UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PLANEJAMENTO E
GESTÃO AMBIENTAL
ZEIDE LÚCIA GUSMÃO CUNHA GOMES
AMBIENTALISMO: Um estudo sobre as identidades
das ONGs ambientalistas no Brasil
ZEIDE LÚCIA GUSMÃO CUNHA GOMES
AMBIENTALISMO: Um estudo sobre as identidades
das ONGs ambientalistas no Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Planejamento e Gestão Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Seixas Brites
É concedida à Universidade Católica de Brasília permissão para reproduzir
cópias desta dissertação somente para propósitos acadêmicos e científicos. A autora
se reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de
mestrado pode ser reproduzida sem a autorização, por escrito, da mesma.
Zeide Lúcia Gusmão Cunha Gomes Gomes, Zeide Lúcia Gusmão Cunha
Ambientalismo: um estudo sobre as identidades das ONGs ambientalistas no Brasil. / Zeide Lúcia Gusmão Cunha Gomes – Brasília, 2006.
Orientador: Ricardo Seixas Brites
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação defendida e aprovada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental, defendida e
aprovada, em 29 de junho de 2006, pela banca examinadora constituída por:
_______________________________________
Prof. Dr. Ricardo Seixas Brites (UCB) (ORIENTADOR)
_______________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Macedo Bessa (UCB) (EXAMINADOR INTERNO)
_______________________________________
A Pedro - meu marido, companheiro e amigo - por toda a dedicação, compreensão, incentivo e amor (muito amor), que aquecem o meu coração e fazem de mim uma pessoa em transformação, ajudando-me em meu crescimento interior.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Ricardo Brites, meu orientador, por seus ensinamentos, dedicação e pela confiança e amizade em mim depositados.
Ao Prof. Antônio José, por sua atenção, compreensão e orientação nos momentos de mudanças passados no período do mestrado.
Aos professores da UCB, por sempre estarem de portas abertas para me receber e discutir as minhas inquietações.
Aos amigos e colegas do mestrado, pela agradável convivência e as amizades feitas, que só se fortalecem a cada dia.
Ao Prof. José Aguiar Martins, Diretor-Geral do Senai – Departamento Nacional, à Regina Torres, Diretora de Operações, a Orlando Clapp, Gerente-Executivo e a Ricardo Machado, Gerente, por possibilitarem maior dedicação ao meu mestrado.
Aos entrevistados - Eduardo Martins, Cláudio Maretti, Henrique Brandão Cavalcanti, Paulo Gustavo Pereira, Juliana Santilli, André Lima, Cristina Montenegro e Rodrigo Horochovski - por disponibilizarem seu tempo para responderem às entrevistas. Em especial, ao entrevistado Celso Schenkel que, por sua alta conceituação profissional, abriu as portas necessárias para eu conseguir fazer grande parte das entrevistas, o que enriqueceu bastante o meu trabalho.
Aos amigos de hoje, de ontem, de sempre, de perto, de longe, cada um ao seu modo, todos especiais para mim e que moram no meu coração.
À minha família, especialmente a minha mainha Dione e ao meu padrasto Walter, por sempre me apoiarem e me incentivarem, estando presentes em todas as passagens da minha estrada, e dando-me forças para ultrapassar momentos difíceis.
A Peu, pela leitura, riscos e rabiscos nos rascunhos da minha dissertação, sempre sugerindo melhorias, e pelo incentivo constante para a construção deste trabalho.
“Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo!”
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a criação e atuação de organizações
não-governamentais ambientalistas (ONGs), seus modos de operação, infra-estrutura,
influências externas e fontes de recursos técnicos e financeiros utilizados nos seus
projetos ambientais. Metodologia: levantamento e realização da pesquisa
bibliográfica; realização de pesquisas na Internet, com visitas aos sites das 46 ONGs selecionadas e ao banco da Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong); aplicação de pesquisa estruturada enviada por
correspondência eletrônica às 46 ONGs selecionadas; aplicação estatística sobre os
dados levantados em sites da própria organização e sites diversos; realização de entrevista semi-estruturada com os diversos atores sociais ligados ao tema, como os
profissionais de ONGs ambientalistas, de empresa privada, de academia, de
organismos internacionais e do Ministério Público. Conclusões: a criação das ONGs
está relacionada diretamente com o momento político em que elas estão inseridas;
há preferência de localização de suas sedes em grandes centros econômicos e
políticos do país; apesar de terem suas sedes nesses grandes centros, atuam em
diversas outras regiões; o voluntariado é expressivo nos seus afazeres; a
participação em conselhos e fóruns é uma estratégia de fortalecimento dessas
organizações; a participação em rede adquire importância crescente como estratégia
de fortalecimento; a cooperação internacional é a maior fonte de financiamento; os
financiamentos oriundos dos governos federal e estadual também exercem forte
influência na composição orçamentária dessas organizações; configura-se
estratégica a elaboração de relatórios para a sociedade; faz-se necessária a
profissionalização das pessoas que trabalham nas ONGs ambientalistas; e faz-se
necessária uma maior e melhor veiculação de informações sobre os trabalhos
desenvolvidos com as diversas comunidades.
Palavras-chave: Organização não-governamental ambientalista, Ambientalismo,
ABSTRACT
This work has the purpose to analyze the creation and performance of
environmentalist non-governmental organizations (NGO), their ways of working,
infrastructure, external influences, and sources of technician and financial resources
used in their environmental projects. Methodology: survey and accomplishment of the
bibliographical research, accomplishment of research in the InterNet with visits to the
sites of the 46 non governmental organizations selected and the files of Brazilian
Association of Non-Governmental Organizations (Abong), application of
structuralized research sent by e-mail to the 46 non-governmental organizations
selected, statistical application on the data raised from sites of the organizations, and
varous others, accomplishment of half-structuralized interview with the many social
participants related to the subject like the professionals of environmentalist NGO,
workers of private companies, academic professionals, workers of international
organizations and of the Public Ministry. Conclusions: the criation of NGOs is directly
related to the political moment in which they are inserted. Their headquarters are
usualy located in big economical and political centres of the country. In spite of it,
they work in various regions of the country, there is an expressive number of
volunteers in their tasks, the participation in councils and forums is an strategy to
make these organizations strong, the participation in net acquires increasing
importance as strategy to get stronger, the international cooperation is the biggest
source of financing, the finantial contribution from the federal and statual government
is also a strong influence in the budgetary composition of these organizations, the
elaboration of reports to the society is strategical, its necessary to professionalize
people who work in environmentalist NOGs and its necessary a greater and better
propagation of the information about the works developed with the several
comunities.
Key-words: Environmentalist Non-Governmental Organization, Environmentalism,
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AJUFER – Associação de Juízes Federais da 1ª Região
ANPOCS – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais
CI Brasil – Instituto Conservation Internacional do Brasil
CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da
Fauna
CFC - Clorofluorcarbonetos
CNEA – Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas
CNO – Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais
CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CRA – Centro de Recursos Ambientais
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DENACOOP – Departamento Nacional de Cooperativismo e Desenvolvimento Rural
DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECOLISTA - Cadastro Nacional de Instituições Ambientalistas
ECOSOC – Conselho Econômico e Social
ECT – Empresa de Correios e Telégrafos
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento
FEM – Fórum Econômico Mundial
FSM – Fórum Social Mundial
FUNATURA – Fundação pró-natureza
GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
GTAM – Grupo de Trabalho da Amazônia
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IMAG-DF – Instituto dos Magistrados do Distrito Federal
ISA – Instituto Socioambiental
MAB – Man and Biosfere
NGO – Non-Governamental Organization
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OSCIP – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PL – Projeto de Lei
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PT – Partido dos Trabalhadores
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
RENCTAS – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres
SISBIN – Sistema Brasileiro de Inteligência
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Ano de fundação das ONGs ambientalistas ... 51
Tabela 2 – Localização das sedes das ONGs ambientalistas por Região .. 55
Tabela 3 – Localização das sedes das entidades ambientalistas do Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (Cnea) ... 55
Tabela 4 – Região de atuação das ONGs ambientalistas ... 56
Tabela 5 – Âmbito de atuação das ONGs ambientalistas ... 57
Tabela 6 – Número de funcionários nas ONGs ambientalistas ... 59
Tabela 7 – Número de voluntários nas ONGs ambientalistas ... 59
Tabela 8 – ONGs ambientalistas que participam de conselhos, redes e fóruns 61 Tabela 9 – Faixa Orçamentária das ONGs ambientalistas ... 62
Tabela 10 – Fontes de financiamento das ONGs ambientalistas ... 69
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ... 12
1.1 Apresentação ... 12
1.1.1 Evolução das discussões sobre o meio ambiente ... 12
1.1.2 Fórum Social Mundial: laboratório de idéias e opiniões ... 16
1.1.3 Movimento Ambientalista: espaço para questionamento ... 18
1.2 Objetivo ... 20
1.3 Justificativa ... 20
1.4 Hipóteses ... 21
CAPÍTULO 2 – DISCUSSÃO TÉORICO-CONCEITUAL ... 22
2.1 Conservacionismo, ecologismo e ambientalismo ... 22
2.2 ONGs ambientalistas ... 26
CAPÍTULO 3 – UMA LEITURA POR MEIO DOS DISCURSOS ... 31
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA... 44
4.1 Procedimento para coleta de dados ... 45
CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DOS DADOS ... 48
CAPÍTULO 6 – CONCLUSÕES ... 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 81
ANEXOS ... 86
ANEXO I – QUESTIONÁRIO IDENTIDADE DE ONGs AMBIENTALISTAS 86 ANEXO II – ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA DIVERSOS ATORES SOCIAIS ... 90
CAPÍTULO
1
-
INTRODUÇÃO
O custo social da destruição ecológica e da degradação ambiental gerada pela maximização do lucro e dos excedentes econômicos a curto prazo deram impulso à emergência de novos atores sociais mobilizados por valores, direitos e demandas que orientam a construção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2001, p. 96).
A perspectiva ambiental incorpora-se ao desenvolvimento econômico,
social, político e de respeito aos valores culturais, abrindo canais para a construção
de outro estilo de desenvolvimento, o sustentável, no qual essa racionalidade
ambiental ganhou forma no movimento ambientalista, com enfrentamento de
desafios, perspectivas e amadurecimento da consciência ambiental.
1.1. Apresentação
1.1.1. Evolução das discussões sobre o meio ambiente
Desde o século XVII existem relatos documentados, levantando
preocupações relacionadas com a preservação ambiental na Europa, nos Estados
Unidos e no Brasil, segundo Loureiro (2003). Porém, tais posicionamentos não
podem ser definidos como um movimento. Especificamente no Brasil, Pádua cita
Frei Vicente Salvador e a sua obra “História do Brasil” como precursores, no sentido
de que nesta consta a crítica ao nome de nosso país:
Pois o pau-brasil não era árvore qualquer, mas sim o primeiro elemento da natureza brasileira, possível de ser explorado em larga escala, para benefício do mercantilismo europeu (Frei Vicente, in Pádua, 1987, apud LOUREIRO, (2003).
As discussões resultantes da preocupação com o meio ambiente se
países desenvolvidos da Europa, ratificando a contracultura1 que marcou essa
década.
Nessa mesma década, em 1962, a jornalista Rachel Carson lançou o
livro “Primavera Silenciosa”, enfatizando o descuido com que os setores produtivos
espoliavam a natureza, sem a preocupação com as conseqüências de suas
atividades. Esse livro desencadeou uma grande inquietação internacional, com
discussões em diversos fóruns, e tornou-se um clássico na história do movimento
ambientalista mundial, segundo Dias (1996).
Estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em 1968, com o Clube de Roma (SANTOS, 2004, p. 17).
O Clube de Roma, associação internacional formada por intelectuais,
cientistas, empresários, humanistas, líderes políticos, entre outros, teve como
objetivo analisar a situação mundial e oferecer previsões e soluções para a
sustentabilidade do planeta. O Clube constatou que a demanda por matérias-primas
- recursos naturais - bem como a geração de resíduos provenientes do imenso
sistema de produção, principalmente do lixo industrial, estariam incompatíveis com a
capacidade de reposição de recursos naturais e de absorção dos resíduos dessa
produção pelo planeta. A população mundial passaria momentos de carestia e fome
por causa dos métodos econômicos e políticos estabelecidos, o que foi publicado,
em 1972, em relatório intitulado “Os limites do crescimento”, segundo informações
do site do Instituto Brasileiro de Produção Sustentável e Direito Ambiental (2004).
1
Ainda em 1968, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) realizou a Conferência Internacional sobre a Utilização
Racional e a Conservação dos Recursos da Biosfera. Nessa Conferência foram
definidas as bases para a criação de um programa internacional dedicado ao
Homem e à Biosfera (MAB - Man and Biosphere), que foi efetivamente criado em
1970.
Outra importante referência à cooperação internacional para tratar de
assuntos ambientais foi a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano, em
Estocolmo – Suécia, 1972, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A
Conferência reuniu representantes de 113 países, tendo como objetivo fazer um
balanço dos problemas ambientais em todo o mundo e buscar soluções e novas
políticas governamentais no sentido de reduzir os danos causados ao meio
ambiente.
Diferentemente da proposta do Clube de Roma, que era pela
diminuição do consumo e da produção, a Conferência de Estocolmo concluiu que a
solução era produzir com um melhor aproveitamento das matérias-primas e dos
recursos naturais do planeta. Era preciso, também, racionalizar os processos
produtivos, para que gerassem menos resíduos, menos lixo industrial, fortalecendo o
conceito de desenvolvimento sustentável2, que implicaria ações para uma produção
mais limpa.
Apesar de discussões sobre o meio ambiente estarem presentes em
diversos países, foi com o acontecimento de grandes acidentes ambientais, no início
da década de 1980, que houve mudanças mais efetivas nas políticas públicas e no
conceito de gerenciamento ambiental nas indústrias. Entre os acidentes de maior
repercussão, é possível destacar o vazamento de gás (isocianato de metila) em uma
planta de fabricação de pesticidas em Bhopal, Índia, deixando mais de 2.000 mortos;
o vazamento de óleo do petroleiro Exxon Valdez, no Alasca; e o acidente na usina
nuclear de Chernobil, na antiga União Soviética, cuja radiação atingiu vários países
europeus e o Japão. Ainda nessa década, a descoberta do efeito dos
clorofluorcarbonetos (CFC) na camada de ozônio da atmosfera; a atuação de
Organizações Não-Governamentais (ONGs); e o surgimento dos “partidos verdes”,
que se consolidariam como braço político da ecologia e do pacifismo, também
contribuíram para alertar o mundo e ampliar o debate sobre a necessidade de
analisar os impactos ambientais de forma global.
Em 1992 a cidade do Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), também conhecida
como Rio-92 ou ECO-92. Esta Conferência marcou o início de um grande
compromisso público de 178 Chefes de Estado e Governo do mundo, evidenciando
a idéia de que desenvolvimento e meio ambiente são indissolúveis e, como tal,
devem ser incorporados às políticas públicas e às práticas sociais. Destaca-se,
como principal resultado da Rio-92, a Agenda 21, documento comum aos diferentes
países do planeta que sintetiza as preocupações com um modelo de
desenvolvimento que se mostra ecologicamente predatório e socialmente perverso.
A importância da Agenda 21 está no fato desta se tornar
Outros quatro documentos também foram aprovados: a Convenção da
Biodiversidade, Convenção sobre Mudanças Climáticas, Declaração de Princípios
sobre Florestas e Declaração do Rio de Janeiro.
Cinco anos depois da Cnumad, já em 1997, foi realizada a reunião da
Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, em Nova York. O evento
teve como objetivo avaliar a adoção das medidas de proteção ao meio ambiente
decorrentes da Rio-92, prazo também acordado para que cada país participante
estabelecesse a sua Agenda.
Em 2002 a ONU convocou um novo encontro sobre o mesmo tema da
Conferência sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Rio + 10,
em Johanesburgo, África do Sul. Os países membros da ONU tinham como objetivo
avaliar o avanço na última década, os compromissos que foram cumpridos e os que
estavam pendentes. Ao mesmo tempo, esperavam-se novas idéias para caminhar
rumo ao desenvolvimento sustentável de uma maneira mais eficiente no século XXI.
1.1.2. Fórum Social Mundial: laboratório de idéias e opiniões
A percepção de que os problemas tratados pelos ambientalistas não
afetam apenas o meio ambiente, mas, e principalmente, o ser humano, levou à
busca, em muitos momentos, de soluções simultâneas para os problemas
ambientais e sociais.
Com essa perspectiva, o Fórum Social Mundial (FSM) 3 foi concebido
em contraponto ao Fórum Econômico Mundial (FEM), que acontece em Davos –
Suíça, como um espaço de debate de idéias, reflexão, formulação de propostas,
troca de experiências e articulação de movimentos sociais, ambientais, redes, ONGs
e outras organizações da sociedade civil.
Para Sérgio Haddad, integrante do Conselho Diretor da Abong, o FSM
soube capitalizar uma insatisfação latente e, ao mesmo tempo, tornar-se cada vez
mais explícita sobre como a economia capitalista vem se reproduzindo. É um local
de denúncia e protesto, como também de propostas para a construção de um outro
modelo de globalização e de organização das sociedades. No seu início, temas
potencialmente conflitivos - como o sentido propositivo ou mobilizador do fórum, a
relação entre sociedade civil e poder público, partidos políticos e organizações
sociais, os sentidos nacional e internacional do fórum - foram sendo debatidos e
equacionados por um intenso exercício de debate político entre as entidades
organizadoras, não buscando descaracterizar as diferenças e a presença de
interesses específicos, que deram ao FSM o caráter inovador. Quanto às ONGs, o
FSM representou um espaço de visibilidade e fortalecimento de um modelo de
atuação, identificado com a defesa de direitos coletivos de cidadania e a busca por
um desenvolvimento sustentável, reafirmando o seu compromisso de fortalecimento
dos atores da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, igrejas e outros,
segundo o site da Abong (2005).
A estrutura e forma concebidas para os encontros de trabalho do FSM
se propõem a facilitar a articulação de forma descentralizada e em rede para a
construção de um “outro mundo”, onde além da dimensão econômica, outras - tais
como as dimensões culturais, éticas, políticas, sociais e ambientais - são relevantes
para um desenvolvimento integral.
Diante dessa diversidade de abordagem, a Abong (2005) chama a
atenção para o fato de que o desafio do FSM é compreender e sistematizar o
ocorrido nos fóruns, devido à pluralidade de idéias, a diversidade dos atores e o
amplo leque de temas discutidos, como também a divulgação para um maior número
de pessoas das análises, propostas e alternativas produzidas. Outro aspecto é o de
propiciar o encontro e a interlocução entre as diversas redes e temas, de modo a
permitir que não apenas os diretamente interessados se apropriem do produto do
seu grupo, mas que este também sirva de influência para outros grupos de
interesse, como também transformar esse espaço, criativo e multifacetado de idéias
e práticas, em mecanismos de influência e diálogo com o poder público, construindo
e contemplando critérios de prioridades não discriminatórios e excludentes.
Assim, o FSM, como um espaço de produção e veiculação de idéias e
debates, sinaliza que a construção de um outro modelo de desenvolvimento não
passa por um pensamento único, mas por um conjunto de propostas e negociações
a partir de diferentes setores e interesses da sociedade.
1.1.3. Movimento Ambientalista: espaço para questionamento
O ambientalismo abre espaço para questionamento do
desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e educacional dominantes,
defendendo a construção de uma nova realidade social, não só com ênfase no uso
responsável dos recursos naturais, mas com respeito a grupos étnicos, à diversidade
cultural e à saúde e segurança do indivíduo, inserindo-o no contexto onde vive e
possibilitando-lhe exercer a sua cidadania.
Segundo Leff (2001), a contaminação ambiental, a exploração
recursos gerados pelos padrões dominantes da produção, distribuição e consumo de
mercadorias; e os custos ambientais da concentração industrial e da aglomeração
urbana levaram a perceber os limites da racionalidade econômica. Mostraram,
também, que a problemática ambiental não é homogênea e que suas manifestações
dependem do contexto geográfico, cultural, econômico e político, das forças sociais
e dos potenciais ecológicos sustentados por estratégias teóricas e produtivas
diferenciadas.
“A problemática ambiental do desenvolvimento deu lugar a um
movimento, na teoria e na prática, para compreender suas causas e resolver seus
efeitos na qualidade de vida e nas condições de existência da sociedade” (LEFF,
2001, p. 96).
Para Furriela (2002), há o reconhecimento da existência de um
movimento ambientalista no Brasil, portador de um projeto coletivo de mudança da
sociedade, que busca a transformação do atual modelo de desenvolvimento, cujo
princípio integrador é a busca da sustentabilidade.
Assim, nesse processo de recomposição social, no movimento
ambientalista articulam-se as lutas das comunidades indígenas, das organizações
camponesas, operárias e populares com as causas da classe média urbana, as
associações de base e os grupos ecologistas, surgindo novas organizações
profissionais, organizações não-governamentais (ONGs), grupos privados e
associações civis, segundoLeff (2001).
Nessa expansão do ambientalismo e dentre os diversos atores que
buscam o novo paradigma do desenvolvimento sustentável, destacam-se as ONGs,
que são tidas como parceiras para um desenvolvimento sustentável e foco de
interesse desse trabalho, pois:
organizações formais e informais, bem como os movimentos populares, devem ser reconhecidos como parceiros na implementação da Agenda 21. A natureza do papel independente desempenhado pelas organizações não-governamentais exige uma participação genuína; portanto, a independência é um atributo essencial dessas organizações e constitui condição prévia para a participação genuína;
possuem uma variedade de experiência, conhecimento especializado e capacidade firmemente estabelecidos nos campos que serão de particular importância para a implementação e o exame de um desenvolvimento sustentável, ambientalmente saudável e socialmente responsável, tal como previsto em toda a Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-governamentais oferece uma rede mundial que deve ser utilizada, capacitada e fortalecida para apoiar os esforços de realização desses objetivos comuns (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1995, p. 377).
1.2. Objetivo
Analisar a criação e atuação de ONGs ambientalistas, seus modos de
operação, infra-estrutura, influências externas e fontes de recursos técnicos e
financeiros utilizados nos seus projetos ambientais.
1.3. Justificativa
O movimento ambientalista sofreu mudanças na sua forma de atuação
em defesa do meio ambiente, seja pelo processo de amadurecimento dos
ambientalistas, indo além do idealismo para o profissionalismo, ou pelas mudanças
no contexto econômico e político brasileiro.
A necessidade de financiamento para concretização dos trabalhos das
ONGs ambientalistas é uma realidade e seus representantes passam a articular-se
com o governo, empresas nacionais ou multinacionais, bancos e grupos
financiadores para captação de recursos financeiros. Assim, as ONGs passam a ser
financiadas por essas entidades, inclusive internacionais, o que faz com que
Montaño (2002, apud LOUREIRO, 2003) chame a atenção de possível prevalência
Diante desse contexto, esse trabalho se propõe analisar a atuação de
ONGs ambientalistas e suas ações e posicionamentos em defesa do meio ambiente
no Brasil, de modo a ter um maior entendimento da importância da sociedade civil
organizada no atual modelo de desenvolvimento.
Para balizamento, será feito o resgate histórico do movimento
ambientalista e suas raízes e a evolução do movimento na sociedade brasileira,
permitindo uma abordagem contextualizada do discurso e da prática ambiental.
1.4. Hipóteses
Para construção do trabalho, a autora partiu das seguintes hipóteses:
- houve mudanças de atuação do movimento ambientalista brasileiro, devido ao
amadurecimento da consciência ambiental, transformações no cenário político e
econômico nacional, num contexto globalizado;
- a sobrevivência das ONGs, dos seus projetos, acesso a recursos, abrangência de
atuação e prioridades estão condicionados pela política governamental e/ou pelas
CAPÍTULO
2
–
DISCUSSÃO
TEÓRICO-CONCEITUAL
2.1. Conservacionismo, ecologismo e ambientalismo
Ferreira (1997, apud FURRIELA, 2002) argumenta que o
ambientalismo, que emergiu nos anos 70 e 80 do século passado, nasceu como um
movimento social no seio das classes médias urbanas intelectualizadas. Com o
amadurecimento passou a dialogar com outros segmentos sociais, ultrapassando
suas próprias idéias de uma oposição genérica a uma sociedade injusta, desigual,
predatória e imediatista para propor um novo projeto de sociedade.
A mesma autora entende que não é o ambientalismo, como um todo,
que pode ser classificado como movimento social. Alguns setores atuam como
grupos de interesse ou pressão, priorizando reivindicações de parcelas da
sociedade; outros, de forma mais dirigida na esfera cultural, pregam uma mudança
radical de condutas, códigos e valores; outros, cada dia mais significativos, atuam na
esfera pública com influência crescente sobre seus parceiros, sendo portadores de
um projeto de sociedade que penetra o governo, a academia, o empresariado e
outros movimentos sociais, políticos e civis.
Segundo Ferreira (1996, apud FURRIELA, 2002), o movimento
ambiental para a construção de um novo projeto social se opõe ao modelo
predominante existente, sendo uma proposta de expansão no campo de direitos, de
modo a resolver o impasse da predação dos ecossistemas no mundo. Essa
expansão não se restringe apenas à formulação de um código legal rígido e bem
intencionado, porém sem fôlego nem legitimidade para ser incorporado à cultura
Já o autor Castells (1997, apud FURRIELA, 2002) argumenta que o
movimento ambientalista constitui um novo tipo de movimento social, justamente
pela sua atuação descentralizada, multiforme, voltada para um trabalho em rede e
altamente propagada pelo mundo. Diz, ainda, que o sucesso do ambientalismo
provém da sua melhor adaptação às condições de comunicação e mobilização
dentro do paradigma tecnológico, se comparado a outras forças sociais, seja pela
habilidade de criação de eventos que chamam a atenção da mídia, como também
pela utilização de tecnologia de comunicação com destreza, como a Internet.
Esse mesmo autor afirma que, com a crescente conscientização
ambiental e uma maior capacidade de influência e organização, o movimento tem se
tornado cada vez mais diversificado em termos sociais e temáticos, atingindo, desde
empresas a movimentos de contracultura, passando pelos governos municipais,
estaduais e federal. Afirma, ainda, que muitos temas foram distorcidos e
manipulados, mas que o ambientalismo é um dos grandes movimentos sociais dos
nossos tempos sob a bandeira agregadora da busca da justiça ambiental.
No Brasil, para Pádua (1995), na segunda metade da década de 70 e
nos primeiros anos da década de 80 do Século XX, são identificadas duas vertentes
dentro do movimento ecológico - o “conservacionismo” e o “ecologismo”.
Segundo esse autor, o que caracterizava o “conservacionismo” na
tipologia do movimento ecológico no começo dos anos 80 é que existiam grupos que
tinham uma preocupação óbvia com a conservação da natureza, principalmente dos
grandes ecossistemas. Essa era a vocação e o objetivo dos grupos
conservacionistas. Eles não questionavam a estrutura da sociedade, a cultura ou a
maneira pela qual vivemos, a não ser naquele momento em que a sociedade
da percepção de que a atual crise ecológica não se deve a defeitos setoriais e
ocasionais no sistema dominante, mas é conseqüência direta de um modelo de
civilização insustentável do ponto de vista ecológico. Dessa forma, o “ecologismo”
coloca que apenas uma mudança global nas estruturas econômica, social e cultural
pode encaminhar uma solução duradoura para a atual crise ambiental, ou seja, o
modelo de civilização dominante não é apenas ecologicamente insustentável, mas
também socialmente injusto.
Na segunda metade da década de 80 e nos anos 90, do século
passado, surgiu a terceira vertente do movimento ecológico, chamada de
“ambientalista”, que passou a identificar o próprio movimento. Segundo Pádua
(1995), nessa vertente os grupos ambientalistas, que são dominantes, não
consideram que podem enfrentar o problema da destruição da natureza
simplesmente com a atuação conservacionista, ou seja, defendendo a natureza
como uma coisa isolada. Ao mesmo tempo, não consideram que, para enfrentar o
problema da destruição da biosfera, é necessária uma transformação mais radical no
tecido da sociedade e no modelo de civilização. Esses grupos ambientalistas
defendem uma mudança parcial e pragmática, voltada para questões práticas e
concretas, o que permite um diálogo mais fácil com a sociedade e um sucesso
considerável.
Pádua (1995) complementa, que o fenômeno mais recente foi a perda
do monopólio do discurso sobre a destruição ambiental pelo movimento ecológico,
passando a ser adotado por outros setores da sociedade.
Já para Viola e Leis (1995), o ambientalismo brasileiro emergiu na
primeira metade da década de 1970, através de poucas organizações que
conseguiu realizar algumas campanhas de âmbito regional, ou mesmo nacional, de
grande crescimento até 1985. Até aquele ano o ambientalismo era de caráter
bissetorial (grupos de base e agências estatais ambientais) e a luta era orientada
para o controle da poluição urbano-rural e a preservação de ecossistemas naturais.
Para esses mesmos autores, na segunda metade da década de 80 do
século passado, o ambientalismo transformou-se num movimento multissetorial,
passando a ser constituído por 8 setores principais, os 2 existentes (stricto sensu e
governamental) e mais 6 novos, assim definidos:
a) ambientalismo stricto sensu: as associações e grupos comunitários ambientalistas, diferenciavam-se em 3 tipos - profissionais, semi-profissionais e
amadoras;
b) ambientalismo governamental: as agências estatais do meio
ambiente (níveisfederal, estadual e municipal);
c) sócio-ambientalismo: as organizações não-governamentais,
sindicatos e movimentos sociais que incorporaram a proteção ambiental como uma
dimensão relevante de sua atuação;
d) ambientalismo dos cientistas: as pessoas, grupos e instituições que
realizam pesquisa científica sobre a problemática ambiental;
e) ambientalismo empresarial: os gerentes e empresários que pautam
seus processos produtivos e investimentos pelo critério da sustentabilidade
ambiental;
f) ambientalismo dos políticos profissionais: as lideranças dos partidos
que incentivam a criação de políticas específicas e trabalham para incorporar a
dimensão ambiental no conjunto de políticas públicas;
g) ambientalismo religioso: representantes das várias religiões que
h) ambientalismo dos educadores, jornalistas e artistas preocupados
com a problemática ambiental e com a capacidade de influir diretamente na
consciência das massas.
Segundo Pádua (1995), Viola considera que o surgimento do
ambientalismo multissetorial faz com que ele deixe de ser um movimento social dos
ambientalistas para tornar-se um movimento histórico, de transformação da
sociedade, na medida em que os pólos de consciência ambiental vão crescendo e
sendo influenciados outros setores, o que levaria a transformações efetivas e à
superação da crise ecológica. Para outros ambientalistas, tudo isso banaliza as
instituições e as demandas profundas do ecologismo, criando situações paliativas
que não resolvem os problemas, nem o dilema da sobrevivência da humanidade na
biosfera. Por outro lado, Pádua (1995) defende a existência de muitas gradações
entre as duas linhas de pensamento.
2.2. ONGs ambientalistas
Reigota (1995) considera o pensamento ambientalista uma das provas
da continuidade da existência de utopias na história e diz que a participação dos
cidadãos, seja individualmente ou em movimentos e ONGs, tem sido crescente e de
importância fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e
ecologicamente sustentável.
Segundo Menescal (1996, apud FURRIELA, 2002), o termo
“organização não-governamental” (ONG), tradução do inglês non-governamental
Resolução 288(x), de 1950, do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), como uma
organização internacional não estabelecida por acordos governamentais.
Para o mesmo autor, o termo ONG surgiu no Brasil, na década de 80
do século passado, em estudos sobre o que Rubens César Fernandes chamou de
“microorganizações não-governamentais” sem fins lucrativos. Eram organizações
que realizavam projetos junto aos movimentos populares para a promoção social. Na
Alemanha, o termo surgiu dentro do próprio governo, em 1962, quando o Ministério
da Cooperação Econômica e Desenvolvimento repassou subsídios para
organizações não estatais, como igrejas católicas e evangélicas.
Ainda segundo Menescal, a definição de ONGs como instituições que
não foram criadas pelo governo, englobaria uma infinidade de instituições como
sindicatos, igrejas, partidos políticos, institutos de pesquisa, grupos de bairro, entre
outros, tornando tal definição não satisfatória. Para ele, as ONGs devem apresentar
as seguintes características gerais:
- serem organizações formais, apresentando estrutura estabelecida com a
finalidade de atingir certos objetivos;
- serem organizações sem fins lucrativos;
- possuírem certa autonomia;
- realizarem atividades, projetos e programas na área de política de
desenvolvimento, visando contribuir para a erradicação das condições de vida
desiguais e injustas no mundo.
O mesmo autor conclui que as ONGs são organizações que podem
apoiar movimentos populares de uma maneira que nem o mercado e nem o Estado
a do Estado se legitima pela hierarquia - e as ONGs se vinculam à sociedade
mediante atos de solidariedade.
Para Scherer-Warren (1995), a expressão “Organizações
Não-Governamentais” tornou-se um termo utilizado para simbolizar o espaço de
participação da sociedade civil organizada, principalmente após a ECO-92. Para
distingui-las de outras organizações desse setor, Salomon & Anheier (1992, apud
SCHERER-WARREN, 1995), define que as ONGs possuem algum grau de
permanência organizacional, são privadas, sem fins lucrativos ou sem distribuição de
lucros para seus membros, auto-governadas e com algum grau de participação de
voluntários. De acordo com esses critérios, entidades exclusivamente filantrópicas,
assistencialistas ou recreativas poderiam ser incluídas na definição. Para os países
do primeiro mundo, essas entidades são voltadas a populações mais carentes,
intervindo por meio de projetos de assistência, desenvolvimento ou defesa de
direitos humanos e ambientalistas.
Segundo essa mesma autora, no caso brasileiro, o conceito de ONG
pode ser usado tanto para os centros populares de educação, promoção e
assessoria, quanto para as entidades de assessoria, apoio, promoção, educação e
defesa de direitos humanos e ambientalistas, que tenham como objetivo transformar
aspectos negativos da realidade social manifestados por meio de movimentos
sociais e/ou das comunidades. Dessa forma, as ONGs têm se preocupado, política e
prioritariamente, com as questões da cidadania, mais recentemente com o problema
ambiental e, apenas instrumentalmente, com as questões assistenciais e de
desenvolvimento.
Para a construção de um conceito de ONG mais adequado à realidade
estrutural-operacionais de Salomon e Anheier (1992) citados anteriormente, com
critérios construídos a partir de uma análise da historicidade e funcionalidade das
organizações, conforme explicitado a seguir:
a) para a definição estrutural-operacional:
Como se organizam as ONGs?
o têm certa permanência organizacional /institucional;
o privada (institucionalmente separada do governo), mas com fins públicos;
o sem fins lucrativos para seus membros;
o auto-governada (com estatutos próprios);
o certo grau de participação voluntária (no mínimo, de seu quadro de diretores);
b) para a análise histórico funcional:
O que fazem?
o medições de caráter educacional, informacional e político (por princípio,
não-partidário);
o assessoria técnica, de pesquisa e documental, entre outras;
o prestação de serviços, apoio material, logístico e de solidariedade;
o articulação de experiências congêneres;
Para quem?
o para populações-alvo ou segmentos da sociedade civil (normalmente,
referidos como movimentos populares ou comunidades de base, carentes,
discriminados, marginalizados, periferias, ou nas quais os direitos civis ou
naturais estão ameaçados);
Para quê?
o visam expandir o poder de participação da sociedade civil;
o visam desencadear processos educacionais e de capacitação, objetivando a
construção de uma cidadania plena.
A importância das ONGs no contexto político atual foi reforçada com a
elaboração da Agenda 21, que aborda, no capítulo 27, sobre o “fortalecimento do
papel das organizações não-governamentais: parceiros de um desenvolvimento
sustentável” e reconhece a importância das ONGs na modelagem e implementação
da democracia.
A definição de ONG ambientalista encontra-se no Art. 1º da Resolução
Nº 292 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (2002): são entidades
ambientalistas as Organizações Não-Governamentais (ONGs) sem fins lucrativos
que tenham como objetivo principal, no seu estatuto e por intermédio de suas
atividades, a defesa e proteção do meio ambiente. Essa Resolução disciplina o
CAPÍTULO
3
–
UMA LEITURA POR MEIO DOS DISCURSOS
Vivemos em um mundo de contradições, de encontros e desencontros entre teorias e práticas, buscando respostas que, por sua vez, estão na origem de novas perguntas (SAVATER, 2001).
Este capítulo apresenta a visão de diversos atores da nossa sociedade
sobre ONGs ambientalistas. Essa abordagem torna-se relevante num panorama em
que essas organizações estão cada vez mais presentes na mídia e exercem
influencia no cidadão, no Estado e no mercado, necessitando serem considerados
os efeitos da sua atuação na sociedade e a percepção da sociedade sobre elas.
As ONGs ambientalistas passam por diversos desafios, a serem
superados pelo próprio processo de amadurecimento e mudança de paradigmas da
sociedade. Esses desafios necessitam ser discutidos, no intuito de encontrar
caminhos que tragam transparência e credibilidade ao trabalho dessas organizações
e mostrando a sua real importância para o processo democrático, fortalecimento da
sociedade civil organizada e desenvolvimento sustentável do país.
São vários os desafios que as ONGs enfrentam e que são abordados
pela mídia e discutidos pela sociedade, podendo ser exemplificados, como:
transferência das Políticas Sociais e Assistenciais do Estado às ONGs;
transparência da captação e utilização de recursos financeiros públicos; uso eficiente
desses recursos; necessidade de um Marco Legal; sua sustentabilidade e a
dependência de recurso público para o seu funcionamento; necessidade de
profissionalização para a gestão e captação de recursos financeiros; e outros.
Na opinião de Berna (2005),
melhores. As ONGs são conduzidas por seres humanos e seres humanos erram. Um desses erros é a existência de “ONG de cartório”, ou seja, instituições que existem apenas em caixa postal, cujos diretores assinam atas de reuniões que não existiram, etc. Estas falsas ONGs disputam poder de voto em igualdade de condições com outras ONGs realmente constituídas, gerando distorções no processo democrático e dificuldades na construção e fortalecimento deste segmento na sociedade, além de servirem de verdadeiros “laranjas” para desvio de dinheiro público. Existem ainda empresas privadas que criam ONGs de cartório para beneficiarem-se de isenções fiscais e agregar valor às suas marcas institucionais, desvirtuando e confundindo a noção de ONGs como organizações que representam os interesses da sociedade civil.
Existem ainda as ONGs “de combate”, cujo objetivo principal é reivindicar melhor a qualidade de vida e ambiental e “ONGs profissionais”, que se propõem a irem além da simples reivindicação e buscam se capacitarem para a elaboração e a execução de projetos em pareceria com governos e empresas ou usando recursos públicos ou privados destinados a projetos. [...] O problema é quando, para forçar os governos ou empresas a contratarem seus serviços, as ONGs profissionais se comportam num primeiro momento como “de combate”, pressionando e criando dificuldades, e aliando-se a outras organizações de combate na sociedade, para num segundo momento, abandonarem essas alianças e negociarem suas posições em troca de um contrato para a prestação de serviços ou projetos, oferecendo aos empreendedores a falsa ilusão de que estarão limpando sua imagem ambiental ou pacificando suas relações com as ONGs.
Reforçando o citado anteriormente, Horochovski (2003) destaca que o
processo de mudança que culmina numa democracia participativa, constituindo-se
como uma nova articulação entre o estado e a sociedade, com ampliação da
participação igualitária e as responsabilidades compartilhadas, não é um processo
que se dá sem problemas. Essa ampliação depende da tendência político-partidária
no poder e de mudanças de políticas econômicas e sociais em âmbito nacional. Ele
acrescenta que também há riscos de manipulação, cooptação e controle político,
pois:
em se tratando da realidade brasileira, as dificuldades ou limites para a implementação de experiências participativas são gritantes, haja vista a combinação de elementos perversos e constrangedores como: as desigualdades sociais, as culturas autoritárias, clientelistas e patrimonialistas, além da complexidade dos aparatos institucionais (LUCHMANN, 2002, apud HOROCHOVSKI, 2003, p. 113).
Essa discussão está, inclusive, presente na Câmara dos Deputados e
no Senado Federal. O Senador Flávio Arns (PT/PR) diz que a regulamentação dará
oriundos de fontes estrangeiras, ao tempo em que tramita na Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei n.º 3877/2004, que visa regular o registro, fiscalização e
controle das ONGs. Segundo o jornal eletrônico AmbienteBrasil, de maio de 2005,
o texto foi aprovado pelo Senado e, se sofrer alterações na Câmara, deve retornar para análise do Congresso Nacional, antes de prosseguir para sanção do presidente da República. No dia 06 de junho o PL foi encaminhado para apreciação conclusiva pelas Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; Seguridade Social e Família; Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania.
Ainda segundo o AmbienteBrasil, o texto aprovado pelo Senado propõe
a centralização de registros das entidades no Ministério da Justiça, tornando-se
acessíveis para toda a população. Somente as ONGs inscritas no Cadastro Nacional
de Organizações Não-Governamentais (CNO) que sejam qualificadas como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) – nos termos da Lei
nº 9.790, de março de 1999 - poderão ser beneficiadas com fomento governamental,
através de convênios, incentivos e financiamentos.
Para o ambientalista Renato Cunha, um dos coordenadores da Rede
de ONGs da Mata Atlântica e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBMOS), a regulamentação, da
maneira que está proposta, não atende aos interesses das ONGs, pois:
não existe a necessidade de repassar todas as informações periodicamente para o Ministério da Justiça, como prevê o PL. A simples divulgação para a sociedade, em outros meios, seria suficiente para garantir a transparência das entidades. “Isso parece mais um controle do Estado”, diz, afirmando que as ONGs são criadas para fazer o controle social no Estado, e dessa forma, o processo está se revertendo. Para ele, a regulamentação é legítima, mas não deve ser colocada como mais um instrumento de burocratizarão (AMBIENTEBRASIL, 7/5/2005).
Alexandre Ciconello (2004), da Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong), esclarece, em nota oficial sobre o cadastro nacional
Tramitam na Câmara dos Deputados outros dois Projetos de Lei que propõe a criação de um Cadastro Nacional de ONGs. São eles o PL 2312/2003 e o PL 3841/2004. Ambos foram apensados ao PL 3877/2004 citado anteriormente.
Na hipótese de ser aprovada a criação de um Cadastro Nacional de ONGs, o mesmo será um cadastro público cuja regulamentação também será feita pelo governo federal. Cabe ressaltar que nenhuma organização privada tem competência para exigir informações de ONGs e outras organizações da sociedade civil, assim como cobrar por tais serviços.
A Abong teme que a criação de mais um cadastro4, poderá, ao invés de atender ao interesse público (maior conhecimento do universo das ONGs), criar uma duplicidade de obrigações e burocracias desnecessárias, em um contexto de inúmeros cadastros que não se comunicam. O problema não é a falta de informações prestadas pelas associações e fundações, mas sim a falta de interesse do poder público em utilizar e sistematizar os dados disponíveis.
Todo esse cenário acentua o paradoxo vivido pelas ONGs - em certos
momentos, a sua relação com o Estado e o mercado é de combate e denúncia; em
outros momentos, de autonomia; e em outros, de dependência direta de recursos
públicos ou de recursos oriundos de empresas privadas.
Para Horochovski (2000), há uma apreensão do termo ONG por outros
interesses, na medida em que sua cotação sobe no mercado simbólico do universo
“sem fins lucrativos”, provocando um re-batismo de antigas e novas organizações e
constituindo uma disputa entre as organizações oriundas dos movimentos sociais de
base para diferir das organizações que não nasceram ONGs, mas que
apresentam-se como tal, embora estejam, tradicionalmente, distantes da baapresentam-se. Em trabalho
apresentado no XXVIII Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e
4
Graduação em Ciências Sociais/Anpocs, realizado de 26 a 30 de outubro de 2004,
afirma o autor que
a melhoria do marco legal implica que se institua uma forma jurídica própria, mas com pressupostos diferentes dos contidos no Projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, cuja conseqüência pode ser a intimidação de um campo que, bem ou mal, vem mantendo sua autonomia e sua postura crítica, ao mesmo tempo que intensifica suas parcerias com o Estado, tornando mais abrangente e eficiente a atuação deste.
Nessa mesma linha, afirmam Kurz (1997) e Teodósio (2002), apud
Horochovski (2003), que empresas privadas, algumas transnacionais, utilizam o
acrônimo ONGs e cidadania em iniciativas assistenciais e projetos de
“responsabilidade social”, fazendo crescer uma ideologia distinta à daqueles que
pensaram uma esfera pública fundada na participação ampliada das bases da
sociedade civil. Concluem os autores que,
como resultado, a relação entre ONGs, Estado e mercado pode não ser de parceria, mas de “captura”, pela qual as organizações estabelecem uma relação de submissão, de terceirização de políticas públicas e imposição da vontade estatal sobre os movimentos sociais. Por outro lado, o campo é invadido por organizações que são pouco mais que braços de empresas capitalistas. Corre-se o risco de o campo constituir-se não como esfera autônoma, mas como paliativo aos problemas do capitalismo contemporâneo (KURZ, 1997; TEODÓSIO, 2002, apud HOROCHOVSKI, 2003, p. 117).
Escrevendo no jornal eletrônico da Associação Brasileira das
Universidades Comunitárias, em 7 de julho de 2005, o pesquisador Rodrigo Rossi
Horochovski não considera a subordinação de algumas ONGs um problema, mas
sim estratégia de adaptação e sobrevivência. Como exemplos, ele cita os casos da
Pastoral da Criança e da Viva Rio, que teriam passado de uma posição mais crítica
para o diálogo à medida que foram definidas parcerias com os governos.
Nessa mesma reportagem, o Diretor-executivo da Viva Rio, o sociólogo
Rubens César Fernandes, afirma que faz parte da filosofia dessa ONG funcionar
caso de serem bem sucedidos. Semelhante opinião tem Zilda Arns, coordenadora
nacional da Comissão Pastoral da Criança, que afirma que a instituição é que
influencia as políticas públicas do país. Porém, Alexandre Ciconello, da Abong,
ressalta que organizações não-governamentais devem ficar atentas para não se
tornarem meras prestadoras de serviços na parceria com o Estado.
Um exemplo que caminha ao contrário da maioria das ONGs na busca
financeira para a sua sobrevivência foi publicado por Farina (2005): a ONG
Formação Solidária só aceita doações de material didático ou de lanche para
repasse aos alunos. Segundo o Presidente da ONG, Clécio Chimurela apud Farina
(2005), “se entrar dinheiro vivo no projeto, o foco principal começa a ser afetado.
Apareceriam problemas de gestão e talvez até atrapalhasse a concentração dos
coordenadores”.
Não se distanciando da abordagem desse assunto, acrescenta-se que
a pouca disponibilidade de informações sobre a origem dos recursos, que interesses
eles representam e a quem e como as ONGs devem prestar informações, geram
especulações sobre suas atuações.
Outro exemplo dessa discussão é o polêmico documento elaborado
pelo Grupo de Trabalho da Amazônia5 (Gtam), que levanta suposições sobre a
atuação de algumas ONGs na criação da Reserva Raposa Serra do Sol.
Esse documento informa que, por trás da suposta defesa dos índios e
escondidos sob a fachada de ONGs, podem estar grupos e países interessados nas
riquezas minerais existentes no subsolo das reservas indígenas localizadas na
5 O Gtam é um colegiado informal composto por integrantes da Abin e de órgãos de Inteligência das Forças Armadas e do Departamento da Polícia Federal. Trabalha com o propósito de sistematizar as atividades de Inteligência na Região Amazônica, realizando viagens anuais e elaborando discussões e estudos que subsidiam os integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) (Site da Abin, 2006).
fronteira norte do país. Informa, ainda, que chega a 115 o número de organizações
não-governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia Ocidental e levanta suspeitas
sobre os reais interesses dessas entidades, como mostra a seguir:
Muitas vezes, a serviço de outras nações, valoriza o mapeamento detalhado das riquezas minerais, o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade da região, sem o devido controle governamental. [...] Tudo indica que os problemas ambientais e indigenistas são apenas pretextos. Que as principais ONGs são, na realidade, peças do grande jogo em que se empenham os países hegemônicos para manter e ampliar sua dominação. [...] Certamente servem de cobertura para seus serviços secretos (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2005).
Melhorar a relação com a sociedade, a partir de uma comunicação
mais estreita e divulgação clara das ações, parece ser o ponto de partida a ser
adotado urgentemente pelas organizações não-governamentais que trabalham em
prol da preservação ambiental no país.
O site Via Ecológica, em reportagem de 2005, diz que a Abong e as
entidades de juizes teriam recebido dinheiro do escândalo do ”mensalão”:
O Diretor Geral da Abong, Jorge Eduardo S. Durão, publicou a seguinte
resposta:
A Associação Brasileira de ONGs – Abong - vem prestar os seguintes esclarecimentos à sociedade brasileira face às matérias publicadas hoje, 26 de julho de 2005, especialmente pelo jornal O Estado de São Paulo, relativas a repasse de recursos pelo governo federal para esta entidade, por meio da agência de publicidade SMP&B sob investigação na CPI dos Correios:
1. Como é de conhecimento público, e tem sido objeto de transparentes prestações de contas, a Abong foi responsável pela organização e gestão financeira do Fórum Social Mundial (FSM) desde 2001. Para a montagem do V FSM, realizado em Porto Alegre no início deste ano, a Abong contou com o apoio financeiro da Cooperação Internacional e com recursos públicos nacionais oriundos do governo federal, diretamente ou através do apoio de empresas estatais, do governo do estado do Rio Grande do Sul, e da Prefeitura de Porto Alegre.
2. Os recursos recebidos do governo federal, através da Abong, para o V FSM foram cerca de R$ 5.063.000,00 (cinco milhões e sessenta e três mil reais), na maior parte oriundos de convênio com o Ministério do Turismo, além de patrocínios do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
3. A Prefeitura de Porto Alegre apoiou a realização do Fórum Social Mundial 2005 com R$ 1.799.780,00 (um milhão setecentos e noventa e nove mil setecentos e oitenta reais) e o governo do estado com R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), além da prestação direta de serviços como a impressão do programa do FSM.
4. O depósito de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), parte da quantia mencionada pelo O Estado de São Paulo, que foi feito na conta da Abong (e não na conta do seu diretor, ao contrário do que insinuou o referido jornal), refere-se ao apoio ao V Fórum Social Mundial, prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos por meio da Abong. O pagamento foi realizado, em nome da Empresa de Correios e Telégrafos, pela agência SMP&B.
5. A outra parte mencionada pelo referido jornal, refere-se ao apoio da ECT para a montagem do “Memorial de Porto Alegre” no Espaço Brasil no V Fórum Social Mundial de Mumbai, em 2004, na Índia, no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
6. A Abong não tem nenhuma responsabilidade no tocante à relação existente entre a ECT e a referida agência de publicidade e, assim como toda a sociedade brasileira, não tinha então nenhum motivo para não acreditar na idoneidade dos procedimentos da empresa pública ECT, a única com a qual nos relacionamos.
8. Todos os recursos destinados à realização do FSM foram rigorosamente destinados às finalidades previstas nos convênios e contratos e devidamente auditados. Estamos, portanto, perplexos com o nosso envolvimento com os fatos que são objetos da CPI, já que só nos relacionamos com órgãos públicos em bases éticas e transparentes.
A Abong participa ativamente de todas as manifestações das organizações e movimentos da sociedade civil brasileira que vêm exigindo a completa apuração das denúncias de corrupção que atingem as nossas instituições políticas, com a rigorosa punição de todos aqueles cujas responsabilidades forem devidamente comprovadas.
Tais artigos e textos que saem na mídia agem no imaginário da nossa
sociedade sobre a atuação das ONGs. Impõe-se desafio a essas organizações para
uma efetiva prestação de contas à população, sendo necessária a sua
disponibilização de maneira clara e objetiva, já que utilizam recursos públicos e
atendem necessidades da própria população. Os veículos de comunicação têm uma
grande responsabilidade na formação de valores e conceitos, tendo a mídia um
grande poder de construir “verdades”.
Para Lemos, Cunha e Conrado (s/d), a opinião pública baseia-se em
três elementos:
a) as suas próprias observações;
b) a informação que é divulgada pelos meios de comunicação;e
c) a difusão do conhecimento científico.
Segundo Olímpio Araújo Júnior, Diretor de Comunicação da Rede de
Comunicação Ambiental EcoTerra Brasil,
Em pesquisa de opinião pública (2002 entrevistas em 143 municípios
do país) realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope
Opinião) para a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres
(Renctas), no mês de maio de 2005, sobre o trabalho desenvolvido pelas ONGs na
defesa do meio ambiente, foi obtido o seguinte resultado:
Quadro 1 – Trabalho desenvolvido pelas ONGs na defesa do meio ambiente
Nada confiável 18%
Pouco confiável 39%
57%
Confiável 26%
Muito confiável 3%
29%
Não sabe/ Não opinou 14% 14%
Na opinião de Dener Giovanni (2005), Coordenador Geral da Renctas,
esse resultado reflete uma grande falta de comunicação entre as organizações
ambientais e a sociedade.
No Brasil existem muitas entidades que desenvolvem importantes ações e com excelentes resultados, porém não há uma ampla divulgação sobre isso. Essa desconfiança baseia-se muito mais no desconhecimento de que em fatos negativos propriamente ditos. É importante que a população saiba que muitas das mudanças positivas em nosso país são resultados diretos de ações não-governamentais.
Na mesma linha de opinião, Gladis Eboli (2005), Diretora de
Comunicação do Greenpeace, acredita que alguns mitos seriam derrubados caso
houvesse maior divulgação do trabalho desempenhado pelas ONGs ambientalistas:
“Precisamos, portanto, conseguir estar mais próximos da população comum, e
levarmos nossa mensagem sem distorções ideológicas”.
Essa necessidade de proximidade com a população comum foi
detectada na pesquisa do Ibope Opinião para a Renctas, já citada anteriormente, em
aquisitivo foram os que menos opinaram sobre a questão das ONGs na defesa do
meio ambiente. Já os entrevistados com grau de instrução entre 5ª e 8ª séries do
ensino fundamental, os moradores da região Norte e Centro-Oeste e os residentes
dos municípios da periferia das grandes capitais são os que menos confiam.
Além da falta de informação, a atuação não transparente e, muitas
vezes, errônea e sem ética por parte de algumas entidades não sérias pode,
também, acabar gerando uma visão negativa da sociedade sobre essas
organizações. Para Mário Mantovani (2005), Diretor de Relações Institucionais da
Fundação SOS Mata Atlântica,
houve uma proliferação grande de entidades nessa área e, com a falência de muitas delas, pode ter gerado certa desconfiança da população. Por isso, a importância da constituição do Marco Legal, a fim de garantir a legitimidade das organizações que prestam contas sobre sua atuação, com um controle social mais próximo.
A falta de uma administração profissional também tem sido mais um
desafio das ONGs. Segundo Mário Aquino Alves apud Farina (2005), professor de
Administração para o Terceiro Setor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo,
essas entidades são geridas com base no amor à causa, não havendo preocupação
com um planejamento a longo prazo ou com uma estrutura bem definida, sendo o
organograma montado de improviso e sem o auxílio de profissionais com formação
na área. Os projetos elaborados não são consistentes e não conseguem apoio
empresarial, já que as empresas não colocam dinheiro em projetos que não
informem claramente as ferramentas que utilizarão e quais os objetivos a serem
alcançados.
Segundo Farina (2005), a partir da década de 90 do século passado,
financeiro de empresas, que enxergavam os investimentos em projetos com as
ONGs como uma ótima oportunidade para polir sua imagem. Entretanto, as ONGs,
com a falta de cobrança, conduziam suas iniciativas com pouco e até nenhum
planejamento.
Com a percepção, pelas empresas e pela sociedade, de que essa falta
de cobrança não tinha bons resultados finais e era necessário ter esse retorno,
poucas ONGs conseguiram se adaptar às novas exigências do mercado e muitas
organizações, que eram administradas por voluntários sem tempo suficiente para se
dedicarem a esse trabalho, tiveram dificuldades para continuarem a desenvolver
seus projetos.
Para Eduardo Peixoto apud Farina (2005), presidente do Instituto
Baleia Franca, que promove ações de preservação do mamífero em Santa Catarina,
existe a dificuldade para elaborar a prestação de contas e prever os orçamentos dos
projetos. Assim, seria muito importante a presença de alguém experiente para
buscar recursos junto às empresas. Como exemplo distinto, Farina (2005) cita que a
ONG Greenpeace que, rotineiramente, faz reuniões para melhor elaboração dos
projetos, relatórios mensais de desempenho, estratégia mundial uniforme para se
alcançar objetivos e política minuciosa de imagem. Todos os cargos executivos são
ocupados por profissionais com experiência em cargos de tomada de decisão e,
para manter a equipe atualizada, seu pessoal participa de intercâmbios ou cursos de
reciclagem.
Para superar tais dificuldades, as ONGs buscam profissionalizar-se,
capacitando seus gestores e buscando conhecimento em cursos de especialização,
MBAs voltados à administração do Terceiro Setor e no uso de ferramentas de gestão
A maior publicidade dos resultados alcançados e de como os recursos
são utilizados também podem constituir eficaz estratégia de defesa.
Segundo Horochovski e Cardoso (2004), muitas das críticas às ONGs
estão fora de foco, como a acusação de que elas servem a um “projeto” de
desmonte do Estado, quando é o próprio Estado, que visando ajustes fiscais, deixa
projetos de cunho social sob responsabilidade dessas organizações – vale ressaltar
que a posição das ONGs é justamente de oposição a esse desmonte. Outra crítica é
que essas organizações não têm controle e usam recursos sem prestar contas.
Segundo os autores, as ONGs podem ajudar na mudança desse quadro, evitando a
tentativa do Estado de cooptá-las, tutelá-las e agravar sua situação com projetos
liberalizantes que procuram responsabilizá-las pela prestação de serviços públicos.
Destacam que as ONGs que estão comprometidas com o empoderamento da
sociedade e, para evitar maior sujeição ao Estado, podem colocar-se sob controle
social direto, estabelecendo com a sociedade civil uma relação mais próxima, com
clareza nos resultados alcançados, emprego dos recursos, intenções e bases
ideológicas, constituição de ferramentas detalhadas e acessíveis de prestação de
contas e de aproximação com o cidadão e o usuário do serviço. “Do contrário, será
difícil resistir à sanha legiferante dos adversários de movimentos sociais
legitimamente comprometidos com a ampliação do fortalecimento da esfera pública