - Prof. Dr. José Alcebíades de Oliveira Junior - UFRGS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim - UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu - UNIFOR Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes - IDP Secretário Executivo -Prof. Dr. Orides Mezzaroba - UFSC
Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
Conselho Fiscal
Prof. Dr. José Querino Tavares Neto - UFG /PUC PR Prof. Dr. Roberto Correia da Silva Gomes Caldas - PUC SP
Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches - UNINOVE Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva - UFS (suplente)
Prof. Dr. Paulo Roberto Lyrio Pimenta - UFBA (suplente)
Representante Discente - Mestrando Caio Augusto Souza Lara - UFMG (titular)
Secretarias
Diretor de Informática - Prof. Dr. Aires José Rover – UFSC
Diretor de Relações com a Graduação - Prof. Dr. Alexandre Walmott Borgs – UFU Diretor de Relações Internacionais - Prof. Dr. Antonio Carlos Diniz Murta - FUMEC Diretora de Apoio Institucional - Profa. Dra. Clerilei Aparecida Bier - UDESC Diretor de Educação Jurídica - Prof. Dr. Eid Badr - UEA / ESBAM / OAB-AM
Diretoras de Eventos - Profa. Dra. Valesca Raizer Borges Moschen – UFES e Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - UNICURITIBA
Diretor de Apoio Interinstitucional - Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira – UNINOVE
G763
Garantias fundamentais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS;
Coordenadores: Edinilson Donisete Machado, Luiz Fernando Bellinetti, Margareth Anne Leister – Florianópolis: CONPEDI, 2015.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-057-2
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Garantias fundamentais. I. Encontro Nacional do CONPEDI/UFS (24. : 2015 : Aracaju, SE).
CDU: 34
XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Apresentação
APRESENTAÇÃO
O desafio de se efetivarem as garantias fundamentais previstas no ordenamento jurídico de
nosso país exige um amplo engajamento dos diversos setores e instituições jurídicas
contemporâneas.
A academia tem colaborado decisivamente para este processo e o Conpedi tem se firmado, ao
longo de mais de duas décadas, como um espaço fecundo para o debate sobre o tema e sua
consequente implementação como instrumento transformador para que se possa alcançar a
sociedade livre, justa e solidária preconizada em nossa Constituição Federal.
O Grupo de Trabalho Garantias Fundamentais, cujas atividades foram realizadas durante o
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI, em Aracajú/SE, no período compreendido entre os
dias 03 e 06 de junho de 2015, confirmou essa trajetória.
As contribuições de pesquisadores de diversos Programas qualificados de pós-graduação em
Direito enriqueceram a apresentação e discussão dos trabalhos do Grupo, possibilitando a
troca de experiências, estudos e investigações visando esse contínuo processo de efetivação
das garantias fundamentais.
Do exame e discussão dos trabalhos selecionados foi possível identificar a riqueza dos textos
com investigações realizadas desde o âmbito da filosofia até as especifidades da dogmática
jurídica.
Foram apresentados e discutidos vinte e um trabalhos, que veicularam percucientes estudos e
análises sobre as garantias fundamentais vinculadas às mais diversas searas do universo
jurídico.
Gostaríamos que as leituras dos trabalhos aqui apresentados pudessem reproduzir, ainda que
em parte, a riqueza e satisfação que foi para nós coordenarmos este Grupo, momento singular
É por isso que temos imensa satisfação de levar à publicação mais uma obra coletiva, que
testemunha o conjunto de esforços do CONPEDI e seus associados, reunindo estudos e
pesquisas sobre a temática das Garantias Fundamentais.
Esperando que a obra seja bem acolhida, os organizadores se subscrevem.
Prof. Dr Edinilson Donisete Machado UNIVEM
Prof. Dr. Luiz Fernando Bellinetti UEL
MAÇONARIA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO.
FREEMASONRY: TAX IMMUNITY OF ANY TEMPLES.
Raul Abreu Cruz Carvalho
Resumo
O presente artigo apresenta, inicialmente, um estudo realizado sobre o direito à liberdade
religiosa, especialmente no que diz respeito ao livre exercício da prática religiosa quanto às
minorias religiosas. Tais indagações serão consideradas sob a ótica da decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal (RE Nº 562.351) que julgou no sentido a não estender imunidade
tributária à loja maçon. Noutro momento, é elaborada uma análise crítica da respeitável
decisão do Supremo Tribunal Federal sob o prisma do alcance das imunidades tributárias dos
templos de qualquer culto.
Palavras-chave: Liberdade religiosa; maçonaria; minorias religiosas; imunidade tributária.
Abstract/Resumen/Résumé
This research presents a study on the right to religious freedom, especially with regard to the
free exercise of religious practice and religious minorities. Such questions will be considered
from the perspective of the decision by the Supreme Court (RE 562 351) which ruled in order
not to extend tax immunity to Mason store. In another moment, is elaborated a critical
analysis of respectable decision of the Supreme Court in the light of the reach of tax
immunities of the temples of any cult.
INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade, as sociedades são consideradas ecléticas ou mistas, assim, a
multiplicidade de etnias ou grupos sociais sempre existiu (KYMLICKA, 1996, p. 15).
Essas heterônomas sociedades trazem um grau de dificuldade no que diz respeito
ao tratamento da igualdade, especialmente quando se analisa a pluralidade de religiões
existentes.
A Constituição Federal assegura a todos a Liberdade de crença e religião, o que
implica em uma série de direitos e deveres nesta relação.
Com o advento das imunidades tributárias dos templos de qualquer culto, as
religiões ganham imunidades dos impostos, com o intuito de fomentar a prática religiosa.
Ocorre que, como há múltiplas religiões ou sociedades religiosas, aumentam o
número de entidades que buscam se beneficiar na imunidade tributária, como ocorreu com a
Maçonaria.
METODOLOGIA
Quanto ao procedimento da pesquisa, este artigo valer-se-á da coleta e análise de
dados bibliográficos (artigos, livros, etc.) e documentais (leis, sentenças, acórdãos, etc.).
No que diz respeito ao nível de profundidade ou objeto de estudo da pesquisa,
pode-se apontar que é abordada uma pesquisa exploratória, descritiva e explicativa.
Já quanto à abordagem deste artigo, é uma pesquisa qualitativa, dando ênfase ao
universo dos significados, aspirações, crenças, valores, atitudes, dentre outros fenômenos.
Vale ressaltar que, quanto ao método de abordagem, a pesquisa utilizou os métodos dedutivo
e indutivo.
A coleta do material bibliográfico deu-se mediante a aquisição particular, bem
como consulta a bibliotecas, em especial à biblioteca da Universidade de Fortaleza
OBJETIVOS
Delimita-se como objetivos gerais conceituar e contextualizar o multiculturalismo
existente no Brasil.
Tratando-se dos objetivos específicos, será analisado a partir da proposta da teoria
do multiculturalismo, o direito à liberdade religiosa, especialmente no que diz respeito ao
livre exercício da prática religiosa quanto às minorias religiosas. É abordado o alcance das
imunidades tributárias dos templos de qualquer culto. Tais indagações serão consideradas sob
a ótica da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE Nº 562.351).
1 MULTICULTURALISMO E MINORIAS RELIGIOSAS
Atualmente, a diversidade cultural é marca inegável dos mais de 190
Estados-membros da ONU. Não há hoje, Estado que não possa ser considerado multinacional ou
multiétnico (KYMLICKA, 1996, p. 14).
Para alcançar a ideia de multiculturalismo no Brasil, deve-se, primeiramente,
manter a perspectiva de pluralismo cultural, inserido na cultura brasileira.
Primeiramente, deve-se entender que as raças formadoras do povo brasileiro são:
os índios, negros e brancos. Além das inserções colonizadoras, pluralizando a etnia brasileira,
há inúmeros fatores que modificam e dão forma a identidade pátria, como os movimentos
culturais e sociais ao longo do tempo. Assim, na visão de Touraine:
O multiculturalismo é um encontro de culturas. Existência de conjunto de culturas fortemente constituído, cuja identidade, especificidade e lógica interna devem ser reconhecidas, mas que não são inteiramente estranhas entre si, ao mesmo tempo são diferentes umas das outras (1997, p. 225).
A variedade de culturas no Brasil possui um caráter de identificação da cultura
brasileira, ou seja, a mistura de culturas é uma característica brasileira. São imensos os fatores
que justificam tal disseminação de cultura.
Primeiramente, pode-se apontar a imigração, que ocorre desde a época dos
portugueses no processo de colonização. Não somente os portugueses, mas imigrantes no
discriminatórios que ensejaram a emergência de minorias, como a escravidão, a partir da qual
se tem a conclusão de que a cor seria objeto de negação.
A cultura brasileira, assim como as demais, possui variáveis de modificação,
sejam estas por invasões, imigrações, movimentos, fazendo com que, a identidade pátria seja
heterônoma e pluralista.
Fixando a ideia de pluralismo cultural incidente no Brasil, tem-se como
consequência a presença de que o multiculturismo, apesar de ser comum no contexto mundial,
traz uma série de problemas que necessitam ser observados. Portanto, a plasticidade cultural
deve ser cautelosamente observada. Assim afirma Ortiz:
Numa sociedade como a nossa, o problema se coloca de maneira diferente; pode-se datar o momento da emergência da história mítica, e não é difícil constatar que essa fábula é engendrada no momento em que a sociedade brasileira sofre transformações profundas, passando de uma economia escravista para outra do tipo capitalista, de uma organização monárquica para republicana, e que se busca, por exemplo, resolver o problema da mão-de-obra incentivando-se a imigração europeia (2006, p. 38).
A multiplicidade cultural já é um critério identificador do povo brasileiro, ou seja,
a mistura de culturas é uma característica do Brasil, como dito anteriormente.
Como consequência da pluralidade cultural, ou melhor, das variadas culturas
existentes em um mesmo local, tem-se o multiculturalismo. A diversidade cultural é uma
realidade global, já que poucos países possuem a completa homogeneidade cultural.
Na modernidade, diante dos grupos sociais, derivados do multiculturalismo,
devem-se conferir tratamentos diferenciados para garantir o tratamento igualitário. Pode-se
afirmar que, o crescimento em massa da população em culturas diversificadas já seria um
grande apontamento. Contudo, a variedade cultural não pode ser vista apenas como um
problema. A diversidade de culturas, como já visto, faz parte do processo histórico de uma
nação.
Vale ressaltar que o problema estaria precisamente ligado à harmonia desses
povos distintos, ou melhor, como o Estado deverá agir diante de tantas diferenças.
Acerca do multiculturalismo, Semprini aponta de onde deriva a definição de
minorias:
comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou pertença coletivos, ou mesmo de uma experiência de marginalização. Com frequência é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem, ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceberem como um grupo à parte (1999, p. 44).
Como resposta à diversidade cultural, o Estado deve criar mecanismos que
possam harmonizar as diferenças preexistentes. Quando observados exclusões sociais, o
Estado deverá agir de forma pontual.
Para outra parte da doutrina, o Multiculturalismo deve ser tratado como teoria e
não como fenômeno, abordado anteriormente.
Nesta esteira, Lopes afirma:
O Multiculturalismo é a teoria que defende a valorização da cultura dos diversos grupos que compõem a humanidade, que defende que ser diferente não significa ser nem melhor nem pior do que ninguém, que é contra a uniformização ou padronização do ser humano, que valoriza as minorias e suas especificidades e que entende que o mais valioso que tem a humanidade é sua diversidade (2006, p. 5, online).
Assim, conforme Santos, também é chamado de pluralismo cultural ou
cosmopolitismo, a busca pelo reconhecimento e respeito das diversidades culturais:
A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio das sociedades modernas [...]. Existem diferentes noções de multiculturalismo, nem todas no sentido “emancipatório”. O termo apresenta as mesmas dificuldades e potencialidades do conceito de “cultura”, um conceito central das humanidades e das ciências sociais e que, nas últimas décadas, se tornou terreno explícito de lutas políticas (2013, p. 1, online).
Para que possa ser considerado um grupo social, pertencente a uma minoria,
deve-se afirmar que, diante de determinados grupos sociais, deve-seja perceptível a exclusão social
destes, que encontram-se em situação de vulnerabilidade, no contexto geral da sociedade
pátria.
Vale salientar que cada indivíduo pertencente a determinado grupo social possui
sua identidade peculiar, assim como o próprio grupo possui outra, sendo harmoniosa ou não
A essência de um grupo não reside na similitude ou dissimilitude de seus membros, senão em sua interdependência. Um grupo pode ser caracterizado como um todo dinâmico: isto significa que uma mudança no estado de uma das partes ou membros do grupo varia em todos os casos, entre uma massa sem coesão alguma e unidade composta (1973, p. 56).
Em outro contexto, quando diante de um grupo social, é necessário identificar sua
etnia, ou melhor, seus anseios, crenças, opiniões, etc., como afirma Cunha Jr. (apud
Vasconcelos; Ribeiro, 2004, p. 60):
A etnia é inicialmente uma categoria antropológica, definindo uma dimensão de grupo, tendo caráter politico, abordando limites de caráter linguístico, cultural e religioso. O grupo étnico é designativo de um conjunto populacional; podendo ter origens biológicas, culturais ou míticas. No caso da etnia, é como uma marca onde os membros reconhecem seus próprios, dentro de uma ordem simbólica.
A relevância das informações apresentadas até agora implicam em identificar a
diversidade cultural preexistente. E, diante da necessidade do tratamento diferenciado entre os
grupos sociais inseridos em uma mesma comunidade, tem-se a importância de analisar as
minorias religiosas, assegurando o livre exercício do direito à liberdade religiosa.
1.1 DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
Antes de adentrar no tema, faz-se necessário que se reflita sobre o princípio da
separação entre Estado e religião, conhecido como laicidade estatal (GOMES DA SILVA,
2012, p. 92).
O Estado laico é aquele que, conforme disposto na constituição, não poderá adotar
ou instituir uma religião oficial e nacional1.
Ressalta-se que a laicidade estatal não interfere na liberdade de crer ou não em
qualquer religião. Pelo contrário, o constituinte de 1988 garantiu o livre exercício a qualquer
manifestação religiosa, conforme artigo 5º, VI e VIII da CF/882. Neste sentido:
1
A cláusula do livre exercício significa que todos os indivíduos podem ter uma religião, podem mudar de religião – apostasia – ou, [...] de não ter religião, de não crer [...], ser agnóstico, indiferente ou cético [...]. O só fato de ter havido essa positivação permite afirmar que, quando em conflito o livre exercício da religião e a laicidade estatal, há a necessidade de se acomodarem os direitos que estão em rota de colisão (GOMES DA SILVA, 2012, p. 93).
Da análise realizada, sabe-se que a Constituição Federal de 1988, assegura a
liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos,
liturgias e locais de culto. Nesta esteira:
[...] liberdade de consciência não se confunde com a de crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. Deflui pois da liberdade de consciência uma proteção jurídica que incluiu os próprios ateus e os agnósticos. De outra parte, a liberdade de consciência pode apontar para uma adesão a valores morais e espirituais que não passam por sistema religioso algum. Exemplo disso são os movimentos pacifistas que, embora tendo por centro um apego à paz e o banimento da guerra, não implicam uma fé religiosa (Bastos apud Brega Filho; Alves, 2008, p. 3574).
Tal reconhecimento acerca da liberdade religiosa como direito fundamental, no Brasil: “é uma luta histórica que remonta a Proclamação da República, quando houve um reposicionamento das relações que haviam entre o Estado e a Igreja” (BREGA FILHO;
ALVES, 2008, p.3575).
Portanto, a liberdade de crença amplia o campo de proteção no que diz respeito ao
livre exercício das religiões ou manifestações religiosas. Ressalta-se que, não somente as
religiões institucionalizadas, mas todas as expressões religiosas:
[…] toda religião contém um segundo elemento: o rito ou culto. Para que a liberdade religiosa exista, é preciso que cada um seja inteiramente livre para praticar qualquer culto religioso, que ninguém possa ser molestado por ele, nem impedido, direta ou indiretamente, de praticar o culto correspondente a suas crenças religiosas, e, o inverso. […] a liberdade religiosa é, pois,
2
encarada assim, essencialmente a liberdade de culto (Duguit apud Brega Filho; Alves, 2008, p. 3576).
Em contrapartida, sabe-se que o direito fundamental à liberdade de crença,
religião e culto não são absolutos. E, a título de exemplificação, menciona-se que alguns
tribunais têm operado reduzindo o direito à liberdade religiosa e restringindo a proteção
constitucional ao culto objetivo, ou aos lugares de culto. Implica que, devem organizar-se de
acordo com as normas legais aplicáveis, sem observar a existência de práticas de culto que
transcendem materialmente os templos, principalmente as normas de conduta e a moral, que
são intrínsecas a todas as organizações religiosas (BREGA FILHO; ALVES, 2008, p.3575).
Assim, salvaguardados as disposições legais, o Estado deve conceder a liberdade
religiosa em virtude dos cidadãos possuírem tais liberdades. A restrição a prática religiosa não
deve coexistir.
1.2. MAÇONARIA
Antes de entrar em conceitos sobre o tema, faz-se necessário a comparação entre
religião e religiosidade. Tal proposta demonstra-se importante em razão de que muitos
compreendem que a Maçonaria não é religião, mas é religiosa (ALMEIDA FILHO, 2001, p.
5).
Para Almeida Filho:
Muitas pessoas confundem o fato de uma pessoa não possuir determinada religião com o fato de ela ser atéia – o que não é uma realidade. Dentro desta linha de raciocínio, temos os aconfessionais, ou seja, aqueles que crêem em um Ente Superior, mas que não praticam qualquer tipo de religião, dentre as que estamos acostumados – catolicismo, messianismo, espiritismo etc (2001, p. 5).
Em muitas ocasiões o termo religião provoca dúvidas e leva a conceitos
deturpados do que realmente venha a ser religião. No que se refere a religar, não haveria
necessidade de subsistirem várias religiões, dissidências, ou mesmo conflito entre elas.
Bastaria crer em Deus para uma perfeita convivência entre os homens (ALMEIDA FILHO,
Já a religiosidade: “diz respeito à crença e está muito mais ligada à pessoas do que
a grupos que professam uma crença específica de uma religião” (ALMEIDA FILHO, 2001, p.
5).
Para Almeida Filho, determinada pessoa pode ser religiosa sem que participe de
qualquer das religiões conhecidas. Se há a crença em um Ente Superior, há religiosidade,
apesar da pessoa não estar ligada a qualquer religião (2001, p. 5).
Neste sentido, no momento em que um Maçom crer em um Ente Criador, ele é
sem dúvida um religioso, pois se encontra em estado perpétuo de religação com Deus - G∴
A∴ D∴ U∴ (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 5).
Segundo Almeida Filho:
A Maçonaria é uma sociedade devidamente organizada e, como tal, calcada em normas basicamente parecidas com as do Direito Natural. Tanto assim os landmarks onde se vislumbra que um Maçom jamais poderá ser um ateu estúpido ou um irreligioso libertino (2001, p. 8).
Portanto, é perceptível que a Maçonaria, conforme seus adeptos não se tratam de
uma religião, mas de uma sociedade que crê no Grande Arquiteto do Universo que, em outras
religiões seria considerado um Deus.
Além de leis e regulamentos, a Maçonaria se organiza através de poderes
executivo, legislativo e judiciário (WILGES, 1994, p. 137).
Sabe-se que, indiscutivelmente, até mesmo o Direito é religioso, assim como a
Maçonaria, o que não implica em tratá-los como religião propriamente dita.
Conforme abordado no item anterior, o Constituinte de 1988 garantiu o livre
exercício a crença, culto e religião. Portanto, a Maçonaria, dotada de religiosidade é uma
demonstração de crença, embora não se enquadre como religião.
2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS RELIGIOSOS
A imunidade tributária é uma limitação do poder de tributar, prevista na
Constituição Federal que impede a instituição de impostos, levando em consideração valores
A imunidade dos templos religiosos possui natureza subjetiva, em virtude de
haver necessidade de se valorar se determinada expressão religiosa ou templo religioso estão
assegurados pelo Constituinte.
Na verdade, o Art. 150, VI, “c”3
da CF/88, que trata sobre a imunidade dos
templos de qualquer culto, apenas menciona tal garantia e, não há lei que regulamente o que
vem a ser ou não um tempo religioso. Por esta razão, confirma a indagação acima proposta de
que os templos religiosos possuem natureza subjetiva e carecem de fundamentação, a
depender de caso a caso.
Além da subjetividade de saber se está diante ou não de uma religião, ainda há a
problemática a respeito do que estaria imune. Se somente o templo onde há as reuniões
religiosas ou asseguraria tal imunidade ao estacionamento da igreja, por exemplo. Sobre o
assunto acrescenta Lima Silva:
[…] a imunidade tributária se restringe apenas a impostos sobre o patrimônio da organização religiosa, sua renda e os serviços por ela prestados, e desde que estejam diretamente ligados à finalidade essencial da entidade, ou seja, propagar a sua crença religiosa. Excluem-se da seara das imunidades os bens imóveis utilizados com finalidades tão somente comerciais e econômicas, as mercadorias vendidas a terceiros (ex. cartões, cartazes, estátuas, livros e roupas com imagens de santos), terras improdutivas, prédios comerciais e terrenos usados como estacionamento nas imediações dos templos) (2013, Online).
Portanto, é necessário vislumbrar a finalidade de atividade religiosa. Sobre o
tema, a atual jurisprudência do STF (RE 325.822-2) debruça-se em ampliar à interpretação
das atividades econômicas dos templos. Contudo, um estacionamento de propriedade da igreja
em que se verifica a aferição de ganho econômico para os não praticantes da religião, não
estaria imune a tributação (2002, Online).
Sobre a extensão da imunidade assegura Godoi:
Tradicionalmente, a jurisprudência do STF encarava de maneira mais restritiva a imunidade dos templos (art. 150, VI, b da Constituição de 1988 e art. 19, III, b da Carta anterior) e de maneira mais extensiva a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos, de assistência social etc. (art. 150, IV, c da Constituição de 1988 e art. 19, III, c da Carta anterior). As razões para tal duplicidade de critérios foram expostas pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto no RE 237.718. Observou o Ministro que a
3
imunidade dos templos não pode chegar a constituir um incentivo ou subsídio à manifestação religiosa, por isso somente alcança os templos e suas dependências, (tais como claustros, conventos, pátios e estacionamentos para os fiéis), não incluindo imóveis da instituição religiosa destinados a outros fiéis ou alugados a terceiros. Já no caso das instituições de assistência social ou de educação sem fins lucrativos, a imunidade consubstancia norma de estímulo estatal ou sanção premial destinada a que as instituições continuem prestando serviços que o próprio Estado deveria se encarregar de prestar, daí a necessidade de sua interpretação extensiva (2006, p. 46).
Acrescenta Danieli Filho e Pilau Sobrinho:
[…] as regras de imunidade de templos de qualquer culto receberam da jurisprudência do STF uma interpretação teleológica com objetivo de estímulo em termos de concretização de valores constitucionais. Desse modo, o Supremo consolidou o entendimento no sentido de que essa espécie de imunidade vai além do “edifício religioso” para alcançar outros bens de propriedade de igrejas tais como conventos, casas paroquiais e seus anexos e dependências (2010, p. 6196).
Como se verifica, acerca da extensão da imunidade ao patrimônio de bens de um
edifício religioso, a jurisprudência do STF utiliza-se de uma interpretação teleológica e
extensiva, onde primeiramente se busca analisar a finalidade econômica do bem almejado e
subsidiariamente aplica-se de maneira extensiva, já que o Constituinte não tratou na CF/88.
Vale ainda ressaltar que, quando o Constituinte garante a imunidade dos templos
de qualquer culto, está relacionado apenas aos impostos, exceto as taxas e contribuições.
Percebe-se que as discussões traçadas no Judiciário, na maioria das demandas
versam sobre a extensão ou não de determinado edifício religioso ser contemplado com a
imunidade, como analisado anteriormente.
Já em relação à imunidade religiosa gênero, a ser aplicada ou não para
determinada religião, será abordada no próximo momento.
3 RECURSO EXTRAORDINÁRIO N 562.351
O Recurso Extraordinário 562.351, fora interposto pela Loja Maçônica Grande
Oriente do Sul, localizada em Porto Alegre/RS, com o objetivo de afastar a cobrança do
IPTU, em virtude da imunidade tributária, com fulcro nas alíneas "b" e "c", do art. 150, VI,
No presente estudo, será analisado apenas o fundamento proposto com base na alínea “b” que trata sobre os templos religiosos, em razão da temática do trabalho.
Diante do caso em questão, o Procurador Geral da República aponta:
RE. MAÇONARIA. IMUNIDADE DE IPTU. TEMPLO E CULTO. IMPLICAÇÕES. 1. Mesmo que não se reconheça à Maçonaria (Grande Oriente do Rio Grande do Sul) como religião, não é menos verdade que seus prédios são verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal. 2. Seus Templos têm direito à imunidade de tributos, consoante o art. 150, inc. VI, letra „b‟, da Constituição Federal (2010, Online).
Já para o relator Ministro Ricardo Lewandowski, o ponto de partida e fundamento “chave” para a resolução do conflito foi demonstrar que a Maçonaria, na acepção do termo, não seria uma religião e sim uma ideologia, conforme decisão a quo:
A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a idéia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma „profissão honesta‟) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem (2010, Online).
Acrescenta, “Verifico, então, que a própria entidade declara enfaticamente não ser uma religião e, por tal razão, parece-me irretocável a decisão a quo, a qual, quanto ao
tema consignou (2010, Online)”.
Para Lewandowski, a questão central está em saber se a referência a “templos de qualquer culto” alcança a maçonaria e, se está é ou não uma religião. Pois, segundo o ministro, a Constituição conferiu imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”, assim, restrito aos cultos religiosos (2010, Online).
Contudo, diferentemente do que se arguir o ministro relator e os demais que
foram no mesmo sentido e fundamento, o Ministro Marco Aurélio se manifestou de
Ora, há inequívocos elementos de religiosidade na prática maçônica. No mais, atentem para a norma constitucional: ela protege o culto. E este consiste em rituais de elevação espiritual, propósitos intrincados nas práticas maçônicas, que, se não podem ser classificadas como genuína religião, segundo a perspectiva das religiões tradicionais – e o tema é controverso –, estão dentro do escopo protetivo da Constituição de 1988. Sem dúvida, certas limitações ao ingresso em algumas lojas maçônicas causam perplexidade, pois possuem natureza anacrônica (2010, Online).
Acrescenta:
Acontece que algumas religiões também estabelecem restrições sobre a vida de seus fiéis, ingerem em comportamentos públicos e privados. A ancestralidade das religiões traz consigo os preconceitos do passado, os quais não impedem o reconhecimento público de seus valores. Ante o quadro, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento, para reconhecer o direito à imunidade tributária dos templos em que são realizados os cultos da recorrente. É como voto (2010, Online).
Percebe-se que como mencionado, o embate se dá precisamente em saber se a
Maçonaria é ou não religião e, para a maioria dos ministros não pode ser considerada uma
religião em virtude de seus próprios integrantes não considerá-la como tal.
Assim, pelas razões e fundamentos expostos, foi negado provimento do referido
recurso, não aplicando a imunidade tributária como pleiteada.
Acredita-se que a decisão encontrada pelo STF parece coerente e acertada.
Primeiramente, em razão de a Constituição Federal dispor sobre imunidade tribu tária aos
templos religiosos, isto implica uma religião instituída.
Com esta decisão não se busca restringir a liberdade de crença, consciência ou
religião, pelo contrário, em várias ocasiões os ministros ressaltaram o livre exercício de
crença. O que se verifica é a concessão de imunidade tributária que, diante do estudo
realizado verifica-se que a interpretação deva ser restritiva, neste ponto, evitando que
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seja por se tratar de religião ou liberdade de crença, a Maçonaria está assegurada
e prevista como direito fundamental, nos termos do artigo 5º, VI da Constituição Federal de
1988.
Tal liberdade assegura o livre exercício de manifestar crenças e religiões.
A concessão de imunidade tributária aos templos de qualquer culto previstos na
Constituição Federal, devem ser interpretados de forma restritiva, em razão da finalidade da
norma de garantir imunidade apenas as religiões.
Embora a maçonaria seja religiosa, não é considerada uma religião pelos seus
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Maçonaria Mística. Rio de Janeiro: Copymarketing, 2001.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988.
BRASIL. STF – Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 562.351, Brasília, DF, 2010. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/voto-macons-marco.pdf>. Acesso em: 24 out. 2014.
BRASIL. STF – Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 562.351, Brasília, DF, 2010. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/voto-macons-lewandowski.pdf>. Acesso em: 24 out. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário 325.822-2-SP. Relator:
Min. Ilmar Galvão. Brasília, 18 dez. 2002. Disponível em:
<www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/FrameDown.asp>. Acesso em: 1 out. 2014.
BREGA FILHO, Vladimir; ALVES, Fernando de Brito. Da liberdade religiosa como direito fundamental: limites, proteção e efetividade. Brasília: CONPEDI, 2008.
DANIELI FILHO, Eloi Cesar; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. As constituições brasileiras e a imunidade tributária de templos de qualquer culto. Fortaleza: CONPEDI, 2010.
GODOI, Marciano Seabra de. Questões atuais do direito tributário na jurisprudência do STF. São Paulo: Dialética, 2006.
KYMLICKA, Will. Cidadanía multicultural. Barcelona: Paidós, 1996.
LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupo. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1973.
LIMA SILVA, Sama Taiana de. Imunidade tributária para templos de qualquer culto segundo o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/a/67de/imunidade-tributaria-para-templos-de-qual quer-culto-segundo-o-atual-entendimento-do-supremo-tribunal-federal-samara-taiana-de-lima-silva>. Acesso em: 16 out. 2014.
LOPES, Ana Maria D´Ávila Lopes. A Contribuição da teoria do multiculturalismo para a defesa dos direitos fundamentais dos indígenas brasileiros. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/estado_dir_povos_
ana_maria_lopes.pdf>. Acesso em: 16 out. 2014.
SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Disponível em: <http://www.ces. fe.uc.pt/emancipa/research/pt/ft/intromulti.html>. Acesso em: 30 set. 2014.
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru: EDUSC, 1999.
TOURAINE, Alain. Iguais e diferentes: podemos viver juntos? Lisboa: Instituto Piaget, 1997.
VASCONCELOS, Fátima; RIBEIRO, Rosa Barros. Diversidade cultural e desigualdade: dinâmicas identitárias em jogo. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2004.