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Sessão Solene Comemorativa do Dia do Instituto Politécnico de Setúbal Abertura do ano académico 2017/2018

Oração de Sapiência

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Muito apreciável é a deliberação do Sr. Presidente do IPS que a Oração de Sapiência passe a

ser proferida por professores das Escolas, também como modo de reconhecer o desenvolvimento

interno - de forma rotativa, como acontecia tradicionalmente1.

Começaria por recordar que há algum tempo atrás, o aniversário do IPS (em 2004) foi

assinalado com uma medalha com 5 esferas representando as cinco escolas, com a frase «25 anos a

construir futuro». O Plano Estratégico de Desenvolvimento 2007-2011 tinha o lema na capa - «a

construir futuro». Desde 2015, temos utilizado o lema - «Juntos fazemos o amanhã» - associado,

desde 2016, a «Ser uma referência no Ensino Superior».

Não deixa de ser assinalável que a preocupação mais expressa do IPS tenha sido o futuro e

seja hoje o amanhã e que a assunção tenha sido construir e, agora, fazer. Portanto, pode afirmar-se

que colocamos os pés no hoje e o olhar no amanhã - isto para não repetir Boaventura de Sousa

Santos e a sua equação de raízes e opções.

De muitas formas, o nosso passado, as nossas raízes, e as nossas opções, os nossos projetos,

estão direcionadas para o futuro. O que faz ressoar a nossa especial responsabilidade que sendo de

hoje é claramente projetiva, ou seja, pré-ocupada com o futuro.

Mas é melhor começar pelo início - e tal seria começar pelos valores hoje definidos do IPS -

Responsabilidade, Excelência e Inovação. Sob a responsabilidade, está escrito: «O IPS defende os

princípios do respeito pelas pessoas, da justiça social, da igualdade de oportunidades, da proteção

da diversidade cultural, do rigor e honestidade intelectual, da transparência e assunção de

responsabilidades.»

Escolhida a Responsabilidade, e mesmo supondo que todos sabemos o que quer dizer,

precisamos de clarificar do que estamos a falar, de forma a tornar comum o sentido do conceito.

E em bom rigor, definir o que é a Responsabilidade não deixa de ser uma tarefa de risco,

sobretudo pelos diversos níveis a que se pode referir - falamos de responsável como traço de uma

pessoa, como caraterística de uma ação; da responsabilidade como uma categoria legal, como

dever associado a uma função ou papel, como valor ou princípio da ação, tanto em termos

individuais como coletivos.

1 A "Oração de Princípio", como designada no século XVIII, deixou de ser tarefa do Lente de Teologia para passar a ser

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Roque Cabral definiu-a como a capacidade e a obrigação de responder ou prestar contas

pelos seus atos e efeitos 2. Um dicionário comum que possam consultar online afirma "Obrigação

de responder pelas acções próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas"3.

Todos nós temos muitos papéis - professores, estudantes, funcionários, pais e mães, filhos e

filhas, irmãos, tios, sócios da coletividade do bairro, praticantes de algum desporto, cidadãos do

país - e percebemos que temos responsabilidades de diferentes ordens, conforme os lugares, o

tempo e as metamorfoses da nossa vida. Além dos cruzamentos das responsabilidades, alguns

conflitos de responsabilidade agitam, por certo, a nossa existência.

Talvez seja pertinente lembrar que a responsabilidade não nasceu na Filosofia, como a Ética;

é filha do Direito e continua, por vezes, marcada por esta origem.

Etimologicamente, responsabilidade significa ser capaz de responder , o aíz de 're' e

'spondere' - num sentido primário de compromisso que alguém toma perante alguma coisa; diz

quem sabe que o substantivo responsabilidade não apareceu como categoria ética senão no século

XIX e que corresponde ao latino re-spondere, associado a 'responder', 'assumir uma obrigação' (da

mesma raíz de esposos e esponsais). Spondere4 foi verbo habitual na vida jurídica romana, no

sentido de "defender uma coisa em um julgamento ou justificar uma ação", e passou para a

linguagem atual com o significado genérico de 'responder' por um facto, um comportamento ou

uma situação.

No nosso quotidiano, a responsabilidade aparece em acepções diferentes:

[1] na mais inadequada, emerge no género que procura culpados, questões como Quem é que

não fez isto ou aquilo?. A frequência com que perguntamos por causa de quem...? também resulta

de nos esquecermos de investigar o lado positivo e perguntar graças a quem é que isto correu bem.

Por isso, no diálogo social mais básico, a "procura dos responsáveis" é eminentemente suspeita,

aparecendo associada a um erro, um engano ou um dano. Neste sentido, é mais a "procura dos

culpados" e a responsabilidade torna-se um dedo que aponta. E não é, de todo, esta a aceção que

importa valorar.

2 Cf. Cabral, Roque «Responsabilidade», in Logos, vol. 4: 724 - “a capacidade e obrigação de responder ou prestar contas pelos próprios actos e seus efeitos, aceitando as consequências”

3 "responsabilidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/responsabilidade [consultado em 05-10-2017].

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[2] noutra acepção, a responsabilidade surge como a capacidade de responder pelos seus atos

- dize eu sou responsável, sou a causa, fui o princípio de uma série causal".

E se o responsável responde pelos seus atos, a verdade é que o ato, uma vez realizado, tem

um conjunto de consequências que partem em feixe do ato, como se acendêssemos uma lanterna

no escuro – o foco de luz na minha mão é bastante menor do que o círculo do cone luminoso lá ao

fundo.

Por vezes medimos mal até que ponto se encadeiam causas e efeitos - e desta medida advem

uma gradação de responsabilidades; uma pessoa que veja mais longe será tida como mais

responsável, capaz de agir em função dos efeitos previsíveis; se pensássemos nas virtudes, dir-se-ia

mais prudente, que a prudência é exatamente o cálculo dos riscos. E algumas vezes, lá acontece

que os efeitos contradizem a nossa intenção - costumamos chamar-lhe efeitos perversos.

Também é verdade que, depois de uma cadeia de efeitos, podemos andar «para trás», até

localizarmos a primeira causa. A isto costuma chamar-se imputação e dela decorre definir-se a

causa, ou melhor, atribuir-se a responsabilidade.

O que, em algumas circunstâncias, nos leva para a área jurídica, sendo que a

responsabilidade, no plano do Direito, tem requisitos - requer [a] uma conduta contrária à norma

(civil, criminal ou deontológica) realizada voluntariamente; [b] uma violação da obrigação

contratual, algo que não foi o que deveria ter sido; [c] a imputação do ato ao agente, seu

verdadeiro autor; [d] o dano ou prejuízo causado e, essencial, [e] um nexo de causalidade entre a

conduta e o dano, estabelecendo a relação entre o resultado e a acção e permitindo afirmar que

esta acção produziu aquele resultado.

No Direito5, a responsabilidade assume contornos reguladores, assentes no princípio de

reparar o prejuízo causado, pois quando é ferido um interesse protegido torna-se imperioso

ressarcir quem foi lesado; ou seja, indemnizar. Também temos a responsabilidade penal, sendo a

pena calculada na medida da reprovabilidade do ato, tratando-se de sofrer uma pena. Se quisermos

abreviar (ou sintetisar), no plano jurídico, trata-se de reparar um dano ou sofrer um castigo.

Tenhamos presente que toda a noção de responsabilidade se situa na cobertura entre a

eficácia e a imputação. Aliás, Ricoeur considerava que nem devíamos chamar-lhe responsabilidade

mas imputabilidade. Isto, porque guardava a palavra para o sentido ético mais profundo,

5 Cf. Rangel, Rui Manuel de Freitas (2002) A reparação judicial dos danos na responsabilidade civil: um olhar sobre a jurisprudência.

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[3] pois ser responsável vai além da capacidade (ou o poder) de designar a si mesmo como

autor de uma ação cometida para ter a cargo uma certa zona de eficácia, onde a fidelidade à

palav a dada é posta à p ova 6.

Um responsável é-o sempre por alguma coisa ou por alguém. Mais, a verdadeira

responsabilidade não é senão a que se exerce a respeito de alguém ou alguma coisa frágil, que nos

é confiada 7, dizia Ricoeur.

Preciso que alguma coisa ou alguém me seja confiado para que eu possa ser tido por

responsável; a ideia de tomar a cargo é a soluta e te e t al: algo ou algué posto à minha

guarda, sob a minha protecção 8. Neste sentido, é exemplar o modelo da responsabilidade

parenteral em que o «encargo confiado» se relaciona com a ideia de tomar conta – como diz Ri œu , no caso de uma criança que se tem o encargo de proteger, de ajudar a crescer, um ser frágil e em que a minha responsabilidade é de a conduzir à maturidade (para que ela possa, um dia,

tornar-se responsável e tomar a cargo alguém, que não ela).

No pla o o al, é pelo outro, que se é considerado responsável 9.

A nossa responsabilidade ética de uns para com os outros aparece, por exemplo, na base da

figura jurídica do dever de auxílio (e do crime de omissão de auxílio10) em que "o princípio

legitimador que consagra um dever de auxílio é o da solidariedade humana, face à vivência em

comunidade ética"11.

Não é, por isso, lícito deixar de prestar o auxílio necessário para afastar do perigo. Diz o

Direito que temos um dever de garante, um dever que impende sobre determinada pessoa de

evitar um resultado, que é muito visível na responsabilidade por um terceiro que não é responsável

ou tem a sua responsabilidade limitada ou diminuída (claramente, o caso dos pais de filhos

menores).

6 «Etre responsable, en ce sens, ce n’est pas simplement pouvoir se désigner comme l’agent d’une action déjà commise, mais comme l’être en charge d’une certaine zone d«efficacité, où la fidélité à la parole donnée est mise à l’épreuve.»Aeschlimann, J-C – Entretien. In Éthique et responsabilité. Paul Ricœur, p.31.

7 Idem, p.25. 8 Idem, p.25.

9 Ricœur, Paul (1997)O Justo ou a Essência da Justiça. Lisboa: Instituto Piaget, p.54.

10 Código Penal. Artigo 200º (no Título I - dos crimes contra as pessoas; capítulo VIII - dos crimes contra outros bens jurídicos

pessoais). 1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe não for exigível.

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O conceito crucial que faz a passagem do assumir-se como causa a interiorizar como valor é a

noção do dever. Dito de outra forma, "fazer da responsabilidade um valor, é indicar deveres. Se sou

responsável por, devo fazer isto e não aquilo; mas devo agir; e, mais ainda, não devo ser negligente.

O dever impõe-se à minha consciência."12

Talvez seja agora claro que quando falamos de responsabilidade estamos perante a reflexão

sobre a consequencialidade do comportamento humano.

A dimensão ética determina deveres para o futuro, num dever-agir, onde a palavra dada

representa um compromisso; e há todo um conjunto de ações que fazemos direcionadas para o

futuro, na forma das promessas que fazemos - algumas são simples, como «já volto», «mais logo,

trato desse assunto». Outras são mais profundas, como «podes contar comigo».

Como afirmou Hannh Arendt, Existe um elemento da capacidade construtora de universos do

homem na faculdade humana de fazer e de cumprir promessas 13. E esta confiança da promessa, de

nos prometermos sobre o incerto (que é o amanhã), já parte desse mesmo poder que temos, da

nossa capacidade de agir.

Notaria aqui a responsabilidade fiduciária do professor - fiduciária, porque assente na

confiança. E se é verdade que a confiança está na base do nosso funcionamento em sociedade, do

edifício político, do sistema penal, também é claro que o sistema educativo assenta na confiança,

quer quanto às autoridades políticas, quer quanto à capacidade dos professores, quer quanto à

crença no desenvolvimento dos estudantes.

Dizia Savater que "todos os bons professores conhecem a sua condição potencial de suicidas,

… o seu o jetivo é for ar i divíduos apazes de pres i dir do seu auxílio, de a i har por si

mesmos, de esquecer ou desmentir aqueles que o ensinaram 14.

Portanto, trabalhamos para nos tornarmos dispensáveis... E, em nota rápida, as nossas

preocupações com os planos de estudo e as metodologias centradas no estudante, enquadram-se

no paradigma humanista, de promoção do desenvolvimento do Outro, portanto, com profundas

raízes éticas.

Falarmos de compromisso no seu sentido lato, significa que a responsabilidade de um sujeito

da ação é inseparável da ideia de missão 15, pois existe uma determinada tarefa a cumprir, segundo

determinadas regras e ultrapassa sobre os interesses e preferências doa gente, daquele que age.

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Pensando uma estrutura hierárquica, esta capacidade de prestar contas desdobra-se no

sentido da linha hierárquica e uma função de autoridade consiste em ser capaz de assumir as

consequências dos actos dos subordinados 16, em ser imputável por elas.

Recorde-se que uma sociedade distribui posições de responsabilidade com as posições de

autoridade, pelo que, em última instância, a responsabilidade hierárquica decorre da justiça

distributiva. Se a capacidade de ser responsável se materializa em ser capaz e estar preparado para

responder - percebemos bem a ligação à accountability17, entendida como prestação de contas.

A partir do momento em que a responsabilidade é assumida como função, também é

necessário responder pelos atos de outros, pelos quais somos responsáveis, em virtude de

pertencerem a um território sobre o qual exercemos poder. O que é, claramente, o caso do

responsável hierárquico. Por isso, é sempre útil fixar as responsabilidades á-priori, esclarecê-las o

melhor possível para que cada um possa formular as suas obrigações num quadro definido. É por

isto, também, que é importante a descrição de funções. Quando se designa alguém como

responsável por um projecto, uma equipa, essa responsabilidade é uma garantia de eficácia, a

aceitação torna a própria responsabilidade um meio para a acção. É por isso que a responsabilidade

também estrutura o nosso espaço social. O encadeamento das responsabilidades é a base de toda a

hierarquia, muito mais que o ajustamento dos poderes.

Há um aspecto particular da responsabilidade das instituições e, sobretudo, no serviço

público pois têm uma missão e uma identidade de instituição pública - o dever da instituição é

responder perante o público pela missão que têm.

No nosso caso, temos a missão definida como sendo "Desenvolver ensino de qualidade,

valorizando as pessoas, a transferência de conhecimento para a sociedade, da região, do país e do

mundo, apoiado na investigação aplicada, na inovação e nas parcerias". E esta missão desenha as

responsabilidades que assumimos na liberdade institucional de definir o caminho por onde

queremos ir.

15 «L’engagement, pris en ce sens large, signifie que la responsabilité d’un sujet d’action est inséparable de l’idée de mission, au sens d’une tâche déterminée à accomplir selon des règles, et qui dépasse les intérêts et les préférences de l’agent» Aeschlimann, J-C – Entretien. In Éthique et responsabilité. Paul Ricœur, p.31

16 Ricœur, Paul (1998) A crítica e a convicção. Lisboa: Edições 70. p.168.

17 O sentido de accountability, «account of responsibility» é quase intraduzível para português numa palavra. Tem-se usado uma

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Creio que a principal responsabilidade de uma organização de ensino superior é com o futuro,

portanto, na dimensão da responsabilidade moral e social. O viver bem ou a vida boa18 que Ricoeur

acentuava, quando falava de ética, não se limita às relações interpessoais mas estende-se às

instituições, enquanto estruturas do viver em conjunto, como uma comunidade.

Savater afirmou que a “Responsabilidade é saber que cada um dos meus atos me vai

construindo, me vai definindo, me vai inventando. Ao escolher aquilo que quero, vou-me

transformando pouco a pouco. Todas as minhas decisões deixam a sua marca em mim antes de a

deixarem no mundo que me rodeia 19.

Para nosso consolo, não se nasce responsável, vamo-nos tornando responsáveis.

Antes de mais, a responsabilidade é uma questão de formação. Como a responsabilidade

opera a síntese entre os conhecimentos e a ação e os seus efeitos, o nosso conhecimento é sempre

enriquecido quando confrontamos a intenção e os resultados; por isso nunca se é responsável de

uma vez por todas. Mais, tende a ser cumulativa – o seu exercício torna-nos cada vez mais

responsáveis.

Um problema para o escopo da responsabilidade costuma ser a medida pelo que somos

responsáveis. Não se pode ser responsável por tudo, seria um fatalismo e algo que ninguém

poderia assumir. Quando toda a gente é responsável, ninguém é. Portanto, qual é a métrica, a

medida?

Sou diretamente responsável pelas coisas que faço; e há também a responsabilidade por atos

que não cometi diretamente, em que posso ter colaborado para que ocorressem; ou ter-me

omitido e permitido que algo ocorresse ou deixasse de ocorrer, sendo imputável por isso.

Numa métrica ampla, dizia Ricoeur que a responsabilidade estende-se tão longe quanto os

nossos poderes no espaço e no tempo 20.

Esta ideia apareceu no cinema, na figura do tio do Homem-Aranha, quando afirmou "Com

grandes poderes vêm grandes responsabilidades", frase de Benjamin Parker, o "Tio Ben", que já foi

usada num acórdão do Supreme Court, nos EUA, pela juíza Elena Kagan, em 2015.

18Paul Ricoeur, na sua tríplice fórmula relativa à Ética, considerou que todos procuramos o sentido de “uma vida boa, com e para os outros, em instituições justas”. (Soi-même comme un autre. Paris: Seuil, 1990).

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E os prejuízos das nossas ações, sejam possíveis, previsíveis ou prováveis, estendem-se

igualmente tão longe quanto os nossos poderes, ou seja, quanto a nossa capacidade de provocar

prejuízos e a nossa responsabilidade pelos danos.

Para quem frequenta o IPS, como estudante, a responsabilidade formalmente definida no

Regulamento disciplinardiz respeito a infrações.

Mas a conduta académica requer mais do que, apenas, o evitamento das sanções.

Por isso, estão definidos os direitos e deveres, no Regulamento de Atividades Académicas,

sendo que "Ao matricular-se numa escola do IPS, o estudante assume o compromisso de respeitar e

fazer respeitar os valores da instituição."21 Notem a dupla exigência de «respeitar» e «fazer

respeitar».

Se lermos o texto do artigo 205, relativo aos direitos, e o artigo 206, dos deveres, percebemos

que há uma relação entre direitos e deveres - por exemplo, o direito de "ser tratado com equidade

e civismo" (alínea q) do 205) e o dever de "Tratar os outros com civismo e cordialidade,

designadamente respeitando a honra, liberdade, integridade física e reserva da vida privada"

(alínea o) do 206).

O percurso de um curso superior é, também de aprendizagens da responsabilidade.

Do respeito pelas pessoas, na sua igualdade de direitos e dignidade, e em todas as outras

diferenças. De integridade científica, de "Respeitar os direitos de autor e a integridade académica,

não recorrendo a processos fraudulentos, cábula ou plágio para benefício próprio ou de

terceiros."22 A integridade também é esperada dos investigadores - hoje em problemática complexa

relacionada com a fabricação de dados e resultados.

Na última parte, gostaria de alicerçar a relação que proposta entre a responsabilidade e a

liberdade.

Hannah Arendt afirmou ue a pedra de toque de um acto livre – desde a decisão de saltar da

cama todas as manhãs até às mais altas resoluções pelas quais nos comprometemos para o futuro

– é sempre que sabemos que podíamos ter deixado por fazer o que efectivamente fizemos 23.

21 Regulamento 473/2017 de 5 de setembro. Regulamento das Atividades Académicas e Linhas Orientadoras de Avaliação de

Desempenho Escolar dos Estudantes do Instituto Politécnico de Setúbal, Artigo 204º.

22 Idem, artigo 206.

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Em bom rigor, se pensarmos na definição de responsabilidade, os atos e as consequências

veêm-se. Mas há um elemento anterior, invisível, a menos que o tornemos explícito. Anterior,

porque acontece antes dos atos, quando tomamos decisões.

Tomar uma decisão é proceder a uma escolha que orienta os atos que realizamos. E agimos

sempre, ainda que decidamos não agir. É por escolher entre duas ou mais possibilidades que

realizamos os nossos atos, habitualmente por preferência e medindo tão longe quanto

conseguimos as consequências possíveis. A essa possibilidade de fazer ou não fazer, de dizer sim ou

não a atos que dependem de cada um, chamamos liberdade. E assumir a nossa liberdade implica

aceitar a responsabilidade pelo que fazemos ou tentámos fazer e mesmo pelas consequências

menos desejáveis dos nossos atos.

É conhecida (e reconhecida) a relação entre responsabilidade e liberdade - aliás, em bom

rigor, são correlativas; somos responsáveis pelos atos que decidimos realizar pois a condição

primordial da ação é a liberdade. E a liberdade é essencialmente capacidade de escolha.

A escolha supõe duas ou mais alternativas pois com uma só opção não existiria nem escolha

nem liberdade. Em síntese, só se pode falar de responsabilidade quando exista espaço para

diferentes possibilidades de ação - até porque, por definição, escolher é optar por uma alternativa

e renunciar à outra ou às outras. Como afirmou Ortega y Gasset, escolher é sempre rejeitar.

O ato livre é, necessariamente, um ato pelo qual se responde e se responsabiliza. Porque sou

livre tenho que assumir as consequências das minhas ações (estou quase a ecoar Jean-Paul Sartre,

que estamos condenados a ser livres). Na verdade, face a uma situação, cabe-nos estabelecer os

critérios para as decisões quanto às nossas ações concretas. Seja agir ou omitir, trata-se sempre de

uma ação que decidimos levar a cabo.

E se a intencionalidade é a característica fundamental da consciência, ser livre é

comprometer-se e responsabilizar-se. Ora, "é preciso acrescentar um dado importante: a minha

liberdade cruza a liberdade dos outros, os quais também tomam livremente iniciativas que

interferem com os meus atos. Portanto, ao conhecer-se livre a minha liberdade é levada a

reconhecer também a liberdade dos outros, cuja atividade interfere com a minha."24

E aqui toda a gente sabe a «resposta», citando Sartre, que «a minha liberdade termina onde

começa a liberdade do Outro». Portanto, a liberdade tem condicionalismos decorrentes da

convivência dos seres humanos no mesmo mundo - mas os limites da liberdade não são só os que

24 Renaud, M. ; Renaud, I. (2017) A teoria da acçao. In Neves, M.C.P. (org.) Ética aplicada. Dos fundamentos às práticas. Lisboa:

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decorrem do Outro; são os meus, do meu lugar, do meu passado, do meu mundo, do que eu sei, da

minha consciência sobre a minha liberdade. Por isso é que a consciência se torna a ideia mais forte,

nesta relação entre a liberdade e a responsabilidade. Pois cada um de nós tem o seu grau de

autoconsciência, que potencia, que suporta, as escolhas que faz. A consciência sobre Si, enquanto

ser que trabalha, consciente e livre.

A consciência é a capacidade de perceber as realidades (internas e externas), a nossa

capacidade de avaliar, o nosso juízo prático sobre nós e os outros. Estarmos mais conscientes da

nossa liberdade e da nossa responsabilidade permite, por exemplo, percebermos que as

circunstâncias não decidem a nossa vida; "as circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual

temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso caráter".25

A nossa vida, e neste aspeto penso que tanto a pessoal como a vida organizacional, decorre

do que fazemos com as circunstâncias.

De facto, como reiterou Savater, não decidimos o que nos acontece mas decidimos o que

fazemos com o que nos acontece. Quem somos inclui a nossa realidade circunstancial, que é

histórica, temporal, mutável, assim como as decisões que tomamos e os percursos que escolhemos.

Gostaria de concluir mantendo-me na companhia de Ortega y Gasset, que no seu primeiro

livro, em 1914, Meditaciones del Quijote, afirmou «sou eu e a minha circunstância e se não a salvo a ela não me salvo a mim»26. Salvar a circunstância é compreendê-la, ligar as coisas, dar-lhes

significado, na irredutível consciência que a circunstância me constitui ainda que não determine por

si só. A nossa vida é concreta, com limites individuais, desenvolvida em relação,

inter-subjetividade, associada aos limites da relação com os Outros e o Mundo. Cada um de nós faz o que

é capaz de fazer mas a nossa capacidade depende da preparação, do conhecimento e da reflexão. E

se a dignidade humana requer reconhecimento, respeitá-la significa promover a capacidade para

pensar, decidir e agir. No cenário ético da responsabilidade e na assunção que «sou eu e a minha

circunstância e se não a salvo a ela não me salvo a mim».

Lucília Nunes Escola Superior de Saúde

25 Ortega Y Gasset (2000) A Rebelião das Massas. Lisboa: Relógio d' Água. (V.)

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